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REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ADOPÇÃO
INTERNACIONAL
GUINÉ-BISSAU
DESLOCAÇÃO DO MENOR
PODER JURISDICIONAL
Sumário
- Considerando que a adoptanda nasceu na Guiné Bissau; É cidadã da Guiné Bissau; Veio residir para a casa dos autores em Portugal; Aí residiu desde cerca de dois anos antes de ser requerida a adopção perante o Tribunal da Guiné Bissau; e, foi requerida e decretada a adopção plena da menor pelos autores, por sentença proferida no dia 18/11/2024, pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, tal adopção tem natureza internacional; - Tendo a lei deferido o poder de conhecer da questão do reconhecimento das decisões de adoção internacional ao Instituto de Segurança Social, enquanto Autoridade Central designada pela República Portuguesa, o Tribunal da Relação carece de jurisdição para conhecer da mesma.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
1.1. A e B, casados entre si, por si e em representação da menor C, todos residentes na Rua (…) em Lisboa, intentaram a presente acção sob a forma de processo especial de revisão de sentença estrangeira, pugnando pelo reconhecimento da sentença proferida pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, que decretada a adoção plena da menor C aos Requerentes A e B.
1.2. O Digno Procurador Adjunto emitiu douto parecer no sentido da situação sob apreciação ser suscetível de ser qualificada como uma adoção internacional, que se caracteriza pela deslocação do adotado do Estado de onde é natural e residia habitualmente para um outro Estado onde residem habitualmente os adotantes.
Para que tal sentença possa produzir efeitos em Portugal, o processo próprio será, não o de revisão de sentença estrangeira, mas o de prévio reconhecimento a efetuar pela “Autoridade Central” que se insere na orgânica interna do “Instituto da Segurança Social, I.P.”.
Quer isto dizer que o Tribunal da Relação não dispõe de jurisdição para atribuir eficácia em Portugal a decisões referentes a processos de adoção internacional.
A jurisdição é um pressuposto processual insuprível, cuja falta é suscetível de configurar uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento de mérito e dá lugar à absolvição da instância. (cfr. artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a), do CPC).
1.3. Os requerentes esclareceram que, à data em que foi requerida a adoção, a menor já residia em Portugal, há cerca de 2 anos, designadamente na mesma morada daqueles.
1.4. Por meio de decisão singular foi julgada verificada a excepção dilatória inominada de violação das regras de jurisdição e declarada extinta a instância.
Tal decisão assentou nas seguintes considerações:
“3.1. Consabidamente, ressalvando o que se encontra regulado em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, e ainda de poder ser invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada – cfr. artigo 978.º, do Código de Processo Civil. A lei processual estipula ainda, no seu artigo 980.º, que: Para que a sentença seja confirmada é necessário: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. O pedido pode ser impugnado com base nos fundamentos elencados no artigo 983.º, do mesmo código. O procedimento de revisão e confirmação tem como causa de pedir a própria sentença revidenda e opera, em regra, numa lógica estritamente formal, isto é, envolve apenas a verificação da regularidade formal ou extrínseca dela, livre de qualquer apreciação dos fundamentos que contenha (Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado (do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras), Aditamento, 1975, pág. 96). * 3.2. Porém, no que diz respeito ao reconhecimento das decisões de adoção internacional importa considerar o que está especialmente regulado na Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro (Aprova o Regime Jurídico do Processo de Adoção), designadamente no seu art.º 90.º, que preceitua o seguinte: 1 - As decisões de adoção internacional proferidas no estrangeiro e certificadas em conformidade com a Convenção, bem como as abrangidas por acordo jurídico e judiciário bilateral que dispense a revisão de sentença estrangeira, têm eficácia automática em Portugal. 2 - Nos demais casos, a eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adoção depende de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, constituem requisitos para o reconhecimento da decisão estrangeira de adoção: a) A autenticidade do documento, a inteligibilidade da decisão e o seu caráter definitivo; b) A comprovação da situação de adotabilidade internacional da criança no que respeita aos consentimentos prestados ou à sua dispensa e à observância do princípio da subsidiariedade; c) A intervenção da Autoridade Central, nos termos do n.º 3 do artigo 64.º, e da autoridade competente do país de origem ou de acolhimento; d) A certificação da idoneidade dos candidatos para a adoção internacional, nos termos dos artigos 76.º e 83.º 4 - Não é reconhecida decisão de adoção estrangeira sempre que tal conduza a resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português. 5 - A decisão de reconhecimento da decisão estrangeira de adoção, ou a sua recusa, é notificada aos interessados e ao Ministério Público junto da secção de família e menores da instância central do Tribunal da comarca de Lisboa. 6 - Da recusa de reconhecimento da decisão estrangeira de adoção cabe recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a interpor no prazo de 30 dias. 7 - O Ministério Público tem legitimidade para interpor recurso da decisão de reconhecimento de decisão estrangeira de adoção, ou da sua recusa. 8 - A Autoridade Central remete oficiosamente certidão de sentença estrangeira reconhecida à Conservatória do Registo Civil para efeito de ser lavrado o competente registo. 9 - Em todos os procedimentos destinados ao reconhecimento da sentença estrangeira de adoção, deve ser preservado o segredo de identidade a que se refere o artigo 1985.º do Código Civil. Importa considerar igualmente que a República Portuguesa, ao contrário da República da Guiné-Bissau, é parte contratante da Convenção Relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, feita na Haia em 29 de Maio de 1993, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/2003. O artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa expressamente preceitua que “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”. Subjacente a tal Convenção, entre outros, foram expressos os seguintes propósitos: “Reconhecendo que a adopção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente a uma criança que não encontra uma família conveniente no seu Estado de origem; Convencidos da necessidade de adoptar medidas para garantir que as acções internacionais devem ser feitas no interesse superior da criança e no respeito dos seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o rapto, a venda ou o tráfico de crianças”. Tal Convenção visa prevenir e obstar que as adopções internacionais sejam instrumentalizadas de forma a comprometerem o interesse superior da criança e no respeito dos seus direitos fundamentais, nos termos do direito internacional; prevenir o rapto, a venda ou o tráfico de crianças; e assegurar o reconhecimento, nos Estados contratantes, das adopções realizadas de acordo com a Convenção – cfr. art.º 1.º. As adopções abrangidas pela Convenção só se podem realizar quando as autoridades competentes no Estado de origem tenham estabelecido, constatado e assegurado os requisitos aí estabelecidos – cfr. art.º 4.º. Cada Estado contratante designará uma autoridade central encarregue de dar cumprimento às obrigações decorrentes da Convenção – art.º 6.º. A autoridade central designada pela República Portuguesa é o Instituto de Segurança Social - Aviso n.º 366/2010 - Diário da República, 1.ª série — N.º 241 — 15 de Dezembro de 2010. O Instituto de Segurança Social, enquanto Autoridade Central designada pela República Portuguesa, intervém obrigatoriamente em todos os processos de adoção internacional, incluindo os que envolvam países não contratantes da Convenção – art.º 64.º, n.º 3, do RJPA. À luz do disposto no artigo 61.º, do RJPA, considera-se adopção internacional sempre que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção. Tal é manifestamente a situação dos autos, considerando que a adoptanda foi transferida do seu país de residência habitual (Guiné-Bissau) para o país da residência habitual dos adotantes (Portugal), com vista à sua adopção. Como veio suceder. Diferentemente sucederia se adotantes e a criança adotada residissem, todos eles, na data da adoção, no mesmo país estrangeiro – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/2/2023 - disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 76/22.0YREVR.S1. * 3.3. Concluindo-se que estamos perante um caso de adopção internacional, importa ser consequente e declarar que, em face do citado art.º 90.º, n.º 2, do RJPA, a eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adoção depende de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central. E não do reconhecimento judicial por meio da acção especial de reconhecimento de sentença estrangeira, visto que esta não é precedida pelo procedimento legalmente exigido para as adopções internacionais. A intervenção judicial está apenas prevista em sede de recurso – idem, n.º 6. Tendo a lei deferido o poder de conhecer da questão do reconhecimento das decisões de adoção internacional ao Instituto de Segurança Social, enquanto Autoridade Central designada pela República Portuguesa, entende-se que este tribunal carece de jurisdição para conhecer da mesma, pois esta apenas lhe é reconhecida após a fase administrativa do processo e em sede de eventual recurso. Em matéria de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, o processo especial de revisão de sentenças estrangeiras não se impõe ao que está estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, mas antes assume natureza supletiva – cfr. art.º 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Existindo, como vimos, lei especial que confere a jurisdição para conhecer do pedido de reconhecimento das decisões de adoção internacional ao Instituto de Segurança Social, a dedução desse pedido directamente perante este tribunal configura uma excepção dilatória inominada de violação das regras de jurisdição, que impede o seu conhecimento, de conhecimento oficioso, e importa a extinção da instância – art.º 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, do Código de Processo Civil, neste sentido cfr. igualmente a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/2/2019, citada pelo Digno Procurador Geral Adjunto no seu parecer e disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 284/18.8YRCBR, e o acórdão desta Relação de Lisboa de 14/12/2023, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 1675/23.8YRLSB-8”.
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1.5. Os autores reclamam para a conferência, argumentando, em síntese, que:
- A situação dos autos não constitui um caso de adoção internacional, porque à data da adoção a menor residia em Portugal com os adotantes;
- O Tribunal não pode entender que a menor adotada foi transferida para Portugal com vista à adoção;
- Há uma relevante distinção entre adoção nacional e a adoção internacional. O critério relevante para essa distinção prende-se com a residência da criança, em comparação com aquela dos adotantes, independentemente das suas nacionalidades.
- A adoção internacional se caracteriza pela deslocação do adotado do Estado onde residente habitualmente para outro Estado onde resida habitualmente ao adotante.
- O reconhecimento não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
- Haverá que respeitar a decisão proferida pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, por ser manifesta a força do “caso julgado”;
- Ao tratar de forma desigual situações factual e juridicamente iguais, violou a decisão sumária proferida nos presentes autos, o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que estipula
que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, e o Princípio da Legalidade, um dos pilares fundamentais do Estado de Direito que, estabelece que todos, sem exceção, estão sujeitos à lei, o que garante a igualdade de tratamento e a não discriminação na aplicação das normas jurídicas.
Deve ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menores e Trabalho, da República da Guiné-Bissau.
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1.6. A questão a decidir reconduz-se à verificação dos requisitos necessários para a confirmação da sentença estrangeira, particularmente em face da qualificação do estabelecimento do vínculo filial em termos de adopção nacional ou internacional.
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2. Fundamentação de facto.
Resulta provado documentalmente que:
a) C nasceu no dia (…) de 2021;
b) É filha de D e de pai incógnito;
c) Por sentença proferida no dia 18 de Novembro de 2024, no Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, foi decidido decretar a adopção plena de C pelos requerentes A e B.
d) Tal sentença transitou em julgado no dia 26/11/2026;
e) C residia com os requerentes A e B em Portugal, no momento em que foi requerida a sua adopção.
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3. Fundamentação de Direito.
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3.1. A questão da residência dos requerentes e da menor.
Os reclamantes suscitam repetidamente o problema da decisão recorrida se basear no entendimento anteriormente expresso pelo Ministério Público que “erroneamente entendeu que a adoção da menor C à data da adoção residia no seu país de origem, Guiné-Bissau”.
Na realidade, tal problema não existe e o erro será dos requerentes, posto que:
1) O Ministério Público expressamente considerou que “O facto de a menor ter passado a residir em Portugal com os adotantes antes de proferida a sentença estrangeira de adoção pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, não afasta o regime legal da adoção internacional” – cfr. promoção de 4/2/2025;
2) A decisão singular deu como provado (e foi acima reiterado) que: “C residia com os requerentes A e B em Portugal, no momento em que foi requerida a sua adopção” – cfr. alínea e);
3) Exarou-se na decisão singular que: “À luz do disposto no artigo 61.º, do RJPA, considera-se adopção internacional sempre que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção. Tal é manifestamente a situação dos autos, considerando que a adoptanda foi transferida do seu país de residência habitual (Guiné-Bissau) para o país da residência habitual dos adotantes (Portugal), com vista à sua adopção. Como veio suceder”.
Por conseguinte, ao contrário do que é sustentado pelos reclamantes, a decisão recorrida não se baseia no entendimento anteriormente expresso pelo Ministério Público que “erroneamente entendeu que a adoção da menor C à data da adoção residia no seu país de origem, Guiné-Bissau”. Bem pelo contrário, baseia-se no facto dos autores e da menor residirem em Portugal à data em que foi requerida a adopção na Guiné Bissau, entre outras circunstâncias igualmente relevantes.
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3.2. A questão da deslocação da menor para Portugal.
Os autores consideram que o Tribunal não pode entender que a menor adotada foi transferida para Portugal com vista à adoção. Porém, os autores não indicaram qualquer outra razão plausível para a deslocação da menor da Guiné Bissau para Portugal, maxime para a mesma morada onde residem.
É verdade que a menor se poderia encontrar casual ou temporalmente em Portugal de passeio, para receber assistência médica ou por qualquer outra razão, que não o projecto de adopção empreendido pelos autores. Não obstante, foram os próprios autores que vieram, a instâncias do Tribunal, informar que: “à data em que foi requerida a adoção, a menor já residia em Portugal, há cerca de 2 anos, designadamente na Rua (…) em Lisboa, exatamente a mesma morada que consta do título de Residência da menor e cuja cópia foi junta aos presentes autos”. Tal morada é precisamente a mesma que os autores indicaram no requerimento inicial como sendo a da sua residência.
O tribunal tem que apreciar os factos em termos de normalidade ou plausibilidade, podendo e devendo analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais – cfr. art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. O julgador tira ilações de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art.ºs 349.º e 351.º, do Código Civil. Ora, sabendo que:
- A menor nasceu na Guiné Bissau;
- É cidadã da Guiné Bissau;
- Veio residir para a casa dos autores em Portugal;
- Aí residiu desde cerca de dois anos antes de ser requerida a adopção perante o Tribunal da Guiné Bissau;
- Foi averbado no registo de nascimento da menor que, por sentença do Tribunal da Guiné Bissau de 26/8/2022, foi decretada acção tutelar e os autores foram nomeados seus tutores; e,
- Foi requerida e decretada a adopção plena da menor pelos autores, por sentença proferida no dia 18/11/2024, pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau;
Impõe-se a ilação em como a circunstância da menor residir em Portugal com os autores tinha em vista a adopção. E que veio efectivamente a ser decretada pelo Tribunal da Guiné Bissau. Tal é o facto que se impõe em vista dessas circunstâncias. A alternativa será o juiz assumir a posição receosa, temerária e paralisada em como não consegue tirar qualquer ilação, não obstante os factos que conhece.
De qualquer forma, a motivação para a deslocação da menor, não é a única circunstância determinante para a qualificação da adopção como sendo internacional. Há que considerar igualmente os restantes factos já assinalados, ou seja:
- A menor nasceu na Guiné Bissau;
- É cidadã da Guiné Bissau;
- Veio residir para a casa dos autores em Portugal;
- Aí residiu cerca de dois anos antes de ser requerida a adopção perante o Tribunal da Guiné Bissau; e,
- Foi requerida e decretada a adopção plena da menor pelos autores, por sentença proferida no dia 18/11/2024, pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau.
O que não faltam são elementos de conexão internacional, apesar dos autores pugnarem que se trata de uma adopção nacional.
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3.3. Os autores sustentam ainda que há uma relevante distinção entre adoção nacional e a adoção internacional. O critério relevante para essa distinção – no dizer dos autores - prende-se com a residência da criança, em comparação com aquela dos adotantes, independentemente das suas nacionalidades.
Efectivamente, se abstrairmos da equação a circunstância dos adoptantes serem nacionais portugueses e residentes em Portugal e da menor ter sido deslocada da Guiné Bissau para a residência dos adoptantes em Portugal, podemos acompanhar a argumentação dos autores e afirmar que estamos perante uma adopção genuína e integralmente guineense. Porém, não é isso que se evidencia dos factos provados e o tribunal não os pode ignorar.
Como já se referiu na decisão singular e se reitera: “Diferentemente sucederia se adotantes e a criança adotada residissem, todos eles, na data da adoção, no mesmo país estrangeiro – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/2/2023 - disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 76/22.0 YREVR.S1”. Os adoptantes e a adoptada não residiam no país estrangeiro onde foi decidida a adopção.
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3.4. A questão da deslocação da menor.
Os autores também sustentam que a adoção internacional se caracteriza pela deslocação do adoptado do Estado onde residente habitualmente para outro Estado onde resida habitualmente o adotante.
Porém, foi precisamente isso o que sucedeu no presente caso, não obstante os autores abstraírem a circunstância da criança ter nascido na Guiné Bissau e ser nacional da Guiné Bissau. Parece que a história de vida desta criança apenas começa quando entra na casa dos adoptantes em Portugal. E, como depois desse momento, não houve deslocação da adoptada, não se verifica a adopção internacional… Tal argumentação assenta numa óbvia falácia e desconsideração quanto à transferência da adoptanda deste o Estado de origem (Guiné Bissau) para o Estado receptor (Portugal). A circunstância da adoptanda ser nascido e ser nacional da Guiné Bissau e de ter sido deslocada para Portugal não pode ser ignorada, independentemente dos motivos subjacentes a tal deslocamento.
Além disso, os autores ignoram igualmente os vários elementos de conexão internacional e a dicotomia que resulta da definição constante do artigo 2.º do RJPA:
Para os efeitos do RJPA considera-se:
a) «Adoção internacional», processo de adoção, no âmbito do qual ocorre a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção;
b) «Adoção nacional», processo de adoção no âmbito do qual a criança a adotar e o candidato à adoção têm residência habitual em Portugal, independentemente da nacionalidade;
Em termos de reconhecimento da sentença e para o ordenamento jurídico português, não estamos perante uma adopção nacional. Aliás, se assim fosse, nem sequer haveria necessidade de qualquer acto de reconhecimento.
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3.5. Os autores sustentam igualmente que o reconhecimento não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Porém, não é isso que está em causa, de momento. Esse juízo sobre a compatibilidade/incompatibilidade do reconhecimento da sentença de adopção com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português é uma questão de mérito.
Ora, o que está em causa, de momento, é saber quem e como é que deverá ser formulado o juízo de mérito subjacente ao reconhecimento da decisão de adoção internacional. Nomeadamente se:
- A decisão de adopção têm eficácia automática em Portugal, logo está dispensada a revisão de sentença estrangeira – cfr. art.º 90.º, n.º 1, do RJPA;
- A eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adopção depende de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central - cfr. art.º 90.º, n.º 2, do RJPA; ou se,
- A eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adopção depende de reconhecimento a efetuar pelo Tribunal da Relação, como sustentam os autores.
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3.6. A questão da força do “caso julgado”.
Para os autores haverá que respeitar a decisão proferida pelo Tribunal Regional de Bissau – Vara de Família, Menor e Trabalho, da República da Guiné-Bissau, por ser manifesta a força do “caso julgado”.
Dir-se-á que assim será. Mas só depois do reconhecimento dessa decisão. O artigo 978.º, do Código de Processo Civil, a que já se aludiu na decisão singular, refere que, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
Logo, os autores terão primeiro que obter o reconhecimento em Portugal da sentença de adopção proferida pelo Tribunal da Guiné Bissau. Obtido tal reconhecimento, essa sentença terá eficácia em Portugal, ou seja a mesma produzirá os efeitos típicos a que aludem os artigos 619.º a 626.º, do Código de Processo Civil.
E não o contrário, em que o “caso julgado” impõe o reconhecimento da sentença estrangeira.
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3.7. Os autores argumentam ainda que, ao tratar de forma desigual situações factual e juridicamente iguais, violou a decisão sumária proferida nos presentes autos, o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que estipula que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, e o Princípio da Legalidade, um dos pilares fundamentais do Estado de Direito que, estabelece que todos, sem exceção, estão sujeitos à lei, o que garante a igualdade de tratamento e a não discriminação na aplicação das normas jurídicas.
Quanto a esta questão, valem mutatis mutandis a considerações acima expendidas a propósito da compatibilidade do reconhecimento da sentença estrangeira com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português – cfr. 3.5..
Além de não terem sido concretizadas as circunstâncias que imporiam a mesma decisão de reconhecimento da sentença estrangeira, este argumento assenta no julgamento do mérito da causa.
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3.8. No mais, reitera-se a argumentação já expendida na decisão singular, que foi acima reproduzida.
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4. Decisão.
4.1. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
4.2. As custas são a suportar pelos autores, que saem vencidos.
4.3. Notifique.
Lisboa, 6 de Março de 2025
Nuno Gonçalves
Elsa Melo
Jorge Almeida Esteves