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ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
EDUCAÇÃO RELIGIOSA
REGIME DE VISITAS
ESTRANGEIRO
Sumário
I. Não constitui omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, a falta de concreta definição da questão de renovação dos passaportes dos menores; definir-se tal questão não é regulamentar-se as responsabilidade parentais, podendo, quanto muito, ser uma questão de execução ou exequibilidade da decisão do Tribunal que autorizou a deslocação dos menores ao país de origem do pai, dispensando a autorização da mãe para o efeito. II. Inexiste contradição entre a fundamentação e decisão quando o Tribunal, considerando os laços de afectividade dos menores com a família paterna, residente no estrangeiro, fixa um regime de férias que contempla a deslocação dos menores ao país de origem da família paterna pelo período de 15 dias nas férias de Verão. III. Tal contradição apenas se verificaria se o Tribunal, elencando na fundamentação os argumentos que aí desenvolveu - acerca dos laços de afectividade com a família paterna -, não tivesse permitido que os menores se ausentassem de Portugal para visitar e passar férias com a mesma. IV. A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e cuja relevância não seja determinante para a decisão da causa não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto - art. 130.º do CPC V. A educação religiosa de uma criança constitui questão de particular importância. VI. Atenta a diversidade de religiões entre os progenitores (católica e ortodoxa) e tendo as crianças sempre tomado contacto com ambas (por opção dos pais), tendo o pai inclusive solicitado a inscrição do menor numa escola católica, não se antevê em quê que a continuidade desse ensino na escola, após a separação, afecte o superior interesse da(s) criança(s). VII. O tratamento diferenciador de uma criança em contexto escolar justificar-se-á sempre que haja razões que dêem corpo e justificação a essa diferenciação; caso contrário poderá sempre ser encarado como factor estigmatizante. VIII. Na fixação do regime de visitas após a separação dos pais é espúrio chamar à colação a frequência das visitas que os menores faziam ao estrangeiro no período que antecede aquela separação (as férias eram marcadas em conjunto, as viagens eram feitas em conjunto e não havia necessidade de dividir equitativa e igualitariamente períodos de lazer, em tempo de férias, entre os progenitores), sendo de, na fixação de tal regime, atender à nova situação de facto, ao período de férias a que os pais terão direito e ao superior interesse das crianças (de tenra idade e que aconselha a que não estejam afastados de cada um dos progenitores por grandes períodos de tempo).
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
M veio intentar acção de regulação de responsabilidades parentais contra I, relativamente aos seus filhos menores L e M.
Alegou, em suma, que os pais se encontram separados, o requerente encontra-se provado de contactos com os menores e existem divergências profundas entre ambos os progenitores.
Foi realizada conferência de pais na qual, frustrando-se o acordo entre os progenitores, foi fixado, nos termos do art. 28.º do RGPTC, um regime provisório com o seguinte teor:
1. Os menores L e M, ficam a residir com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais inerentes aos atos de vida corrente daqueles.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3. Os menores passarão os fins de semana com ambos os progenitores, sendo que passam o sábado com um e o domingo com o outro de forma alternada. Neste fim de semana o pai passará o domingo com os menores e o sábado será com a mãe e assim, sucessivamente.
4. Às segunda, quarta e sexta-feiras, o pai irá buscar os menores ao final das atividades escolares no estabelecimento escolar às 17:00 horas, dá-lhes jantar e depois entrega-os na casa da mãe às 20:30 horas. Sendo que à quarta-feira o pai levar o filho L às aulas de violino.
5. Às terça e quinta-feiras, o pai irá buscar os menores à casa da mãe de manhã e entrega-os no estabelecimento escolar no início das atividades escolares.
6. Só na impossibilidade absoluta em que os progenitores não poderão buscar os menores ao estabelecimento escolar é que dão autorização aos avós para ir buscar os menores.
7. Caso um dos progenitores não possa ir buscar os menores no estabelecimento escolar deve avisar o outro com antecedência mínima de 2 horas.
8. Uma vez que ambos os progenitores retiram dinheiro da conta conjunta e que ambos pagam as despesas relativas aos menores, não se fixa pensão de alimentos.
Foram juntos os relatórios resultantes da ATE (23-04-2024).
Determinou-se a realização de perícia médico-legal (psicológica/psiquiátrica) aos progenitores e aos menores, tendo sido juntos aos autos os respectivos relatórios (12-03-2024/19-08-2024).
Realizou-se nova conferência de pais, não tendo os progenitores, uma vez mais, logrado alcançar um acordo (28-08-2024).
Procedeu-se à audição do menor L (28-08-2024).
Por despacho de 30-08-2024 fixou-se novo regime provisório que, alterando o regime provisório fixado em 25-01-2024, estabeleceu:
“1 – As crianças passarão uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (com mudança à segunda-feira, findas as atividades letivas) sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em conjunto por ambos os pais.
2 – As crianças pernoitarão quarta e quinta-feira (recolha findas as atividades letivas) com o progenitor não residente nessa semana.
3 – Ambos os progenitores ficam obrigados a dar conhecimento mútuo de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde dos filhos (na semana não residente).
4 – Os progenitores poderão contactar diariamente com os filhos, telefonicamente, por correio eletrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso.
5 – Os cartões de cidadão das crianças serão entregues ao progenitor com quem semanalmente estarão a residir e quarta/quinta-feira (ou seja, acompanharão as crianças).
6 – As crianças frequentarão a Escola ***.
7 – A mãe será encarregada de educação nos anos pares (2024/2025) e o pai nos anos impares (2025/2026) e assim sucessivamente.
8 – As crianças passarão com o pai o aniversário deste e passarão com a mãe o aniversário desta, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares. No dia de aniversário dos menores, estes, alternadamente em cada ano, almoçam com um dos progenitores e jantam com o outro.
9 – As crianças passarão com o pai o dia do pai e passarão com a mãe o dia da mãe, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares.
10 – As crianças passarão com a mãe o dia 24 e 25 de dezembro e com o pai o dia 6 e 7 de janeiro. A véspera e o dia de Ano Novo alternadamente com cada um dos pais.
11 – O Domingo de Páscoa será passado com a mãe, o dia de Páscoa Ortodoxa com o pai e o dia de Carnaval alternadamente com cada um dos pais.
12 – As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Natal e Páscoa.
13 – As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Verão nos seguintes termos:
Findas as atividades letivas até 31 de julho em semanas alternadas.
No mês de agosto quinze dias consecutivos com cada um dos pais.
As crianças poderão passar uma quinzena em agosto com o pai, na Sérvia ou Montenegro, ficando desde já autorizados a viajar para a execução deste regime de férias.
De 1 de setembro até ao inicio das atividades letivas em semanas alternadas.
14 – Ambos os pais asseguram o sustento dos filhos na semana que lhes compete e comparticiparão na metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares/infantário e extra-curriculares respeitantes às crianças.”
Ordenou-se a notificação dos progenitores para, querendo, apresentarem alegações e/ou arrolarem testemunhas e/ou juntarem documentos, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. a) e 39.º, n.º 4, do RGPTC).
Os Requerida e Requerente apresentaram alegações, respectivamente a 16-09-2024 e 19-09-2024.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, a 17-12-2024 que decidiu regular o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores L e M, nos seguintes termos:
“1) As crianças passarão uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (com mudança à segunda-feira, findas as atividades letivas) sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em conjunto por ambos os pais.
2) As crianças pernoitarão quarta e quinta-feira (recolha findas as atividades letivas) com o progenitor não residente nessa semana.
3) Ambos os progenitores ficam obrigados a dar conhecimento mútuo de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde dos filhos (na semana não residente).
4) Os progenitores poderão contactar diariamente com os filhos, telefonicamente, por correio eletrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso.
5) As crianças frequentarão a Escola ***, assim como a disciplina de educação moral e religiosa católica (EMRC) e quaisquer outras cerimónias ou eucaristias em contexto escolar.
6) A mãe será encarregada de educação nos anos pares (2024/2025) e o pai nos anos ímpares (2025/2026) e assim sucessivamente.
7) Os cartões de cidadão das crianças serão entregues ao progenitor com quem semanalmente estarão a residir e quarta/quinta-feira (ou seja, acompanharão as crianças).
8) As crianças passarão com o pai o aniversário deste e passarão com a mãe o aniversário desta, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares. No dia de aniversário dos menores, estes, alternadamente em cada ano, almoçam com um dos progenitores e jantam com o outro.
9) As crianças passarão com o pai o dia do pai e passarão com a mãe o dia da mãe, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares.
10) As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Natal e Páscoa.
a. Especificamente quanto ao presente ano de 2024, as crianças passarão com a mãe a primeira metade do período de férias de natal (com início no dia subsequente ao termo do período letivo de aulas) e a segunda metade (com termo no último dia do período de férias de natal) com o progenitor.
11) As crianças passarão com a mãe o dia 24 e 25 de dezembro e com o pai o dia 6 e 7 de janeiro.
12) A véspera e o dia de Ano Novo serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se, no presente ano, com o pai.
13) O Domingo de Páscoa será passado com a mãe, o dia de Páscoa Ortodoxa com o pai e o dia de Carnaval alternadamente com cada um dos pais. No caso de eventual sobreposição dos dias de Páscoa, as crianças almoçarão com um dos progenitores e jantarão com o outro.
14) As crianças passarão, com cada progenitor, metade das suas férias escolares de verão, em períodos repartidos, e sucessivos, de duas semanas.
a. Os progenitores ficam obrigados a comunicar entre si, até 31 de maio, qual o período de férias que pretendem passar com os filhos. Em caso de coincidência inultrapassável do período de férias dos progenitores, o respetivo período coincidente será dividido pelos dois, de forma igualitária.
b. As crianças poderão passar uma quinzena com o pai na Sérvia ou Montenegro, ficando desde já autorizados a viajar para esse território, sem necessidade de consentimento da mãe.
15) Ambos os pais asseguram o sustento dos filhos na semana que lhes compete e comparticiparão na metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares/infantário e extracurriculares respeitantes às crianças.”
Inconformado, veio o Requerente M interpor recurso de apelação, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. Notificado da Sentença, o Recorrente vem, ao abrigo do disposto no art. 32º do Regime Geral do processo Tutelar Cível (RGPTC), interpor Recurso de Apelação nos termos das disposições conjugadas do artº. 32º da RGPTC e dos artºs. 627.º, 629º, 637º, 645º, n.º 2, 646º, 647º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis aos presentes Autos por remissão do artº. 33º do RGPT.
2. Nos presentes autos de Regulação das Responsabilidades Parentais, o Tribunal proferiu Sentença a 17.12.2024, estabelecendo o regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente à M e ao L, nos seguintes termos: “1. As crianças passarão uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (com mudança à segunda-feira, findas as atividades letivas) sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em conjunto por ambos os pais. 2. As crianças pernoitarão quarta e quinta-feira (recolha findas as atividades letivas) com o progenitor não residente nessa semana. 3. Ambos os progenitores ficam obrigados a dar conhecimento mútuo de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde dos filhos (na semana não residente). 4. Os progenitores poderão contactar diariamente com os filhos, telefonicamente, por correio eletrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso. 5. As crianças frequentarão a Escola ***, assim como a disciplina de educação moral e religiosa católica (EMRC) e quaisquer outras cerimónias ou eucaristias em contexto escolar. 6. A mãe será encarregada de educação nos anos pares (2024/2025) e o pai nos anos ímpares (2025/2026) e assim sucessivamente. 7. Os cartões de cidadão das crianças serão entregues ao progenitor com quem semanalmente estarão a residir e quarta/quinta-feira (ou seja, acompanharão as crianças). 8. As crianças passarão com o pai o aniversário deste e passarão com a mãe o aniversário desta, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares. No dia de aniversário dos menores, estes, alternadamente em cada ano, almoçam com um dos progenitores e jantam com o outro. 9. As crianças passarão com o pai o dia do pai e passarão com a mãe o dia da mãe, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares. 10.As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Natal e Páscoa. a. Especificamente quanto ao presente ano de 2024, as crianças passarão com a mãe a primeira metade do período de férias de natal (com início no dia subsequente ao termo do período letivo de aulas) e a segunda metade (com termo no último dia do período de férias de natal) com o progenitor. 11. As crianças passarão com a mãe o dia 24 e 25 de dezembro e com o pai o dia 6 e 7 de janeiro. 12.A véspera e o dia de Ano Novo serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se, no presente ano, com o pai. 13.O Domingo de Páscoa será passado com a mãe, o dia de Páscoa Ortodoxa com o pai e o dia de Carnaval alternadamente com cada um dos pais. No caso de eventual sobreposição dos dias de Páscoa, as crianças almoçarão com um dos progenitores e jantarão com o outro. 14.As crianças passarão, com cada progenitor, metade das suas férias escolares de verão, em períodos repartidos, e sucessivos, de duas semanas. a. Os progenitores ficam obrigados a comunicar entre si, até 31 de maio, qual o período de férias que pretendem passar com os filhos. Em caso de coincidência inultrapassável do período de férias dos progenitores, o respetivo período coincidente será dividido pelos dois, de forma igualitária. b. As crianças poderão passar uma quinzena com o pai na Sérvia ou Montenegro, ficando desde já autorizados a viajar para esse território, sem necessidade de consentimento da mãe. 15.Ambos os pais asseguram o sustento dos filhos na semana que lhes compete e comparticiparão na metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares/infantário e extracurriculares respeitantes às crianças.”
3. O Recorrente entende que a Sentença é nula por falta de pronuncia nos termos do art.º 615 n.º1 alínea d) do CPC, por manifesta contrariedade entre os fundamentos e a decisão nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC. e por violação do superior interesse do L e da M, nos termos dos art.º 4 do RGPTC e art.º 1906 do CC.
4. Na Sentença que se recorre, o Tribunal não se pronunciou sobre a questão dos passaportes invocada pelo Recorrente em sede de Alegações apresentadas a 19.09.2024, enfermando a decisão de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.
5. Suscitou o Recorrente esta questão porque os filhos não têm actualmente os passaportes sérvios actualizados.
6. A renovação dos passaportes é considerada, por regra, questão de particular importância, sendo necessária a autorização de ambos os pais, porém, tendo em conta a acentuação do conflito parental, e o caráter meramente burocrático da renovação dos documentos de identificação das crianças, a sugestão do Recorrente tem sido no sentido de que tais atos passem a ser qualificados como ato da vida corrente.
7. Tendo o Tribunal conhecimento do nível de conflitualidade entre o Recorrente e a Recorrida, e uma vez que esta questão foi trazida aos Autos, não poderia ter sido ignorada na Sentença, sob pena do conflito parental se vir adensado.
8. Ademais, a titularidade de passaporte é um direito das crianças enquanto nacionais de determinado país, pelo que nenhum benefício se vislumbra em exigir o consentimento de ambos os progenitores, quando a situação pode facilmente ser resolvida com a intervenção de um deles.
9. No que concerne as viagens até à Sérvia e Montenegro, apesar da fundamentação da Sentença ir no sentido de reconhecer a importância destas viagens para o L e a M, opta por estabelecer que estas viagens ocorrem apenas uma vez por ano, durante 15 dias.
10. Na sua fundamentação o Tribunal parece em tudo concordar com o peticionado pelo Recorrente, nomeadamente a importância destas viagens na vida do L e da M:
- “Assim, cremos que a manutenção e o desenvolvimento dos contactos dos menores com a família paterna alargada, a qual reside na Sérvia/Montenegro, corresponde ao superior interesse dos mesmos, pelo que não poderá a progenitora impor que, durante toda a menoridade dos filhos, estes conservem apenas em Portugal o seu centro de vida pessoal, impedindo as viagens ao estrangeiro, na companhia do pai, necessárias para assegurar os convívios com aqueles familiares.”
11. O L e a M têm uma enorme ligação com a família paterna, com quem anualmente, passavam longas temporadas na Sérvia e no Montenegro junto destes familiares.
12. Conforme inclusivamente confirmado pelo Tribunal:
“Foram igualmente inquiridas as testemunhas D e V, tio e avó dos menores, respetivamente, os quais esclareceram a interação e as relações existentes entre os meninos L e M e os avós, tios e primos paternos, de cujas declarações resulta que existe, de facto, um vínculo afetivo próximo (proximidade, naturalmente, adequada e ponderada à luz da distância geográfica) entre os menores e a família paterna residente no estrangeiro (veja-se as fotografias juntas pelo progenitor com as alegações de 19-09-2024),”
13. De forma a responder aos impedimentos colocados pela Recorrida, o Tribunal foi igualmente claro e extremamente coerente, fiel à prova produzida nos Autos:
- “Por outro lado, não se apurou que os meninos fossem submetidos a maus-tratos físicos e psicológicos aquando da sua estadia junto da família paterna.”
- “(…) o Tribunal não dispõe de elementos nos autos que lhe permitam emitir um juízo de convicção seguro no sentido de que a saída dos menores do território nacional, a pretexto de irem visitar a família paterna residente na Sérvia/Montenegro, acabe por se revelar uma situação de «viagem sem retorno».”
14. O Tribunal chega inclusivamente a sensibilizar a Recorrida para a importância destas viagens e do convívio minimamente regular das crianças com a família paterna:
“Na verdade, ao mesmo tempo que a progenitora parece reconhecer que os avós são importantes na vida dos netos (inferindo-se das suas palavras que será importante conservação de convívios com os avós paternos), acaba depois por desvalorizar tal constatação, ao referir que a relação dos seus filhos com aqueles avós (em particular, o menino L) não se revela particularmente afetiva ou próxima. Apercebeu-se, assim, o Tribunal de que a progenitora não revelou uma particular sensibilidade para a necessidade de os seus filhos conviverem com a família paterna alargada (estreitando até os laços já existentes), ou um particular empenho em promover esses contactos, designadamente aceitando, como elemento do salutar crescimento e desenvolvimento dos menores, que estes contactem diretamente com a herança cultural do progenitor, junto da família deste, no seu país de origem.”
15. Não se concebe em que medida 14 dias de férias por ano, no Verão, poderão assegurar a proximidade do L e da M com a família paterna, crendo-se que a decisão recorrida enferma, neste ponto, de ostensiva contradição entre os fundamentos e a decisão.
16. Padecendo a decisão de manifesta contrariedade entre os fundamentos e a decisão, conforme o exposto, a Sentença é nula, nos termos do normativo supra referido, nulidade que desde já se argui, para os devidos efeitos legais.
17. Considerou o Tribunal como factualidade provada que:
- “20) Os progenitores, pelo menos, desde janeiro de 2020, concordaram e diligenciaram para que os filhos frequentassem a Escola ***, por entenderem ser o estabelecimento de ensino mais adequado para a formação escolar das crianças.”
18. Da prova trazida para os autos, nomeadamente através dos requerimentos submetidos pelo Recorrente, ficou evidente que o consentimento do Recorrente para a frequência dos filhos na Escola *** foi baseado em informações destorcidas.
19. Na altura da candidatura do L e da M à Escola *** o Recorrente não sabia que aquele estabelecimento de ensino tinha cariz católica.
20. Para além do nome nada indicar nesse sentido, nada consta do Projeto Educativo de Escola sobre a vertente católica da escola ou quanto à existência de festividades religiosas.
21. Sem ser a conexão da Escola *** à Santa Casa da Misericórdia da ***, nada indicia que esta seja uma escola católica, informação esta que tão pouco é do conhecimento geral.
22. Ao Recorrente, de origem Sérvia, não podia ser exigível que conhecesse as origens históricas da Santa Casa, e que dai conseguisse extrair da conexão da Escola *** à Santa Casa da *** qualquer conclusão quanto à orientação católica da escola.
23. Da mesma forma que na reunião na Escola *** ocorrida em fevereiro de 2021, para dar inicio ao ano escolar na Escola *** apesar de ter sido explicado aos pais o modelo de funcionamento da Escola ***, não foi explicado ao Recorrente que o estabelecimento de ensino era católico, ou se o seu programa educativo incluía a frequência de missas ou de EMRC de forma obrigatória.
24. Tão pouco foi transmitido aos pais quando realizaram uma pequena visita às instalações da creche e do pré-escolar, que as instalações da Escola *** incluíam igualmente a Igreja da Nossa Senhora ***, que dista cerca de 400 metros daquele edifício.
25. O Recorrente concordou com a inscrição dos seus filhos na Escola ***, mas a sua vontade enfermava de erro vício, sendo certo que não teria consentido se soubesse que aquele estabelecimento de ensino era católico.
26. Torna-se evidente que nunca foi pretensão dos progenitores, ou pelo menos do Recorrente, que os seus filhos frequentassem uma escola católica.
27. Para além das escolas sempre laicas que o L frequentou, nenhum dos meninos tão pouco frequentou – ou frequenta - aulas de catequese.
28. Enquanto os progenitores estavam casados, estes celebravam, propositadamente e em conjunto com os filhos, festividades católicas e ortodoxas, nomeadamente a Páscoa e o Natal, sem qualquer restrição.
29. Os progenitores optaram sempre pela envolvência dos meninos no seio familiar e não no âmbito da escolaridade, para evitar constrangimentos entre os progenitores e sugestionamentos exteriores aos quais os meninos não mereciam - e não merecem - ser expostos.
30. Nada levaria o Recorrente a crer que a Recorrida procurasse uma escola católica para os filhos frequentarem.
31. Nos termos do art.º 640 CPC, considera o Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado a factualidade constante do ponto 20) tendo em conta o que foi pelo progenitor transmitido relativamente ao vicio da sua vontade na altura em deu aquele consentimento para o L frequentar a ELM.
32. Devendo ser retirada da factualidade dada como não provada que:
-“iii) Que o progenitor desconhecesse, aquando da inscrição dos seus filhos, a orientação religiosa (católica) da Escola ***.”
33. O Recorrente não pode igualmente conformar-se com a decisão sobre a frequência do L nas aulas de EMRC, entendo que o Tribunal a quo desvalorizou a importância e relevância da religião na vida destes meninos.
34. Esta família sempre se preocupou com as questões religiosas, fazendo questão que as crianças tivessem acesso às duas religiões – católica e ortodoxa - e acima de tudo que se respeitasse o espaço de cada progenitor, e consequentemente das crianças, para que nunca se sentissem pressionadas por optar por uma ou outra religião.
35. Ora, uma coisa é a participação em festividades religiosas no seio familiar, e a sua importância para a construção da personalidade das crianças, e outra, muito diferente, é a sua doutrinação ou exposição a um credo específico, em sede escolar.
36. Aliás, ao contrário do que ocorria no seio familiar, na escola não existem festividades ortodoxas, ou qualquer referência a esta religião.
37. Com efeito, e apesar de diferente da catequese, a disciplina de EMRC não é neutra do ponto de vista do credo por si preconizado, pois se é certo que promove o conhecimento de religiões diferentes da católica, não deixa de ter como objetivo a difusão e promoção de conhecimentos que dizem respeito à Igreja Católica Apostólica e Romana.
38. Daí não se designar apenas “Educação Moral e Religiosa” mas “Educação Moral e Religiosa Católica”.
39. Não crê o Recorrente que a ausência do L nas aulas de EMRC poderá afectar a sua integração junto dos colegas, no seguimento do que aliás este Tribunal alega.
40. Contrariamente ao que defende a Recorrida, qualquer problema na integração do L deve-se à falta de tolerância da Escola ***, do seu corpo docente e dos próprios alunos que a frequentam, para a diferença.
41. Entende o Recorrente que o melhor para os seus filhos, atendendo à sua diversa herança religiosa e cultural, é beneficiar de um modelo de ensino laico, protegidos de pressões de toda e qualquer natureza.
42. Acredita o Recorrente que os seus filhos devem ter liberdade para escolher, quando para tal tiverem idade e maturidade, a religião que querem professar, livres da influência de qualquer um dos progenitores.
43. Tal não impede que os meninos acompanhem os pais a missas, rituais ou a cerimónias religiosas de qualquer uma das fés, quando estão a seu cargo, ou que vivam e celebrem os dias festivos de ambas as religiões, conforme aliás sempre o fizeram.
44. Mas esta vivência deverá ocorrer exclusivamente no contexto familiar, para que cada um dos progenitores e a sua religião sejam respeitados, e que seja cultivada a aceitação desta diferença, na defesa do superior interesse destas crianças, ao contrário do que ocorrerá na Escola ***.
45. Sendo os Pais, embora cristãos, fiéis à doutrina de diferentes Igrejas, os meninos não devem ser expostos, em contexto escolar, a apenas uma delas, sob pena dessa vir a assumir um peso predominante na formação da personalidade e espiritualidade das crianças.
46. O que, por sua vez, tem toda uma panóplia de consequências associadas, nomeadamente à diminuição da possibilidade das crianças poderem vir, em consciência e quando forem maiores, a optar livremente pela religião que pretendem professar, ou por nenhuma delas.
47. O superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para cada criança, no seu contexto concreto, e no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral.
48. Neste caso, sendo os progenitores destas crianças de religiões distintas, sempre se impunha o respeito mutuo por cada uma das religiões, para protecção do superior interesse dos filhos, nomeadamente evitando expô-los ao conflito parental desnecessário.
49. Entendo o Recorrente que a Decisão recorrida violação o superior interesse do L e da M, por violação das normas internacionais supra mencionadas, assim como os art.º 4º do RGPTC e art.º 1096 do CC.
50. No que concerne as viagens à Sérvia e Montenegro, o Recorrente não pode conformar-se com a decisão, por considerar que viola o superior interesse da M e do L.
51. Recorde-se que o L e a M se encontram absolutamente privados de convívio com a família paterna alargada desde agosto de 2023, e assim há mais de um ano e meio.
52. Acrescente-se ainda que, com a ingressão na escolaridade, as crianças deixaram de ter oportunidade de celebrar qualquer festividade com a família paterna, visto que as festividades ortodoxas são celebradas sempre durante o ano letivo.
53. O afastamento dos familiares paternos é prejudicial para a manutenção das relações afetivas entre estes membros da família e as crianças, construída com o esforço conjunto de ambos os pais, na partilha da crença das suas vantagens.
54. Embora as crianças falem frequentemente com estes membros da família, por via telefónica, crê-se que os convívios presenciais frequentes permitiram preservar de forma mais eficaz aqueles laços.
55. Assim lhes proporcionado, igualmente, uma maior proximidade da cultura sérvia, que são também parte integrante da identidade do L e da M.
56. A distância geográfica dos familiares paternos deve ser compensada com contactos mais recorrentes e mais longos, que apenas se poderão concretizar no mínimo, com visitas bianuais e prolongadas ao estrangeiro, mormente ao país natal do seu pai.
57. Conforme acima exposto, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para cada criança, no seu contexto concreto, e no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral.
58. No contexto familiar do L e da M, as viagens ao estrangeiro, especificamente à Sérvia e a Montenegro deveriam ser encaradas como algo imprescindível para o desenvolvimento saudável destas crianças.
59. Relativamente à presunção de que a relação entre as criança e os seus avós e irmãos se entende como extremamente benéfica para o seu desenvolvimento, concretiza o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-02-2024, disponível em www.dgsi.pt, que:
“1. Reconhecendo que as relações com os avós são da maior importância para os netos, em regra, quer pela afetividade que recebem (atenta a sua normal e especial referência afetiva para a criança), quer pelo desenvolvimento do espírito familiar que proporcionam, o legislador consagrou um direito de o menor se relacionar com os avós, que poderá ser designado por direito de visita - art.º 1887º-A, do CC.
2. Pretendeu-se tutelar a ligação de amor, de afeto, de carinho e de solidariedade existente entre os membros mais chegados da família, sabendo-se que, em regra, o relacionamento do menor com os avós contribui decisivamente para a formação da sua personalidade e constitui um meio de conhecimento das suas raízes e da história da família, de exprimir afeto e de partilhar emoções, ideias e sentimentos de amizade.
3. O direito de visita previsto no citado normativo assume particular relevo nos casos de rutura ou de desagregação da vida familiar - quer se trate de divórcio ou de separação dos pais, quer de morte de um deles -, na medida em que estes "abalos" geram, as mais das vezes, um afastamento forçado entre o menor e os avós.
É que, não raro, o progenitor sobrevivo ou o que fica a deter o poder paternal impede o normal relacionamento do menor com os pais do outro progenitor.
4. Presumindo a lei que a ligação, entre os avós e o menor é benéfica para este, incumbirá aos pais - ou ao progenitor sobrevivo ou que ficou a deter o poder paternal - a prova de que, no caso concreto, esse relacionamento ser-lhe-á prejudicial; os pais, se quiserem opor com êxito recusa a esse convívio terão de invocar e demonstrar razões concretas para a proibição.”
60. Deverá assim estabelecer-se a possibilidade de as crianças viajarem até ao Montenegro e à Sérvia, com o Pai, também nos períodos de férias escolares do Natal e da Páscoa, além de nos períodos do Verão, assim permitindo às crianças gozar férias em situação de igualdade junto de ambas as famílias alargadas; - pedido nas alegações.
Pelo Ministério Público foi apresentada resposta às alegações, na qual apresentou as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos o Recorrente M veio recorrer do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de Família e Menores, o qual proferiu despacho relativo à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, relativamente aos menores L e M, por sentença proferida no dia 17-12-2024.
2. O recorrente impugna a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, referindo serem escassos os dias determinados para os menores irem ao estrangeiro (onde reside a família paterna dos menores), que o Tribunal não deveria ter decidido a manutenção, por parte dos menores, da frequência da Escola ***, por ser de ensino católico (o pai é ortodoxo) e, consequentemente, que o Tribunal não deveria ter decidido pela manutenção, por parte dos menores, da frequência de aulas de Educação e Moral Religiosa Católica (EMRC).
3. Foi decidido pelo Tribunal “a quo” o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
4. A recorrente manifestou a sua oposição.
5. Entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” não padece de qualquer vício, pois que aumentar os períodos de visita no estrangeiro determinaria, certamente, que os menores passassem menos tempo das suas férias com a mãe, o que redundaria num manifesto prejuízo para as mesmas.
6. Por outro lado, verifica-se que o país natal do progenitor fica no mesmo continente de Portugal, com diversas viagens e acessos, nomeadamente no período estival, pelo que os menores não irão perder muito tempo nas viagens de ida e volta.
7. Relativamente às viagens no decurso do período escolar, entendemos que as mesma deverão apenas ocorrer quando exista acordo entre ambos, na medida em que a realização das mesmas poderão conflituar com a frequência regular das aulas e período de descanso associados à frequência das aulas.
8. Admitir que nos outros períodos de férias os menores se ausentem para a Sérvia seria na verdade impedir que a mãe passasse qualquer tempo com os menores nas férias do Natal e Páscoa, pois que não fará sentido os menores fazerem uma deslocação por tão poucos dias.
9. O facto de os menores estarem habituadas a viajar para aqueles países também nos períodos correspondentes às férias escolares da Páscoa e do Natal, a fim de compensar a distância da família alargada paterna fazia todo o sentido quando ambos os progenitores viviam juntos, porquanto nessas ocasiões as crianças estavam com ambos os pais.
10. Acresce ainda que incumbe ao Tribunal aferir o regime que acautele o superior interesse de cada um dos menores, e não da família paterna das crianças, pelo que entendemos que o regime decidido deverá ser mantido.
11. Refere o recorrente a sua discordância quanto à decisão do Tribunal em ter decidido pela manutenção da frequência, por parte dos menores, da Escola ***, com cariz formativo religioso.
12. Alega que “O Recorrente concordou, portanto, com a inscrição dos seus filhos na Escola ***, mas a sua vontade enfermava de erro vício, sendo certo que não teria consentido se soubesse que aquele estabelecimento de ensino era católico”.
13. Sucede porém que as crianças frequentam a Escola *** desde 2021, sendo que o recorrente manteve reuniões com a direcção da mesma escola, e apenas manifestou oposição da frequência de escola na sequência da separação entre ambos.
14. Aliás, como muito bem refere a douta decisão recorrida, não só não colhe a sua argumentação de que não sabia da orientação religiosa, como também lhe incumbiria estar a par da vida académica dos filhos, como bem fundamentado pelo Tribunal “a quo”.
15. Assim, entendemos que a douta decisão recorrida protegeu o superior interesse dos menores, não padece de qualquer vício, encontrando-se devidamente fundamenta, pelo que deverá a mesma ser mantida.
16. Não foi violado qualquer preceito legal.
Conclui, assim, pela improcedência do recurso e manutenção da decisão proferida.
Foi proferido despacho de admissão de recurso.
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir. *
II. O objecto e a delimitação do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar:
1. Das invocadas nulidades da sentença ao abrigo do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. c) e d) - nulidade por falta de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão;
2. Da impugnação da matéria de facto – facto 20 dos factos provados e iii) dos factos não provados ;
3. Erro de julgamento na aferição do superior interesse da criança:
- na frequência das aulas de EMRC e participação em Eucaristias.
- na concreta definição do regime de férias dos menores e sua duração.
*
III – Fundamentação
Da consulta dos presentes autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: Factos provados:
1) M e I contraíram entre si casamento católico, em 22-04-2012, sem convenção antenupcial.
2) O progenitor é cristão ortodoxo, natural da República da Sérvia (Belgrado), tendo vindo para Portugal no ano de 2002.
3) Na constância do matrimónio nasceram dois filhos, L (n. 07-05-2014) e M (n. 22-12-2019).
4) Foi decretado o divórcio entre os progenitores em 03-04-2024.
5) Em 25-01-2024 realizou-se uma conferência de pais, tendo sido fixado o seguinte regime provisório:
1. Os menores L e M, ficam a residir com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais inerentes aos atos de vida corrente daqueles.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3. Os menores passarão os fins de semana com ambos os progenitores, sendo que passam o sábado com um e o domingo com o outro de forma alternada. Neste fim de semana o pai passará o domingo com os menores e o sábado será com a mãe e assim, sucessivamente
4. Às segunda, quarta e sexta-feiras, o pai irá buscar os menores ao final das atividades escolares no estabelecimento escolar às 17:00 horas, dá-lhes jantar e depois entrega-os na casa da mãe às 20:30 horas. Sendo que à quarta-feira o pai levar o filho L às aulas de violino.
5. Às terça e quinta-feiras, o pai irá buscar os menores à casa da mãe de manhã e entrega-os no estabelecimento escolar no início das atividades escolares.
6. Só na impossibilidade absoluta em que os progenitores não poderão buscar os menores ao estabelecimento escolar é que dão autorização aos avós para ir buscar os menores.
7. Caso um dos progenitores não possa ir buscar os menores no estabelecimento escolar deve avisar o outro com antecedência mínima de 2 horas.
8. Uma vez que ambos os progenitores retiram dinheiro da conta conjunta e que ambos pagam as despesas relativas aos menores, não se fixa pensão de alimentos.
6) Em 15-07-2024 fixou-se o seguinte regime de férias de Verão:
Os meninos L e M passarão as férias de Verão com cada um dos pais de forma alternada, pelo período de uma semana, iniciando com o pai na próxima sexta-feira (19-07-2024).
Na semana de férias, o progenitor que está com os filhos fica obrigado a dar conhecimento ao outro de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante relativamente às crianças.
O progenitor que não está com as crianças na semana de férias, poderá contactar diariamente com os filhos, telefonicamente, por correio eletrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso.
7) Em 28-08-2024 realizou-se nova conferência de pais, não se logrando a obtenção de um acordo entre os progenitores, tendo então sido fixado o seguinte regime provisório (30-08-2024):
1 – As crianças passarão uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (com mudança à segunda-feira, findas as atividades letivas) sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em conjunto por ambos os pais.
2 – As crianças pernoitarão quarta e quinta-feira (recolha findas as atividades letivas) com o progenitor não residente nessa semana.
3 – Ambos os progenitores ficam obrigados a dar conhecimento mútuo de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde dos filhos (na semana não residente).
4 – Os progenitores poderão contactar diariamente com os filhos, telefonicamente, por correio eletrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso.
5 – Os cartões de cidadão das crianças serão entregues ao progenitor com quem semanalmente estarão a residir e quarta/quinta-feira (ou seja, acompanharão as crianças).
6 – As crianças frequentarão a Escola ***.
7 – A mãe será encarregada de educação nos anos pares (2024/2025) e o pai nos anos ímpares (2025/2026) e assim sucessivamente.
8 – As crianças passarão com o pai o aniversário deste e passarão com a mãe o aniversário desta, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares. No dia de aniversário dos menores, estes, alternadamente em cada ano, almoçam com um dos progenitores e jantam com o outro.
9 – As crianças passarão com o pai o dia do pai e passarão com a mãe o dia da mãe, sempre que tal não implique prejuízo para as suas atividades, designadamente escolares.
10 – As crianças passarão com a mãe o dia 24 e 25 de dezembro e com o pai o dia 6 e 7 de janeiro. A véspera e o dia de Ano Novo alternadamente com cada um dos pais.
11 – O Domingo de Páscoa será passado com a mãe, o dia de Páscoa Ortodoxa com o pai e o dia de Carnaval alternadamente com cada um dos pais.
12 – As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Natal e Páscoa.
13 – As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Verão nos seguintes termos:
Findas as atividades letivas até 31 de julho em semanas alternadas.
No mês de agosto quinze dias consecutivos com cada um dos pais.
As crianças poderão passar uma quinzena em agosto com o pai, na Sérvia ou Montenegro, ficando desde já autorizados a viajar para a execução deste regime de férias.
De 1 de setembro até ao início das atividades letivas em semanas alternadas.
14 – Ambos os pais asseguram o sustento dos filhos na semana que lhes compete e comparticiparão na metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares/infantário e extra-curriculares respeitantes às crianças.
8) Na casa dos avós maternos, onde residem quando estão a cargo da progenitora, os meninos L e M ocupam um quarto com duas camas individuais, dispondo das condições necessárias para a sua permanência.
9) A progenitora trabalha como professora universitária, na Universidade ***, às segundas (das 14h às 18h), terças (das 13h30 às 17h30), quintas (das 10h às 17h) e sextas, quinzenalmente, (das 9h às 18h). Folga às quartas, sextas (quinzenalmente) e fins de semana.
10) A progenitora apresenta, como rendimentos, o seu vencimento laboral, no valor de €1.600,00.
11) O progenitor mantém-se a residir na casa de família, a qual dispõe das condições necessárias para a permanência dos meninos L e M, na qual cada um tem quarto próprio.
12) O progenitor exerce funções como professor universitário no Instituto ***, trabalhando às segundas e quartas das 9h30 às 16h.
13) Como rendimentos, o progenitor apresenta o seu ordenado de trabalho, no valor de €2.650,00.
14) No que respeita à situação socioeconómica, os pais continuam a fazer uma gestão conjunta dos rendimentos e despesas, depositando o ordenado na conta comum, e efetuando os pagamentos inerentes às despesas das crianças, da casa comum e pessoais, a partir da mesma conta.
15) Como despesas fixas das crianças, são apresentadas as escolas (L 570€ e M 314€), as atividades extracurriculares (natação, violino e Judo de L 23€ +80€+40€ e natação de M 42€) e os seguros de saúde de pais e filhos (122€ + 260€ trimestrais).
16) Segundo informação prestada pelo Jardim de Infância da Escola *** (18-03-2024) a menina M é assídua, mas nem sempre pontual (com atrasos não muito significativos, independentemente do progenitor que a vem trazer), respeita sempre a farda e apresenta-se bem cuidada, nunca tendo apresentado nenhum sinal de negligência ou maltrato.
17) O menino L ingressou no Externato *** em outubro de 2023, de cujo relatório escolar (08-03-2024) resulta que o mesmo é assíduo e pontual, revela hábitos de higiene diários, não sendo visíveis quaisquer sinais de maus-tratos.
18) Em 2021, a menina M entra para a Infantil na Escola ***. O menino L passou a integrar a Escola *** no ano letivo 2024/2025, onde foi matriculado.
19) Do registo de avaliação do menino L, elaborado pela Escola ***, referente ao 1.º trimestre (1.ª intercalar) do ano letivo 2024/2025, o mesmo revela bom aproveitamento escolar.
20) Os progenitores, pelo menos, desde janeiro de 2020, concordaram e diligenciaram para que os filhos frequentassem a Escola***, por entenderem ser o estabelecimento de ensino mais adequado para a formação escolar das crianças.
21) Em 03-12-2020, os progenitores remeteram carta de apresentação conjunta, dirigida ao Diretor da Santa Casa da Misericórdia da ***, Dr. ***, na qual consta que: “Vimos por este meio solicitar uma audiência para apresentar a candidatura dos nossos filhos à Escola *** (…)sempre tive boas referências da Escola, tanto pela minha mãe, que por ser Professora na Escola Secundária *** recebe alunos da Escola e diz que estão muito bem preparados. E mais recentemente, por dois casais amigos, cujos filhos são alunos também na Escola. Eles sempre gabam os valores dam Escola, nomeadamente, o cuidado com o aluno e o seu bem-estar; ensino com profissionais experientes, dedicados e responsáveis; os valores transmitidos pela catequese. Estes valores vão de encontro ao que desejamos para o futuro dos nossos filhos”
22) Em maio de 2023, o próprio progenitor, via e-mail, pergunta se a Escola *** tem uma vaga para o seu filho L que se encontra a frequentar o 4.º ano de escolaridade.
23) Em 15-02-2024, os progenitores trocam entre si a seguinte correspondência eletrónica: E-mail da progenitora para o progenitor (11:11PM)
“Já fiz renovação matrícula de M na Escola *** para ano letivo 24/25.
Já confirmei que o L vai para lá para a vaga que tem guardada para o 5.º ano (…)”. E-mail do progenitor à progenitora (11:13PM):
“porque não falaste comigo acerca estas coisas antes?”. E-mail da progenitora ao progenitor (11:15PM):
“Foi tudo falado.
Já não te lembras?” E-mail do progenitor à progenitora (11:16PM):
“Aconteceram coisas entretanto” E-mail da progenitora ao progenitor (11:21PM):
“?” E-mail do progenitor à progenitora (11:22PM)
“pediste o divórcio”.
24) Em 16-09-2024 o progenitor, através da sua il. mandatária, solicita que o menino L seja eximido da frequência da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica e, bem assim, que nem o mesmo nem a sua irmã M sejam incluídos em atividades/celebrações de natureza religiosa de qualquer espécie.
25) Nesse seguimento, no dia 17-09-2024 a Escola *** informa os progenitores de que: “(…) até que haja uma decisão do Tribunal, os alunos M e L não deverão frequentar as aulas de EMRC (5.º A, à quinta-feira, das 8h30 às 09h20; pré-escolar em horário a definir no mês de outubro)e não deverão participar em eventos de cariz religioso, como sendo as eucaristias de início de ano letivo de dias 24 (pré-escolar às 10h) e 25 de setembro (2.º ciclo às 10h)”.
26) Da informação sobre a audição técnica especializada, elaborada pelo NIJ da Amadora, extrai-se que: “(…) Le M apresentam um desenvolvimento global ajustado à sua faixa etária e uma imagem cuidada do ponto de vista da higiene e apresentação pessoal. Em visita domiciliária, o comportamento das crianças foi congruente nos dois contextos, assumindo M um comportamento mais agido e L um comportamento mais contido. Em entrevista individual, L manifestou um acentuado conhecimento da situação atual e dos assuntos em divergência entre os pais, percebendo-se que sente a pressão da tomada de decisão, relativamente ao atual processo de regulação das responsabilidades parentais. No seu discurso, fala de forma equilibrada, quer da mãe como do pai, identificando práticas punitivas por parte do pai e um episódio, por parte da mãe, reforçando que as mesmas não ocorrem desde a separação dos pais. L verbalizou ligação afetiva a ambos os pais e à família alargada de ambos, manifestando vontade que o seu tempo fosse dividido de forma mais ou menos equitativa entre ambos. Por sua vez, M mostrou também um conhecimento acentuado da situação de conflito entre os pais, no que concerne a assuntos relacionados diretamente consigo e outros do domínio dos adultos, verbalizando rejeição face à figura paterna e necessidade de proximidade à mãe (…). Do que foi possível apurar, ambos os pais detêm condições habitacionais, económicas e disponibilidade que lhes permita constituir-se como cuidadores de L e M”.
27) O menino L foi acompanhado em sessões de psicologia no ano letivo de 2022/2023, por parte da Dr. ***, sobretudo, em relação a temas respeitantes às relações com os seus pares na escola, sessões que deixou de frequentar quando a situação se considerou resolvida.
28) No ano de 2024, o menor retoma as sessões por iniciativa da progenitora, sendo que do relatório psicológico de 24-03-2024 extrai-se que os progenitores: “Denotam estilos parentais distintos, não existindo concordância sobre práticas educativas relativamente a vários domínios (tipo de instituição escolar, prática religiosa, tipo de alimentação, tipo de disciplina). A mãe apresenta maioritariamente um estilo autoritativo em relação ao L e um estilo mais permissivo em relação à M (…) O pai apresenta um estilo maioritariamente autoritário em relação ao L e um estilo mais permissivo em relação à M. Confirma que utilizava a punição física como forma de disciplina. Sendo esta a prática educativa que tem como referência pessoal. Considera que tem refletido sobre o assunto, não tendo voltado a utilizar a punição física”.
29) Do referido relatório psicológico resulta que o acompanhamento psicológico deverá ser equacionado como fator adaptativo de reequilíbrio e regulação socio-emocional do menino L durante o processo de divórcio parental.
30) Após a elaboração do referido relatório por parte da psicoterapeuta, o pai retirou o consentimento para a continuidade do acompanhamento, questionando a idoneidade e a imparcialidade da psicóloga.
31) Da perícia médico-legal realizada à menina M (19-08-2024) resulta do respetivo relatório, além do mais, que: “M apresentou uma maturidade muito aquém do esperado para a sua idade, exibindo, em contexto pericial, uma baixa capacidade de expressão verbal, sendo que ao nível não verbal e comportamental manifesta uma acentuada instabilidade, que será melhor documentada e avaliada em contexto clínico regular e continuado para se conseguir compreender as dinâmicas emocionais e eventual diagnóstico diferencial. Neste sentido, não é possível, em rigor, responder ao quesito solicitado, ainda que, tal como referido no caso do seu irmão, se deveria providenciar um contexto e rotinas mais estáveis e melhor definidas a nível espácio-temporal, que são concomitantes com um regime de residência alternada”.
32) Da perícia médico-legal realizada ao menino L (19-08-2024) resulta do respetivo relatório, além do mais, que: “Questionado sobre a sua perceção acerca da separação dos seus pais, afirma que “eles chateavam-se muito, eu não percebia muito bem as conversas, tipo dinheiro ou assim (…) gritavam um com o outro (…) eram os dois (…) era só entre eles (…) o ambiente não era muito bom, eu sentia que ia acontecer alguma coisa, porque se chateavam muito” (sic). Pedido para descrever a relação que mantinha com a sua mãe, diz que “ela se eu me portasse mal chateava-se comigo e punha-me raramente de castigo, tipo não ver tv um x de tempo, ou não posso ver o tablet (…) ela cuidava de mim e preocupava-se muito e pergunta como tinha sido o dia e se estava bem ou não” (sic) Relativamente ao seu pai, diz que “antes se eu me portasse mal ele dava-me umas palmadinhas ou no rabo e quando era um pouco mais pequeno umas vezes puxou o cabelo já não me lembro muito bem (…) acho que era só uma chamada de atenção… mas eu acho que ele uma vez estava muito irritado e nós íamos para o circo e nós estávamos atrasados e eu ia vestir uns sapatos e não me serviam e o pai disse que devia ter dito isso antes, mas não podia ter dito porque não os experimentava há algum tempo, eu tinha uns 8 anos, então deu me um estalo na cara (…) acho que foi a única vez que fez isso” (sic). Perguntado sobre as qualidades positivas que perceciona no pai, diz que “era tipo como a mãe, gostava de me levar ao parque, brincava connosco, mas passava algum tempo a trabalhar no computador… o que gostava mais era quando brincava comigo (…) acho que eram mais as coisas boas que as más” (sic). Questionado sobre a sua perceção acerca da relação pai-M, diz que “eram tipo como eu… o pai só lhe dava umas palmadinhas, só quando fui muito pequeno é que me puxou o cabelo, depois quando fui crescendo não fez mais” (sic). Perguntado sobre a relação com a sua irmã, diz que “ela de vez em quando obedece as coisas e não se porta mal, mas normalmente está furiosa, fica tipo furiosa por uma mínima coisa, tipo no tablet e de repente aparece uma notificação e começa logo a gritar e depois aquilo desaparece sozinho e depois acalma se (…) hoje estávamos a ver o tablet e eu estava ao lado dela e ela começou me a dar estalos na cara de repente (…) eu grito com ela, ela não percebe, se lhe der uma palmadinha depois percebe (…) os pais gritam também com ela… quando a M bate a mãe sim, de vez em quando sim… já trincou a mãe e a mim também (…) o pai não responde, a mãe grita com ela, mas se a M continuar a trincar e a bater a mãe grita e ela continua e tem que lhe dar palmadinha” (sic). Perguntado sobre o que desejaria que mudasse no regime provisório, afirma que “acho que metade, ou dois dias pai e dois dias na mãe, para não andar de um lado para o outro e dormir no pai (…) não sei porque não dormimos, foi o tribunal que decidiu, não me importava de dormir com o pai (…) a M diz que quando estamos com o pai diz que quer ficar a dormir lá no pai, quando nos vamos embora” (sic). Acrescenta ainda que “queria uma coisa mais calma… os pais continuam a dar se mal, a mãe também fala mal do pai, ela diz que ele é mau e essas coisas, como o pai também diz… eu ignoro e se pergunta se concordo digo sim sim, mas na minha cabeça não concordo, mas para não me chatear ainda mais eu digo o querem ouvir” (sic). As respostas do L informam que considera que os seus progenitores evidenciam uma elevada intensidade e frequência de conflitos, sentindo que tais conflitos lhe suscitam significativo grau de ameaça e perturbação, ainda que considere que os conflitos se centram em outras dimensões que não a parentalidade ou a relação dos pais consigo. Por outro lado, não considera que exista uma dimensão de culpabilização de si no conflito parental e não reportando eventuais dimensões suscetíveis de enquadrar conflitos de lealdade. Não foram observadas diferenças ao nível das representações internas do L sobre os seus progenitores. Assim, o menor expressou um sentimento de proximidade emocional com ambas as figuras parentais, sentindo ambos são importantes para fonte de segurança, encorajamento e afeto, não reportando práticas ou sentimentos negativos sobre nenhum dos progenitores. Nesta prova o L evidenciou indicadores de que sente ambas as figuras parentais como como fonte de estabilidade, disponibilidade, segurança e afeto, com as quais consegue comunicar de forma aberta e espontânea, tendo esta procurado e demonstrado preocupação para transmitir uma imagem igual de ambos de forma expressa. É essencial que o L possa usufruir de um contexto familiar, e regime parental, mais estável e previsível, sendo que o mesmo verbaliza o seu interesse, compreensível e fundamentado, em beneficiar de um regime de guarda partilhada em que possa estar com ambos os progenitores em tempos equitativos. Relativamente às suas representações internas e aos vínculos com os seus progenitores, o menor expressa a sua vontade em manter o contacto equitativo e mais prolongado com ambos, sem a constante oscilação de residência, o que deverá ser atendido, com as ressalvas dos pontos anteriores. Tal manifesta vontade é enquadrada numa representação sobre os seus progenitores como sendo ambos uma fonte de afeto, segurança e com os quais expressa um vínculo emocional positivo, não manifestando existir uma figura de referência que se sobreponha a outra e que justifique um regime parental discriminatório do outro”.
33) Da perícia médico-legal realizada ao progenitor (19-08-2024) resulta do respetivo relatório, além do mais, que: “Na análise do perfil das escalas clínicas, o examinando apresenta um perfil plano e sem qualquer elevação, dando conta de um adequado funcionamento psicológico em geral, expressando competência e ajustamento para lidar com a generalidade dos problemas com que se depara. O examinando assinala um conjunto de respostas dentro de um estilo parental positivo e democrático, associadas à valorização da autonomia e interação familiar, com a presença de capacidade de introdução de afetos, mas também de regras e limites, privilegiando as práticas de comunicação e de negociação em detrimento da agressividade ou da punição. O examinando apresentou à data do exame um humor eutímico (normal), com uma postura adequada e colaborante, embora algo reativo face ao desenrolar dos autos, apresentando-se consciente e lúcido, orientado no tempo e no espaço, auto e alopsiquicamente, não se observando alterações na forma ou no conteúdo do seu pensamento ou perturbação do foro cognitivo e/ou intelectual que possam afetar o exercício da sua parentalidade. O examinado produziu uma narrativa espontânea e compreensível, expressando-se com uma linguagem fluente e adequada, com capacidade para centralizar as suas preocupações e o seu discurso nos filhos, ainda que seja notória a presença ativa da conflitualidade parental, o que é também compreensível face ao curto hiato temporal que decorreu até à data da observação. Da avaliação psicológica não se observou a presença de qualquer eventual distúrbio psicopatológico, sintomatologia, traços e/ou características de personalidade ou alterações de personalidade, que possam ser considerados per si impeditivos e/ou restritivos para que consiga exercer de forma segura e previsível as competências e as responsabilidades associadas à sua função parental, denotando adequação e capacidade e estabilidade, quer ao nível da sua regulação emocional e comportamental quer ao nível do seu ajustamento psicossocial em geral, independentemente de eventuais dinâmicas reativas pontuais em situações de stress ou frustração elevada. Em relação às competências parentais, o examinado revela dispor de recursos internos e de capacidades parentais suficientes e adequadas para que consiga identificar, compreender e satisfazer a generalidade das diferentes necessidades básicas e psicoafectivas dos seus filhos sem qualquer compromisso. Constata-se que, em geral, o examinado procura funcionar num modelo e estilo educativo positivo e democrático, evidenciando um conjunto de atitudes e práticas que sugerem que conseguirá estabelecer uma relação de vinculação com os filhos, regendo-se num estilo de comunicação que que será, tendencialmente, assertivo e funcional, sem o recurso ou legitimação de práticas de natureza punitiva ou disfuncional.”
34) Da perícia médico-legal realizada à progenitora (19-08-2024) resulta do respetivo relatório, além do mais, que: “Revela um perfil de validade questionável, caracterizado pela defensividade e pela procura em transmitir uma imagem excessivamente positiva em termos da sua adequação e normalidade e pela existência de dificuldades ao nível da sua capacidade de contenção emocional e comportamental, que se traduz numa tendência em preservar conflitos e em níveis de instabilidade que afetam a sua capacidade de aprender com a sua própria experiência e que dão conta de uma baixa capacidade de insight sobre o seu papel em tais dimensões. A examinanda assinala um conjunto de respostas dentro de um estilo parental positivo e democrático, com a presença de capacidade de introdução de afetos, mas também de regras e limites, privilegiando as práticas de comunicação e de negociação em detrimento da agressividade ou da punição. A examinada produziu um discurso relativamente espontâneo sobre as dinâmicas em apreço nos autos, ainda com um foco exacerbado nas dimensões negativas do progenitor, muitas das quais advirão mais da sua perceção contaminada face ao conflito parental, misturando a esfera parental da conjugal, dificultando o processo complexo e abrangente de separação, com consequências negativas para os menores. Da avaliação psicológica não se observou a presença de qualquer eventual distúrbio psicopatológico, sintomatologia, traços e/ou características de personalidade ou alterações de personalidade, que possam ser considerados per si impeditivos e/ou restritivos para que consiga exercer de forma segura e previsível as competências e as responsabilidades associadas à sua função parental, ainda que se observe alguma labilidade emocional como indicador negativo. Por outro lado, denota suficiente adequação, funcionalidade e um bom ajustamento psicossocial em geral. Em relação às competências parentais, a examinada revela dispor de recursos internos e de capacidades parentais adequadas para que consiga identificar, compreender e satisfazer a generalidade das diferentes necessidades básicas e psicoafectivas dos seus filhos. Constata-se que, em geral, a examinada procurará funcionar num modelo e estilo educativo positivo e democrático, evidenciando um conjunto de atitudes e práticas que sugerem que conseguirá estabelecer uma relação de vinculação com os filhos, regendo-se num estilo de comunicação que que será assertivo e funcional, sem o recurso ou legitimação de práticas de natureza punitiva ou disfuncional”.
35) Regularmente e antes da separação, os progenitores e filhos passavam um período de férias de Verão na Sérvia/Montenegro, junto dos avós paternos, tios e primos das crianças, com quem aqueles demonstram ter uma relação afetiva de relevo e com quem comunicam através de meios de comunicação à distância.
36) A situação de conflito entre os progenitores é acentuada e alargada a várias áreas, nomeadamente, partilha de bens, utilização da casa de morada de família, gestão económica, processos-crime (violência doméstica e furto), responsabilidades parentais, escolha da escola de L e M, acompanhamento psicológico de L, práticas educativas, entrega dos menores, viagens para o estrangeiro e pernoitas.
37) Foi deduzida acusação contra o progenitor pela prática de um crime de violência doméstica contra a progenitora (Proc. 1755/23.0PCOER), com sujeição à medida de coação de TIR, não existindo ainda nos autos evidência da existência de sentença condenatória transitada em julgado. b. Factos não provados
i) Que o progenitor, enquanto modelo educativo, e nos períodos em que tem os menores a seu cargo, inflija, de forma regular, castigos corporais ou físicos sobre os meninos L e .
ii) Que o menino L tenha sido alvo de maus tratos durante as viagens de visita à família paterna na Sérvia/Montenegro.
iii) Que o progenitor desconhecesse, aquando da inscrição dos seus filhos, a orientação religiosa (católica) da Escola ***.
Fez-se ainda constar que:
“Consigna-se expressamente que o Tribunal não transpôs para a fundamentação de facto, nem se pronunciou na presente decisão relativamente a tudo o que de conclusivo, irrelevante ou constituinte de matéria de direito constava dos articulados apresentados pelas partes.”.
*
IV. Do Direito
1. Das nulidades da sentença
a) Da nulidade por omissão de pronúncia nos termos e ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d):
Nas suas alegações de Recurso o Recorrente invoca a nulidade da Sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil, invocando que nas suas alegações suscitou a questão dos passaportes dos menores e sua renovação, requerendo que o Tribunal, tendo conhecimento do nível de conflitualidade entre os progenitores, determinasse que a sua renovação fosse considerado um ato da vida corrente, sendo que o Tribunal nada disse, nem se pronunciou acerca desta questão.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil que “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”.
Os vícios a que se reporta este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 608º do CPC, em que seprescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, que na sua concepção clássica e tradicional significava que “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374), mas também do princípio do contraditório, que na sua actual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem activamente o processo e contribuírem activamente para a decisão a ser nele proferida.
Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art.º 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e excepções invocadas e, bem assim de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de excepção ou excepções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a decisão por omissão de pronúncia -, cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da decisão, que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão.
A questão que se coloca é a seguinte: tinha o Tribunal que se pronunciar expressamente sobre a renovação dos passaportes dos menores? Afigura-se-nos que não! Da mesma forma que não tinha, nem tem que se pronunciar sobre a renovação dos cartões de cidadão, dos passaportes portugueses ou qualquer outra documentação dos menores.
O Tribunal pronunciou-se sobre os actos de vida corrente – que serão exercidos por cada um dos progenitores durante os períodos que as crianças lhe estejam confiadas – e sobre as questões de particular importância - cujas decisões terão de ser tomadas por comum acordo pelos progenitores. Definiu os contornos de umas e de outras.
No contexto e definição de actos de vida corrente, plasmado na sentença recorrida, não se nos afigura existirem razões prementes que justifiquem que se considere a renovação de uma passaporte como um acto de gestão corrente, ao invés do cartão de cidadão.
É certo que nas alegações apresentadas pelo Requerente em 19-09-2024 foi referido expressamente no ponto 20:
“iv. Deverão os passaportes sérvios das crianças ficar na posse do Pai, de modo que as crianças possam acompanhá-lo nas viagens ao estrangeiro e, bem assim, estabelecer-se que a renovação dos documentos de identificação das crianças, sejam eles o cartão de cidadão ou o passaporte, pode ser efetuada por qualquer um dos progenitores; (….)”
Tendo-se, a final, requerido que:
“…requer a V. Exa. se digne manter, a final, o regime provisório de 30 de agosto
p.p., com as seguintes alterações:
i. Deverão repristinar-se os pontos 6. e 7. Do regime provisório estabelecido na Conferência de Pais de 25 de janeiro p.p., cf. Ata, de fls.___;
ii. O regime de férias, particularmente de Verão, deverá ser adaptado à real disponibilidade dos progenitores, ambos professores universitários, gozando de ampla flexibilidade no trabalho;
iii. Deverá estabelecer-se a possibilidade de as crianças viajarem ao Montenegro e à Sérvia, com o Pai, em todos os períodos de férias em que estejam aos seus cuidados, sem necessidade de consentimento da Mãe; iv. O Pai deverá ficar na posse dos passaportes sérvios das crianças, de modo que as crianças possam acompanhá-lo nas viagens ao estrangeiro, passando a renovação dos documentos de identificação das crianças a ter-se como ato da vida corrente;
v. As crianças deverão beneficiar de uma educação laica, independentemente da escola que frequentem, salvo consentimento de ambos os progenitores;
vi. Ambos os pais deverão exercer funções de encarregados de educação.”
Mas a falta de tomada de posição quanto a esta questão equivalerá a uma omissão de pronuncia em sede de sentença de responsabilidades parentais?
Afigura-se-nos que não. Definir esta concreta questão não é regulamentar-se as responsabilidade parentais. Poderá, quanto muito, ser uma questão de execução ou exequibilidade da decisão do Tribunal de autorizar as deslocações para a Sérvia com o Requerente.
Essencial para a exequibilidade da decisão proferida pelo Tribunal – e que autorizou os menores a deslocarem-se nas férias de verão para a Sérvia/Montenegro, independentemente de autorização da mãe – é que os menores estejam documentados para poderem efectuar tal deslocação.
Uma coisa é a autorização do Tribunal para essa deslocação ocorrer, sem a necessidade de consentimento da progenitora, outra coisa é a documentação necessária a essa deslocação poder ocorrer.
De acordo com as informações constantes do Portal das Comunidades Portuguesas, os cidadãos da União Europeia estão isentos de visto para estadas inferiores a 90 dias, podendo optar por apresentar um dos seguintes documentos: cartão de cidadão ou passaporte. A validade do documento a utilizar deverá ser superior a 3 meses em relação à data provável de saída.
Basta por isso um qualquer passaporte ou cartão do cidadão. De qualquer das formas, independentemente da exigibilidade de um documento ou de outro, tal questão é, conforme referimos, uma questão atinente à exequibilidade da decisão proferida pelo Tribunal e não uma questão a exigir pronuncia em sede de fixação de um regime de responsabilidades parentais. Pelo que inexiste qualquer omissão de pronúncia por parte da decisão recorrida.
Questão diversa é a circunstância de as crianças – atenta a sua dupla nacionalidade – terem a possibilidade de ter um passaporte português e um passaporte sérvio.
Embora o mérito de tal questão não seja atinente à nulidade por omissão de pronúncia, entende-se que o pedido de passaporte não é um mero acto burocrático, que se consubstancie num acto da vida corrente.
Caso venha a ser exigido passaporte, deverão ser os dois pais a solicitá-lo e, caso a mãe coloque entraves a essa solicitação, que comprometam a execução da decisão, deverá o requerente, ao abrigo do art. 44.º do RGPTC solicitar a intervenção do Tribunal.
*
1. b) Da nulidade por oposição dos fundamentos e da decisão nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. c):
O Recorrente vem invocar esta nulidade a propósito das viagens à Sérvia e Montenegro no contexto do regime de férias estabelecido.
Alegando, em suma, que:
- apesar da fundamentação da Sentença ir no sentido de reconhecer a importância destas viagens para o L e a M, e referir que “ não poderá a progenitora impor que, durante toda a menoridade dos filhos, estes conservem apenas em Portugal o seu centro de vida pessoal…”, opta por estabelecer que estas viagens ocorrem apenas uma vez por ano, durante 15 dias.
- o L e a M têm uma enorme ligação com a família paterna, o Tribunal chegou inclusivamente a sensibilizar a recorrida para a importância destas viagens e convívio regular com a família paterna.
- Não obstante, em manifesta contrariedade com os fundamentos expostos, ficou em apenas 15 dias das férias de Verão, o período de deslocação dos menores à Servia/Montenegro.
Assim, entende o Recorrente que, face a esta contradição entre os fundamentos e a decisão, deverá a sentença recorrida ser julgada nula neste segmento.
Nos termos do art. 615.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando “(…) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Ocorre esta causa de nulidade quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil anotado, I, pag. 737/738).
Decorre do 1º. segmento de tal normativo, que o vício de nulidade da sentença - fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se, pois, de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso (cfr. Ac. STJ 09.03.2022 in www.dgsi.pt ).
Assim, e por outras palavras, só ocorrerá essa causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto» (cfr. o prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141”).
Como decidiu o Acórdão do STJ de 05.03.2015, P. 316/08, Sumários, 2015, p. 130, “a contradição entre os fundamentos e a decisão é aquela que se verifica quando o juiz explana na sentença certos fundamentos que logicamente deveriam conduzir a uma decisão num determinado sentido mas que, ao invés, conduzem a um sentido oposto ou, pelo menos, diferente.”
Ora, in casu, não se afigura que a decisão seja contraditória com os fundamentos expendidos pelo Tribunal a quo.
Seria caso disso se o Tribunal, elencando na fundamentação os argumentos que aí desenvolveu, não tivesse permitido que os menores se ausentassem de Portugal para visitar e passar férias com a família paterna com quem, inquestionavelmente, têm laços de afectividade.
Mas não foi esse o caso. O Tribunal determinou a possibilidade de os menores passarem férias na Sérvia/Montenegro com a família do pai. Apenas estabeleceu que essas deslocações tivessem lugar nas férias de verão, durante o período de 15 dias, levando em atenção a idade dos menores, o período das férias escolares dos menores, os férias dos pais e o equilíbrio do regime de férias entre progenitores.
Poder-se-á discutir – o que se fará infra – sobre se o regime concretamente estabelecido se orientou no superior interesse dos menores. Mas, ao invés, nenhuma contradição se descortina entre os fundamentos da sentença e a decisão nela tomada. Pelo exposto, a fixação das deslocações dos menores à Sérvia/Montenegro nas férias de Verão, pelo período de 15 dias, mostra-se devidamente justificado inexistindo contradição entre a fundamentação e a decisão, improcedendo esta alegação de nulidade.
2. Impugnação da matéria de facto - Da reapreciação da prova e específicos ónus de impugnação impostos ao recorrente
Em sede de recurso de apelação veio o Recorrente impugnar a matéria de facto, defendendo a eliminação do ponto 20 da matéria de facto provada, assim como ainda a eliminação do ponto iii) do elenco dos factos não provados.
Dispõe o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil:
“A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287.
O actual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava, ficando claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Não obstante, o Tribunal da Relação apenas apreciará a matéria de facto se o recorrente a impugnar, no seu requerimento de interposição de recurso, e cumprir os ónus que sobre si recaem.
Sobre o ónus a cargo do(s) recorrente(s) que impugne(m) a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Assim, os requisitos a observar pelo(s) recorrente(s) que impugnem a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
As modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
A respeito do facto 20) alega o recorrente que:
“Da prova trazida para os autos, nomeadamente através dos requerimentos submetidos pelo Recorrente, ficou evidente que o consentimento do Recorrente para a frequência dos filhos na Escola *** foi baseado em informações destorcidas.
Senão veja-se,
Antes de inscrição na Escola***, o L frequentou o Colégio de *** para o 1º ano de escolaridade, tendo depois frequentado a Escola ***, no ano letivo de 2023/2024.
Ambos os estabelecimentos de ensino tinham um ensino laico sem qualquer conotação religiosa.
Porém, logo no início do ano letivo de 2020/2021, que correspondeu ao 1.º ano de escolaridade do L, foram surgindo problemas que, no entender dos pais, assumiam especial gravidade, surgindo a necessidade do L mudar de estabelecimento de ensino.
Apesar da Escola *** não ter conseguido garantir vaga para o L, tal vaga foi garantida junto da Escola ***, que a criança começou a frequentar no ano letivo de 2023/2024, com excelentes resultados.
Neste contexto, no dia 3 de dezembro de 2020, a Recorrida endereçou carta de candidatura dos filhos à Escola ***. cf. Doc. 4 junto ao Requerimento da Recorrida de 17.04.2024
Na altura da referida candidatura, e como é expectável, o Recorrente não sabia que a Escola *** era uma escola católica.
Para além do nome nada indicar nesse sentido, nada consta do Projeto Educativo de Escola sobre a vertente católica da escola, quer em termos de ensino quer sobre a prática de festividades religiosas. - cf. Doc. 2 junto ao Requerimento do Recorrente a 7.10.2024.
Sem ser a conexão da Escola *** à Santa Casa da Misericórdia da ***, nada indicia que esta seja uma escola católica, informação esta que tão pouco é do conhecimento geral.
O Recorrente, naturalizado português, mas de origem Sérvia, não tinha conhecimento das origens históricas da Santa Casa, não lhe podendo ser exigível que conseguisse extrair da conexão da Escola *** à Santa Casa da *** a qualquer conclusão quanto à orientação católica da escola.
Da mesma forma, na reunião ocorrida em fevereiro de 2021, para dar inicio ao ano escolar na Escola ***, apesar de ter sido explicado aos pais o modelo de funcionamento da Escola ***, não foi explicado ao Recorrente que o estabelecimento de ensino era católico, ou que o seu programa educativo incluía a frequência de missas ou de EMRC de forma obrigatória.
Não tendo igualmente sido explicado quando os pais realizaram uma pequena visita às instalações da creche e do pré-escolar, que as instalações da Escola *** incluíam a Igreja da Nossa Senhora ***, que dista cerca de 400 metros daquele edifício. cf. Doc.3 junto ao requerimento do Recorrente de 7.10.2024.
O Recorrente concordou, portanto, com a inscrição dos seus filhos na Escola ***, mas a sua vontade enfermava de erro vício, sendo certo que não teria consentido se soubesse que aquele estabelecimento de ensino era católico.” Do ponto de vista do recorrente interessava, isso sim, que o Tribunal desse por provado factos atinentes ao erro vício.
Os factos em que o recorrente assentava esse erro vício foram considerados não provados no ponto iii) dos factos não provados.
Ora, analisados os documentos referenciados nas alegações do Recorrente não só dos mesmos não resulta infirmado o teor do facto 20, como não resultam confirmados os factos alegados pelo Recorrente. De nenhum desses documentos resulta – directa ou indirectamente – que a vontade do recorrente estivesse viciada por qualquer razão que fosse,
Ademais, há ainda que ter em atenção que, qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e cuja relevância não seja determinante para a decisão da causa não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo.
Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt:
“O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no art. 611.º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no art. 608.º, n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. (realce nosso)
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
Ora o Requerente/Recorrente em momento algum das suas alegações de recurso pede ao Tribunal que dê como provada a matéria constante do ponto iii) dos factos não provados. E sem se dar como provado o ponto iii) dos factos não provados, de nada releva qualquer eliminação do facto 20), sendo igualmente certo que esse facto 20) é complementado nos factos seguintes – factos 21) e 22) – cujo teor em momento algum é colocado em causa pelo recorrente na sua impugnação da matéria de facto.
Assim, não só a prova documental junta aos autos não é de molde a permitir a alteração de facto pretendida pelo Recorrente, como o mesmo não convoca para a alteração da matéria de facto qualquer prova testemunhal que, eventualmente, tenha sido produzida a esse respeito.
De que valeria ao recorrente ver eliminados os factos 20 e iii), respectivamente, do elenco dos factos provados e não provados se, ainda assim, não resultassem provados – por não terem sido impugnados em sede de recurso e não fazerem, por isso, parte do seu objecto – os factos referentes a um eventual erro vício?
Ou seja, mesmo que o Tribunal conhecesse da alteração de facto pretendida pela Autora – eliminando o facto 20 (do elenco dos factos provados) e iii) (do elenco dos factos não provados) -, ainda assim permaneceriam nos factos provados os pontos 21 e 22 dos quais resulta:
21) Em 03-12-2020, os progenitores remeteram carta de apresentação conjunta, dirigida ao Diretor da Santa Casa da Misericórdia ***, Dr.***, na qual consta que: “Vimos por este meio solicitar uma audiência para apresentar a candidatura dos nossos filhos à Escola *** (…)sempre tive boas referências da Escola, tanto pela minha mãe, que por ser Professora na Escola Secundária da *** recebe alunos da Escola e diz que estão muito bem preparados. E mais recentemente, por dois casais amigos, cujos filhos são alunos também na Escola. Eles sempre gabam os valores dam Escola, nomeadamente, o cuidado com o aluno e o seu bem-estar; ensino com profissionais experientes, dedicados e responsáveis; os valores transmitidos pela catequese. Estes valores vão de encontro ao que desejamos para o futuro dos nossos filhos”
22) Em maio de 2023, o próprio progenitor, via e-mail, pergunta se a Escola *** tem uma vaga para o seu filho L que se encontra a frequentar o 4.º ano de escolaridade.
Isto é, uma intenção expressamente manifestada pelo recorrente de que o seu filho L frequentasse a escola ***.
Aliás não deixa de ser expressivo o facto 23) do elenco dos factos provados naquilo que terá sido a motivação do “volte face” do requerente:
“Em 15-02-2024, os progenitores trocam entre si a seguinte correspondência eletrónica: E-mail da progenitora para o progenitor (11:11PM)
“Já fiz renovação matrícula de M na Escola *** para ano letivo 24/25.
Já confirmei que o L vai para lá para a vaga que tem guardada para o 5.º ano (…)”. E-mail do progenitor à progenitora (11:13PM):
“porque não falaste comigo acerca estas coisas antes?”. E-mail da progenitora ao progenitor (11:15PM):
“Foi tudo falado.
Já não te lembras?” E-mail do progenitor à progenitora (11:16PM):
“Aconteceram coisas entretanto” E-mail da progenitora ao progenitor (11:21PM):
“?” E-mail do progenitor à progenitora (11:22PM)
“pediste o divórcio”.
Quando a Requerida/Recorrida transmite ao recorrente que renovou a matrícula da menor M e confirmou a vaga do menor L e este se insurge quanto a esta questão, o mesmo não refere “descobri que a escola era católica” ou “pretendo um ensino laico para os meus filhos”. A Recorrida pergunta-lhe se não se lembra que tudo foi falado e o recorrente responde: “Aconteceram coisas entretanto.” “Pediste o divórcio”.
Tudo indica nos autos que esta terá sido a real motivação do recorrente para mudar de ideias quanto à escolha da escola dos filhos e não qualquer outra baseado num eventual engano que de forma alguma, nem sequer indiciária, encontra tradução nos autos.
A tudo o quanto se disse, acresce que o Recorrente nas suas alegações de recurso acaba por não extrair quaisquer consequências jurídicas desse eventual erro vício, na medida em que apenas requer a revogação da decisão no que respeita à frequência da disciplina de EMRC e regime de férias no estrangeiro e sua duração.
Tais circunstâncias determinam a total improcedência do recurso da decisão sobre a matéria de facto apresentado pelo Requerente/Recorrente, com a consequente manutenção da factualidade dada como provada e não provada.
3. Erro de julgamento na aferição do superior interesse da criança
Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre analisar juridicamente a pretensão do recorrente, à luz do mesmo.
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respectivos incidentes.
As decisões a proferir no âmbito da regulação de responsabilidades parentais devem submeter-se ao interesse da criança e é este que norteia toda a tramitação processual conducente à prolação dessa decisão.
O interesse do menor é um conceito vago e genérico que, devendo ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (cfr. Almiro Rodrigues, Interesse do Menor, contributo para uma definição, in Rev. Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18 e 19), permite uma margem de discricionariedade, ponderada com exigências de bom senso e criteriosidade casuística.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança (assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada pela Resolução da AR nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12/9/1990) estabelece, no seu art. 3.º, n.º 1, que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (art. 3º, nº 1).
A Constituição da República Portuguesa estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as directrizes normativas de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências de proporcionalidade e da adequação (cfr. Arts. 36º, n.ºs 5 e 6; 7º; 69º e 70º).
Por sua vez, na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 338/XII, depois de se aludir aos “graves danos psicológicos potencialmente sofridos pelas crianças em contextos de ruptura conjugal e, consequente, perturbação dos vínculos afectivos parentais”, ficou referido que “O Regime ora instituído tem como principal motivação introduzir maior celeridade, agilização e eficácia na resolução desses conflitos, através da racionalização e da definição de prioridades quanto aos recursos existentes, em benefício da criança e da família. Na concretização desse objectivo são definidos novos princípios e procedimentos destinados a simplificar e a reduzir a instrução escrita dos processos, privilegiando, valorizando e potenciando o depoimento oral, quer das partes, quer da assessoria técnica aos tribunais (“sempre que o juiz entenda necessário para o processo”), nos processos tutelares cíveis e, em especial, no capítulo relativo ao exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes.”.
Na esteira do entendimento preconizado por Rui Epifânio e António Farinha acerca do superior interesse da criança, “trata-se afinal de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral.” (in “Organização Tutelar de Menores” pág. 326).
A par deste princípio haverá ainda que considerar como orientador a referida consensualização, devendo privilegiar-se o consenso, o qual neste caso inexistiu quer nestes autos. O consenso pressupõe que ambos os pais tenham a devida propensão para a resolução de todas as questões que surgem e surgirão em relação aos filhos menores, não se focando em manter um discurso pouco colaborante, mas sim de acusação ou reprovação mútua, ou de supremacia no que se entende ser uma forma mais correcta de encarar a paternidade ou maternidade. Seguramente que na forma como se actua na relação parental está subjacente o seu carácter subjectivo, sendo relevante e primordial decidir em conformidade com o melhor interesse dos menores.
É ponderando estes princípios e o superior interesse do menor que deve ser analisado e decidido o caso em apreço.
3.a) Frequência das aulas de EMRC e participação em cerimónias religiosas em contexto escolar
Depois de, em sede de impugnação da matéria de facto, o recorrente se ter batido pela verificação de vícios da sua vontade na escolha da escola dos menores, em sede de erro de julgamento - se bem entendemos as apelações do Recorrente – o mesmo restringe e limita a questão jurídica à frequência das aulas de EMRC e participação em cerimónias religiosas
Enquadrando juridicamente a questão:
O artigo 1878.º n.º 1 do Código Civil explicita que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”
Na vertente concernente à pessoa dos filhos, estabelece o Código Civil que “cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos” (n.º 1 do art.º 1885.º). Sendo certo que, no que concerne à religião, “compete aos pais decidir sobre a educação religiosa dos filhos menores de dezasseis anos” (art.º 1886.º).
Também a Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22.6) enuncia que “os pais têm o direito de educação dos filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa, no respeito pela integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes.” Sendo certo que “os menores, a partir dos dezasseis anos de idade, têm o direito de realizar por si as escolhas relativas a liberdade de consciência, de religião e de culto” (n.º 2 do art.º 11.º da Lei n.º 16/2001). O direito de os pais educarem os filhos em coerência com as suas próprias convicções em matéria religiosa interliga-se com as várias manifestações possíveis da liberdade de consciência, religião e de culto, como “ter, não ter e deixar de ter religião” (art.º 8.º alínea a) da Lei n.º 16/2001), “escolher livremente, mudar ou abandonar a própria crença religiosa” (art.º 8.º alínea b)), “praticar ou não praticar os actos do culto, particular ou público, próprios da religião professada” (art.º 8.º alínea c)).
No direito internacional, nomeadamente, relevam:
- O art. 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”;
- O art. 26.º, n.º 3, da mesma Declaração Universal: “Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos”;
- O art. 2.º do Protocolo n.º 1 adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (vide Lei n.º 65/78 de 13.10): “A ninguém pode ser negado o direito à instrução. O Estado, no exercício das funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas”;
- O art. 18.º, n.º 4, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (Lei n.º 29/79, de 12.6): “Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, em caso disso, dos tutores legais a fazerem assegurar a educação religiosa e moral dos seus filhos e pupilos, em conformidade com as suas próprias convicções”;
- O art. 14.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto de Ratificação pelo Presidente da República n.º 49/90, de 12.9):
“1. Os Estados Partes respeitam o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
2. Os Estados Partes respeitam os direitos e deveres dos pais e, sendo caso disso, dos representantes legais, de orientar a criança no exercício deste direito, de forma compatível com o desenvolvimento das suas capacidades.
3. A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas convicções só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que se mostrem necessárias à protecção da segurança, da ordem e da saúde públicas, ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem.”
A criança tem o direito a ser educada, nomeadamente na vertente religiosa, de acordo com as convicções dos seus pais, sendo que tal inclui a possibilidade de participar nos correspondentes atos de culto.
Em regra, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais (artigos 1901.º, n.º 1 e 1911.º n.º 1 do Código Civil).
Em casos como os de divórcio ou de separação de facto ou de cessação de convivência dos progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente, embora este último não deva contrariar “as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente” (n.º 3 do art.º 1906.º, 1909.º e 1911.º n.º 2 do Código Civil, com a redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10).
Já quanto às responsabilidades parentais relativas “às questões de particular importância” para a vida do filho, em regra serão exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância da comunhão de vida (n.º 1 do art.º 1906.º do Código Civil).
Se faltar o acordo dos pais relativamente a questões de particular importância inseridas no âmbito das responsabilidades parentais, qualquer deles pode recorrer ao tribunal. O legislador recorreu assim a um conceito indeterminado, deixando aos tribunais o encargo de definir o que deve ser considerado como questão de particular importância.
Sem necessidade de grandes considerações acerca da questão, afigura-se-nos que a educação religiosa de uma criança constitui, para o efeito supra referido, questão de particular importância.
Tem sido esse o entendimento da doutrina (Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família – uma Questão de Direito(s)”, Coimbra Editora, 2009, páginas 175 e 176, nota 24; Maria Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 2011, 5.ª edição, Almedina, páginas 271, 272, 279 e 280), assim como da jurisprudência (cf. Ac. R.L. de 21-06-2012, Ac. R.L. de 09-11-2021 e Ac. R.L. 16-05-2023)
O que implica que, na falta de acordo dos progenitores, o tribunal deverá intervir.
E deverá intervir em princípio optando por uma das soluções defendidas pelos progenitores (neste sentido, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, obra citada, pág. 251, nota 163; Maria Clara Sottomayor, obra citada, páginas 287 e 288).
Nessa opção deverá o juiz, como em todas as outras opções, atender em primeiro lugar ao interesse da criança (Clara Sottomayor, obra citada, pág. 288), tendo presente que o processo em causa é de jurisdição voluntária (art.º 150.º da OTM) e por conseguinte na decisão a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar a solução que julgue ser mais conveniente e oportuna para o caso concreto (art.º 1410.º do CPC).
O interesse da criança pode ser tido em consideração para impor a prática de um ato ou a sua proibição. Mas também é respeitado e relevante quando funda um juízo de neutralidade, ou seja, quando dele emana um mero juízo de indiferença em relação a um determinado ato, do qual se diz que nem beneficia nem prejudica a criança, de molde que a opção a tomar poderá depender de razões outras que não propriamente o interesse da criança, em relação ao qual há de todo o modo a certeza de que não será prejudicado.
Indo ao caso dos presentes autos, a este respeito alega o Recorrente que:
“34. Esta família sempre se preocupou com as questões religiosas, fazendo questão que as crianças tivessem acesso às duas religiões – católica e ortodoxa - e acima de tudo que se respeitasse o espaço de cada progenitor, e consequentemente das crianças, para que nunca se sentissem pressionadas por optar por uma ou outra religião.
35. Ora, uma coisa é a participação em festividades religiosas no seio familiar, e a sua importância para a construção da personalidade das crianças, e outra, muito diferente, é a sua doutrinação ou exposição a um credo específico, em sede escolar.
36. Aliás, ao contrário do que ocorria no seio familiar, na escola não existem festividades ortodoxas, ou qualquer referência a esta religião.
37. Com efeito, e apesar de diferente da catequese, a disciplina de EMRC não é neutra do ponto de vista do credo por si preconizado, pois se é certo que promove o conhecimento de religiões diferentes da católica, não deixa de ter como objetivo a difusão e promoção de conhecimentos que dizem respeito à Igreja Católica Apostólica e Romana.
38. Daí não se designar apenas “Educação Moral e Religiosa” mas “Educação Moral e Religiosa Católica”.
39. Não crê o Recorrente que a ausência do L nas aulas de EMRC poderá afectar a sua integração junto dos colegas, no seguimento do que aliás este Tribunal alega.
40. Contrariamente ao que defende a Recorrida, qualquer problema na integração do L deve-se à falta de tolerância da ELM, do seu corpo docente e dos próprios alunos que a frequentam, para a diferença.
41. Entende o Recorrente que o melhor para os seus filhos, atendendo à sua diversa herança religiosa e cultural, é beneficiar de um modelo de ensino laico, protegidos de pressões de toda e qualquer natureza.
42. Acredita o Recorrente que os seus filhos devem ter liberdade para escolher, quando para tal tiverem idade e maturidade, a religião que querem professar, livres da influência de qualquer um dos progenitores.
43. Tal não impede que os meninos acompanhem os pais a missas, rituais ou a cerimónias religiosas de qualquer uma das fés, quando estão a seu cargo, ou que vivam e celebrem os dias festivos de ambas as religiões, conforma aliás sempre o fizeram.
44. Mas esta vivência deverá ocorrer exclusivamente no contexto familiar, para que cada um dos progenitores e a sua religião sejam respeitados, e que seja cultivada a aceitação desta diferença, na defesa do superior interesse destas crianças, ao contrário do que ocorrerá na Escola ***.
45. Sendo os Pais, embora cristãos, fiéis à doutrina de diferentes Igrejas, os meninos não devem ser expostos, em contexto escolar, a apenas uma delas, sob pena dessa vir a assumir um peso predominante na formação da personalidade e espiritualidade das crianças.
46. O que, por sua vez, tem toda uma panóplia de consequências associadas, nomeadamente à diminuição da possibilidade das crianças poderem vir, em consciência e quando forem maiores, a optar livremente pela religião que pretendem professar, ou por nenhuma delas.
47. O superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para cada criança, no seu contexto concreto, e no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral.
48. Neste caso, sendo os progenitores destas crianças de religiões distintas, sempre se impunha o respeito mutuo por cada uma das religiões, para protecção do superior interesse dos filhos, nomeadamente evitando expô-los ao conflito parental desnecessário.
49. Entende o Recorrente que a Decisão recorrida violação o superior interesse do L e M, por violação das normas internacionais supra mencionadas, assim como os art.º 4º do RGPTC e art.º 1096 do CC.”
A este respeito discorreu-se da seguinte forma na sentença recorrida:
“E o mesmo se refira em relação à frequência da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC), a qual, atualmente, e por oposição do progenitor, os meninos não se encontram a frequentar.
Desde logo, invoca o progenitor que professa a religião ortodoxa, não pretendendo que os filhos, em ambiente escolar, sejam expostos a qualquer tipo de orientação religiosa.
Todavia, não é crível que o progenitor, segundo as regras da experiência comum, atenta a sua formação académica, a profissão que exerce (é professor universitário) e a postura, preocupação e investimento demonstrados com o desenvolvimento deste processo, desconhecesse a natureza da orientação religiosa (católica) da Escola *** e a inclusão da disciplina de EMRC no programa educativo. Tal conhecimento ou, noutra perspetiva, a ausência de oposição à frequência, pelos menores, de uma disciplina como é a de EMRC resulta evidente, sem necessidade de outros considerandos, do teor da carta remetida ao diretor da Santa Casa da ***, da qual consta a seguinte passagem “(…) os valores transmitidos pela catequese. Estes valores vão de encontro ao que desejamos para o futuro dos nossos filhos”.
Prosseguindo, o critério orientador do Tribunal na tomada de decisão é o interesse superior da criança, e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele. Efetivamente, o Tribunal não se deverá ater a critérios meramente subjetivos de interesse dos próprios progenitores, sendo que neles interferem variáveis de acordo com as expetativas, vivências e crenças individuais.
Por outro lado, ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual rutura da sua situação conjugal e questões conexas, com a regulação do regime das responsabilidades parentais dos seus filhos, a qual passa, necessariamente, pela escolha do estabelecimento de ensino dos menores. O fim do casamento não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade.
Da factualidade provada não resulta que a frequência, pelos menores, da Escola *** (aqui se incluindo a orientação religiosa da escola, a disciplina de EMRC e outras cerimónias em contexto escolar) seja prejudicial para os menores e possa afetar negativamente o seu desenvolvimento pessoal e/ou a formação da sua personalidade, ou coloque em perigo outros valores da vida em sociedade, nomeadamente direitos fundamentais de outrem, segurança ou ordem públicas. Dos autos emerge uma boa integração dos meninos no estabelecimento de ensino que frequentam atualmente (Escola ***), com bom aproveitamento, sendo que a frequência por parte dos mesmos da disciplina de EMRC, onde se encontram os demais colegas de turma, serviria para reforçar um processo de integração escolar que está a decorrer com bons resultados. Acresce que quebrar esse processo agora, obrigando os menores a mudar de escola e de ambiente escolar a meio do ano letivo seria um fator de desestabilização e tensão que em nada beneficiaria os menores, sendo por isso tal decisão, nesta fase, contrária ao seu superior interesse. Por outro lado, e relativamente aos receios manifestados pelo pai, inexistem razões objetivas que impeçam os menores de, mesmo tendo frequentado a EML, virem a querer professar, enquanto adultos, a religião professada por aquele.
Deste modo, inexistindo circunstâncias que o desaconselhem, entende-se ser manter a opção inicial dos pais pela Escola ***, autorizando-se igualmente a frequência da disciplina de educação moral e religiosa católica, assim como de quaisquer outras cerimónias ou eucaristias em ambiente escolar, decisão que vai ao encontro do superior interesse dos meninos L e M.” Com relevância para a decisão a tomar destacam-se os seguintes factos:
16) Segundo informação prestada pelo Jardim de Infância da Escola *** (18-03-2024) a menina M é assídua, mas nem sempre pontual (com atrasos não muito significativos, independentemente do progenitor que a vem trazer), respeita sempre a farda e apresenta-se bem cuidada, nunca tendo apresentado nenhum sinal de negligência ou maltrato.
18) Em 2021, a menina M entra para a Infantil na Escola ***. O menino L passou a integrar a Escola *** no ano letivo 2024/2025, onde foi matriculado.
19) Do registo de avaliação do menino L, elaborado pela Escola ***, referente ao 1.º trimestre (1.ª intercalar) do ano letivo 2024/2025, o mesmo revela bom aproveitamento escolar.
20) Os progenitores, pelo menos, desde janeiro de 2020, concordaram e diligenciaram para que os filhos frequentassem a Escola ***, por entenderem ser o estabelecimento de ensino mais adequado para a formação escolar das crianças.
21) Em 03-12-2020, os progenitores remeteram carta de apresentação conjunta, dirigida ao Diretor da Santa Casa da Misericórdia da ***, Dr.***, na qual consta que: “Vimos por este meio solicitar uma audiência para apresentar a candidatura dos nossos filhos à Escola *** (…)sempre tive boas referências da Escola, tanto pela minha mãe, que por ser Professora na Escola Secundária da *** recebe alunos da Escola e diz que estão muito bem preparados. E mais recentemente, por dois casais amigos, cujos filhos são alunos também na Escola. Eles sempre gabam os valores da Escola, nomeadamente, o cuidado com o aluno e o seu bem-estar; ensino com profissionais experientes, dedicados e responsáveis; os valores transmitidos pela catequese. Estes valores vão de encontro ao que desejamos para o futuro dos nossos filhos”
24) Em 16-09-2024 o progenitor, através da sua il. mandatária, solicita que o menino L seja eximido da frequência da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica e, bem assim, que nem o mesmo nem a sua irmã M sejam incluídos em atividades/celebrações de natureza religiosa de qualquer espécie.
25) Nesse seguimento, no dia 17-09-2024 a Escola ***informa os progenitores de que:
“(…) até que haja uma decisão do Tribunal, os alunos M e L não deverão frequentar as aulas de EMRC (5.º A, à quinta-feira, das 8h30 às 09h20; pré-escolar em horário a definir no mês de outubro)e não deverão participar em eventos de cariz religioso, como sendo as eucaristias de início de ano letivo de dias 24 (pré-escolar às 10h) e 25 de setembro (2.º ciclo às 10h)”.
Dimensionando a questão, não à escolha da escola, mas à frequência das aulas de EMRC e participação em eventos de cariz religioso, e tendo como assente a divergência entre Requerente e Requerida, temos que aquilo que verdadeiramente está em questão é o leccionamento da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, numa ratio de 40 minutos por semana e uma eucaristia por cada início de ano lectivo.
Esta é a dimensão da questão em causa!
Sem prejuízo da mesma, afirma o recorrente nas suas alegações que: “34. Esta família sempre se preocupou com as questões religiosas, fazendo questão que as crianças tivessem acesso às duas religiões – católica e ortodoxa - e acima de tudo que se respeitasse o espaço de cada progenitor, e consequentemente das crianças, para que nunca se sentissem pressionadas por optar por uma ou outra religião.
35. Ora, uma coisa é a participação em festividades religiosas no seio familiar, e a sua importância para a construção da personalidade das crianças, e outra, muito diferente, é a sua doutrinação ou exposição a um credo específico, em sede escolar. “
Não se consegue descortinar a relevância dada pelo requerente/recorrente a esta questão. Uma coisa seria se por opção dos pais – e atenta a diversidade de religiões – optassem por não educar os filhos de acordo com qualquer uma dessas religiões. Não obstante, não será esse declaradamente o caso! Os pais sempre fizeram questão – a fazer fé nas palavras do requerente – que as crianças tivessem acesso às duas religiões.
Se em casa da mãe os menores são educados segundo a religião e fé católica a continuidade desse ensino na escola nem beneficia nem prejudica a criança, de molde que a posição assumida pelo progenitor terá outras motivações que não propriamente o interesse da criança.
Não se descortina assim a razão pela qual o acesso a uma religião que já era e é permitida, participada e vivenciada em casa, já não o deva ser na escola. Por outro lado, privar o menor da frequência dessas aulas e de participação nos momentos eucarísticos é uma manifestação de “diferença” em razão dos seus pares, por imposição de um progenitor, que não necessariamente por vontade da criança.
O tratamento diferenciador de uma criança em contexto escolar justificar-se-á sempre que haja razões que dêem corpo e justificação a essa diferenciação. Caso contrário poderá sempre ser encarado como factor estigmatizante. Não deixa de ser o próprio recorrente a admiti-lo quando afirma, nas suas alegações de recurso, que “Ainda que se sugira que possa ser o L a decidir se quer ou não frequentar esta disciplina, é mais do que expectável que este diga que pretende frequentar a disciplina de EMRC, à semelhança do que fazem os demais colegas.”!
Se previsivelmente, como adianta o próprio recorrente nas alegações, seria essa a opção do menor, cabe ao progenitor respeitar essa opção da criança. Só assim não seria se se demonstrasse que tal ensino religioso comportasse perigo para as crianças, para o desenvolvimento da sua personalidade e vida em sociedade (neste sentido ver Ac. da R.L. de 16-05-2023, supra citado).
Da matéria de facto carreada para os autos nada nos aponta no sentido de se antever qualquer perigo para a criança e sua personalidade ou mesmo de tornar compreensível a posição do requerente, acima de tudo quando a mesma apenas é manifestada e afirmada de forma tão veemente após uma situação de ruptura. A questão da orientação religiosa da escola e da frequência das aulas de EMRC só passou a ser fracturante após a separação e divórcio. E essa não é uma razão plausível para a mudança de posicionamento parental no contexto escolar e apenas e tão só no contexto escolar. Uma vez que no contexto familiar o Requerente já nenhuma objecção tem a fazer.
A este respeito alega ainda o recorrente que “Com efeito, a não frequência da disciplina de EMRC nunca seria razão, se a Escola *** fosse efetivamente uma escola tolerante e capacitada para admitir e promover a liberdade religiosa, para que o L fosse “tratado de forma diferente”. Por que o que está na raiz do problema é a intolerância que os docentes e os alunos da Escola *** vêm a demonstrar por opção que contrarie ou se afaste dos seus valores.”.
Ora, conforme resultou provado – cf. factos 24 e 25 – na sequência do requerimento da mandatária do requerente (de 16-09-2024) dirigido à escola, a mesma – prontamente (17-09-2024) – informou os progenitores de que “(…) até que haja uma decisão do Tribunal, os alunos M e L não deverão frequentar as aulas de EMRC (5.º A, à quinta-feira, das 8h30 às 09h20; pré-escolar em horário a definir no mês de outubro)e não deverão participar em eventos de cariz religioso, como sendo as eucaristias de início de ano letivo de dias 24 (pré-escolar às 10h) e 25 de setembro (2.º ciclo às 10h)”.
Da posição assumida pela escola e da rapidez de resposta dada pela mesma (independentemente de o requerimento ter sido apresentado por um advogado e não pelo próprio encarregado de educação/pai), não retiramos qualquer intolerância ou incapacidade para admitir e promover a liberdade religiosa. Muito pelo contrário. Aquilo que se percepciona é uma atitude de completo respeito pela opção de um progenitor (mesmo em detrimento de outro) e uma serenidade no aguardar de posição por parte do Tribunal.
Não se colhem assim razões para, do ponto de vista e sob o prisma do superior interesse dos menores, alterar a decisão recorrida.
3.b) Concreta definição do regime de férias dos menores e viagens ao estrangeiro
A este respeito decidiu-se em 1.ª instância:
“ (…)
10) As crianças passarão com cada progenitor metade das suas férias escolares de Natal e Páscoa.
a. Especificamente quanto ao presente ano de 2024, as crianças passarão com a mãe a primeira metade do período de férias de natal (com início no dia subsequente ao termo do período letivo de aulas) e a segunda metade (com termo no último dia do período de férias de natal) com o progenitor.
11) As crianças passarão com a mãe o dia 24 e 25 de dezembro e com o pai o dia 6 e 7 de janeiro.
12) A véspera e o dia de Ano Novo serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se, no presente ano, com o pai.
13) O Domingo de Páscoa será passado com a mãe, o dia de Páscoa Ortodoxa com o pai e o dia de Carnaval alternadamente com cada um dos pais. No caso de eventual sobreposição dos dias de Páscoa, as crianças almoçarão com um dos progenitores e jantarão com o outro.
14) As crianças passarão, com cada progenitor, metade das suas férias escolares de verão, em períodos repartidos, e sucessivos, de duas semanas.
a. Os progenitores ficam obrigados a comunicar entre si, até 31 de maio, qual o período de férias que pretendem passar com os filhos. Em caso de coincidência inultrapassável do período de férias dos progenitores, o respetivo período coincidente será dividido pelos dois, de forma igualitária.
b. As crianças poderão passar uma quinzena com o pai na Sérvia ou Montenegro, ficando desde já autorizados a viajar para esse território, sem necessidade de consentimento da mãe.
(…)”
O inconformismo do recorrente prende-se com a circunstância de a autorização para viagens à Servia ou Montenegro se cingirem às férias escolares de verão e ao período de 15 dias.
Com efeito, alega o Recorrente que:
“O L e a M têm uma enorme ligação à família paterna, com quem conviviam todos os anos, passando longas temporadas na Sérvia e no Montenegro junto destes familiares.
Até à entrada do L na escolaridade obrigatória, a família viajava pelo menos duas vezes por ano a estes destinos, num total de 2 (dois) meses, ritmo que apenas diminuiu durante a pandemia COVID-19.
Veja-se o histórico de viagens dos meninos nos últimos anos, conforme documentação junta com as alegações submetidas pelo Recorrente a 19.09.2024:
- Em 2018, os meninos viajaram para a Sérvia e para o Montenegro para visitar os familiares paternos em março, durante três semanas, em julho, por uma semana e meia, e em novembro, por duas semanas e meia. cf. Docs.1, 2 e 3 juntos com as alegações do Recorrente de 19.09.2024;
- Em 2019, viajaram novamente em abril, pelo período de duas semanas, em julho, por duas semanas, e em novembro. cf. Docs.4 e 5, juntos com as alegações do Recorrente de 19.09.2024;
- Em 2020, não viajaram devido às restrições impostas em virtude da pandemia COVID-19;
-Em 2021, apesar de ainda se verificarem restrições às viagens internacionais, as crianças viajaram para a Sérvia e para o Montenegro, aí permanecendo por um mês e meio, no Verão. cf Doc. 6 junto com as alegações do Recorrente de 19.09.2024
- Em 2022, os meninos viajaram novamente para a Sérvia e para o Montenegro e lá permaneceram durante um mês, em agosto. cf. Doc.7 junto com as alegações do Recorrente de 19.09.2024;
- Em 2023, viajaram para a Sérvia e para o Montenegro, durante os dois meses de verão (Julho e Agosto), ininterruptamente. cf. Doc.8 junto com as alegações do Recorrente de 19.09.2024;
- Em 2024 foi o primeiro ano em que os meninos não visitaram os familiares paternos na Sérvia ou no Montenegro, o que o Recorrente crê muito ter entristecido as crianças.
Aliás, o próprio L referiu, aquando da sua audição em Tribunal a 28 de agosto de 2024, que gostaria de os ter visitado este ano, tendo inclusivamente aludido à sua especial ligação com o avô, e às saudades que sente dele.
Tanto o L como a M gostam muito de brincar com os primos da sua idade, que residem no Montenegro e na Sérvia, ansiando frequentemente pelas visitas ao país e pelos seus encontros anuais.
Acrescente-se ainda que, com a ingressão na escolaridade, as crianças deixaram de ter oportunidade de celebrar qualquer festividade com a família paterna, visto que as festividades ortodoxas são celebradas sempre durante o ano lectivo.
(..)
O Recorrente tem disponibilidade para gozar com os filhos um período de férias prolongado, que não somente 15 dias.
Um período de férias mais prolongado, inclusivamente no Verão, permitiria às crianças aproveitar melhor a companhia dos familiares, criar rotinas e laços com os primos, memórias que apenas se constroem com tempo.
Embora as crianças falem frequentemente com estes membros da família, por via telefónica, crê-se que os convívios presenciais frequentes permitiram preservar de forma mais eficaz aqueles laços.
Assim lhes proporcionado, igualmente, uma maior proximidade da cultura sérvia, que são também parte integrante da identidade do L e da M.
Assim como o Recorrente aceita os condicionalismos de uma residência em Portugal, terá igualmente a Recorrida de aceitar os condicionalismos associados à circunstância de as crianças também terem origem sérvia e familiares residentes no estrangeiro, com quem têm uma relação afetiva e igualmente próxima à que têm com os seus familiares portugueses.
A distância geográfica dos familiares paternos deve ser, portanto, compensada com contactos mais recorrentes e mais longos, que apenas se poderão concretizar com, no mínimo, visitas bianuais e prolongadas ao estrangeiro, mormente ao país natal do seu pai.
Não existem razões de facto ou de direito que aconselhem as crianças a gozar os períodos festivos do Natal e da Páscoa exclusivamente com a família alargada materna, quando também podem e devem deles gozar na companhia da família paterna.
Acrescente-se, a este propósito, que os períodos festivos assumem importância ímpar na construção da personalidade das crianças, sendo um momento de partilha e construção de tradições e rituais, estruturantes de sentimentos de pertença.
Deverá assim permitir-se ao Recorrente – e também ao L e à M - viajarem para a Sérvia e para o Montenegro também períodos de férias da Páscoa e de Natal.
É nosso entendimento que a privação destes meninos de conviverem com a família paterna alargada é contrária ao seu superior interesse.
Conforme acima exposto, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para cada criança, no seu contexto concreto, e no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral.
No contexto familiar do L e da Ma, em que a família paterna reside em País distinto, as viagens ao estrangeiro, especificamente à Sérvia e a Montenegro deveriam ser encaradas como algo imprescindível para o desenvolvimento saudável destas crianças.
Não será demais recordar que até à separação, e ao densificar do conflito parental, estas crianças viajavam para países pelo menos duas vezes por ano e durante períodos prolongados.
Actualmente, e ainda que as obrigações escolares impeçam que as crianças viajem em qualquer altura do ano, podem continuar a fazê-lo durante os períodos de férias, que incluem o Natal e a Páscoa, e que não se resumem ao Verão.
É unanimemente reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico que o convívio dos netos com os seus avós é estruturante para um crescimento harmonioso e equilibrado, quer na perspetiva dos afetos partilhados, quer também por promover a criação de um conceito alargado de família e memória familiar, de sentido de integração e pertença. (…)”
Em sede de resposta às alegações do Recorrente, defendeu o Ministério Público que:
“ 7. Relativamente às viagens no decurso do período escolar, entendemos que as mesma deverão apenas ocorrer quando exista acordo entre ambos, na medida em que a realização das mesmas poderão conflituar com a frequência regular das aulas e período de descanso associados à frequência das aulas.
8. Admitir que nos outros períodos de férias os menores se ausentem para a Sérvia seria na verdade impedir que a mãe passasse qualquer tempo com os menores nas férias do Natal e Páscoa, pois que não fará sentido os menores fazerem uma deslocação por tão poucos dias.
9. O facto de os menores estarem habituadas a viajar para aqueles países também nos períodos correspondentes às férias escolares da Páscoa e do Natal, a fim de compensar a distância da família alargada paterna fazia todo o sentido quando ambos os progenitores viviam juntos, porquanto nessas ocasiões as crianças estavam com ambos os pais.
10. Acresce ainda que incumbe ao Tribunal aferir o regime que acautele o superior interesse de cada um dos menores, e não da família paterna das crianças, pelo que entendemos que o regime decidido deverá ser mantido.
(…)”
A razoabilidade da decisão proferida e as contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público seriam suficientes para, aderindo na integra aos seus argumentos, confirmar a decisão recorrida.
Não obstante, sempre se dirá o seguinte:
- é espúrio chamar à colação as visitas que os menores faziam à Servia e Montenegro no período que antecede a separação dos seus pais: as férias eram marcadas em conjunto, as viagens eram feitas em conjunto e não havia necessidade de dividir equitativa e igualitariamente períodos de lazer, em tempo de férias, entre os progenitores.
- actualmente os pais estão separados, os menores têm compromissos escolares, os pais terão um período de férias a que terão direito e a tenra idade dos menores – em especial da M – aconselham a que não estejam afastados dos mesmos por grandes períodos de tempo.
- pelo que a repartição do período de férias escolares de verão por cada progenitor em períodos de 15 dias sucessivos e alternados afigura-se-nos ponderada, equilibrada e conforme aos interesses dos menores.
A este respeito não podemos deixar de referir que:
- A M ainda não tem 6 anos. À data da sentença nem 5 anos tinha. Pelo que, afastar uma criança de tão tenra idade - habituada a passar uma semana com o pai e um semana com a mãe - quer da figura materna, quer da figura paterna, por mais de 15 dias, pode trazer-lhe sentimentos de insegurança e instabilidade.
De notar que do relatório do NIJ - posterior à audição dos menores pela técnica especializada - consta (facto 26), relativamente à M, "Por sua vez, M mostrou também um conhecimento acentuado da situação de conflito entre os pais, (....) e necessidade de proximidade à mãe (…).
E do Relatório da perícia médico-legal ( de 19-08-2024) consta (facto 31) "Neste sentido, (...), se deveria providenciar um contexto e rotinas mais estáveis e melhor definidas a nível espácio-temporal, que são concomitantes com um regime de residência alternada”.
Por muito que quer para o pai, quer eventualmente para a mãe, pudesse ser mais benéfico repartir a totalidade das férias escolares em dois, e dividi-las por ambos, afigura-se-nos que para as crianças - atenta a sua idade, à forma como se adaptaram às rotinas dos regimes provisórios e da guarda alternada e ao constante dos relatórios e perícia medico-legal – nenhum benefício se retiraria da circunstância de estarem tanto tempo afastados de cada um dos progenitores (quer do pai, quer da mãe).
- um período consecutivo de 15 dias de férias poderá não corresponder aos interesses do pai e da família paterna, poderão os mesmos ter expectativas de passar mais tempo juntos. E se tais expectativas são legítimas, nada impede que também a família paterna se desloque a Portugal para visitar o Requerente e os menores e aqui passem algum período de tempo.
Sem prejuízo do crescimento das crianças e amadurecimento da sua estabilidade emocional e relacional – que possam vir a justificar um ampliar do período de férias escolares de verão no estrangeiro – ou de eventual acordo dos progenitores nesse sentido, por ora, afigura-se-nos que o regime fixado na sentença recorrida – de 15 dias no estrangeiro com o pai dispensando o consentimento da mãe para essa deslocação - se mostra equilibrado, adequado e conforme aos interesses das crianças.
- permitir que os menores, nas férias da Páscoa ou do Natal, se desloquem à Servia /Montenegro com o pai equivale – tendo em atenção a duração das interrupções lectivas nestas épocas - permitir uma de duas: “visitas relâmpago” ou, ao invés, anular o período de férias da Pascoa e/ou Natal com a progenitora, sendo certo que não se nos afigura aceitável que tal aconteça à custa ou em detrimento da requerida e de igual período de lazer que a mesma e a sua família têm direito a ter com os menores, nestas épocas festivas. Pelo que, sem prejuízo de eventual acordo dos progenitores, não se afigura ser de fixar um outro regime - para este concreto período de férias escolares - que dispense o consentimento de qualquer um dos progenitores.
Por tudo o exposto supra, afigura-se-nos que a decisão recorrida é equilibrada, adequada e conforme aos superiores interesses dos menores, sendo a mesma de manter.
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V- Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a suportar pelo Requerente/Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 06-03-2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Nuno Luís Lopes Ribeiro Melo (vencido, nos termos da declaração infra)
Gabriela de Fátima Marques
Declaração de voto
Votei vencido, na medida em que discordo da solução adoptada pela maioria do colectivo, no que tange à autorização das deslocações para Sérvia e Montenegro.
O posição que obteve vencimento, sufragando o regime estabelecido no Tribunal recorrido, apenas autoriza tais deslocações, pelo período de 15 dias no Verão.
Ora, permanecendo as crianças metade das férias de Natal, Páscoa e Verão com o progenitor, não vejo razão para que não se autorizem essas deslocações, nas datas coincidentes com aqueles períodos de férias.
Pelo contrário, tenho para mim que o superior interesse das crianças, plasmado na convivência com a parentela paterna e no enriquecimento pessoal inerente à deslocação àqueles países – que também serão seus – postula a referida coincidência, nenhum inconveniente se vislumbrando.
Pelo que optaria pela autorização mais flexível, permitindo que as férias passadas com o progenitor fossem gozadas integralmente quer em Portugal quer na Sérvia ou no Montenegro, devendo proceder, nessa parte, o recurso.
No restante, subscrevo a decisão. Nuno Lopes Ribeiro