CONTRATO DE TRABALHO SUJEITO A LEI ESTRANGEIRA MAS EXECUTADO EM PORTUGAL
NÃO PAGAMENTO DE FÉRIAS E SUBSÍDIO DE FÉRIAS / NORMAS INDERROGÁVEIS.
ELEMENTO SUBJETIVO NAS CONTRAORDENAÇÕES LABORAIS
COMPETÊNCIA PARA A REALIZAÇÃO DO CÚMULO JURÍDICO
Sumário

I – São normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de subsídio de férias e um subsídio de Natal.
II – Ainda que o contrato individual de trabalho seja regulado pela lei de outro país (nos termos escolhidos pelas partes), sendo o mesmo contrato executado em Portugal, o trabalhador tem direito ao pagamento do subsídio de férias e do subsídio de Natal.
III – Nas contraordenações laborais, em que a negligência é sempre punível, o elemento subjetivo, no caso da negligência, reside na conduta do agente ao omitir um dever de cuidado a que estava obrigado por lei, extraindo-se da factualidade apurada que integra o elemento objetivo.
IV – Não abrangendo o recurso interposto cinco contraordenações em concurso pelas quais a arguida foi condenada em 1.ª instância, e sendo na procedência do recurso a arguida condenada pela prática de mais oito contraordenações em concurso com a inerente fixação das coimas parcelares correspondentes, cabe à 1.ª instância aplicar a coima única, reformulando o cúmulo jurídico formulado.

(Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora)

Texto Integral

PROCESSO Nº 6865/22.8T8MAI.P1-RECURSO PENAL

(CONTRAORDENAÇÃO LABORAL) Secção Social

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho da Maia -J1




Relatora - Germana Ferreira Lopes
1.º Adjunto – António Joaquim da Costa Gomes
2.º Adjunto – António Luís Carvalhão





Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto



I – Relatório


1. A ACT-Autoridade para as Condições do Trabalho proferiu decisão que, em cúmulo jurídico, aplicou à arguida A... DAC a coima única de € 80.500,00, pela prática de:
(i) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...98 – coima parcelar aplicada € 13.000,00);
(ii) uma contraordenação grave prevista e punida pelos artigos 239.º, n.º 7, e 554.º, n.ºs 3, alínea e), e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...52 - coima parcelar aplicada € 2.000,00);
(iii) uma contraordenação grave prevista e punida pelos artigos 238.º, n.º 6, e 554.º, n.ºs 3, alínea e), e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...53 - coima parcelar aplicada € 2.000,00);
(iv) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 171.º, n.º 1, da Lei 98/2008, de 4 de setembro e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...54 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(v) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 171.º, n.º 1, da Lei 98/2008, de 4 de setembro e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...58 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(vi) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 171.º, n.º 1, da Lei 98/2008, de 4 de setembro e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...60 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(vii) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...55 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(viii) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...56 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(ix) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...57 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(x) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...00 - coima parcelar aplicada € 13.000,00);
(xi) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...59 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(xii) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...61 - coima parcelar aplicada € 10.000,00);
(xiii) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 25.º, n.º 8, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo n.º ...79 - coima parcelar aplicada € 48.000,00);
(xiv) uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 129.º, n.º 2[1], e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho (processo ...80 - coima parcelar aplicada € 13.000,00).
A ACT sancionou a Arguida como reincidente no que respeita às contraordenações muito graves identificadas em (i), (x), (xiii) e (xiv) – processos ...98, ...10, ...79 e ...80.
A ACT aplicou ainda a sanção acessória de publicidade da decisão condenatória nos termos do artigo 562.º do Código do Trabalho no âmbito dos processos ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...98, ...00, ...79 e ...80.

A A... DAC apresentou impugnação judicial, que tinha como objeto as contraordenações relativas aos processos relacionados com o pagamento de subsídio de férias (processos ...98, ...59, ...61) e subsídio de Natal (processos ...55, ...56, ...57 e ...00), à alegada infração de redução da retribuição (processo ...80) e por discriminação de trabalhadores (processo ...79).
Em sede de impugnação, a A... DAC, quanto aos processos relacionados com o pagamento de subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 2018 e 2019, sustentou, em síntese, que: à luz do enquadramento que se aplicava aos trabalhadores e dos factos apurados, é demonstrável que existe uma ligação mais estreita da relação em causa à lei ..., o que determina a sua aplicação à relação laboral; mesmo que dos factos não resultasse a aplicação da lei ..., as partes escolheram a aplicação de tal lei ao contrato, pelo que não se poderia afastar essa lei no domínio da retribuição dos trabalhadores, dado que da mesma não resulta a privação da proteção dos trabalhadores (o salário anual recebido é mais elevado que o salário mínimo nacional garantido em Portugal). Concluiu que não cometeu qualquer infração nesta matéria.
Quanto ao processo referente à alegada redução da retribuição, argumentou que: a uma remuneração anual paga em 12 vezes nos termos e enquadramento descrito, sucedeu-se, por acordo, uma remuneração em que se passou a pagar o mesmo valor mas em 14 vezes – 11 meses de salário, 1 mês de férias, subsídio de férias e de Natal (subsídios desde 2019 pagos em duodécimos, desde a passagem para a legislação portuguesa); passou a pagar o valor do salário anualmente acordado em 14 vezes, na sequência de acordos com os trabalhadores e adaptando o seu modelo, mas manteve sempre o mesmo pagamento anual, pelo que é falso que tenha procedido à apontada diminuição salarial.
Relativamente ao processo por alegada infração por discriminação dos trabalhadores, defendeu que não praticou qualquer ato discriminatório, mas apenas de gestão dos trabalhadores de acordo com a prestação dos mesmos que envolvem menores custos para a Impugnante.
A Impugnante invocou também que não se verifica uma situação de reincidência, argumentando que foi sancionada como reincidente com base no facto de existirem processos de contraordenação muito grave transitados nos últimos 5 anos, sendo que tais processos emergiram de factos e foram instruídos em processos concomitantes aos discutidos nestes mesmos autos, não tendo reiterado qualquer comportamento infrator.
Em termos de moldura da coima, sustentou que mesmo que se desconsiderasse o teor da impugnação, o valor da coima a aplicar deveria ser próximo do mínimo da moldura aplicável.
Terminou nos seguintes termos:
- deve a impugnação ser julgada procedente e a impugnante absolvida das contraordenações supra mencionadas;
- deve ser revogada a decisão na parte em que considere a impugnante como reincidente, com as devidas consequências legais;
- deve ser a coima estipulada em valor próximo do montante mínimo da moldura da coima aplicável em cúmulo jurídico.

2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:

«Em face do exposto, julgo procedente o recurso de impugnação judicial interposto por A... DAC e, nesta conformidade, altero a decisão administrativa impugnada, nos seguintes termos:

- condeno a Recorrente na coima única de € 22.000,00 (vintes e dois mil euros) pela prática das contraordenações referentes aos processos n.º ...52; n.º ...53; n.º ...54, n.º ...58 e; n.º ...60;

- condeno a Recorrente na sanção acessória de publicidade desta decisão nos termos do artigo 562.º do Código do Trabalho e;

- absolvo a Recorrente da prática das restantes contraordenações imputadas.


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Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C. – artigo 94º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, artigo 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e, Tabela III anexa a este diploma legal.

*

Comunique à ACT, nos termos do artigo 45.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
*
Proceda-se ao depósito da presente sentença na Secretaria Judicial.
Registe e Notifique.».

3. Discordando desta decisão na parte em que a arguida foi absolvida quanto às contraordenações imputadas pela ACT pela falta de pagamento dos subsídios de Natal (processos ...55, ...56, ...57 e ...00) e de férias (processos ...98, ...59, ...61) e pela violação do princípio da retribuição (processo ...80), o Ministério Público interpôs recurso, nos termos da motivação junta e que sintetizou com as seguintes conclusões (transcrição[2]):

«1 - Resulta da sentença recorrida que os factos não provados que se reportam aos elementos subjetivos do pagamento dos subsídios de Natal e férias decorrem dos factos objetivos julgados como provados através dos quais se pode extrair que a Recorrente está convicta que nenhum ilícito praticou pois contratou com os trabalhadores portugueses como com quaisquer outros de outra nacionalidade um salário anual que decomposto em 12 prestações mensais ou 14 prestações mensais sempre é superior ao salário mínimo nacional. O facto de o salário anual ser pago em 12 prestações resulta unicamente da lei ... que não prevê o pagamento em 14 prestações, mas se os trabalhadores portugueses assim o quiserem terão o seu salário pago em catorze prestações e, assim têm os seus subsídios.

2 - E, aqui entramos nos elementos subjetivos do tipo contraordenacional referente à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. Com efeito, o trabalhador recebe o salário que contratou com a Recorrente, mas pago em 14 vezes.

3 - É desta decisão que interpomos o presente recurso.

4 - Entendemos que a douta decisão em apreço é merecedora da nossa discordância, porquanto não extrai a devida consequência dos factos dados como provados, no que respeita ao elemento subjetivo.

5 - Não é líquida a forma como o Tribunal “a quo” alcançou os factos dados como não provados, afastando, com base neles, o elemento subjetivo, levando a decisão recorrida a estar ferida de contradições.

6 - Os valores em causa e os interesses protegidos no processo penal e no processo contraordenacional são diferentes, tal como o são as exigências formais e de fundamentação.

7 - No preâmbulo do Decreto-lei 433/82, de 27 de outubro (RGCOC), reafirma-se que: “O aparecimento do direito das contra-ordenacões ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua ação conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc. A aproximação do ilícito de mera ordenação social aos institutos e figuras do direito e do processo penal foi, pois, determinada pelo alargamento das áreas de intervenção do direito de mera ordenação social, em particular a "circuitos económicos e tecnológicos complexos", com "um considerável agravamento dos montantes das coimas e um alargamento do leque de sanções acessórias aplicáveis"”.

8 - As contra-ordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão-só à tutela de meras conveniências de organização social e económica e à defesa de interesses vários, que incumbe ao Estado regular. Estas normas, ditas de mera ordenação social (que não devem validar a afirmação de que estaremos perante um «direito de bagatelas penais»), não têm a ressonância ética das normas penais mas não deixam de ter a sua tutela assegurada através da descrição legal de ilícitos que tomam o nome de contraordenações, cuja violação é punível com a aplicação de coimas.

9 - No caso vertente, estamos perante interesses sociais e económicos de extrema importância, que se referem aos montantes monetários que os trabalhadores recebem em troca da prestação da sua força de trabalho (relação sinalagmática), sendo, pois, interesses de forte relevância, que impõem a intervenção do Estado, que taxa estes comportamentos desconformes das entidades empregadoras como contraordenações muito graves.

10 - A recorrente “A...” celebrou contratos de trabalho que expressamente pressupunham que a mobilidade do trabalhador era essencial para a posição em causa.

11 - As partes acordaram um salário base anual bruto, tendo os trabalhadores abrangidos pela ação inspetiva da ACT sido posteriormente transferidos para o Aeroporto do Porto.

12 - O Tribunal “a quo” entendeu que a recorrente “A...” estava convicta que não estava a praticar qualquer ilícito.

13- Compulsados os factos dados como provados, constata-se que a recorrente conhecia perfeitamente a lei Portuguesa e o facto de na mesma se prever o pagamento aos trabalhadores de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.

14 - Tanto sabia que fez constar essas verbas nos recibos de vencimento dos trabalhadores, embora atribuindo-lhe outras denominações.

15 - Tanto sabia que fez constar essas verbas nos recibos, descontando-as no mesmo recibo.

16 - Tanto sabia que tentou acordar com os trabalhadores a divisão do salário bruto em 14 parcelas (em vez de doze), pagou valores diferentes ao longo dos meses ou tentou pagar percentagens de 15% dos vencimentos nesses meses (respeitantes àqueles em que os trabalhadores deveriam receber subsídios de férias e de Natal).

17 - Assim, não nos podemos conformar com as conclusões retiradas pelo Tribunal “a quo”, quando afirma que a recorrente agiu na convicção que a sua conduta não era ilícita.

18 - O Tribunal “a quo” admitiu que se aplicava a lei ..., abstraindo o “valor do salário mínimo da lei ...”, admitindo que os trabalhadores podem perfeitamente dividir o salário em 14 meses e não em 12 meses.

19 - Como se lê no Acórdão da Relação de Lisboa, de 15 de setembro de 2021, Processo 2191/19.8T8PDL.L1 “(…) a Lei ... (…) priva o aqui trabalhador da proteção que lhe é conferida pela Lei Portuguesa por disposições não derrogáveis, no que concerne aos subsídios de férias e de Natal. As disposições do Código do Trabalho que preveem os subsídios de férias e de Natal são imperativas e não podem ser derrogadas por acordo das partes, constituindo os mesmos prestações obrigatórias” (isto porque a Lei ... não prevê o pagamento de subsídios de férias e de Natal).

20 - E, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 7 de julho de 2023, no Processo número 158/20.2T8MTS.P1.S1, afirma que:

“I – É obrigatório o pagamento a trabalhadores, cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal, de subsídio de férias e de Natal;

II – Se a base de afetação do trabalhador se situa em território português, se o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho afastou a lei portuguesa (…) tal não pode lograr o resultado de afastar as normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal”.

21 - Não resulta dos factos provados que o regime aplicado a estes trabalhadores protege globalmente um valor superior de remuneração.

22 - Resulta, sim, repete-se, que a recorrente conhecia a Lei Portuguesa e, consequentemente, a obrigatoriedade de pagar Subsídios de férias e de Natal.

23 - Não se compreendendo, assim, que dos factos provados se retire a ilação que a recorrente agiu sem consciência da ilicitude da sua conduta, absolvendo-a das contraordenações imputadas.

24 - A conclusão a extrair dos factos dados como provados deveria ser a contrária, ou seja, que a recorrente estava perfeitamente consciente da sua atuação, tendo agido em desconformidade com a lei portuguesa, pelo que deve ser condenada pela prática das oito contraordenações que lhe foram imputadas a este título pela ACT.».


4. A Impugnante/Arguida apresentou contra-alegações, que finalizou nos seguintes termos:
“(A) Deve a decisão do Tribunal a quo ser integralmente mantida e confirmada na parte em que absolveu a Recorrente da prática das contraordenações relativas aos processos n.ºs ...59, ...61, ...98, ...55, ...56, ...57, ...00 e ...80, fazendo-se assim Justiça; ou
(B) Assim não se entendendo, o que por mero dever de patrocínio se concede, deve a decisão do Tribunal a quo ser parcialmente mantida e confirmada na parte em que absolveu a Recorrente da prática das contraordenações relativas aos processos ...59, ...61, ...55, ...56, ...57 relativos a 2018.”.
Invocou, em síntese, o seguinte:
- A impossibilidade de recurso da matéria de facto, sendo que, em face da matéria assente e da que resulta claramente não provada, deve concluir-se que não se provou qualquer falta de cuidado e, assim, negligência, da Impugnante, pelo que inexiste elemento subjetivo que possa fundar a sua responsabilidade contraordenacional;
- A inexistência de factos que demonstrem qualquer culpa ou negligência, argumentando que ainda que o Ministério Público possa concluir pela ilicitude da conduta da Impugnante, não existem quaisquer elementos nos autos que permitam concluir que atuou de forma negligente, muito menos de forma dolosa, inexistindo os elementos subjetivos de que depende a responsabilidade contraordenacional;
- A diferenciação da atuação da Impugnante, argumentando que, mesmo que se admitisse (no que não concede) que os factos aludidos pelo Ministério Público demonstram a sua responsabilidade subjetiva, os mesmos não têm aplicação à factualidade relativa ao ano de 2018, pelo que não se verificam os pressupostos de responsabilidade subjetiva de que dependeriam a aplicação de coimas relativas aos processos ...59, ...61, ...55, ...56, ...57, todos relativos aos subsídios de férias e de Natal de 2018;
- Nada existe de ilícito na conduta da Recorrente, sustentando que está em causa a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 593/2008 e a aplicação dessa norma implica que se faça um exercício comparativo entre a lei escolhida entre as partes (lei ...) e a lei que seria aplicável na falta de acordo (lei portuguesa), sendo que numa base anual, o regime irlandês sempre foi mais protetor do que o regime português considerando o quantum da remuneração, pelo que mesmo que os artigos 263.º, 264.º e 273.º do Código do Trabalho sejam considerados não derrogáveis por acordo para efeitos da norma comunitária, aquilo que revela é que está garantida a maior proteção que o dito artigo 8.º, n.º 1, pretende conferir à parte mais vulnerável. Defende que, em face do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 593/2008, quanto à remuneração não há nenhuma razão para afastar a lei ..., escolhida entre as partes, já que da aplicação desta não resulta, em matéria de remuneração, qualquer privação da proteção concedida pelas disposições da lei portuguesa não derrogáveis por acordo.
- Quanto à medida da coima, caso venha a proceder o recurso do Ministério Público, a moldura penal deve ser alterada em conformidade, devendo as eventuais coimas a aplicar in casu ser integradas no cúmulo jurídico aplicado na sentença recorrida, sendo aplicada uma coima única pela prática das contraordenações alvo do presente recurso e pela prática das contraordenações já julgadas pelo Tribunal a quo. Defende que essa coima única deverá situar-se muito mais próxima do valor mínimo atendível e nunca acima de 50% do valor possível.

5. Foi admitido o recurso nos termos plasmados no despacho proferido pelo Tribunal a quo refª citius 458823601.

6. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer (artigo 416.º do Código de Processo Penal), no qual consta, além do mais, o seguinte:
«4. Acompanhamos a alegação e conclusões de recurso do Ministério Público na 1ª instância, para que se remete.
5. Na verdade, como se lê no sumário do Ac. do TRP, de 05.06.2023, (Proc. 551/20.0 T8PRT.P1, Ref. 16996477 - Jerónimo Freitas), em situação semelhante, “Estando provado que a Recorrente nunca pagou subsídio de férias à Autora durante todo o período de vigência do contrato, compreendido entre 25.03.2012 e 28.02.2019, nem tão pouco pagou subsídio de Natal, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova de que a escolha da lei ... para regular o contrato e a consequente estrutura retributiva fixada e praticada, não importou como consequência para a trabalhadora privá-la “da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º, em concreto, o direito a serem-lhe pagos os subsídios em causa, previstos na legislação portuguesa em normas inderrogáveis, nomeadamente, nos artigos 263º, nº1 e 264º, nº4 do CT/09, por ser a lei do país “a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho” [art.º 8.º/2 do Regulamento Roma I].
E ainda no Ac. do TRP, de 18.09.2023 (Proc. 5001/ 21.2T8MAI.P1, Ref. 17247217 (Jerónimo Freitas), “Do disposto no art.ºs 263º, n.º 1, e 264º, n.º 3, do Código do Trabalho, não resulta obstáculo a que as partes acordem no pagamento, respectivamente, do subsídio de Natal e do subsídio de férias, de forma diversa da prestação única, p. ex. em duodécimos conjuntamente com a retribuição mensal. Para que se concluísse que a Ré cumpriu o dever de pagamento dessas retribuições, por estarem contidas no valor total, englobando cada uma das 12 retribuições mensais uma parte destinada a cobrir os valores a título de subsídio de férias e de Natal, era necessário que tal se extraísse da matéria provada. Não há qualquer facto provado que minimamente indicie que na celebração do contrato as partes quiseram fixar um valor global de retribuição mais alto cobrindo logo o que seria devido a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, estabelecendo esse acordo no clausulado do contrato. O ónus dessa prova recaía sobre a Ré.”
Como salientado nas conclusões de recurso, “não resulta dos factos provados que o regime aplicado a estes trabalhadores protege globalmente um valor superior de remuneração”,
E sendo certo que no início foi escolhida a lei ..., que não prevê o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, não podiam estes, estar incluídos no valor acordado de retribuição e nos duodécimos pagos.
Provou-se que, depois, “em 28/11/2018, a arguida e o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) celebraram um acordo que veio prever a transição e futura aplicação da legislação laboral portuguesa às relações laborais entre a arguida e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal – facto provado 47.
E que “Neste contexto, em finais de janeiro de 2019, a arguida comunicou aos trabalhadores a desempenhar funções em Portugal que a partir de 01/02/2019 iria passar a aplicar-se à relação laboral entre as partes a legislação laboral portuguesa, o que veio a suceder” – facto provado 48.
E, nesta sequência, “A partir de 28/02/2019, os subsídios de férias e de Natal passaram a ser referenciados nos recibos de retribuição dos trabalhadores AA, BB e CC, mas o seu valor era simultaneamente creditado e descontado” – facto provado 88.
Ou seja, creditavam-se aos trabalhadores, os valores dos subsídios, cumprindo a Lei Portuguesa, mas, simultaneamente eram descontados, o que significa que não eram pagos, contrariando normas imperativas e inderrogáveis da Lei Portuguesa.
Assim, entende-se que está consumada a infracção, pelo menos em relação ao ano de 2019.
Pelo que a condenação da Recorrida, salvo melhor opinião, impunha-se, como concluiu a ACT e devia ter sido confirmada pela douta sentença recorrida.
Não tendo sido, entende-se, agora, que deverá proceder o recurso (reformulando-se o cúmulo jurídico operado na Sentença recorrida e aplicando à Recorrida uma coima única pela prática das contraordenações alvo do presente Recurso e pela prática das contraordenações já julgadas pelo Tribunal a quo).

*
6. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.».

7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo a Arguida apresentado resposta na qual reitera a sua posição, concluindo que o parecer deve ser desatendido.

8. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos (os autos foram à distribuição para atribuição de “novo” 1º Adjunto atento o impedimento do resultante da distribuição inicial, o qual se mantém – cfr. despacho refª citius 18206015), após o que o processo foi submetido à conferência.


Cumpre apreciar e decidir.

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II - Objeto do recurso

Preliminarmente, importa consignar que o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social consta da Lei n.º 107/2009, de 14-09[3], cujo artigo 60.º prevê que constitui direito subsidiário (sempre que o contrário não resulte daquela Lei) o regime geral das contraordenações do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10[4]; e, por via do artigo 41.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei, são-lhe também aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo criminal, máxime as pertinentes disposições do Código de Processo Penal[5].
Este Tribunal de recurso apenas conhece de matéria de direito (artigos 49.º, n.º 1, e 51.º. n.º 1, do RGCOLSS), sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do artigo 410.º, bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º, todos do CPP.
O objeto do recurso, como é consabido, é delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [artigos 403.º, n.º 1, e 412.º, n.º 1, do CPP, ex vi artigo 50.º, n.º 4, do RGCOLSS].
No caso, apenas foi interposto recurso pelo Ministério Público, sendo que, tendo em conta as conclusões da motivação, constata-se que o Recorrente apenas impugna a absolvição da Impugnante/Arguida quanto às contraordenações muito graves imputadas pela ACT pela falta de pagamento dos subsídios de Natal e de férias (2018 e 2019 - no âmbito dos processos n.ºs ...55, ...56, ...57, ...59, ...61, ...98, ...00) e pela violação do princípio da irredutibilidade da retribuição (no âmbito do processo n.º ...80).
Não é, pois, objeto do recurso a absolvição da A... DAC da prática da contraordenação muito grave processo n.º ...79.
Face a esta delimitação, e sem prejuízo da necessidade de intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem em sede de decisão da matéria de facto, a questão essencial a decidir é saber se a decisão recorrida padece de erro ao não ter julgado verificado o elemento subjetivo dos tipos contraordenacionais quanto ao não pagamento do subsídio de férias e de Natal e quanto à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e, bem assim, ao ter absolvido a A... da prática das oito contraordenações imputadas e objeto de recurso – o que implicará, necessariamente, a análise da questão da verificação dos elementos objetivos e subjetivos das oito contraordenações objeto do recurso.
***


III – Decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância
A decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte (transcrição[6]):
«Factos Provados.
Factos Comuns
1. A arguida, pessoa coletiva n.º ...23, é uma sociedade comercial estrangeira, com sede em ..., ..., ..., na ..., que se dedica, essencialmente, à prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros (CAE 51100).
2. A arguida tem uma sucursal em Portugal (A... Limited Sucursal em Portugal), que coordena apenas a atividade de solo relacionada com o Handling.
3. A arguida não tem estabelecimento ou representação em Portugal.
4. Até ao verão de 2020, a arguida possuía um espaço arrendado (uma sala) em cada um dos aeroportos internacionais portugueses: no Porto, em Faro e em Lisboa.
5. A sala que a arguida detinha em cada aeroporto servia para reunir os trabalhadores da arguida/a tripulação e realizar briefings antes do início dos voos e após a realização dos mesmos.
6. O espaço estava equipado com uma secretária e um terminal de computador.
7. As aeronaves da arguida estão registadas/matriculadas na ... e são de nacionalidade ....
8. AA foi admitido ao serviço da arguida em 01/11/2017, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Supervisor de Serviço ao Cliente (“Customer Service Supervisor”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. AA tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 5.1. do contrato de trabalho).
10. BB foi admitido ao serviço da arguida em 01/12/2017, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Supervisor Júnior de Serviço ao Cliente (“Junior Customer Service Supervisor”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. BB tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 5.1. do contrato de trabalho).
12. CC foi admitida ao serviço da arguida em 01/07/2018, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Supervisora Júnior de Serviço ao Cliente (“Junior Customer Service Supervisor”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. CC tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 5.1. do contrato de trabalho).
14. DD foi admitido ao serviço da arguida em 01/11/2013, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Supervisor de Serviço ao Cliente (“Customer Service Supervisor”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. DD tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 4.1. do contrato de trabalho que se encontra junto aos autos).
16. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador DD ficou estipulado (condition of employment) que o trabalhador teria de residir a uma hora de viagem da base de afetação para a qual fosse designada (cfr. ponto 4.2. do contrato de trabalho).
17. EE foi admitido ao serviço da arguida em 01/11/2011, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Agente de Serviços de Cabine (“Cabin Services Agent”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. EE tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 5.1. do contrato de trabalho).
19. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador EE ficou estipulado (condition of employment) que o trabalhador teria de residir a uma hora de viagem da base de afetação para a qual fosse designada (cfr. ponto 5.2. do contrato de trabalho).
20. FF foi admitido ao serviço da arguida em 03/09/2009, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Agente de Serviços de Cabine (“Cabin Services Agent”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
21. FF tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 5.1. do contrato de trabalho).
22. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador FF ficou estipulado (condition of employment) que o trabalhador teria de residir a uma hora de viagem da base de afetação para a qual fosse designada (cfr. ponto 5.2. do contrato de trabalho).
23. GG foi admitida ao serviço da arguida em 11/01/2011, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Agente de Serviços de Cabine (“Cabin Services Agent”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
24. GG tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 6.1. do contrato de trabalho).
25. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e a trabalhadora GG ficou estipulado (condition of employment) que a trabalhadora teria de residir a uma hora de viagem da base de afetação para a qual fosse designada (cfr. ponto 6.2. do contrato de trabalho).
26. HH foi admitido ao serviço da arguida em 01/11/2010, para, sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Agente de Serviços de Cabine (“Cabin Services Agent”), nos termos definidos no contrato de trabalho que se encontra registado nos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. HH tinha como base de afetação o aeroporto do Porto (cfr. ponto 6.1. do contrato de trabalho).
28. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador HH ficou estipulado (condition of employment) que o trabalhador teria de residir a uma hora de viagem da base de afetação para a qual fosse designada (cfr. ponto 6.2. do contrato de trabalho).
29. Os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH foram recrutados pelo estabelecimento da arguida em ....
30. O departamento de recrutamento da arguida está localizado em ..., na ....
31. Os contratos dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH foram redigidos em inglês e, de acordo com os mesmos, consta como legislação expressamente escolhida pelas partes a legislação ... (cfr. contratos de trabalho juntos aos autos).
32. No sistema de informação da Segurança Social, os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH estão qualificados como trabalhadores da arguida.
33. Os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH integravam as tripulações de cabine dos voos comerciais explorados pela arguida e voavam nas aeronaves da arguida de e para diversos aeroportos sitos na Europa.
34. O núcleo essencial das funções dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH era cumprido/prestado a bordo de aeronave registada na ..., correspondendo essa prestação à maioria do seu tempo de trabalho.
35. O departamento de controlo da tripulação da arguida está localizado em ..., na ..., cabendo a este serviço assegurar a mitigação de quaisquer disrupções nas operações de voo em caso de alterações, atrasos ou outros incidentes.
36. A arguida coordenava e planeava as rotas e voos bem como os tempos de trabalho e a atividade dos seus trabalhadores, incluindo dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, a partir da ....
37. A arguida transmitia ordens e instruções de trabalho, designadamente as rotas e os períodos de exercício de funções, para os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, a partir da ..., através da plataforma Crewdock (sistema interno de comunicação).
38. Os superiores hierárquicos dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH encontravam-se na ....
39. Para além das ordens e instruções transmitidas aos trabalhadores via plataforma Crewdock, a arguida também transmitia ordens e instruções aos trabalhadores, entre os quais os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, e HH, nas salas da tripulação da arguida sitas no aeroporto do Porto, através de um supervisor que atuava como elo de ligação entre os trabalhadores e os superiores hierárquicos que se encontravam na ....
40. Os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH podiam aceder às ordens e instruções que a arguida lhes enviava, através da plataforma Crewdock, nas salas da tripulação da arguida existentes no aeroporto do Porto ou em qualquer lugar, pela internet.
41. Os pedidos de ausência ou licença, as comunicações das situações de incapacidade temporária para o trabalho e os respetivos documentos justificativos são submetidos pelos trabalhadores, incluindo os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, através da plataforma Crewdock, e são apreciados pelos serviços da arguida (departamento de controlo da tripulação) na ....
42. Os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH tiveram formação em Portugal e noutros países europeus.
43. Grande parte da formação ministrada pela arguida é feita em plataforma de elearning, podendo ser executada em qualquer parte do mundo.
44. Os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH residiam perto das suas bases de afetação (aeroporto do Porto).
45. No período referenciado nos autos de notícia, os trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH:
- apresentaram-se no aeroporto do Porto e iniciaram cada um dos seus períodos de trabalho a partir do aeroporto do Porto;
- regressaram após tais períodos de trabalho, para gozo dos respetivos períodos de descanso obrigatório na base (folgas e feriados), ao aeroporto do Porto;
- encontravam-se sobretudo no Porto aquando da receção de instruções sobre escalas e demais questões relacionadas com os voos.
- participaram em eventuais reuniões e briefings realizados antes do início dos voos e após a realização dos mesmos, na sala de tripulação que a arguida detinha no aeroporto do Porto;
e - era essencialmente no aeroporto do Porto que, no referido período, se deveriam manter à disposição do empregador/da arguida.
46. Era no aeroporto do Porto que se encontravam estacionadas/parqueadas as aeronaves da arguida, nas quais AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH efetuavam o seu trabalho/a sua atividade profissional e era nesse mesmo aeroporto que era realizada a manutenção das referidas aeronaves.
47. Em 28/11/2018, a arguida e o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) celebraram um acordo que veio prever a transição e futura aplicação da legislação laboral portuguesa às relações laborais entre a arguida e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal.
48. Neste contexto, em finais de janeiro de 2019, a arguida comunicou aos trabalhadores a desempenhar funções em Portugal que a partir de 01/02/2019 iria passar a aplicar-se à relação laboral entre as partes a legislação laboral portuguesa, o que veio a suceder.
49. A arguida já foi condenada pela prática de contraordenações, conforme resulta da consulta ao Registo Nacional de Infratores constante da base de dados do sistema informático da ACT (SI), que se encontra junto aos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
50. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ...62..., que correu termos no Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho, a arguida foi condenada numa coima de 9 180,00, pela prática, em 22/08/2019, de uma contraordenação muito grave por violação do disposto no artigo 173.º, n.º 7, do Código do Trabalho.
51. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ...61, que correu termos no Centro Local de Lisboa Oriental da Autoridade para as Condições do Trabalho, a arguida foi condenada numa coima de 9 180,00, pela prática, em 13/11/2019, de uma contraordenação muito grave por violação do disposto no artigo 140.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
52. A arguida é uma grande empresa, que dispõe de assessoria jurídica.
53. A arguida não indicou o volume de negócios de 2018.
54. A arguida não indicou o volume de negócios de 2019
Processos n.º ...52, n.º ...53, n.º ...54, n.º ...58, n.º ...60, n.º ...55, n.º ...56 e n.º ...57
55. No dia 01/08/2019, o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) emitiu pré-aviso de greve para os dias 21 a 25 de agosto de 2019, pelo incumprimento de várias matérias, entre as quais o número de dias de férias atribuído aos tripulantes de cabine (cfr. pré-aviso de greve).
56. Na sequência da greve convocada pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) e em cumprimento da Resolução da Assembleia da República n.º 302/2018, de 6 de novembro, nos dias 22, 23, 24 e 25 de agosto de 2019 foram efetuadas visitas inspetivas ao Aeroporto Internacional do Porto Francisco Sá Carneiro, situado na Avenida ..., ..., ..., para acompanhamento da greve dos tripulantes de cabine das aeronaves da arguida (cfr. Resolução da Assembleia da República n.º 302/2018).
57. No decurso da intervenção inspetiva foram identificados, na sala de tripulação da arguida, sita no Aeroporto Internacional do Porto Francisco Sá Carneiro, nos dias 22 e 23 de agosto de 2019 o trabalhador da arguida II e nos dias 24 e 25 de agosto de 2019 o trabalhador JJ, ambos afetos ao Aeroporto Internacional do Porto.
58. No sentido de verificar as matérias constantes do pré-aviso de greve, no dia 09/09/2019, a entidade A... Company – Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal n.º ...06, foi notificada, por correio eletrónico, para o endereço ..........@....., para remeter até ao dia 20/09/2019, os seguintes documentos (cfr. notificação para apresentação de documentos – e-mail enviado à arguida às 16h19m do dia 09/09/2019):
1. Relativamente aos tripulantes de cabine:
a. Relativamente ao Aeroporto do Porto, lista nominativa da tripulação de cabine, com indicação de categoria profissional, base de afetação e entidade empregadora (designação social e n.º de identificação fiscal), relativamente a determinados voos.
b. Registo de pessoal / Ficha individual de trabalhador, nos termos do artigo 127.º/1 alínea j) do CT.
c. Documentação que explicite:
- a base de afetação e suas alterações desde 01/07/2019;
- as ausências, desde a admissão por motivo de greve.
d. Relativamente ao Aeroporto do Porto, lista nominativa de cada elemento da tripulação de cabine, com indicação de categoria profissional, base de afetação e entidade empregadora (designação social e n.º de identificação fiscal).
e. Identificação do sistema de segurança social ao qual são pagas as contribuições.
f. Contrato de trabalho inicial e sucessivas renovações/alterações.
g. Recibos de retribuição desde outubro de 2018 até agosto de 2019.
h. Duas últimas fichas de aptidão resultantes dos exames de vigilância da saúde efetuados aos trabalhadores.
i. Identificação dos trabalhadores que se encontram em regime de destacamento.
j. Identificação dos trabalhadores que são sindicalizados.
k. Identificação dos trabalhadores que aderiram à greve nos dias 21, 22, 23, 24 e 25 de agosto de 2019.
l. Mapa de horário de trabalho e escalas desde janeiro 2019 até agosto 2019.
m. Registo de alterações de escalas relativamente aos dias 21, 22, 23, 24 e 25 de agosto 2019.
n. Registo do número de horas prestadas pelos trabalhadores por dia, com indicação da hora de início e termo do trabalho e de voo desde janeiro de 2019 até agosto de 2019.
o. Mapa de férias de 2018 e 2019 e respetivas alterações.
p. Apólice de acidentes de trabalho ou adesão a sistema equivalente de reparação de acidentes de trabalho, incluindo “in itinere”, último recibo pago e declaração de retribuições à seguradora, da qual conste o nome dos trabalhadores.
2. Outra documentação
a. Contrato(s) de prestação de serviço(s) e/ou utilização de trabalho temporário/cedência dos trabalhadores celebrados entre a A... e entidades empregadoras dos tripulantes.
b. Relatório de avaliação de riscos das salas de tripulação em Lisboa, Porto e Faro, bem como a lista de medidas propostas e recomendações formuladas pelos serviços de segurança e saúde no trabalho.
c. Identificação dos trabalhadores responsáveis pela estrutura interna de primeiros socorros, combate a incêndios e evacuação de instalações e respetivas medidas relativamente às salas de tripulação de Lisboa, Porto e Faro.
d. Consulta, formação e informação dos trabalhadores em segurança e saúde no trabalho dos trabalhadores da base de Lisboa, Porto e Faro.
e. Comunicação do SNPVAC, contendo a designação dos trabalhadores adstritos à prestação dos serviços mínimos durante o período de greve, nos termos do artigo 538.º/7 do Código do Trabalho.
f. Listagem dos voos e respetiva tripulação de cabine, previstos para operar nos dias 21, 22, 23, 24 e 25 de agosto de 2019 (master rooster) nos aeroportos portugueses de Lisboa, Porto e Faro, sinalizando-se os voos cancelados por decisão da A... e devidamente comunicados à ANAC.
g. Listagem dos tripulantes que operaram o voo ...2/08/2019 de ... com destino a Faro, onde chegou às 13h45.
59. No dia 17/09/2019, o mandatário da arguida endereçou à ACT, via correio eletrónico, pedido de prorrogação de prazo para a entrega de documentos, informando ainda que a empresa notificada (A... Company – Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal n.º ...06) não dispunha de tripulantes de cabine na sua estrutura (cfr. e-mail da arguida remetido às 10h09m do dia 17/09/2019).
60. Em resposta, no dia 19/09/2019, o mandatário da arguida foi esclarecido que a notificação remetida à A... Company resultava do facto de os trabalhadores, aquando das visitas inspetivas, terem indicado ser aquela a sua entidade empregadora, situação a verificar formalmente, e que ainda corria prazo para a entrega de documentos na data estabelecida (cfr. e-mail enviado à arguida às 12h35m do dia 19/09/2019).
61. Não obstante o conteúdo do e-mail, a entidade notificada A... Company, contribuinte fiscal n.º ...06, remeteu aos Serviços do Centro Local do Grande Porto da ACT a documentação relativa aos tripulantes de cabine do local de trabalho “Aeroporto Internacional do Porto Francisco Sá Carneiro”.
62. Em cumprimento da notificação para apresentação de documentos, a arguida enviou, entre outros:
• Via correio eletrónico datado de 20/09/2019: i) Carta resposta, redigida em inglês, com esclarecimentos relativos à documentação enviada; ii) Listagem nominativa de tripulação de cabine da bases do Porto, de Faro e de Lisboa; iii) Declaração de Seguro da Tranquilidade, Apólice n.º ...95, com início a 19/07/2019, período de 18/07/2019 00:00 a 30/06/2020, na modalidade de prémio variável, da qual consta como tomador de seguro a sociedade «A... Limited – Sucursal em Portugal»; iv) Declaração da «...», datada de 29 de janeiro de 2019, relativa a seguro de “Employers Liability Insurance” para a A... DAC e empresas subsidiárias, na seguradora B... Ltd e apólice n.º ...09, relativa ao período de 1 de maio de 2018 a 30 de abril de 2019, abrangendo os trabalhadores afetos às bases de Portugal (entre outras).
• Por correio postal: i) Contratos de trabalho; ii) “Rosters” enviados sob a denominação de “Individual Plan”; iii) Recibos de retribuição de outubro a dezembro de 2018.
63. Estavam afetos ao local de trabalho “Aeroporto Internacional do Porto Francisco Sá Carneiro” 63 (sessenta e três) tripulantes de cabine.
64. No dia 10/10/2019, a arguida foi novamente notificada (Inspetora KK do Centro Local do Grande Porto da ACT), via correio eletrónico, para remeter, até ao dia 14 de outubro de 2019, documentos relativos à empresa e aos seus tripulantes de cabine AA, CC e BB, todos afetos à base Porto – Portugal, entre eles (cfr. notificação para apresentação de documentos – e-mail enviado à arguida às 14h56m do dia 10/10/2019):
1. Contratos de trabalho e todas as suas alterações / atualizações.
2. Informação escrita prestada aos trabalhadores sobre as condições do contrato de trabalho, em observância com o disposto no artigo 106.º e seguintes do Código do Trabalho.
3. Registo dos trabalhadores em observância com o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 127.º do CT.
4. Mapa de férias de 2018.
5. Documentação que explicite quais os dias de férias vencidos em 1 de janeiro de 2018 e que evidencie a data do seu gozo.
6. Recibos de retribuição de janeiro a setembro de 2018.
7. Recibos comprovativos do pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2018.
8. Documentação relativa à legenda de siglas utilizadas nos recibos de retribuição e nos recibos relativos a pagamento de subsídios de férias e de Natal.
9. “Individual Plan” de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2018 e documento relativo à legenda de siglas utilizadas.
10.Contrato celebrado entre a C... Limited (NIPC ...23) e a A... DAC (NIPC ...06).
11.Contrato celebrado entre a C... Limited (NIPC ...23) e a D... (NIPC ...80).
65. Em resposta à notificação referida no ponto anterior, a arguida enviou, via correio eletrónico, datado de 14/10/2019, nova carta resposta redigida em inglês e alguns dos documentos solicitados, entre eles, os recibos de retribuição de janeiro a setembro de 2018, os contratos de trabalho, rosters/Individual Plan de janeiro a dezembro de 2018.
66. Na carta redigida em inglês, a arguida declara o seguinte: “(…) Please not we agreed with the Portuguese Cabin Crew union (SNPVAC) to transition cabin crew to Portuguese law from 1 Feb 2019, prior to this crew were employed on Irish Contracts of employment. Since February 2019 cabin crew in Portugal have received their agreed annual salaries over 12 months with a separate monthly payment for Christmas and holiday allowances. We have offered SNPVAC and crew transition to 14 payments where the agreed annual pay would be paid in 14 instalments rather 12, which is the system already agreed with SPAC pilot union. Crew payslips from 2018 show annual salaries paid over 12 months in accordance with irish law. The annual salaries is agreed with employees assuming and annual level of income which includes all applicable and require allowances and far exceeds the minimum required under Portuguese law and is well in excess of possible earnings in comparable positions. (…)” 1 [nota de rodapé 1 com o seguinte teor: “Nossa Tradução: (…) Por favor, não concordamos com o sindicato português dos tripulantes de cabine (SNPVAC) no sentido da transição dos tripulantes de cabine para a lei portuguesa a partir de 1 de fevereiro de 2019, antes dessa tripulação ser contratada em contratos de trabalho irlandeses. Desde fevereiro de 2019, os tripulantes de cabine em Portugal recebem os salários anuais acordados ao longo de 12 meses, com um pagamento mensal separado para o subsídio de Natal e férias. Oferecemos ao SNPVAC e aos tripulantes de cabine a transição para 14 pagamentos, onde o pagamento anual acordado seria pago em 14 prestações em vez de 12, que é o sistema já acordado com o sindicato de pilotos SPAC. Os recibos de vencimento dos tripulantes de cabine de 2018 mostram os salários anuais pagos ao longo de 12 meses, de acordo com a lei .... O salário anual é acordado com os trabalhadores assumindo um nível anual de rendimento que inclui todo os subsídios aplicáveis e requeridos e excede em muito o mínimo exigido pela legislação portuguesa e é bastante superior aos rendimentos possíveis em cargos comparáveis (…).”].
67. Contudo não endereçou ao Centro Local do Grande Porto da ACT:
- Registo dos trabalhadores com a informação legal aplicável, nomeadamente quanto aos dias de gozo de férias;
- Documentação que explicite quais os dias de férias vencidos em 1 de janeiro de 2018 e que evidencie a data do seu gozo;
- Mapa de férias de 2018;
- Comprovativo do pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2018.
68. Na sequência das notificações, a arguida não enviou à ACT qualquer comprovativo de ter seguro de acidentes de trabalho válido em agosto de 2019, abrangendo os trabalhadores afetos à base aérea do aeroporto do Porto.
Processos n.º ...52 e n.º ...53
69. As ausências ao trabalho por motivo de gozo de férias estão registadas no “Individual Plan” 2 de cada trabalhador da arguida com a sigla “A/L (z)”. [nota de rodapé 2 com o seguinte teor: “Mapas mensais que contêm o registo diário de todas as atividades dos trabalhadores, nomeadamente voos efetuados, descansos, feriados, faltas, etc.”].
70. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador AA foi acordado que o gozo de férias teria em consideração a proporção de 1,66 dias de férias por cada mês de trabalho (cfr. cláusula 12.1 do contrato de trabalho)
71. No “Individual Plan” do trabalhador AA, referente ao ano de 2018, estão registados os seguintes dias de férias [sigla “A/L (z)”]: dias 11, 12, 13, 14 e 15 de maio, 4 e 5 de junho, 22 e 23 de julho, 24, 25, 26, 27 e 28 de setembro, 13, 14 e 15 de novembro, 30 de novembro e 1 de dezembro e 25 de dezembro (cfr. Anexo IX: Individual Plan).
72. Os dias 1 de dezembro e 25 de dezembro são feriados obrigatórios em Portugal.
73. O dia 25 de dezembro é feriado na ....
74. No ano de 2018, o trabalhador AA, admitido a 01/11/2017, gozou 18 (dezoito) dias úteis de férias: nos dias 11, 12, 13, 14 e 15 de maio, 4 e 5 de junho, 22 e 23 de julho, 24, 25, 26, 27 e 28 de setembro, 13, 14 e 15 de novembro e 30 de novembro (cfr. Anexo IX: Individual Plan).
75. A arguida, ao não ter garantido ao trabalhador AA o gozo de 22 dias úteis de férias no ano de 2018, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
76. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador BB foi acordado o gozo de 20 dias de férias anuais, na proporção de 1,66 dias de férias por cada mês de trabalho (cfr. ponto 10.1 do contrato de trabalho).
77. No ano de 2018, o trabalhador BB, admitido a 01/12/2017, gozou 20 (vinte) dias úteis de férias: nos dias 12, 13, 14, 15 e 16 de março, 2, 11, 12 e 13 de junho, 31 de julho, 4 de agosto, 28 e 29 de agosto, 17 de setembro, 21, 22, 23, 24 e 25 de setembro e 3 de outubro (cfr. Anexo IX: Individual Plan).
78. A arguida, ao não ter garantido ao trabalhador BB o gozo de 22 dias úteis de férias no ano de 2018, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processos n.º ...55, n.º ...56, n.º ...57, n.º ...00, n.º ...59, n.º ...61 e n.º ...98
79. As remunerações dos trabalhadores AA, BB, CC são pagas pela sede da arguida, em ..., e são transferidas para a conta bancária dos trabalhadores.
80. O valor da retribuição base contratualmente acordada com os trabalhadores AA, BB e CC foi definido por referência ao montante anual, a pagar em prestações mensais de igual valor.
81. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador AA foi acordado um salário anual bruto de base de 13 770,00 €, pago em prestações mensais iguais, no dia 28 de cada mês (cfr. ponto 6.1 do contrato de trabalho).
82. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e o trabalhador BB foi acordado um salário anual bruto de base de 10 900,00 €, pago em prestações mensais iguais, no dia 28 de cada mês (cfr. ponto 6.1 do contrato de trabalho).
83. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e a trabalhadora CC foi acordado um salário anual bruto de base de 10 900,00 €, pago em prestações mensais iguais, no dia 28 de cada mês (cfr. ponto 6.1 do contrato de trabalho).
84. Para além da retribuição base (que nos recibos de retribuição é identificada como “Basic”), a arguida pagava aos trabalhadores AA, BB e CC:
(i) um suplemento pelo exercício das funções de Supervisor de Serviço ao Cliente (que nos recibos de retribuição é identificado pela designação “Number one”);
(ii) uma quantia de valor mensal variável paga em função do número de horas de voo asseguradas pelos trabalhadores (que nos recibos de retribuição é identificada pela designação “Gross Sectors”);
(iii) comissões de valor mensal variável pelas vendas feitas a bordo dos aviões – 10% (que nos recibos de retribuição são identificadas pela designação “Inflight sales bónus” e que, à data, eram pagas com 3 meses de atraso);
(iv) uma prestação no valor mensal de 33,33 €, cujo pagamento está diretamente relacionado com custos associados ao uniforme, à assistência médica e ao cartão de identificação/passe (que nos recibos de retribuição é identificada pela designação “Uni/Med/ID”).
85. Para além das prestações referidas no ponto anterior, duas vezes por ano (nos meses de outubro e janeiro), a arguida atribuiu aos trabalhadores AA, BB e CC uma prestação cujo pagamento está diretamente relacionado com a inexistência de faltas injustificadas e de atrasos ao trabalho (que nos recibos de retribuição é identificada pela designação “Productivity Bonus).
86. A partir de 01/02/2019, a arguida passou a aplicar a lei laboral portuguesa aos tripulantes de cabine.
87. Nos recibos de retribuição dos trabalhadores CC, AA e BB, correspondentes aos meses de fevereiro a dezembro de 2019 consta:
- uma parcela, com o descritivo “Summer/Xmas”, com valor variável ao longo dos meses;
- uma parcela, com o descritivo “Sum/Xmas Inc in Gross P”, cujo valor é igual ao valor incluído em “Summer/Xmas” e é retirado/descontado.
88. A partir de 28/02/2019, os subsídios de férias e de Natal passaram a ser referenciados nos recibos de retribuição dos trabalhadores AA, BB e CC, mas o seu valor era simultaneamente creditado e descontado.
Processo n.º ...55
89. No período de julho a dezembro de 2018, as prestações referidas nos pontos 84 e 85 foram pagas à trabalhadora CC (admitida a 01/07/2018) pelos seguintes montantes:







[nota de rodapé 3 aposta no quadro no mês de setembro de 2018 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição da trabalhadora CC, correspondente ao mês de setembro/2018, foi ainda pago um valor de 28,00 €, sob a designação “Nightstops”.”].
90. Nos recibos de retribuição da trabalhadora CC, relativos ao ano de 2018, não existe qualquer parcela alusiva ao subsídio de Natal.
91. Das declarações de remunerações do ano de 2018, relativas à trabalhadora CC, não consta qualquer valor declarado a título de subsídio de Natal.
92. No ano de 2018, a arguida não pagou à trabalhadora CC qualquer montante a título de subsídio de Natal.
Processos n.º ...56 e n.º ...61
93. No período de janeiro a dezembro de 2018, as prestações referidas nos pontos 84 e 85 foram pagas ao trabalhador AA pelos seguintes montantes:








nota de rodapé 4 aposta no quadro no mês de setembro de 2018 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de setembro/2018, foi ainda pago um valor de 28,00 €, sob a designação “Nightstops””].
94. Nos recibos de retribuição do trabalhador AA, relativos ao ano de 2018, não existe qualquer parcela alusiva aos subsídios de férias e de Natal.
95. Das declarações de remunerações do ano de 2018, relativas ao trabalhador AA, não consta qualquer valor declarado a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
96. No ano de 2018, a arguida não pagou ao trabalhador AA qualquer montante a título de subsídio de férias nem de subsídio de Natal.
Processos n.º ...57 e n.º ...59
97. No período de janeiro a dezembro de 2018, as prestações referidas nos pontos 84 e 85 foram pagas ao trabalhador BB pelos seguintes montantes:









98. Nos recibos de retribuição do trabalhador BB, relativos ao ano de 2018, não existe qualquer parcela alusiva aos subsídios de férias e de Natal.
99. Das declarações de remunerações do ano de 2018, relativas ao trabalhador BB, não consta qualquer valor declarado a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
100. No ano de 2018, a arguida não pagou ao trabalhador BB qualquer montante a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
Processos n.º ...54, n.º ...58 e n.º ...60
101. A «A... DAC» e as empresas subsidiárias subscreveram com a «B... Ltd» um seguro de responsabilidade civil, sob o n.º ...09, para o período de 01/05/2018 a 30/04/2019, que incluía a cobertura de responsabilidade civil dos empregadores residuais para os trabalhadores com contratos locais em Portugal (cfr. Declaração da Marsh, datada de 29/01/2019).
102. Em 18/07/2019, a «A... Limited Sucursal em Portugal» subscreveu com a «Tranquilidade» um seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, sob a Apólice n.º ...95, para o período de 18/07/2019 a 30/06/2020 (cfr. Declaração de Seguro).
103. Os trabalhadores AA, BB, CC não se encontravam abrangidos por nenhum contrato de seguro de acidentes de trabalho válido.
104. A arguida não tinha transferido para uma entidade seguradora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores AA, BB, CC.
105. A arguida, ao não ter transferido para uma entidade seguradora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho relativamente aos seus trabalhadores, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processos n.º ...00 e n.º ...98
106. No dia 24/07/2020, pelas 10h00, em cumprimento da Resolução da Assembleia da República n.º 302/2018, de 6 de novembro, foi efetuada uma visita inspetiva ao Aeroporto Internacional do Porto Francisco Sá Carneiro, na Avenida ..., ... ....
107. Na data da visita inspetiva referida no ponto anterior não estava presente na sala de tripulação da arguida A... qualquer trabalhador pertencente aos quadros da arguida.
108. No dia 31/08/2020 a arguida foi notificada, por correio eletrónico, para o endereço ..........@..... e ..........@....., para apresentar documentos, relativamente aos trabalhadores CC, LL, BB e AA (tripulantes de cabine afetos à Base Porto), entre os quais (cfr. notificação para apresentação de documentos enviada às 16h42 do dia 31/08/2020 nos autos):
- Recibos de retribuição que comprovem o pagamento dos subsídios de férias e de Natal do ano 2019 (assinados pelos trabalhadores ou, em alternativa, com comprovativo de transferência bancária);
- Registo, discriminado por trabalhador, que indique eventuais dias de férias, relativos a 2019, que não tenham ainda sido gozados.
109. Em cumprimento da notificação, a arguida exibiu, via correio eletrónico, datado de 21/09/2020, entre outros, carta resposta com esclarecimentos relativos à documentação enviada, uma lista individual com os dias de férias gozados, em 2019, por cada um dos trabalhadores e os recibos de retribuição de janeiro a dezembro de 2019 dos trabalhadores CC, AA e BB.
110. Na carta resposta supra identificada, a arguida refere o seguinte: “(…)
1. Recibos demonstrando o pagamento dos subsídios de férias e de Natal no ano de 2019 (assinados pelos trabalhadores ou com prova da transferência)
Foi acordado com o Sindicato dos Tripulantes (SNPVAC) transitar os tripulantes para a aplicação da lei portuguesa a partir de 01 de fevereiro de 2019. Anteriormente, os tripulantes eram contratados ao abrigo de Contratos de Trabalho sujeitos à legislação .... Desde fevereiro de 2019, os tripulantes em Portugal recebem o salário anual que acordaram pago em 12 prestações mensais com um pagamento individualizado, em duodécimos, dos subsídios de Natal e de férias (Como demonstrado nos recibos em anexo). Todos os tripulantes (incluindo os 4 acima referidos) tiveram a oportunidade, em janeiro de 2019, de receber a sua remuneração em 14 prestações mensais (com pagamento dos subsídios numa única prestação), mas escolheram manter-se na estrutura de pagamento em 12 meses. Mais recentemente, em junho de 2020 a maioria da tripulação de cabine optou por passar a receber a sua remuneração anual em 14 meses ao invés de 12.
2. Registo, por trabalhador, indicando os dias previstos de férias relativos a 2019 que eventualmente ainda não tenham sido gozados Confira em anexo a lista de férias gozadas em 2019, tendo sido todos os dias de férias gozados até 31 de dezembro de 2019. (…)”
111. Na sequência da documentação apresentada pela arguida, no dia 22/09/2020, foi endereçado e-mail à arguida a solicitar os seguintes esclarecimentos (cfr. e-mail enviado às 15h49m do dia 22/09/3020):
1. O que é “Gross P”?
2. Como chegam ao valor dos “duodécimos” de subsídio de Natal e de férias? Como é feito o cálculo?
112. Em resposta, a arguida, a 24/09/2020, via correio eletrónico, anexa carta resposta com o seguinte teor (cfr. e-mail remetido pela arguida às 12h53m do dia 24/09/3020): “(…)
· Gross P – Assumo que se referirá a “gross pay”, é o valor do salário antes de impostos e deduções para a segurança social.
· Christmas and Holiday Allowances – Como anteriormente informámos a tripulação transitou para a lei portuguesa a partir de 1 de fevereiro de 2019. Anteriormente encontrava-se submetida a contratos irlandeses, de acordo com as cláusulas contratuais dos mesmos. Desde fevereiro de 2019 a tripulação de cabine em Portugal acordou receber os seus salários ao longo de 12 meses. Os subsídios de Natal e de férias correspondem a 15% do salário bruto conforme demonstrado nos recibos de vencimento. Foi oferecida a toda a tripulação, em janeiro de 2019, antes da aplicação da lei portuguesa, a possibilidade de receber os subsídios num esquema de 14 meses (com o pagamento de cada subsídio numa única prestação), no entanto a tripulação escolheu manter-se numa estrutura de pagamento em 12 meses (com os subsídios pagos em duodécimos). Em junho de 2020, mais uma vez oferecida a possibilidade de passar a receber em 14 meses, a maior da tripulação escolheu desta passar para esta estrutura de pagamento de 14 meses.
(…)”.
113. Em 06/10/2020 e em 08/10/2020, aquando do levantamento dos autos de notícia n.º ...87 (por falta de pagamento do subsídio de férias/2019) e n.º ...88 (falta de pagamento do subsídio de Natal/2019) – autos que deram origem, respetivamente aos Processos n.º ...98 e n.º ...00 –, já tinham sido levantados à arguida, em outubro de 2019, autos por falta de pagamento do subsídio de férias de 2018 e do subsídio de Natal de 2018.
114. No ano de 2019, a trabalhadora CC gozou 20 (vinte) dias úteis de férias: nos dias 19, 20, 21 22, 23, 27 e 28 de fevereiro, 1, 22, 23 e 24 de março, 4, 5, 6, 7 e 8 de julho, 26 de setembro, 25, 26 e 27 de novembro.
115. Na lista individual da trabalhadora CC com os dias de férias gozados em 2019, consta o seguinte: “Joined on 1st july 2018 therefore entitlement in 2019 was 20 days”5 [nota de rodapé 5 com o seguinte teor: “Ingressou em 1 de julho de 2018, portanto, o direito em 2019 era de 20 dias (nossa tradução)”.].
116. No período de janeiro a dezembro de 2019, as prestações referidas nos pontos 105 e 106, foram pagas à trabalhadora CC pelos seguintes montantes mensais:





[nota de rodapé 6 aposta no quadro no mês de fevereiro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição da trabalhadora CC, correspondente ao mês de fevereiro de 2019, foi descontado o valor de 137,46 €, com a designação “Sick” (Doente)”.].
[nota de rodapé 7 aposta no quadro no mês de dezembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição da trabalhadora CC, correspondente ao mês de dezembro de 2019, foi ainda pago um valor de 42,96 €, sob a designação “Pay Adjustement”.].
117. A partir de 28/02/2019, os subsídios de férias e de Natal passaram a ser referenciados nos recibos de retribuição da trabalhadora CC, sob a designação “Summer\Xmas”, mas sendo o seu valor simultaneamente creditado e descontado nos seguintes termos:





118. No ano de 2019, o trabalhador AA gozou 22 (vinte e dois) dias úteis de férias: nos dias 21 e 28 de fevereiro, 11, 12, 13, 14 e 15 de setembro, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 30 e 31 de outubro, 2, 6, 7, 8, 9, 10 e 26 de novembro.
119. No período de janeiro a dezembro de 2019, a arguida pagou ao trabalhador AA os seguintes valores:











[nota de rodapé 8 aposta no quadro no mês de fevereiro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de março de 2019, foi ainda descontado o valor de 824,77 €, com a designação “Sick” (Doente).”
[nota de rodapé 9 aposta no quadro no mês de abril de 2019 com o seguinte teor: “Nos recibos de retribuição do trabalhador AA, correspondentes aos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2019, foi ainda descontado o valor de 1 489,16 €, com a designação “SickLve”.”
[nota de rodapé 10 aposta no quadro no mês de setembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de setembro de 2019, foi ainda pago o valor de 343,65 €, com a designação “Sick” (Doente).”.
[nota de rodapé 11 aposta no quadro no mês de novembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de novembro de 2019, foi ainda pago um valor de 42,96 €, sob a designação “Pay Adjustement””
[nota de rodapé 12 aposta no quadro no mês de dezembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de dezembro de 2019, foi ainda pago um valor de 42,96 €, sob a designação “Pay Adjustement”.”.
120. A partir de 28/02/2019, os subsídios de férias e de Natal passaram a ser referenciados nos recibos de retribuição do trabalhador AA, sob a designação “Summer\Xmas”, mas sendo o seu valor simultaneamente creditado e descontado, nos seguintes termos:







121. No ano de 2019, o trabalhador BB gozou 22 (vinte e dois) dias úteis de férias: nos dias 4, 5, 6, 7, 8 18 e 26 de fevereiro, 5 e 17 de abril, 6 e 7 de maio, 10, 30 e 31 de julho, 1, 2 e 3 de agosto, 4 de outubro, 11, 12 13 e 14 de novembro.
122. No período de janeiro a dezembro de 2019, a arguida pagou ao trabalhador BB os seguintes valores:





[nota de rodapé 13 aposta no quadro no mês de junho de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador BB, correspondente ao mês de junho de 2019, foi descontado o valor de 68,73 €, com a designação “Sick” (Doente).”.
[nota de rodapé 14 aposta no quadro no mês de julho de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador BB, correspondente ao mês de julho de 2019, foi descontado o valor de 137,46 €, com a designação “Sick” (Doente).”
[nota de rodapé 15 aposta no quadro no mês de setembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador BB, correspondente ao mês de setembro de 2019, foi descontado o valor de 68,73 €, com a designação “Sick” (Doente).”.
[nota de rodapé 16 aposta no quadro no mês de novembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador BB, correspondente ao mês de novembro de 2019, foi descontado o valor de 68,73 €, com a designação “Sick” (Doente).
[nota de rodapé 17 aposta no quadro no mês de dezembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador BB, correspondente ao mês de dezembro de 2019, foi descontado o valor de 412,38 €, com a designação “Unpd Lve”.”
123. A partir de 28/02/2019, os subsídios de férias e de Natal passaram a ser referenciados nos recibos de retribuição do trabalhador BB, sob a designação “Summer\Xmas”, mas sendo o seu valor simultaneamente creditado e descontado nos seguintes termos:








124. No ano de 2019, a arguida não pagou aos trabalhadores CC, AA e BB qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias.
Processos n.º ...79 e n.º ...80
125. No dia 24/07/2020, pelas 10h00, em cumprimento da Resolução da Assembleia da República n.º 302/2018, de 6/11, foi efetuada uma visita inspetiva ao Aeroporto Internacional do Porto – Aeroporto Francisco Sá Carneiro –, situado na Avenida ..., ... ....
126. Na data da visita inspetiva referida no ponto anterior não estava presente na sala de tripulantes qualquer trabalhador pertencente aos quadros da arguida.
127. No dia 28/08/2020, a arguida foi formalmente notificada, por correio eletrónico, para o endereço ..........@..... e ..........@....., para apresentar até ao dia 14/09/2020, vários documentos, entre os quais: (cfr. Anexo I – Notificação para apresentação de documentos)
-Contratos de trabalho em vigor;
-Adendas aos contratos do ano de 2020, em particular as relativas a eventual acordo de diminuição da retribuição;
-Todas as comunicações efetuadas com os tripulantes de cabine com o intuito de estabelecer acordo temporário para diminuição da retribuição;
-Mapa de horário de trabalho/Individual Plan de fevereiro, março, julho e agosto de 2020;
-Registo de horas efetivas de voo realizadas pelos tripulantes de cabine em fevereiro, março, julho e agosto de 2020.
128. Os trabalhadores abrangidos pela referida notificação foram:
CC, com a categoria de tripulante de cabine; - EE, com a categoria de tripulante de cabine; - MM; - AA, com a categoria de tripulante de cabine;- FF, com a categoria de tripulante de cabine; - HH; - NN; GG, com a categoria de tripulante de cabine; - DD com a categoria de tripulante de cabine; - OO (cfr. Anexo I – Notificação para apresentação de documentos).
129. Em cumprimento da notificação, a arguida exibiu, via correio eletrónico datado de 11/09/2020, entre outros, os contratos de trabalho dos trabalhadores (cfr. Anexo II – Contratos de trabalho).
Processo n.º ...79
130. Do contrato de trabalho celebrado entre a arguida e os trabalhadores DD, FF, EE, CC, GG e AA, ora no ponto 8, 9 ou 10, consta a seguinte cláusula (cfr. Anexo II):






131. Até 31/03/2016, o horário original/base dos trabalhadores assentava em trabalhar 5 dias, seguidos de 2 descansos – 5/2.
132. Com base no acordo celebrado em dezembro de 2015 entre a arguida e os representantes dos trabalhadores, a partir do dia 01/04/2016, a tripulação de cabine a operar a partir do Porto passou a adotar o padrão de escala 5/3 (5 dias de trabalho e 3 dias de descanso) – cfr. ponto 7 (Escala) do acordo junto aos autos.
133. Em janeiro de 2019, a arguida enviou aos trabalhadores DD, FF, EE, CC, GG e AA, através da plataforma Crewdock, uma missiva com o assunto “Statement of Terms and Conditions” (Termos e Condições), missiva que decorria do entendimento com o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil – SNPVAC (Anexo III).
134. No ponto 1 do documento enviado aos trabalhadores EE, FF e DD pode ler-se o seguinte:










135. No ponto 1 do documento enviado aos trabalhadores AA, GG e CC pode ler-se o seguinte:








136. No dia 11/09/2020, a arguida remeteu um e-mail à Inspetora, com esclarecimentos relativos à documentação enviada e com as comunicações enviadas aos tripulantes de cabine com o intuito de efetuar acordos de redução salarial (cfr. Anexo IV).
137. No e-mail enviado à Inspetora, e no que diz respeito à “(…) proposta de redução de custos emitida à tripulação em junho de 2020” (ver ponto 2 do referido e-mail), a arguida clarifica o seguinte:
- As medidas temporárias de redução de custos serão totalmente restabelecidas;
- O salário base terá um aumento de 900 euros por ano em julho de 2023 e o mesmo valor em julho de 2024;
- O salário base, pago até aqui em 12 meses, passará a ser pago em 14 meses (incluindo o subsídio de férias e o subsídio de Natal);
- O subsídio de supervisão será temporariamente reduzido de 2 500 para 2 000 euros brutos por ano; este subsídio será totalmente restabelecido em julho de 2023 e julho de 2024;
- O bónus de produtividade não contratual, iniciado em 2018, deixará de ser pago;
- O esquema de pagamento de horas de voo foi temporariamente reestruturado até julho de 2024. (cfr. Anexo IV)
138. No dia 8 de junho de 2020, a arguida remeteu aos trabalhadores, (entre eles EE, FF, CC, DD e AA), uma missiva com o seguinte teor (cfr. Anexo V, a fls. 65 a 71 dos autos – versão traduzida para português pela arguida):
(…)
“Prezado(a) (…), A Pandemia da Covid-19 criou uma crise sem precedentes para a indústria da aviação. Nosso negócio enfrentou até 4 meses sem voos, sem receita e sem passageiros. Esperamos perder mais de 200 milhões de euros no primeiro trimestre (abr-jun) e não vamos transportar mais da metade de nossa meta original de 155 milhões de passageiros para o ano inteiro. Agora temos que enfrentar a realidade de um novo ambiente operacional com restrições, redução da demanda, tarifas mais baixas e vendas abaixo do custo por parte dos concorrentes, apoiadas por mais de 30 bilhões de euros em auxílios estatais. Estes efeitos durarão anos e é crucial que devolvamos o negócio para a rentabilidade e reconstruir nosso balanço para que possamos proteger o número máximo de empregos para a longo prazo. Isso infelizmente significará perda de empregos (até 3.000 tripulantes em toda a empresa) e cortes salariais para os Pilotos e Tripulação de cabine em toda a nossa empresa, pois devemos ajustar nossa base de custos. O trabalho potencial da tripulação de cabine em nossas bases portuguesas provavelmente será em excesso de mais de 80 tripulantes, esta é a nossa melhor estimativa e poderá ser pior, especialmente se as reservas de voos no verão forem menores do que o previsto e como enfrentamos uma situação muito difícil no inverno e visibilidade zero na capacidade para o verão 21. Estes ajustes de custos não impactam apenas a tripulação e pilotos e já resultaram na perda de mais de 250 empregos em nossos escritórios em ..., ..., ... e ... e a renegociação de custos com fornecedores, incluindo contratos de aeroportos. Nas últimas quatro semanas, tentamos nos envolver com o SNPVAC na negociação de custos razoáveis a longo prazo, como medidas para minimizar a perda de empregos e apoiar nossas bases portuguesas. O SNPVAC não nos apoiou e estão sob a ilusão de que esta crise é de curto prazo – e não é. A última atualização do SNPVAC foi que não são "responsáveis" por negociar as medidas de economia de custos necessárias para reconstruir e salvar nossas Bases em Portugal.
O feedback claro de nossa tripulação de cabine em Portugal é que eles entendem a urgência desta crise e querem fazer acordos sensatos que reconheçam a gravidade da crise da Covid-19 e mitiguem perdas de empregos. Cabe agora à tripulação acordar as reduções salariais temporárias de 10% (por 4 anos) que serão totalmente restauradas, para minimizar a perda de empregos em nossas bases portuguesas. Estas mudanças são resumidas como a seguir:
1. Nenhuma redução na remuneração básica anual, mas agora paga em 14 meses e aumentada em 900 euros brutos em Julho 2023 e 900 euros brutos em Julho 2024.
2. Redução do CSS subsídio (restaurado em Julho 2023 e Julho 2024).
3. Expiração antecipada do bônus discricionário de produtividade não contratual e quantia restaurada no salario básico em Julho 2023 e Julho 2024 conforme o ponto 1 acima.
4. As taxas da SBH (Scheduled block hour – blocos de horas de voo) foram mantidas, mas as faixas de horas foram alteradas e restauradas em Julho 2024.
Essas mudanças são necessárias e são o único meio de evitar o fechamento de bases e redundâncias em nossas Bases Portuguesas. Nossos trabalhos de tripulação de cabine em Portugal são muito bem pagos com ótimas escalas de trabalho, e eu gostaria de pedir à tripulação que adote uma abordagem de bom senso e concorde com estas mudanças salariais temporárias para que possamos dar a nossas bases portuguesas as melhores chances de sobrevivência.
Uma vez que o SNPVAC não se envolverá nestas medidas temporárias necessárias, nós anexamos seu adendo contratual para acordar estas mudanças, para salvar sua base e seus empregos. Essa proposta de adendo provisório está condicionada à aceitação do adendo do contrato por toda a tripulação da OPO.
Caso você tenha alguma dúvida ou precise de algum esclarecimento sobre qualquer coisa contida nesta carta, por favor entre em contacto connosco via .... Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director”
139. A missiva/proposta de redução de custos era acompanhada de uma adenda ao contrato, com o seguinte conteúdo:
“(…)
Re: Adendo ao contrato
1. Início 1.1. Este adendo entra em vigor a partir de 1 de julho de 2020.
2. Pagamento
2.1. Você receberá seu atual salário básico anual bruto, que agora será pago mensalmente em 14 meses. O salário acumulará de dia para dia e é pago em atraso no dia 28 ou por volta do dia 28 de cada mês em sua conta bancária (conta bancária europeia SEPA).
2.2. Você também receberá para o cargo de CSS (Customer Service Supervisor) um subsídio anual bruto de 2.000 (Dois Mil Euros) pagos mensalmente ao longo de 14 meses por ano. O subsídio de CSS será restaurado em dois pagamentos iguais de 250 euros brutos por ano em Julho 23 e Julho 24.
2.3. A partir de 1 Jul 20 o atual sistema de pagamento do seu pagamento mensal, incluindo o subsídio de Verão e Natal de acordo com a lei portuguesa (como mostrado em suas folhas de pagamento atuais) serão substituídos pelo pagamento de seu salário em 14 meses (meses adicionais - 13º / 14º meses - O pagamentos será feito em maio (subsídio de verão) e dezembro (subsídio de Natal) a cada ano). Você não terá direito a um subsídio de verão em 2020, pois este foi incluído em seu pagamento de janeiro-junho, seu subsídio de Natal será pago em novembro de 2020.
2.4. O bónus de produtividade existente de até 1.800 euros por ano (que é discricionário, pagamento não contratual introduzido pela Empresa e que de qualquer forma, expira no próximo março) não mais se aplica e nenhum prêmio ou pagamento será feito sob este esquema discricionário. Em vez do bônus de produtividade, seu salário básico anual será aumentado em 900 euros brutos por ano em Julho 23 e 900
2.5. Faixas SBH (Scheduled block hour – blocos de horas de voo) reestruturadas a partir de 1 Jul 20, restauradas em Julho 24.







2.6. Sua remuneração total foi calculada para incluir um prêmio para todas as horas associadas a serviço de voo; incluindo, mas não limitado a relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo incluindo o uso do sistema VPOS de mão. Seu salário também inclui um prêmio para o domingo e trabalho em feriados bancários.
3. Férias anuais (sem mudança no sistema atual)
3.1. Você continuará a receber suas férias anuais e direitos a feriados, de acordo com Lei portuguesa. Você acumulará 1,83 dias de férias anuais para cada mês completo de trabalho, ou seja, 22 dias por ano. De acordo com o atual sistema de férias anuais, você pode solicitar até 20 dias e 2 dias de férias será alocado em um dia de folga em sua escala, em conformidade com a lei portuguesa, e para entregar a atual escala de 5/3 (que reverterá para 5/2/5/3 em 2021 a menos que seja negociada como parte de um novo acordo) que proporciona 30 dias a mais de dias planejados fora da empresa do que o padrão 5/2. As datas de suas férias anuais devem ser previamente aprovadas pela Empresa e a alocação de férias anuais será estritamente regida pelas exigências da empresa. Você aceita que poderá ser chamado para trabalhar durante períodos de pico que podem incluir o verão, Natal e Feriados Públicos.
4. Escalação
4.1. Para garantir a produtividade e maximizar os ganhos de remuneração variável da tripulação, uma proporção da tripulação da cabine das bases portuguesas serão oferecidas voluntariamente para operar uma escala de 4/3 de inverno ou alternativamente 50% de contratos operando a 4/10, dependendo da alocação e programação. Caso surja uma situação em que as aplicações de inverno são insuficientes para a escala de 4/3 ou 4/10, a Empresa alocará 4/3 ou 4/10 (contrato de 50%) de escalas de inverno para uma proporção de tripulação de acordo com os requisitos operacionais.
5. Reclamações legais
5.1. Você confirma que seu emprego entrou em vigor na legislação portuguesa a partir de 1 de fevereiro de 2019 e que seus termos e condições de trabalho estão de acordo com a lei portuguesa desde esta data e todos os regulamentos aplicáveis ao longo de sua execução. Você confirma que não tem nenhuma reivindicação legal contra a empresa a partir de 8 de junho de 2020.
Todos os outros termos e condições de seu emprego permanecerão inalterados. Seu emprego permanecerá sujeito aos Termos e Condições Gerais de Emprego da A..., conforme estabelecido no “... à A...". A confirmação de sua aceitação destas condições de emprego é necessária através da assinatura da carta. Caso você tenha alguma dúvida ou precise de algum esclarecimento sobre alguma coisa contida nesta carta, favor não hesite em entrar em contato comigo.
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director
Eu, (…), li, entendi e aceito os termos e condições acima. Eu também compreendo e aceito que esta oferta de adendo provisório é estritamente condicional a toda a tripulação de Porto aceitando o adendo de contrato. Para aceitar este adendo, favor confirmar sua aceitação via e-mail até as 12:00hrs ate Sexta-feira, 12 de junho”. (cfr. Anexo VII – versão traduzida para português pela arguida)
140. Na sequência da missiva datada de 8 de junho de 2020 e de acordo com os esclarecimentos prestados pela arguida no e-mail de 12/10/2020:
- Assinaram a adenda de redução temporária de custos 29 (vinte e nove) tripulantes de cabine do aeroporto internacional do Porto;
- Não assinaram a adenda de redução temporária de custos 25 (vinte e cinco) tripulantes de cabine do aeroporto internacional do Porto
(cfr. Anexo VI, a fls. 72 a 74 dos autos – e-mail datado de 12/10/2020 com duas listagens anexas).
141. Os trabalhadores CC, AA e DD assinaram a adenda de redução temporária de custos.
142. Os trabalhadores FF, GG e EE não assinaram a adenda de redução temporária de custos.
143. Na adenda assinada pelos trabalhadores CC, AA e DD, consta, no geral, o seguinte:
- O salário base anual passará a ser pago em 14 meses;
- A partir de 1 de julho de 2020, o salário passará a ser pago em 14 meses, sendo que em maio será pago o subsídio de férias e em dezembro o subsídio de Natal. Em 2020, não há lugar a pagamento de subsídio de férias, pois este já foi pago de janeiro a junho de 2020;
- O bónus de produtividade de até 1800 euros deixará de ser pago;
- O salário base será aumentado em 900 euros brutos por ano em julho de 2023 e 900 euros em julho de 2024;
- Os blocos de horas de voo (sob o qual assentam os pagamentos de horas de voo – no recibo de retribuição consta como “gross sectors”) serão restruturados, sendo que a 1 de julho de 2024 voltará novamente ao esquema pré adenda;
- Para a função de “Customer Service Supervisor” (que consta nos recibos de retribuição como “Number One”) será pago o valor anual bruto de 2000 euros, pagos mensalmente em 14 meses, que será restaurado em dois pagamentos iguais de 250 euros brutos por ano em julho de 2023 e julho de 2024;
- Manter-se-á a atual escala 5/3, ou seja, trabalham 5 dias e descansam 3 dias (sendo expectável que, em 2021, passe para o esquema 5/2/5/3);
- O trabalhador confirma que passou a aplicar-se a legislação portuguesa a 1 de fevereiro de 2019 e que os seus termos e condições de trabalho se encontram de acordo com a legislação portuguesa desde esta data, não tendo nenhuma reivindicação legal contra a empresa a partir de 8 de junho de 2020.
144. Aos trabalhadores que optaram por não assinar a referida adenda (entre eles os trabalhadores FF, GG e EE), a arguida enviou uma nova comunicação, datada de 3 de julho de 2020, com o seguinte teor:
“Prezado(a) (…), Você é uma da minoria da tripulação em Portugal que não aceitou o adendo proposto para proteger os trabalhos da tripulação em Portugal. Alguns de nossos tripulantes procuraram esclarecimento se a assinatura do adendo impediria futuras negociações com o SNPVAC. Este não é o caso, continuamos comprometidos em negociar um Acordo Coletivo de Trabalho com o SNPVAC e agora reafirmamos este compromisso por escrito, ver anexo.
Considerando que agora fornecemos este esclarecimento adicional, estamos dispostos a dar ao pequeno número de tripulantes restantes uma oportunidade final para confirmar a aceitação do adendo ao contrato. Estas mudanças temporárias incluídas nos adendos (que serão totalmente restauradas conforme o adendo) são necessárias para minimizar a perda de empregos em nossas bases portuguesas, já que enfrentamos a pior crise da história da aviação. Se você agora deseja aceitar estas mudanças para proteger os empregos da tripulação - como a grande maioria de seus colegas portugueses já o fez - por favor, confirme sua aceitação até as 17:00hrs de segunda-feira, 6 de julho. Nossa tripulação em toda a rede já está aceitando estas mudanças, com acordos sindicais assinados mais recentemente na ... e no ..., onde 96% de nossos pilotos votaram para aceitar cortes salariais de 20% restaurados ao longo de 4 anos para salvar empregos.
Quando soubermos o número exato de aceitações, tomaremos uma decisão final sobre como iremos operar nossas operações em Portugal, incluindo como lidamos com o atual excedente de tripulantes e se todas as bases portuguesas podem permanecer abertas.
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director”
(cfr. Anexo VIII – comunicações de julho de 2020 aos trabalhadores que não assinaram a adenda - versão traduzida para português pela arguida).
145. Apesar do conteúdo da missiva referida no ponto anterior, os trabalhadores EE, FF e GG continuaram a não aceitar assinar a referida adenda.
146. No dia 9 de julho de 2020, a arguida enviou aos trabalhadores tripulantes de cabine que não assinaram a referida adenda (entre eles os trabalhadores FF, GG e EE) uma nova comunicação onde se pode ler o seguinte:
“Prezado(a) (…),
Temos o prazer de confirmar que mais de 90% de nosso pessoal em Portugal (pilotos e tripulantes de cabine) acordaram com as medidas sensatas de redução de custos (que serão totalmente restauradas até Julho 24) a fim de proteger empregos e dar às nossas bases portuguesas a melhor chance de sobrevivência enquanto trabalhamos através do impacto sem precedentes da crise do C19.
Dada a enorme aceitação destas mudanças necessárias e temporárias, estamos dispostos a implementar estas medidas para enfrentar o atual excedente de tripulantes sem a necessidade de demissões neste verão. Entretanto, enfrentamos um inverno incerto e revisitaremos a questão dos despedimentos neste inverno, dado que não conseguimos 100% de aceitação em Portugal, o que tornará nossa operação portuguesa não competitiva em comparação com outras jurisdições onde negociamos 100% de aceitação da necessária temporária economia de custos.
Como você é uma pequena minoria da tripulação de cabine que optou por não aceitar o acordo emergencial de resposta do Covid 19, será aplicado:
· Pagamento fixo - Você continuará a receber seu pagamento anual bruto fixo durante 12 meses. Os subsídios de Natal e de Verão continuarão a ser incluídos em seu pagamento, conforme consta em sua folha de pagamento, em total conformidade com a legislação portuguesa. Se você deseja receber seu salário fixo anual bruto em 14 meses ao invés de 12 meses (como 90% de seus colegas em Portugal), por favor nos informe e podemos fazer as mudanças necessárias a partir de 1 de janeiro de 2021.
· Bônus de produtividade - Em comum com todos os seus colegas de cabine em Portugal, o bônus discricionário de produtividade não contratual de 1.800 euros por ano não será mais aplicado, e nenhum outro pagamento será feito sob este esquema discricionário.
· Restauração do pagamento - Você se recusou a aceitar a restauração do pagamento acordada pela maioria de seus colegas, portanto, nenhum aumento de pagamento será aplicável a seu pagamento até 2024, no mínimo.
· Pagamento de voo - Como uma medida sensata e objetiva de gestão de custos em nossas bases portuguesas, maximizaremos as horas de tripulação que estão nas novas faixas de SBH reduzidas.
· Escala - Conforme seu contrato e o contrato de base existente, você não tem direito a um padrão de turno particular. A fim de lidar com as mudanças de horários de voo associadas ao programa de voo reduzido e ao excedente de tripulação, a partir de 1 de agosto de 20, sua escala de trabalho não será fixo (ou seja, o padrão de escalas não-contratuais de 5/3 não será mais aplicado). Seu horário de trabalho, deveres em espera, dias disponíveis e estas regras de escala são estabelecidas pela A... e de acordo com a Limitação de Tempo de Voo (FTL – Flight Time Limitations) atualmente em vigor e conforme o atual Manual de Operações da A... (e quaisquer revisões futuras) e são regulamentadas pela Autoridade de Aviação ... e pela EASA.
A Pandemia da Covid-19 criou uma crise sem precedentes para a indústria da aviação. Nosso negócio enfrentou até 4 meses sem voos, sem receita e sem passageiros. Esperamos perder mais de 200 milhões de euros no primeiro trimestre (abr-jun) e não vamos transportar mais da metade de nossa meta original de 155 milhões de passageiros para o ano inteiro. Agora temos que enfrentar a realidade de um novo ambiente operacional com restrições, redução da demanda, tarifas mais baixas e vendas abaixo do custo por parte dos concorrentes, apoiadas por mais de 30 bilhões de euros em auxílios estatais. Mais de 100.000 pessoas na aviação europeia estão perdendo seus empregos, inclusive na TAP, onde é relatado que haverá uma perda de 1.700 empregos e uma reestruturação significativa à medida que a companhia aérea luta com seus custos mensais de folha de pagamento.
Estamos lutando muito para proteger nossas bases portuguesas e para minimizar a perda de empregos neste verão, e realizamos o acordo com mais de 90% da tripulação em Portugal para trabalhar com a empresa durante a crise do Covid 19, onde a A... transportará 50% de menos tráfego, com tarifas significativamente mais baixas para um futuro previsível. As medidas descritas acima - que estão em total conformidade com seu contrato de trabalho e acordos existentes - são necessárias e proporcionais ao desafio que enfrentamos devido ao C19.
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Directo
(cfr. Anexo IX – comunicação final de julho de 2020 aos tripulantes de cabine que não assinaram a adenda - versão traduzida para português pela arguida)
147. Nesse mesmo dia 9 de julho de 2020, a arguida enviou aos trabalhadores tripulantes de cabine que assinaram a adenda (entre eles os trabalhadores CC, AA e DD) uma comunicação com o seguinte conteúdo:
“(…)
Prezado(a) (…),
A Pandemia da Covid-19 criou uma crise sem precedentes para a indústria da aviação. Nossa empresa enfrentou até 4 meses de voos em terra, sem receita e sem passageiros. Esperamos perder mais de 200 milhões de euros no primeiro trimestre (abr-jun) e não levaremos mais da metade da nossa meta original de 155 milhões de passageiros para o ano inteiro. Devemos agora enfrentar a realidade de um ambiente muito alterado de restrições operacionais, demanda reduzida, tarifas mais baixas e vendas abaixo do custo por parte dos concorrentes apoiadas por mais de 30 bilhões de euros em auxílios estatais. Mais de 100.000 pessoas na aviação europeia estão perdendo seus empregos, inclusive na TAP, onde há relatos de que haverá 1.700 perdas de empregos e uma reestruturação significativa à medida que a companhia aérea luta com seus custos mensais de folha de pagamento. Nos últimos 2 meses temos trabalhado com nossa tripulação e pilotos de cabine em Portugal para acordar medidas para lidar com o atual excedente de tripulação e para proteger nossas bases em Portugal. Temos o prazer de confirmar que mais de 90% de nosso pessoal em Portugal (pilotos e tripulantes) acordaram medidas sensatas de redução de custos (que serão totalmente restauradas) a fim de proteger empregos neste verão e dar às nossas bases portuguesas a melhor chance de sobrevivência enquanto trabalhamos através do impacto da crise do C19.
Dada a aceitação destas necessárias economias de custo, estamos dispostos a implementar estas medidas para enfrentar o atual excedente de tripulação sem a necessidade de despedimentos neste verão. As mudanças acordadas no adendo que você aceitou entrarão em vigor a partir de 1 de julho de 2020.
Entretanto, a pequena minoria da tripulação que não aceitou estas medidas não está imune aos efeitos em nossos negócios e terá as seguintes mudanças implementadas, que são necessárias e proporcionais à escala do desafio que enfrentamos devido ao C19”:
· A escala de 5/3 não se aplicará mais, e eles estarão em uma escala não fixada a fim de lidar com as mudanças nos horários de voo e programa de voo reduzido.
· Eles não terão mais direito ao bónus de produtividade discricionário extracontratual ou ao restabelecimento do pagamento durante a vigência do contrato.
· Também tomaremos uma medida sensata e objetiva de gestão de custos em nossas bases portuguesas, maximizando as horas de tripulação que estão nas novas bandas reduzidas de SBH.
Gostaríamos de agradecer sinceramente por seu apoio, pois todos nós enfrentamos a pior crise da história da aviação.
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director”
(Anexo X – comunicação feita aos tripulantes de cabine que assinaram a adenda - versão traduzida para português pela arguida).
148. A arguida apresentou o documento designado de “Individual Plan”: o registo dos tempos de voo, descanso e outras atividades, relativo aos meses de janeiro, fevereiro, março, julho, agosto e setembro de 2020 (cfr. Anexo XI – registo de horas de voo e de descanso “Individual Plan”).
149. Entre abril e junho de 2020 a arguida recorreu à medida de lay-off simplificado.
150. Até julho de 2020 os trabalhadores CC, AA, DD, EE, FF e GG dispunham de um padrão de horário contínuo de 5/3, ou seja, trabalhavam 5 dias e descansavam 3 dias.
151. Nos meses de agosto e setembro de 2020, os trabalhadores CC, AA, DD, EE, FF e GG prestaram trabalho nos seguintes moldes18 [nota de rosapé 18 com o seguinte teor: “Nota: Folga equivale a descanso semanal / Trabalho a dias com horas de voo / Disponibilidade quando os tripulantes estão à chamada.]:






















152. A partir de agosto de 2020,
· Os trabalhadores que assinaram a adenda (entre eles, CC, AA e DD):
- mantiveram, tendencialmente, o esquema de horário 5/3;
- dispuseram de mais dias de trabalho e, por isso, receberam mais horas de voo (parte variável da retribuição) – maximizando as horas de voo;
- tiveram menos dias de disponibilidade (em que estão à chamada).
· Os trabalhadores que não assinaram a adenda (entre eles, EE, GG e FF):
- dispuseram de um esquema de horário manifestamente aleatório;
- dispuseram de menos dias de trabalho e, portanto, menos horas de voo (parte variável de retribuição);
- tiveram mais dias de disponibilidade.
Processo n.º ...80
153. O valor da retribuição base contratualmente acordada com os trabalhadores CC, AA, DD e HH foi definido por referência ao montante anual, a pagar em prestações mensais de igual valor (cfr. Anexo II, respetivamente, cláusulas 6.1, 6.1, 5.1 e 7.1 dos contratos de trabalho).
154. Nos contratos de trabalho celebrados entre a arguida e trabalhadores CC, AA, DD e HH é referido que o trabalhador “tem direito, para além do banco legal e feriados, a 20 dias úteis de férias pagas por ano (que se acumularão e à taxa de 1,66 dias por mês)” – cfr. Anexo II, respetivamente, cláusulas 10.1, 10.1, 9.1 e 11.1 dos contratos de trabalho.
155. Nos contratos de trabalho celebrados entre a arguida e trabalhadores CC, AA, DD e HH não há qualquer referência ao subsídio de férias e de Natal – cfr. Anexo II (contratos de trabalho).
156. Em finais de janeiro de 2019, a arguida enviou aos trabalhadores CC, AA, DD e HH, através da plataforma Crewdock, uma missiva com o assunto “Statement of Terms and Conditions” (Termos e Condições) – missiva que decorria do entendimento com o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil – SNPVAC.
157. No ponto 2 da missiva enviada aos trabalhadores CC, AA, DD e HH pode ler-se o seguinte:









158. A partir de 01/02/2019, a arguida passou a aplicar a lei laboral portuguesa aos tripulantes de cabine, designadamente aos trabalhadores CC, AA, DD e HH.
159. No dia 11/09/2020, a arguida remeteu um e-mail à Inspetora, com esclarecimentos relativos à documentação enviada e com as comunicações enviadas aos trabalhadores tripulantes de cabine com o intuito de efetuar acordos de redução salarial (cfr. Anexo IV).
160. No e-mail enviado à Inspetora, e no que diz respeito à “(…) proposta de redução de custos emitida à tripulação em junho de 2020” (ver ponto 2 do referido e-mail), a arguida clarifica o seguinte:
- As medidas temporárias de redução de custos serão totalmente restabelecidas;
- O salário base terá um aumento de 900 euros por ano em julho de 2023 e o mesmo valor em julho de 2024;
- O salário base, pago até aqui em 12 meses, passará a ser pago em 14 meses (incluindo o subsídio de férias e o subsídio de Natal). (cfr. Anexo IV)
161. No dia 8 de junho de 2020, a arguida remeteu aos trabalhadores, (entre eles CC, AA, DD e HH), uma missiva com o seguinte teor:
(…)
“Prezado(a) (…),
A Pandemia da Covid-19 criou uma crise sem precedentes para a indústria da aviação. Nosso negócio enfrentou até 4 meses sem voos, sem receita e sem passageiros. Esperamos perder mais de 200 milhões de euros no primeiro trimestre (abr-jun) e não vamos transportar mais da metade de nossa meta original de 155 milhões de passageiros para o ano inteiro. Agora temos que enfrentar a realidade de um novo ambiente operacional com restrições, redução da demanda, tarifas mais baixas e vendas abaixo do custo por parte dos concorrentes, apoiadas por mais de 30 bilhões de euros em auxílios estatais. Estes efeitos durarão anos e é crucial que devolvamos o negócio para a rentabilidade e reconstruir nosso balanço para que possamos proteger o número máximo de empregos para a longo prazo.
Isso infelizmente significará perda de empregos (até 3.000 tripulantes em toda a empresa) e cortes salariais para os Pilotos e Tripulação de cabine em toda a nossa empresa, pois devemos ajustar nossa base de custos. O trabalho potencial da tripulação de cabine em nossas bases portuguesas provavelmente será em excesso de mais de 80 tripulantes, esta é a nossa melhor estimativa e poderá ser pior, especialmente se as reservas de voos no verão forem menores do que o previsto e como enfrentamos uma situação muito difícil no inverno e visibilidade zero na capacidade para o verão 21. Estes ajustes de custos não impactam apenas a tripulação e pilotos e já resultaram na perda de mais de 250 empregos em nossos escritórios em ..., ..., ... e ... e a renegociação de custos com fornecedores, incluindo contratos de aeroportos.
Nas últimas quatro semanas, tentamos nos envolver com o SNPVAC na negociação de custos razoáveis a longo prazo, como medidas para minimizar a perda de empregos e apoiar nossas bases portuguesas. O SNPVAC não nos apoiou e estão sob a ilusão de que esta crise é de curto prazo – e não é. A última atualização do SNPVAC foi que não são "responsáveis" por negociar as medidas de economia de custos necessárias para reconstruir e salvar nossas Bases em Portugal.
O feedback claro de nossa tripulação de cabine em Portugal é que eles entendem a urgência desta crise e querem fazer acordos sensatos que reconheçam a gravidade da crise da Covid-19 e mitiguem perdas de empregos. Cabe agora à tripulação acordar as reduções salariais temporárias de 10% (por 4 anos) que serão totalmente restauradas, para minimizar a perda de empregos em nossas bases portuguesas. Estas mudanças são resumidas como a seguir:
1. Nenhuma redução na remuneração básica anual, mas agora paga em 14 meses e aumentada em 900 euros brutos em Julho 2023 e 900 euros brutos em Julho 2024.
2. Redução do CSS subsídio (restaurado em Julho 2023 e Julho 2024).
3. Expiração antecipada do bônus discricionário de produtividade não contratual e quantia restaurada no salario básico em Julho 2023 e Julho 2024 conforme o ponto 1 acima.
4. As taxas da SBH (Scheduled block hour – blocos de horas de voo) foram mantidas, mas as faixas de horas foram alteradas e restauradas em Julho 2024.
Essas mudanças são necessárias e são o único meio de evitar o fechamento de bases e redundâncias em nossas Bases Portuguesas. Nossos trabalhos de tripulação de cabine em Portugal são muito bem pagos com ótimas escalas de trabalho, e eu gostaria de pedir à tripulação que adote uma abordagem de bom senso e concorde com estas mudanças salariais temporárias para que possamos dar a nossas bases portuguesas as melhores chances de sobrevivência. Uma vez que o SNPVAC não se envolverá nestas medidas temporárias necessárias, nós anexamos seu adendo contratual para acordar estas mudanças, para salvar sua base e seus empregos. Essa proposta de adendo provisório está condicionada à aceitação do adendo do contrato por toda a tripulação da OPO. Caso você tenha alguma dúvida ou precise de algum esclarecimento sobre qualquer coisa contida nesta carta, por favor entre em contacto connosco via ....
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director”
(cfr. Anexo V – versão traduzida para português pela arguida, com bold nosso)
162. A missiva/proposta de redução de custos era acompanhada de uma adenda ao contrato.
163. Na sequência da missiva datada de 8 de junho de 2020 e de acordo com os esclarecimentos prestados pela arguida no e-mail de 12/10/2020:
- Assinaram a adenda de redução temporária de custos 29 (vinte e nove) tripulantes de cabine do aeroporto internacional do Porto;
- Não assinaram a adenda de redução temporária de custos 25 (vinte e cinco) tripulantes de cabine do aeroporto internacional do Porto
(cfr. Anexo VI – e-mail datado de 12/10/2020 com duas listagens anexas).
164. A trabalhadora CC assinou a adenda ao contrato de trabalho (adenda de redução temporária de custos), com o seguinte conteúdo:
“(…)
Re: Adendo ao contrato
1. Início 1.1. Este adendo entra em vigor a partir de 1 de julho de 2020.
2. Pagamento
2.1. Você receberá seu atual salário básico anual bruto, que agora será pago mensalmente em 14 meses. O salário acumulará de dia para dia e é pago em atraso no dia 28 ou por volta do dia 28 de cada mês em sua conta bancária (conta bancária europeia SEPA).
2.2. A partir de 1 Jul 2020 o atual sistema de pagamento do seu pagamento mensal, incluindo o subsídio de Verão e Natal de acordo com a lei portuguesa (como mostrado em suas folhas de pagamento atuais) serão substituídos pelo pagamento de seu salário em 14 meses (meses adicionais – 13.º / 14.º meses - O pagamento será feito em maio (subsídio de verão) e dezembro (subsídio de Natal) a cada ano). Você não terá direito a um subsídio de verão em 2020, pois este foi incluído em seu pagamento de janeiro-junho, seu subsídio de Natal será pago em novembro de 2020.
2.4. O bónus de produtividade existente de até 1.800 euros por ano (que é discricionário, pagamento não contratual introduzido pela Empresa e que de qualquer forma, expira no próximo março) não mais se aplica e nenhum prêmio ou pagamento será feito sob este esquema discricionário. Em vez do bônus de produtividade, seu salário básico anual será aumentado em 900 euros brutos por ano em Julho 23 e 900 euros brutos em Julho 24
2.5. Faixas SBH (Scheduled block hour – blocos de horas de voo) reestruturadas a partir de 1 Jul 20, restauradas em Julho 24.






2.6. Sua remuneração total foi calculada para incluir um prêmio para todas as horas associadas a serviço de voo; incluindo, mas não limitado a relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo incluindo o uso do sistema VPOS de mão. Seu salário também inclui um prêmio para o domingo e trabalho em feriados bancários.
3. Férias anuais (sem mudança no sistema atual)
3.1. Você continuará a receber suas férias anuais e direitos a feriados, de acordo com Lei portuguesa. Você acumulará 1,83 dias de férias anuais para cada mês completo de trabalho, ou seja, 22 dias por ano. De acordo com o atual sistema de férias anuais, você pode solicitar até 20 dias e 2 dias de férias será alocado em um dia de folga em sua escala, em conformidade com a lei portuguesa, e para entregar a atual escala de 5/3 (que reverterá para 5/2/5/3 em 2021 a menos que seja negociada como parte de um novo acordo) que proporciona 30 dias a mais de dias planejados fora da empresa do que o padrão 5/2. As datas de suas férias anuais devem ser previamente aprovadas pela Empresa e a alocação de férias anuais será estritamente regida pelas exigências da empresa. Você aceita que poderá ser chamado para trabalhar durante períodos de pico que podem incluir o verão, Natal e Feriados Públicos.
4. Escalação
4.1. Para garantir a produtividade e maximizar os ganhos de remuneração variável da tripulação, uma proporção da tripulação da cabine das bases portuguesas serão oferecidas voluntariamente para operar uma escala de 4/3 de inverno ou alternativamente 50% de contratos operando a 4/10, dependendo da alocação e programação. Caso surja uma situação em que as aplicações de inverno são insuficientes para a escala de 4/3 ou 4/10, a Empresa alocará 4/3 ou 4/10 (contrato de 50%) de escalas de inverno para uma proporção de tripulação de acordo com os requisitos operacionais.
5. Reclamações legais
5.1. Você confirma que seu emprego entrou em vigor na legislação portuguesa a partir de 1 de fevereiro de 2019 e que seus termos e condições de trabalho estão de acordo com a lei portuguesa desde esta data e todos os regulamentos aplicáveis ao longo de sua execução. Você confirma que não tem nenhuma reivindicação legal contra a empresa a partir de 8 de junho de 2020.
Todos os outros termos e condições de seu emprego permanecerão inalterados. Seu emprego permanecerá sujeito aos Termos e Condições Gerais de Emprego da A..., conforme estabelecido no “... à A...". A confirmação de sua aceitação destas condições de emprego é necessária através da assinatura da carta.
Caso você tenha alguma dúvida ou precise de algum esclarecimento sobre alguma coisa contida nesta carta, favor não hesite em entrar em contato comigo.
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director
Eu, (…), li, entendi e aceito os termos e condições acima. Eu também compreendo e aceito que esta oferta de adendo provisório é estritamente condicional a toda a tripulação de Porto aceitando o adendo de contrato. Para aceitar este adendo, favor confirmar sua aceitação via e-mail até as 12:00hrs ate Sexta-feira, 12 de junho”.
(cfr. Anexo VII – versão traduzida pela arguida, com bold nosso).
165. Os trabalhadores AA, DD e HH assinaram a adenda de redução temporária de custos, com o seguinte conteúdo:
“(…)
Re: Adendo ao contrato
1. Início
1.1. Este adendo entra em vigor a partir de 1 de julho de 2020.
2. Pagamento
2.1. Você receberá seu atual salário básico anual bruto, que agora será pago mensalmente em 14 meses. O salário acumulará de dia para dia e é pago em atraso no dia 28 ou por volta do dia 28 de cada mês em sua conta bancária (conta bancária europeia SEPA).
2.2. Você também receberá para o cargo de CSS (Customer Service Supervisor) um subsídio anual bruto de 2.000 (Dois Mil Euros) pagos mensalmente ao longo de 14 meses por ano. O subsídio de CSS será restaurado em dois pagamentos iguais de 250 euros brutos por ano em Julho 2023 e Julho 2024.
2.3. A partir de 1 Jul 2020 o atual sistema de pagamento do seu pagamento mensal, incluindo o subsídio de Verão e Natal de acordo com a lei portuguesa (como mostrado em suas folhas de pagamento atuais) serão substituídos pelo pagamento de seu salário em 14 meses (meses adicionais – 13.º / 14.º meses - O pagamento será feito em maio (subsídio de verão) e dezembro (subsídio de Natal) a cada ano). Você não terá direito a um subsídio de verão em 2020, pois este foi incluído em seu pagamento de janeiro-junho, seu subsídio de Natal será pago em novembro de 2020.
2.4. O bónus de produtividade existente de até 1.800 euros por ano (que é discricionário, pagamento não contratual introduzido pela Empresa e que de qualquer forma, expira no próximo março) não mais se aplica e nenhum prêmio ou pagamento será feito sob este esquema discricionário. Em vez do bônus de produtividade, seu salário básico anual será aumentado em 900 euros brutos por ano em Julho 23 e 900 euros brutos em Julho 24
2.5. Faixas SBH (Scheduled block hour – blocos de horas de voo) reestruturadas a partir de 1 Jul 20, restauradas em Julho 24.




2.6. Sua remuneração total foi calculada para incluir um prêmio para todas as horas associadas a serviço de voo; incluindo, mas não limitado a relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo incluindo o uso do sistema VPOS de mão. Seu salário também inclui um prêmio para o domingo e trabalho em feriados bancários.
3. Férias anuais (sem mudança no sistema atual)
3.1. Você continuará a receber suas férias anuais e direitos a feriados, de acordo com Lei portuguesa. Você acumulará 1,83 dias de férias anuais para cada mês completo de trabalho, ou seja, 22 dias por ano. De acordo com o atual sistema de férias anuais, você pode solicitar até 20 dias e 2 dias de férias será alocado em um dia de folga em sua escala, em conformidade com a lei portuguesa, e para entregar a atual escala de 5/3 (que reverterá para 5/2/5/3 em 2021 a menos que seja negociada como parte de um novo acordo) que proporciona 30 dias a mais de dias planejados fora da empresa do que o padrão 5/2. As datas de suas férias anuais devem ser previamente aprovadas pela Empresa e a alocação de férias anuais será estritamente regida pelas exigências da empresa. Você aceita que poderá ser chamado para trabalhar durante períodos de pico que podem incluir o verão, Natal e Feriados Públicos.
4. Escalação
4.1. Para garantir a produtividade e maximizar os ganhos de remuneração variável da tripulação, uma proporção da tripulação da cabine das bases portuguesas serão oferecidas voluntariamente para operar uma escala de 4/3 de inverno ou alternativamente 50% de contratos operando a 4/10, dependendo da alocação e programação. Caso surja uma situação em que as aplicações de inverno são insuficientes para a escala de 4/3 ou 4/10, a Empresa alocará 4/3 ou 4/10 (contrato de 50%) de escalas de inverno para uma proporção de tripulação de acordo com os requisitos operacionais.
5. Reclamações legais
5.1. Você confirma que seu emprego entrou em vigor na legislação portuguesa a partir de 1 de fevereiro de 2019 e que seus termos e condições de trabalho estão de acordo com a lei portuguesa desde esta data e todos os regulamentos aplicáveis ao longo de sua execução. Você confirma que não tem nenhuma reivindicação legal contra a empresa a partir de 8 de junho de 2020.
Todos os outros termos e condições de seu emprego permanecerão inalterados. Seu emprego permanecerá sujeito aos Termos e Condições Gerais de Emprego da A..., conforme estabelecido no “... à A...". A confirmação de sua aceitação destas condições de emprego é necessária através da assinatura da carta.
Caso você tenha alguma dúvida ou precise de algum esclarecimento sobre alguma coisa contida nesta carta, favor não hesite em entrar em contato comigo.
Atenciosamente,
PP
Deputy HR Director
Eu, (…), li, entendi e aceito os termos e condições acima. Eu também compreendo e aceito que esta oferta de adendo provisório é estritamente condicional a toda a tripulação de Porto aceitando o adendo de contrato. Para aceitar este adendo, favor confirmar sua aceitação via e-mail até as 12:00hrs ate Sexta-feira, 12 de junho”.
(cfr. Anexo VII – versão traduzida pela arguida, com bold nosso).
166. Em face de solicitações dos trabalhadores tripulantes de cabine, a arguida, através de missiva datada de 15/06/2020, veio esclarecer o seguinte (cfr. Anexo VIII – tradução da responsabilidade da arguida, com bold nosso):
“(…)
Prezados colegas
Vários tripulantes nos pediram, que esclarecêssemos a posição a respeito da mudança do sistema de pagamento de 12 para 14 meses, já que circulam rumores imprecisos de que esta transição deve ser acompanhada por um aumento de 17% no salário. Favor ver os esclarecimentos abaixo:
· Seu salário anual é declarado em seu contrato de trabalho.
O adendo proposto não reduz sua remuneração básica anual, que agora será paga em 14 parcelas e aumentada em 900 euros brutos por ano em julho 2023 e 900 euros brutos por ano em julho 2024.
· Fizemos a transição do sistema de pagamentos irlandês em fevereiro de 2019, onde todos os pagamentos são integrados aso sistema português de pagamento onde os subsídios de Natal e de férias são separados. Quando fizemos a transição para a legislação portuguesa em fevereiro 2019 oferecemos à tripulação a opção de receber os subsídios de Natal e de férias como pagamentos separados duas vezes por ano (pago o mesmo pagamento em 14 meses em vez de 12) no entanto a tripulação decidiu permanecer na estrutura de pagamento de 12 meses com os subsídios de Natal e de férias pagos mensalmente.
· Os pilotos em Portugal e a tripulação de cabine de Faro optaram pela estrutura de 14 meses e esses tripulantes recebem os subsídios de Natal e de férias em pagamentos separados a cada novembro e maio, mas o salário anual é o mesmo que no sistema irlandês, que é o que oferecemos no adendo emitido à tripulação portuguesa na semana passada. Não há base para o rumor da semana passada de que o pagamento da tripulação deveria ser aumentado em até 17%, isso tornaria as bases portuguesas completamente não competitivas e serviria apenas para comprometer ainda mais o nosso investimento em Portugal e forçar ainda mais cortes e fechamentos de bases.
Atenciosamente
PP
Deputy HR Director
167. No período de janeiro a dezembro de 2019, a arguida pagou à trabalhadora CC os seguintes valores:



[nota de rodapé 19 aposta no quadro no mês de fevereiro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição da trabalhadora CC, correspondente ao mês de fevereiro de 2019, foi descontado o valor de 137,46 €, com a designação “Sick” (Doente).”]
[nota de rodapé 20 aposta no quadro no mês de dezembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição da trabalhadora CC, correspondente ao mês de dezembro de 2019, foi ainda pago um valor de 42,96 €, sob a designação “Pay Adjustement”.”]
168. No período de janeiro a dezembro de 2019, a arguida pagou ao trabalhador AA os seguintes valores:









[nota de rodapé 21 aposta no quadro no mês de março de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de março de 2019, foi ainda descontado o valor de 824,77 €, com a designação “Sick” (Doente).”]
[nota de rodapé 22 aposta no quadro no mês de abril de 2019 com o seguinte teor: “Nos recibos de retribuição do trabalhador AA, correspondentes aos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2019, foi ainda descontado o valor de 1 489,16 €, com a designação “SickLve”.”]
[nota de rodapé 23 aposta no quadro no mês de setembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de setembro de 2019, foi ainda pago o valor de 343,65 €, com a designação “Sick” (Doente).”]
[nota de rodapé 24 aposta no quadro no mês de novembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de novembro de 2019, foi ainda pago um valor de 42,96 €, sob a designação “Pay Adjustement”.”]
[nota de rodapé 25 aposta no quadro no mês de dezembro de 2019 com o seguinte teor: “No recibo de retribuição do trabalhador AA, correspondente ao mês de dezembro de 2019, foi ainda pago um valor de 42,96 €, sob a designação “Pay Adjustement”.”]
169. A partir de 28/02/2019, os subsídios de férias e de Natal passaram a ser referenciados nos recibos de retribuição dos trabalhadores (designadamente dos trabalhadores CC e AA) sob a designação/rubrica “Summer \ Xmas”, mas o seu valor era simultaneamente creditado e descontado (sob a designação/rubrica “Sum \ Xmas Inc in Gross P”), conforme exemplos seguintes:
CC





AA












170. No sistema de informação da Segurança Social não se encontram declarados valores a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
171. No dia 06/10/2020 foi lavrado o auto de notícia n.º CO1920501187, que deu origem ao Processo n.º ...98, no qual a arguida foi acusada de ter violado o disposto no artigo 264.º, n.os 2 e 3, do Código do Trabalho (não ter pago o subsídio de férias de 2019 aos trabalhadores, nem imediatamente antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado, nem em momento algum).
172. No dia 08/10/2020 foi lavrado o auto de notícia n.º CO1920501188, que deu origem ao Processo n.º ...00, no qual a arguida foi acusada de ter violado o disposto no artigo 263.º, n.º 1, do Código do Trabalho (não ter pago aos seus trabalhadores o subsídio de Natal do ano de 2019).
173. No dia 22/09/2020, a Inspetora solicitou, via correio eletrónico, à arguida o envio dos recibos de retribuição de janeiro e agosto de 2020 quanto aos trabalhadores CC, AA, DD e HH bem como a identificação das siglas/designações que aparecem nos recibos de retribuição a título de salário base (cfr. Anexo X- email de 22/09/2020)
174. Em 28/09/2020, a arguida enviou, via correio eletrónico, aqueles recibos de retribuição e carta resposta com as designações dos recibos de retribuição, referindo que a designação/rubrica “Basic” corresponde à Retribuição base. (Anexo XI- carta resposta com a definição das parcelas da retribuição base)
175. Nos meses de janeiro de 2020 e agosto de 2020, a arguida pagou aos trabalhadores CC, AA, DD e HH, os seguintes valores a título de retribuição base (“Basic”):






176. Os subsídios de férias e de Natal encontram-se referenciados no recibo de retribuição dos trabalhadores dos trabalhadores CC e AA, correspondente ao mês de janeiro de 2020[7], sob a designação/rubrica “Summer \ Xmas”, mas o seu valor foi simultaneamente creditado e descontado (sob a designação/rubrica “Sum \ Xmas Inc in Gross P”) – Anexo XII:

CC







AA






DD





HH






177. No mês de agosto de 2020, a arguida pagou aos trabalhadores CC, AA, DD e HH, os seguintes valores:
CC






AA






DD






HH





177. No mês de agosto de 2020, a arguida pagou aos trabalhadores CC, AA, DD e HH, os seguintes valores:
CC




AA




DD








HH







178. No mês de agosto de 2020 foi retirada/não consta dos recibos de retribuição dos trabalhadores CC, AA, DD e HH qualquer parcela com a designação “Summer/Xmas” e “Sum/Xmas Inc in Gross P”.
179. Não se verificou, relativamente a nenhum dos trabalhadores acima identificados, mudança para categoria inferior, passagem do regime de tempo completo para tempo parcial, redução do trabalho ou suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador.
180. Em 2020 a Recorrente sofria os impactos da redução de procura emergente da Pandemia de Covid-21, tendo endereçado aos tripulantes de cabine a proposta de redução de custos descrita os factos provados.
181. Nesta conformidade, os três trabalhadores que aceitaram a proposta de redução de custos, ao contrário dos três trabalhadores que não aceitaram essa proposta, acabam por ter uma prestação da qual resultam custos unitários (por hora de voo) menores, desde logo porque o pagamento variável assente nas horas de voo programadas (Scheduled Clock Hours “SHB”) foi reestruturado.
182. Passou a verificar-se que os trabalhadores que haviam aceite a proposta da Recorrente tinham uma prestação que envolve menores custos.
Factos Não Provados.
1. A arguida, ao não ter pago à trabalhadora CC, no ano de 2018, qualquer montante a título de subsídio de Natal, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
2. A arguida, ao não ter pago ao trabalhador AA, no ano de 2018, qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
3. A arguida, ao não ter pago ao trabalhador BB, no ano de 2018, qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
4. A arguida, ao não ter pago aos trabalhadores CC, AA e BB, no ano de 2019, qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
5. A arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que discriminar os trabalhadores tripulantes de cabine FF, GG e EE em matéria de horários de trabalho, horas de voo e ausência de aumentos salariais relativamente aos trabalhadores tripulantes de cabine CC, AA e DD, em razão de os primeiros não terem assinado a adenda de redução temporária de custos, era punido nos termos da lei.
6. A arguida sabia das consequências práticas da sua conduta na vida pessoal e profissional dos trabalhadores FF, GG e EE.
7. No mês de agosto de 2020, a arguida diminuiu a retribuição base dos trabalhadores CC, AA, DD e HH.
8. A arguida, ao diminuir a retribuição base dos trabalhadores CC, AA, DD e HH, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.».

*


IV – Fundamentação

1. Enquadramento prévio
Recorde-se que, nos presentes autos, a Impugnante/Arguida, para além do mais, foi absolvida de oito contraordenações muito graves, reportadas à falta de pagamento de subsídio de Natal de 2018 e 2019 (artigo 263.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho de 2009), à falta de pagamento de subsídio de férias de 2018 e 2019 (artigo 264.º, n.ºs 2 e 4 do Código do Trabalho de 2009) e à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição (artigo 129º, n.ºs 1, alínea d), e 2 do Código do Trabalho de 2009[8]), punidas nos termos do artigo 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8, do mesmo Código, e que lhe foram imputadas a título de negligência - processos n.ºs ...55, ...56, ...57, ...59, ...61, ...98, ...00 e ...80.
O recurso interposto pelo Ministério Público tem apenas como objeto a absolvição quanto a essas oito contraordenações [atente-se que a Impugnante foi ainda absolvida da contraordenação muito grave respeitante à imputada violação da proibição de discriminação (artigo 25.º, n.ºs 1 e 8, do Código do Trabalho de 2009), punida nos termos do artigo 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8, do mesmo Código, e que lhe foi imputada a título de dolo, mas esta absolvição não é objeto do recurso - processo n.º ...79].
No que respeita às identificadas oito contraordenações muito graves, no item atinente à fundamentação de direito consta da sentença recorrida o seguinte:

«Dos procedimentos de contraordenação n.º ...59; n.º ...61; n.º ...98; n.º ...55; n.º ...56; n.º ...57; ...00 e; n.º ...80.

Dispõe o artigo 263.º do Código do Trabalho que “1. O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano.

(….)

3.Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo”.

Dispõe o artigo 264.º do Código do Trabalho que “2. Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.

4.Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo”.

Finalmente, dispõe o artigo 129.º do Código do Trabalho que “1. É proibido ao empregador

(….)

d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código.

2. Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo”.

Estes procedimentos reportam-se à ausência de pagamento de subsídio de Natal; à ausência de pagamento de subsídio de férias e à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, relativamente aos quais não foram julgados provados os elementos subjetivos dos tipos legais em apreço, de acordo com a fundamentação expressa em sede de decisão da matéria de factos.

Em face do exposto, decide o Tribunal absolver a Recorrente da prática destas oito contraordenações.».
Em suma, o Tribunal de 1.ª instância fundamenta a sobredita absolvição da ora Recorrida na circunstância de não terem sido julgados provados os elementos subjetivos dos tipos legais em causa, “de acordo com a fundamentação expressa em sede de decisão da matéria de facto”, sendo que esta singeleza nos obriga, não só a revisitar os pontos que foram considerados não provados por reporte às contraordenações que são objeto do presente recurso, como a recorrer à fundamentação constante da decisão da matéria de facto a esse respeito.
Neste particular, consta do item “Factos não provados”:
“1. A arguida, ao não ter pago à trabalhadora CC, no ano de 2018, qualquer montante a título de subsídio de Natal, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
2. A arguida, ao não ter pago ao trabalhador AA, no ano de 2018, qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
3. A arguida, ao não ter pago ao trabalhador BB, no ano de 2018, qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
4. A arguida, ao não ter pago aos trabalhadores CC, AA e BB, no ano de 2019, qualquer montante a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
(…)
7. No mês de agosto de 2020, a arguida diminuiu a retribuição base dos trabalhadores CC, AA, DD e HH.
8. A arguida, ao diminuir a retribuição base dos trabalhadores CC, AA, DD e HH, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.”.
Por sua vez, consta do item “Convicção do Tribunal”, a esse respeito, o seguinte:
«Convicção do Tribunal.
Os factos provados desde 1.º a 179.º que já constavam da decisão administrativa não foram colocados em causa pela Recorrente em sede de impugnação judicial.
(…)
Os factos não provados que se reportam aos elementos subjetivos do pagamento dos subsídios de Natal e férias resultam dos factos objetivos julgados como provados através dos quais se pode extrair que a Recorrente está convicta que nenhum ilícito praticou pois contratou com os trabalhadores portugueses como com quaisquer outros de outra nacionalidade um salário anual que decomposto em 12 prestações mensais ou 14 prestações mensais sempre é superior ao salário mínimo nacional. O facto de o salário anual ser pago em 12 prestações resulta unicamente da lei ... que não prevê o pagamento em 14 prestações, mas se os trabalhadores portugueses assim o quiserem terão o seu salário pago e catorze prestações e, assim têm os seus subsídios.
E, aqui entramos nos elementos subjetivos do tipo contraordenacional referente à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. Com efeito, o trabalhador recebe o salário que contratou com a Recorrente, mas pago em 14 vezes.
A posição defendida pela Recorrente já logrou decisões judiciais a atendê-la e, só esta circunstância afasta os elementos subjetivos do tipo.».
Esta motivação contém, na realidade, uma encapotada fundamentação jurídica para afinal não considerar preenchidos os elementos subjetivos do tipo no que respeita às oito contraordenações em questão no âmbito do presente recurso, sendo certo que foi com base nesse pressuposto que a sentença recorrida justificou a absolvição da Recorrida quanto a tais contraordenações.
Sublinhe-se que o recurso interposto reside, em substância, na discordância com essa fundamentação (até porque outra não foi apresentada), por o Recorrente considerar que a decisão recorrida não extrai a devida consequência dos factos dados como provados no que respeita ao elemento subjetivo.
Isto posto, em primeira linha, justifica-se uma intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem em sede de decisão da matéria de facto, questão que trataremos de seguida.


*

2. Necessidade de intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem em sede de decisão da matéria de facto

No caso, as oito contraordenações objeto do recurso foram imputadas à Impugnante/Arguida a título de negligência, conforme decorre inequivocamente da decisão administrativa [cfr. páginas 156 a 161 da decisão administrativa, sob o item X. Da culpa e da determinação da coima].

De facto, a decisão administrativa em sede de fundamentação jurídica, depois de considerações sobre o direito aplicável – onde concluiu que as disposições da lei laboral portuguesa referentes aos subsídios de férias e de Natal oferecem aos trabalhadores da arguida uma proteção mais ampla do que a que decorre da aplicação da lei laboral ... e, consequentemente, que a aplicação da lei ..., escolhida pelas partes, não pode privar os trabalhadores da proteção que lhes é conferida pelas referidas normas da lei portuguesa -, tece um conjunto de considerações sobre a imputação das contraordenações em causa a título de negligência, entre as quais:

Impondo a lei determinada conduta e provando-se que um agente a omitiu, verifica-se desde logo a contraordenação imputável a título de negligência.

Desta sorte, vindo legalmente impostas à arguida, na qualidade de entidade empregadora, determinadas obrigações e resultando provado que não as cumpriu, é manifesto que a arguida atuou de forma negligente, tendo cometido os ilicítos contraordenacionais referenciados. Na verdade, como neste âmbito se vem entendendo não é que a negligência se presume, mas deduz-se de determinada conduta omissive.

Acresce referir que a dimensão da arguida e os recursos que possui justificavam uma atuação diferente.

Assim, como negligente se deve, pois, censurar o comportamento da arguida relativamente às contraordenações elencadas nos processos acima identificados.”

Na decisão judicial recorrida ficou a constar no elenco dos factos não provados os transcritos pontos 1 a 4 e 7 e 8 [atente-se que essa matéria figurava na decisão administrativa no elenco dos factos provados sob os pontos 93., 98., 103., 128, 186. e 187., respetivamente].

A verdade é que constatamos que nesses pontos não constam verdadeiramente quaisquer factos, comportando antes, ao invés, meros juízos de valor e de natureza conclusiva e mesmo de direito, que, enquanto tais, não devem em nosso entender constar do acervo dos factos considerados como provados, nem, aliás, dos não provados. Isto porque, a questão de saber se um qualquer agente atuou ou não omitindo o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz e a diligência adequada/razoável no sentido de evitar a produção de um determinado resultado, conformando-se com o mesmo, - cfr. teor dos transcritos pontos 1. a 4. e 8 - assume-se como juízo valorativo, que afinal envolve uma questão de direito – saber se tal atuação integra ou não os quadros da negligência -, que deve ser retirado da factualidade provada, ou seja da consideração dos elementos objetivos que se tenham provado[9]. Neste sentido, o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2021[10] e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-01-2023[11].

Neste último Acórdão expõe-se o seguinte:

«Na verdade, introduzir na matéria de facto formulas genéricas ou conceitos indeterminados é colocar a conclusão e o direito no sítio errado (mormente fazendo constar que o infrator não agiu com cuidado ou diligência, ou representou como possível o facto mas não se conformou, ou não chegou a representar o facto, etc…). Ademais, tratam-se de fórmulas vazias que nada acrescentam. Essa conclusão de culpa deverá ser alcançada e deduzida dos factos objetivos integradores da infracção, ou de outros coadjuvantes, dos quais decorra que, em termos normais, segundo as regras da experiência comum, podemos concluir que aquele agente concreto agiu com culpa, isto é, poderia e deveria ter agido de outra maneira. Assim, por exemplo, se um condutor, aproximando-se de um sinal vertical de stop num cruzamento, que ali está bem visível, simplesmente não se detém no sinal e prossegue na condução, será de concluir que agiu, pelo menos, com negligência. O seu comportamento objetivo (não parar) indica, segundo as regras normais, que, no mínimo, não foi diligente. Se interferiu alguma circunstância anormal (ex. o seu carro ficou sem travões) então terá de ser o agente a provar essa factualidade excepcional, pois, segundo a normalidade das coisas, quem não se detém ao sinal de stop poderia faze-lo.

Portanto não se trata de uma responsabilização objetiva do agente, mas sim do modo como se afere a culpa, a extrair de materialidade fáctica.».
Refira-se ainda que o ponto 7. dos factos não provados assume natureza meramente genérica e conclusiva que não deverá também constar da decisão da matéria de facto, sendo certo que, com relevância para essa matéria, constam já os necessários factos concretos do elenco dos factos provados [84., 167., 168., 175. a 179. dos factos provados], sendo perante estes que depois em sede de apreciação jurídica (com o inerente enquadramento jurídico do quadro factual apurado) se concluirá ou não pela diminuição da retribuição.
Sobre a utilização de menções conclusivas que envolvem ainda a aplicação de direito, veja-se o já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2021 e, bem assim, então ainda na vigência do disposto no artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, mas cujo regime se tem por mantido na versão atual do Código, o Acordão desta Secção de 8-04-2013[12] e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-05-2015[13].
Pelo exposto, sem prejuízo de termos de voltar à matéria da negligência em sede de apreciação da questão jurídica no que respeita à verificação do elemento subjetivo dos tipos contraordenacionais em causa no presente recurso, oficiosamente, este Tribunal ad quem tem como não escritos os supra transcritos pontos 1. a 4. e 7. e 8. que constavam do elenco dos “factos não provados”, pontos esses que assim se têm por eliminados da decisão da matéria de facto.
Para além disso, justifica-se a intervenção oficiosa deste Tribunal ao nível dos pontos 50. e 51. dos factos provados, por forma a que fique a constar a data do trânsito em julgado das decisões aí mencionadas (em que a condenação se tornou irrecorrível), na medida em que tal informação decorre do ponto 49. dos factos provados no qual é dado por reproduzido o documento junto aos autos atinente à consulta do Registo Nacional de Infratores (RNI) constante da base de dados do sistema informático da ACT (SI), e nesse documento constam tais informações/datas. De qualquer modo, afigura-se-nos como mais correto que fique a constar expressamente nesses pontos 50. e 51. as informações constantes desse documento dado como reproduzido no ponto 49., atinentes às datas do trânsito em julgado das decisões mencionadas nesses pontos, mais precisamente a data de 19-12-2019 (processo n.º 19101762) e a data de 10-02-2020 (processo n.º ...61), respetivamente.
Desta forma, a redação daqueles pontos passa a ser a seguinte:
50. Por decisão transitada em julgado em 19-12-2019, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ...62..., que correu termos no Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho, a arguida foi condenada numa coima de 9 180,00, pela prática, em 22/08/2019, de uma contraordenação muito grave por violação do disposto no artigo 173.º, n.º 7, do Código do Trabalho.
51. Por decisão transitada em julgado em 10-02-2020, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ...61, que correu termos no Centro Local de Lisboa Oriental da Autoridade para as Condições do Trabalho, a arguida foi condenada numa coima de 9 180,00, pela prática, em 13/11/2019, de uma contraordenação muito grave por violação do disposto no artigo 140.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

*

3. Saber se a decisão recorrida padece de erro ao não ter julgado verificado o elemento subjetivo dos tipos contraordenacionais quanto ao não pagamento do subsídio de férias e de Natal e quanto à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e, bem assim, ao ter absolvido a A... da prática das oito contraordenações imputadas e objeto de recurso.
É aqui que reside a discordância do Recorrente Ministério Público, sendo que, como se depreende das considerações anteriormente tecidas, o que está em causa é matéria de direito.
A resolução desta questão implicará, como também já o adiantamos, necessariamente a análise da verificação dos elementos objetivos e subjetivos das oito contraordenações em causa no recurso.
E, como é evidente, a análise da verificação do elemento objetivo precede logicamente a análise do elemento subjetivo do tipo.
3.1. Quanto ao elemento objetivo das contraordenações em relação ao pagamento de subsídio de férias e de Natal e ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
A sentença recorrida parece abordar esta matéria no item Convicção do Tribunal, ainda que de forma enigmática, dizendo que Impugnante contratou com os trabalhadores portugueses como com quaisquer outros de outra nacionalidade um salário anual que decomposto em 12 prestações ou 14 prestações mensais sempre é superior ao salário mínimo nacional e que o facto de o salário ser pago em 12 prestações resulta unicamente da lei ... que não prevê o pagamento em 14 prestações, mas se os trabalhadores portugueses assim o quiserem terão o seu salário em catorze prestações e assim têm os seus subsídios. No que respeita à irredutibilidade refere que o trabalhador recebe o salário que contratou com a Recorrente, mas pago em 14 vezes. Fica-se na dúvida sobre qual é a posição do Tribunal já que a dado passo refere ser a posição defendida pela Impugnante.
Seja como for, é questão que, como se disse, antecede necessária e logicamente o conhecimento do elemento subjetivo, tanto assim que, se atentarmos na impugnação judicial apresentada pela Arguida e sobre a qual versou a decisão recorrida, verificamos que a linha de defesa que a Arguida apresentou foi no sentido de afinal não estarem preenchidos os elementos objetivos em relação ao pagamento de subsídio de férias e de Natal e à diminuição da retribuição, por considerar que a sua conduta não é ilícita, ou seja, por entender não ter praticado qualquer das imputadas contraordenações, entendimento, aliás, que reitera na resposta ao recurso.
O Recorrente Ministério Público, à semelhança daquele que foi o entendimento da decisão administrativa, parte do pressuposto que a lei ... priva os trabalhadores em causa da proteção que lhe é conferida pela lei portuguesa por disposições não derrogáveis, no que concerne aos subsídios de férias e de Natal, disposições imperativas e que não podiam ser derrogadas por acordo das partes (isto porque a lei ... não prevê o pagamento de subsídios de férias e de Natal). E que se a base de afetação do trabalhador se situa em território português, se o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho afastou a lei portuguesa tal não pode lograr o resultado de afastar as normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.
Já a Recorrida não aceita esse entendimento, argumentando, em substância, que na aplicação do artigo 8.º do Regulamento Roma I [Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais], e quanto ao elemento objetivo das contraordenações em relação ao pagamento de subsídio de férias e de Natal (que, por sua vez, está também relacionado com a contraordenação atinente à diminuição da retribuição), deve efetuar-se um exercício comparativo entre a lei portuguesa e a lei ..., concluindo que, numa base anual, o regime irlandês, sempre foi mais protetor do que o regime português considerando o quantum da remuneração. Nessa decorrência, defende que, em face do citado artigo 8.º, quanto à remuneração não há nenhuma razão para afastar a aplicação da lei ..., escolhida pelas partes, já que da aplicação desta não resulta, em matéria de remuneração, qualquer privação da proteção concedida pelas disposições da lei portuguesa não derrogáveis por acordo.
Vejamos.
A questão em causa, como é consabido, tem sido analisada e decidida em diversos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente de 27-10-2021[14], de 22-02-2022[15], de 07-07-2023[16] e de 06-03-2024[17].
Em todos os identificados Acórdãos tem sido jurisprudência uniforme que são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal e que em face de tal imperatividade da lei portuguesa prescinde-se da análise comparativa dos valores remuneratórios mínimos previstos na lei portuguesa e na lei ....
Este entendimento foi, aliás, também já o pressuposto nos Acórdãos desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2023 (melhor identificado na nota de rodapé 16), 18-09-2023 (melhor identificado na nota de rodapé 17) e de 10-07-2024[18].
Concordamos com o entendimento sufragado nos Acórdãos vindos a referenciar do STJ e desta Secção Social, no sentido de que ainda que o contrato individual de trabalho seja regulado pela lei de outro país (nos termos escolhidos pelas partes), é obrigatório o pagamento do subsídio de férias e de Natal relativamente a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal, como é o caso dos trabalhadores em causa nos autos.
Assim, por se perfilar como elucidativo, perfeitamente transponível para a situação dos autos e porque não diríamos melhor, transcreve-se o que, a esse respeito, se escreveu no citado Acórdão de 6-03-2024 (com exclusão das notas de rodapé):
«A ré é uma pessoa coletiva com sede na ... e os autores têm domicílio em Portugal, pelo que há que ter presente o Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008 (... I) [doravante designado apenas por Regulamento], aplicável, nomeadamente, às relações laborais que apresentam pontos de conexão com dois países da União, constando do seu considerando n.º 35, sobre esta matéria, o seguinte princípio matricial: Os trabalhadores não deverão ser privados da proteção que lhes é conferida pelas disposições que não podem ser derrogadas por acordo ou que só podem sê-lo a seu favor.
Consonantemente, densificando esta regra, preceitua o art. 8.º deste diploma, epigrafado “contratos individuais de trabalho”:
1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos nºs 2, 3 e 4 do presente artigo.
2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.
3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do nº 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos nºs 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país.
Sobre esta matéria, o acórdão de 15.07.2021 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Primeira Secção, proferido nos processos (apensos) C-152/20 e C-218/20 (DG e EH contra SC Gruber Logistics SRL e Sindicatul Lucrătorilor din Transporturi contra SC Samidani Trans SRL)4, declarou que «[O] artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, (…) deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei que rege o contrato individual de trabalho tiver sido escolhida pelas partes nesse contrato, e seja diferente da aplicável por força dos n.ºs 2, 3 ou 4 deste artigo, há que excluir a aplicação desta última, com exceção das “disposições não derrogáveis por acordo” por força da mesma, na aceção do artigo 8.º, n.º 1, deste regulamento (…)», esclarecendo-se no ponto nº 27 da respetiva fundamentação: “[A] aplicação correta do artigo 8.º (…) implica (…) num primeiro momento, que o órgão jurisdicional nacional identifique a lei que teria sido aplicável na falta de escolha e determine, segundo esta, as regras não derrogáveis por acordo e, num segundo momento, que esse órgão jurisdicional compare o nível de proteção de que beneficia o trabalhador por força dessas regras com o previsto pela lei escolhida pelas partes. Se o nível previsto pelas referidas regras assegurar uma melhor proteção, há que aplicar essas mesmas regras.”.
(…) In casu, as partes escolheram a lei ... para regular as relações contratuais estabelecidas, sendo que a lei ... não prevê o pagamento de subsídios de férias e de Natal.
Assim, quanto ao período anterior a 01.02.2019, data a partir da qual as partes, por acordo, passaram a aplicar a legislação portuguesa às suas relações laborais (cfr. pontos nº 79 a 82 dos factos provados), suscita-se, especificamente, a questão de saber se a opção pela lei ... se traduziu na violação de lei portuguesa não derrogável por acordo, relativa ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal.
E, quanto ao período posterior àquela data, coloca-se tão somente a questão de saber se o conteúdo do clausulado que entre as partes passou a vigorar em 2019 (e a execução do correspondente programa contratual) infringe – de algum modo – a legislação nacional.
(…) Natureza e finalidade dos subsídios de férias e de Natal.
…)“O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano” (art. 263º, nº 1, do CT).
Segundo João Leal Amado o também chamado 13.º mês traduz-se numa “prestação retributiva de vencimento anual” e “formação progressiva ao longo do ano civil, num salário diferido que se vai sedimentando gradualmente”.
Uma vez que o subsídio de Natal é uma prestação “complementar” (ao contrário do subsídio de férias), o seu valor é calculado nos termos do art. 262º, do CT (retribuição base e diuturnidades), não abrangendo, pois, todos os elementos constantes do art. 258º do mesmo diploma.
(…) Por seu turno, o direito a férias visa essencialmente a garantia da saúde e recuperação física do trabalhador, o que explica, nomeadamente, a garantia do gozo efetivo das férias7, direito que é irrenunciável (art. 237º, nº 3, do CT).
Inserido sistematicamente no capítulo do Código do Trabalho relativo à retribuição e outras prestações patrimoniais, dispõe o art. 264º, nº 2, que, além da retribuição do período de férias, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo este a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.
Trata-se, pois, de uma prestação adicional, não sendo à solução consagrada na lei “alheio, por certo o propósito de garantir a efetividade do direito a férias”, tanto mais que, para além dos interesses particulares, “existe (…) um claro e genuíno interesse público no regime legal das férias e no seu gozo efetivo pelo trabalhador”.
Quanto ao Direito Europeu, há a considerar a Diretiva 2003/88/CE do Parlamento e do Conselho, de 01.11.2003, que, no seu art. 7º, epigrafado “Férias anuais”, dispõe: 1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais. 2. O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.
(…) Como sinaliza Monteiro Fernandes, o objetivo da regulamentação legal das prestações pecuniárias relativas aos períodos de férias e de Natal é que «o trabalhador tenha garantido, nos meses de férias e do Natal, a disponibilidade do “dobro do dinheiro”, que lhe permitirá acorrer aos gastos acrescidos que essas épocas implicam ou podem implicar»; e, especificamente quanto às férias, “motivá-lo para o gozo efetivo do repouso”. Identicamente, diz Jorge Leite, no tocante ao subsídio de Natal, que se trata de "uma prestação retributiva de vencimento anual cujo regime se encontra pré-ordenado à finalidade de proporcionar aos trabalhadores, na quadra natalícia, a disponibilidade de um maior rendimento que lhes permita fazer face ao acréscimo de despesas, considerado normal (…) nesta época do ano".
(…) Densificação da esfera de proteção do regime legal dos subsídios de férias e de Natal.
(…) “As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário” (art. 3º, n.º 4, do CT), sendo que, de acordo com a jurisprudência uniforme e reiterada desta Secção Social do STJ, são normas inderrogáveis da lei portuguesa as respeitantes à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal (vg. Acs. de 07.07.2023, Proc. nº 158/20.2T8MTS.P1.S1, de 22.02.2022, Proc. nº 2191/19.8T8PDL.L1.S2, e de 27.10.2021, Proc. nº 19733/19.1T8LSB.L1.S2).
E quanto ao momento e forma do seu pagamento, quid juris?
Quanto ao momento do pagamento, o subsídio de férias deve, como regra, ser pago antes do início do período de férias, embora seja admitido acordo escrito em contrário (art. 264º, nº 3, do CT), possibilidade que a lei não prevê (não admite) relativamente à retribuição das férias e ao subsídio de Natal.
No tocante à forma de pagamento, em nome do princípio efetividade do direito a férias, o TJUE já decidiu que violava o aludido art. 7º da Diretiva 2003/88/CE uma cláusula contratual segundo a qual a retribuição por férias era diluída/fracionada nos salários pagos mensalmente ao longo do ano (no valor pago mensalmente era incluída uma percentagem com essa finalidade – rolled-up holiday pay), não havendo lugar a qualquer pagamento aquando do período de férias.
Por identidade de razão, quer-nos parecer que a regra legal atinente ao momento do pagamento do subsídio de férias, podendo ser alterada por acordo escrito das partes, não será, todavia, consentânea com uma leitura que, alterando a forma de pagamento deste subsídio, implique a sua diluição nos salários pagos mensalmente, sob pena de esvaziamento daquele princípio. Como já em 1986 explicava Bernardo Lobo Xavier, "as férias – para serem aproveitadas na sua plenitude – supõem um aumento de gastos". E, por isso, aquando da altura em que são gozadas, os trabalhadores têm direito a um complemento (ou corretivo) salarial, com o qual se pretende assegurar que as férias possam satisfazer as finalidades que lhe estão associadas.
No sentido também aponta, relativamente a ambos os subsídios, a consagração de um regime temporário de pagamento fracionado dos subsídios de Natal e de férias, para vigorar durante o ano de 2013, instituído pela Lei n.º 11/2013, de 28 de janeiro (regime prorrogado pelas leis do OGE para 2014 e 2015 e a que a lei do OGE de 2016 pôs termo). Com efeito, da estatuição pelo legislador deste regime excecional, infere-se, incontornavelmente, que o pagamento fracionado destes subsídios não é legalmente consentido em circunstâncias normais.
Diferentemente, embora com “algumas reservas”, Sónia Preto pronuncia-se no sentido do carácter supletivo do nº 3 do art. 264º, do CT, e pela possibilidade de se parcelar o pagamento do subsídio de férias ao longo do ano.
(…)
Assim (e independentemente das discussões doutrinárias e jurisprudenciais suscitadas a propósito do momento e da forma de pagamento dos subsídios em causa), quanto ao período anterior a 01.02.2019, é patente – em face das considerações atrás expostas – que a opção pela lei ... se traduziu na postergação da lei portuguesa não derrogável por acordo atinente ao pagamento obrigatório dos subsídios de férias e de Natal.
Esta infração não pode deixar de implicar a obrigação de a R. pagar aos AA. as correspondentes quantias (em acréscimo à remuneração contratualizada entre as partes), sendo certo que, no contexto dos factos provados, não se vislumbra que outra consequência se poderia extrair.
Ao contrário do sustentado pela R. recorrente, esta conclusão prescinde de qualquer comparação dos valores remuneratórios mínimos previstos em ambos os países, uma vez que, como flui de tudo o antes exposto sobre a matéria, o regime legal atinente aos subsídios de férias e de Natal não assenta em ponderações de índole estritamente retributiva, nem em considerações associadas ao princípio da suficiência salarial [], uma vez que aquilo que com estes subsídios se visa não é, diretamente, a garantia de apropriados valores remuneratórios.
(…) Por esta razão, é certo que o conteúdo do acordo que (neste âmbito) passou a vigorar entre as partes a partir de 01.02.2019 não colide, propriamente, com aquela regulamentação específica (relativa aos subsídios de férias e de Natal).
Todavia, é patente que tal clausulado infringe o princípio da irredutibilidade da retribuição, segundo o qual é proibido ao empregador diminuir o valor da retribuição, salvo nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Com efeito:
A partir do momento (01.02.2019) em que a ré passou a aplicar a legislação portuguesa às relações laborais em causa, passou a ser pago em 14 prestações mensais exatamente o mesmo salário anual que os autores vinham auferindo em 12 prestações mensais.
Deste modo, reconhecendo-se que os autores têm direito a receber os subsídios de férias e de Natal, em acréscimo à remuneração acordada com a ré, no período temporal anterior a 01.02.2019, é apodítico que, se não recebessem tal acréscimo, similarmente, no período posterior, isso consubstanciaria uma redução da sua retribuição (no âmbito da esfera de proteção do princípio da irredutibilidade, o valor a considerar como retribuição anual, naquele primeiro período, é o valor que deveria ter sido pago, e não o valor que a R., em infração à lei portuguesa, efetivamente pagou).».
A referida transcrição ilustra o porquê da imperatividade das normas do ordenamento jurídico português quanto à existência do subsídio de férias e de Natal, máxime para efeitos da aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I e, consequentemente, que, perante tal imperatividade, seria inócua qualquer análise comparativa dos valores remuneratórios mínimos previstos na lei portuguesa e na lei ....
Assim sendo, como se entende, e constatando-se que a aqui Recorrida não pagou, referente a 2018 e 2019 e aos trabalhadores em causa, os subsídios de férias e de Natal (cfr. pontos 80. a 84., 86. a 88., 89. a 92., 93. a 96., 97. a 100.; 116., 117., 119., 120., 122., 123. e 124 da matéria de facto provada), forçoso é concluir que violou o disposto nos artigos 263.º e 264.º do Código do Trabalho e, consequentemente, se mostra verificado o elemento objetivo do tipo contraordenacional quanto às contraordenações referentes aos subsídios de férias e de Natal de 2018 e 2019 – processos de contraordenação n.ºs ...55, ...56, ...57, ...59, ...61, ...98 e ...00.
Do mesmo passo, se mostra preenchido o elemento objetivo no que respeita à contraordenação imputada atinente à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição (processo n.º ...80) previsto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), no que se refere ao ano de 2020 e aos trabalhadores identificados que assinaram a adenda ao contrato de molde a que o seu salário base anual bruto passasse a ser pago mensalmente em 14 meses (ou seja, passou a ser pago em 14 meses exatamente o mesmo salário anual que os trabalhadores vinham auferindo em 12 prestações mensais) – cfr. pontos 153., 161., 164. a 179. dos factos provados. Com efeito, como se evidencia no transcrito Acórdão do STJ, reconhecendo-se que os trabalhadores em causa têm direito a receber os subsídios de férias e de Natal, em acréscimo à remuneração acordada com a Ré, no período temporal anterior a 01.02.2019 (data a partir da qual a Arguida comunicou aos trabalhadores a desempenhar funções em Portugal que iria passar a aplicar-se à relação laboral entre as partes a legislação portuguesa), é evidente que, se não recebessem tal acréscimo, similarmente, no período posterior, isso consubstanciaria uma redução da sua retribuição.
3.2. Do elemento subjetivo das contraordenações em relação ao pagamento de subsídio de férias e de Natal e ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
A sentença recorrida, como vimos, considerou pela não verificação deste elemento subjetivo quanto às contraordenações objeto do recurso.
Se bem compreendemos a fundamentação da decisão recorrida a posição defendida pela Arguida/Impugnante já logrou decisões judiciais a atendê-la, pelo que, intui-se, considerou que o comportamento da mesma não era censurável (?).
Que dizer?
Diremos, desde já adiantando a conclusão, que não se adere a um tal entendimento.
Nesta matéria, sufraga-se ao invés o entendimento seguido no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-11-2024[19], que versou sobre um recurso interposto pela aqui Recorrida precisamente num processo de contraordenação atinente ao pagamento de subsídio de férias e de Natal, e cuja linha argumentativa merece a nossa inteira concordância, pelo que a iremos acompanhar de perto.
Por um lado, importa ter presente que o Supremo Tribunal de Justiça tem reiterado, de forma uniforme, que são normas inderrogáveis da lei portuguesa, nomeadamente para efeitos de aplicação do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.
Tal aconteceu não só nos Acórdãos supra citados, como também, mais recentemente, no Acórdão de 22-05-2024[20], em que não admitiu o recurso de revista excecional interposto por A... DAC, com o argumento, entre outros, que «não tem suscitado qualquer controvérsia doutrinal ou jurisprudencial que são normas inderrogáveis da lei portuguesa as respeitantes à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal, pelo que o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho em causa, ao afastar a lei portuguesa, não poderia, direta ou indiretamente, traduzir-se em tal resultado (proibido)».
Por outro lado, de acordo com artigo 548.º do Código do Trabalho de 2009, constitui contraordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral.
Por outro lado, ainda, nos termos do disposto no artigo 550.º do mesmo Código, a negligência nas contraordenações é sempre punível.
E, de acordo com o artigo 15.º do Código Penal, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo legal, mas atua sem se conformar com essa realização – negligência consciente [alínea a)] ou não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto – negligência inconsciente [alínea b)].
O traço fundamental da negligência – consciente ou inconsciente – situa-se, pois, na omissão de um dever objetivo de cuidado e de diligência: seja o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto, seja o dever de ter previsto tal facto e de não ter tomado as diligências necessárias para o evitar.

Constitui entendimento jurisprudencial sedimentado que o elemento subjetivo nas contraordenações, fora os casos de dolo, se materializa na factualidade imputada ao agente a quem incumbia observar um determinado procedimento. Ou seja, é a partir da análise dos factos concretos e integrativos de um determinado tipo de contraordenação que será emitido pelo julgador um juízo sobre se o agente podia e devia agir diversamente do modo como o fez, conformando o seu comportamento ao dever ser jurídico contraordenacional. É, pois, a partir desses factos que o julgador vai emitir um juízo conclusivo acerca da verificação ou não do elemento subjetivo da infração. Neste sentido, entre outros, os já citados Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2021 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-01-2023, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9-06-2016[21] e o Acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20-11-2006[22].

Como se evidencia no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que vimos acompanhando, não se trata aqui de desconsiderar a ilicitude e a culpa, mas de analisar as mesmas tendo em conta que estamos no âmbito contraordenacional.

Como se enfatiza no Acórdão desta Secção Social da Relação do Porto de 9-01-2020[23], «existe uma nítida autonomia entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, seja numa perspetiva da censura ético-penal, seja mesmo do bem jurídico protegido, mais precisamente da sua existência ou inexistência, a que se segue a gravidade das reações sancionadoras, através da aplicação de uma coima, no primeiro caso, ou de uma pena de prisão, no segundo, e, por último, ainda, a natureza distinta dos órgãos que são competentes para proferir a decisão, autoridades administrativas num caso e, no outro, os tribunais.

O Supremo Tribunal de Justiça desde há muito que afirma essa autonomia[2], da qual, do mesmo modo, faz também eco o Tribunal Constitucional, quando afirma a “diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções”, na consideração, assim, de que os princípios e as regras do direito penal não se aplicam automaticamente ao direito de mera ordenação social[3].».

Assim, expõe-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 336/2008[24] o seguinte:

«(…)

No plano infraconstitucional, à semelhança do que sucede em direito penal, o direito de mera ordenação social português também repudia a responsabilidade objectiva, pois, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), na redacção do Decreto-lei n.º 244/95, “constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.

Todavia, não obstante este ponto de contacto, existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 144-152, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).

A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.

É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contra-ordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um ele­mento novo: a proibição legal.” (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).

Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das contra-ordenações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio concurso de infracções (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit., pág. 150).

Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).

E por isso, se o direito das contra-ordenações não deixa de ser um direito sancionatório de carácter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contra-ordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposi­ções legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalida­des da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).

Daí que, em sede de direito de mera ordenação social, nunca há sanções privativas da liberdade. E mesmo o efeito da falta de pagamento da coima só pode ser a execução da soma devida, nos termos do artigo 89.º, do Decreto-lei n.º 433/82, e nunca a da sua conversão em prisão subsidiária, como normalmente sucede com a pena criminal de multa.

Por outro lado, para garantir a eficácia preventiva das coimas e a ordenação da vida económica em sectores em que as vantagens económicas proporcionadas aos agentes são elevadíssimas, o artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 433/82 (na redac­ção dada pelo Decreto-lei n.º 244/95), permite que o limite máximo da coima seja elevado até ao montante do benefício económico retirado da infracção pelo agente, ainda que essa elevação não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido, erigindo, assim, a compensação do benefício económico como fim específico das coimas.

Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social.» [fim de transcrição].

Revertendo ao caso dos autos, temos que a Arguida/Impugnante é uma companhia aérea com dimensão internacional, com grande organização de meios, não só materiais como também humanos, que dispõe de assessoria jurídica, o que significa o apoio de técnicos especialistas, sendo conhecedora das discussões jurídicas que, a nível europeu, se vêm há largos anos – antes mesmo de 2018 – encetando a respeito das leis aplicáveis aos contratos de trabalho que outorga.

Como tal, e enquanto entidade empregadora incumbia-lhe dar o adequado cumprimento a todas as disposições legais aplicáveis à realidade jurídica de se assumir como entidade empregadora e beneficiária do trabalho prestado pelos trabalhadores no âmbito de uma relação de trabalho que está a ser executada habitualmente em Portugal. Ou seja, era-lhe exigível que tomasse outro cuidado, outro comportamento, no sentido de, na matéria em causa – pagamento de subsídios de férias e de Natal e princípio da irredutibilidade da retrbuição – cumprir a ordem jurídica portuguesa. E isto, no que toca aos subsídios de férias e de Natal, mesmo em relação ao período temporal em o contrato de trabalho era regulado pela lei de outro país (nos termos escolhidos pelas partes), atenta a natureza inderrogável da lei portuguesa nessa matéria, mormente para efeitos da aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I. Por maioria de razão essa exigência de outro comportamento se afirma em relação ao período temporal em que a entidade empregadora comunica aos trabalhadores em causa que iria aplicar a legislação portuguesa à relação laboral.

A Impugnante/Arguida enquanto entidade empregadora em relação a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal não poderia ignorar que estava legalmente obrigada a cumprir as sobreditas disposições legais da lei portuguesa em matéria de subsídio de férias e de Natal e do princípio da irredutibilidade da retribuição, deveres que lhe são impostos e decorrem dessa sua qualidade de entidade empregadora. Entendemos que se verificou deste modo e pelo menos uma deficiência na organização da empresa de molde a permitir a observância dos normativos aplicáveis atrás citados.

Ora, não tendo cumprido a ordem jurídica portuguesa quanto às indicadas matérias, como decorre da materialidade objetiva que foi provada e de que se deu já conta, é de concluir, que não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, de que enquanto entidade empregadora tinha que ser capaz, pelo que se verifica o elemento subjetivo da infração quanto às oito contraordenações objeto de recurso.

Por último, importa realçar que não ficou demonstrada qualquer situação de erro reconduzível a qualquer das situações previstas no artigo 8.º, n.º 2, e 9.º do RGCO.

De facto, não se mostra caraterizada em termos factuais qualquer situação que, verificando-se, fosse passível de concluir por uma situação de erro prevista nos citados normativos, maxime uma situação de falta de consciência da ilicitude. De qualquer modo, sempre se dirá que a verificar-se qualquer situação de erro nesse âmbito sempre o mesmo seria censurável e não se verificariam circunstâncias que justificassem atenuação especial das coimas.

Em conclusão, pelas razões acabadas de expor, entendemos que se mostram preenchidos os tipos contraordenacionais que são objeto do presente recurso – mostram-se verificados os elementos objetivos e subjetivos das infrações em questão -, justificando-se assim a condenação da Arguida/Impugnante pela prática das contraordenações em causa a título de negligência, nos moldes que lhe foram imputados na decisão administrativa.

Como tal, procede o recurso do Ministério Público, não podendo manter-se a decisão recorrida na parte em que absolveu a Recorrida da prática das contraordenações imputadas nos processos n.ºs ...55, ...56, ...57, ...59, ...61, ...98, ...00 e ...80.

Importa agora apreciar a determinação do montante das coimas a aplicar a cada uma das contraordenações em causa, para o que releva a consideração da moldura aplicável.

Neste conspecto, verifica-se que estão em causa contraordenações qualificadas como muito graves, punidas nos termos do artigo 554.º, n.º 4, alínea e), do Código do Trabalho, por força do n.º 8 do mesmo dispositivo (já que a Arguida não indicou o volume de negócios), em que, em caso de negligência, o limite mínimo da moldura da coima abstratamente aplicável é de 90 UC (€ 9.180,00) e o limite máximo dessa moldura é de 300 UC (€ 30.600,00).

A decisão administrativa considerou que se encontravam preenchidos os pressupostos da reincidência previstos no artigo 561.º do Código do Trabalho quanto aos processos de contraordenação nºs ...00, ...98 e ...80, tendo elevado em um terço do respetivo valor os limites mínimo e máximo da coima no que respeita a tais processos (ou seja, coima de € 12.240,00 a € 40.800,00).

Na “proposta de decisão” (decisão administrativa) está dito (pág. 155) o seguinte:

“(…) da matéria de facto dada provada resulta que a arguida cometeu as contraordenações muito graves elencadas nos processos de contraordenação acima identificados depois de já ter sido condenada por outras contraordenações muito graves, designadamente no âmbito do processo n.º ...61, que correu termos no Centro Local de Lisboa Oriental da ACT, e do Processo n.º ...62..., que correu termos no Centro Local do Grande Porto da ACT (referidos nos pontos 59 e 60 dos factos provados[25]). Para além do requisito da prática anterior de contraordenação igualmente muito grave, a punição como reincidente implica que entre a prática da infração anterior e a atual não tenha decorrido um prazo superior ao da prescrição daquela. Ora, o prazo da prescrição das infrações em análise é de 5 anos – cfr. artigo 52.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. Entre a prática das infrações que deram origem aos processos n.º ...61 e n.º ...62... e as infrações que estamos a analisar decorreu um prazo inferior a 5 anos.”.

Dispõe o artigo 561.º do Código do Trabalho o seguinte:

“1 - É sancionado como reincidente quem comete uma contra-ordenação grave praticada com dolo ou uma contra-ordenação muito grave, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação grave praticada com dolo ou contra-ordenação muito grave, se entre as duas infracções tiver decorrido um prazo não superior ao da prescrição da primeira.

2 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima são elevados em um terço do respectivo valor, não podendo esta ser inferior ao valor da coima aplicada pela contra-ordenação anterior desde que os limites mínimo e máximo desta não sejam superiores aos daquela”.

Para haver reincidência não se torna necessário que seja praticada uma segunda contraordenação semelhante à primeira ou sequer de igual natureza. Não é, pois, exigência da lei que configure o mesmo tipo contraordenacional ou que seja da mesma natureza.

Acresce que para que haja reincidência é necessário que a decisão anterior tenha transitado em julgado[26]. Atente-se, ainda, que nos termos do artigo 19.º, n.º 3, do RGCO o pagamento voluntário da coima equivale a condenação.

Por outro lado, os factos suscetíveis de integrar o instituto da reincidência devem constar do elenco dos factos provados.

No caso, os factos suscetíveis de poderem fazer operar a reincidência constam dos pontos 50. e 51 do elenco dos factos provados.

Ora, relativamente aos processos em causa no presente recurso, verifica-se que as condenações transitadas em julgado proferidas nos processos de contraordenação muito graves n.ºs ...61 e ...62... revelam inequivocamente para efeitos de reincidência no que respeita ao processo de contraordenação muito grave n.º ...80, na medida em que aquando da prática dos factos em causa neste último processo, já a decisão proferida naqueles processos havia transitado em julgado, e se verifica ainda que entre infrações não decorreu prazo superior ao previsto no artigo 561.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Tais condenações, ao contrário do pressuposto na decisão administrativa, já não podem valer para efeitos de reincidência quanto aos processos de contraordenação n.ºs ...00 e ...98, na medida em que os factos praticados nesses processos, referentes à falta de pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2019, o foram antes do trânsito em julgado das decisões condenatórias naqueles processos n.ºs ...61 e ...62....

Assim, por efeito do disposto no n.º 2 do artigo 561.º do Código de Trabalho de 2009, a moldura da coima pela prática da contraordenação muito grave nº ...80, varia entre 12.240,00 e € 40.800,00.

Já quanto às restantes contraordenações muito graves, relativamente às quais não pode ser afirmada uma situação de reincidência, a moldura abstrata da coima aplicável a cada uma delas varia entre € 9.180,00 e € 30.600,00.

Analisada a decisão administrativa verifica-se que a mesma sancionou a conduta da Arguida nos processos em causa no presente recurso com a aplicação das seguintes coimas parcelares:
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao n.º ...55, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...56, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...57, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...59, prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...61, prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
- de € 13.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...98, prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 e 561.º do Código do Trabalho [nesta partiu de uma moldura situada entre € 12.240,00 a € 40.800,00 por situação de reincidência que, como vimos, não se verifica];
- de € 13.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...00, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 e 561.º do Código do Trabalho [nesta partiu de uma moldura situada entre € 12.240,00 a € 40.800,00 por situação de reincidência que, como vimos, não se verifica];
- de € 13.000,00 pela prática de uma cordenação muito grave relativa ao processo nº ...80, prevista e punida pelos artigos 129.º, n.º 2[27], e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 e 561.º do Código do Trabalho [nesta partiu de uma de uma moldura situada entre € 12.240,00 a € 40.800,00 por situação de reincidência que, de facto, se confirmou verificar).
Considerando os factos provados, na ponderação das circunstâncias a atender na determinação da medida da coima nos termos previstos no artigo 18.º do RGCO, ex vi artigo 60.º do RGCOLSS afigura-se-nos como proporcional, ajustada e suficientemente dissuasiva, a fixação das coimas próximas do mínimo legal, à semelhança, aliás, da ponderação e procedimento seguido na decisão administrativa, com a única alteração de relativamente aos processos n.ºs ...98 e n.º ...00, por não se verificar a situação de reincidência pressuposta na decisão administrativa, se entender ser de aplicar a cada uma delas a coima concreta de € 10.000,00 (ao invés dos € 13.000,00 aplicados na decisão administrativa).
Em síntese, considera-se equilibrada e ajustada a fixação das seguintes coimas concretas:
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao n.º ...55;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...56;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...57;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...59;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...61;
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...98);
- de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...00;
- de € 13.000,00 pela prática de uma cordenação muito grave relativa ao processo nº ...80.
Nos termos do disposto no artigo 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, no caso de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.
Em linha com o entendimento dominante, quer na doutrina[28], quer na jurisprudência[29], relativamente à interpretação da norma em questão, consideramos que a sanção acessória de publicidade é de aplicação automática no caso da prática de uma contraordenação muito grave, ainda que seja cometida sem dolo ou negligência grosseira, pelo que será também de aplicar tal sanção no que respeita às contraordenações muito graves praticadas pela Arguida em causa no presente recurso.

Aqui chegados, verifica-se que embora as cinco coimas parcelares fixadas na decisão recorrida se mantenham inalteradas [porque não são objeto do recurso e transitaram em julgado - coimas referentes às contraordenações dos processos ...52, ...53, ...54, ...58 e ...60], a procedência do recurso nos termos acima referidos com a inerente condenação da Arguida pela prática de oito contraordenações pelas quais tinha sido absolvida em 1.ª instância, e inerente aplicação de mais oito coimas parcelares tem necessariamente implicações no cúmulo jurídico a que o Tribunal a quo procedeu, para condenar a Arguida na coima única no valor de € 22.000,00.

Com efeito, haverá que proceder necessariamente a novo cúmulo jurídico nos termos estabelecidos no artigo 19.º do RGCO, ex vi artigo 60.º do RGCOLSS, o qual terá que contemplar agora também as coimas fixadas no presente acórdão, para além das cinco coimas parcelares que se mantiveram inalteradas e não são objeto do presente recurso, alterando, desde logo, a moldura abstrata do cúmulo.

Sucede que, integrando o novo cúmulo a realizar as cinco coimas das contraordenações que não foram objeto do presente recurso, razão pela qual, quanto a elas, não se pronunciou este Tribunal ad quem, consideramos estar para além da competência deste Tribunal proceder ao cúmulo jurídico, antes cumprindo ao Tribunal a quo fixar o novo cúmulo jurídico, agora atendendo às cinco coimas que não foram objeto de recurso (processos ...52, ...53, ...54, ...58 e ...60) e às oito coimas agora fixadas neste acórdão (processos ...55, ...56, ...57, ...59, ...61, ...98, ...00 e ...80)[30].

Em suma, procede o recurso com a condenação da arguida pela prática das contraordenações objeto de recurso, sendo em 1ª instância aplicada a coima única considerando as coimas parcelares aplicadas em 1.ª instância e as agora fixadas.


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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1 - Intervir oficiosamente na decisão da matéria de facto nos termos constantes no ponto IV 2. do presente acórdão;
2 - Julgar o recurso procedente, alterando-se a sentença recorrida, revogando-a na parte em que absolveu a Arguida da prática das contraordenações referentes aos processos n.ºs ...55, ...56, ...57, ...59, ...61, ...98, ...00 e ...80, e condenando-se a arguida pela prática de oito contraordenações muito graves referentes a tais processos com aplicação das seguintes coimas parcelares:
(2.1.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao n.º ...55, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.2.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...56, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.3.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...57, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.4.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...59, prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.5.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...61, prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.6.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...98, prevista e punida pelos artigos 264.º, n.º 4, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.7.) de € 10.000,00 pela prática de uma contraordenação muito grave relativa ao processo n.º ...00, prevista e punida pelos artigos 263.º, n.º 3, e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 do Código do Trabalho;
(2.8.) de € 13.000,00 pela prática de uma cordenação muito grave relativa ao processo nº ...80, prevista e punida pelos artigos 129.º, n.º 2[31], e 554.º, n.ºs 4, alínea e) e 8 e 561.º do Código do Trabalho.
3 – Condenar a Arguida/Recorrida na sanção acessória de publicidade da decisão condenatória nos termos do artigo 562.º do Código do Trabalho no que se refere às contraordenações muito graves referidas em 2.
4 - No mais, a sentença recorrida mantém-se, cumprindo à 1ª instância reformular o cúmulo jurídico para aplicação de coima única, agora atendendo também às contraordenações e coimas referidas no ponto 2 (além das cinco coimas parcelares já aplicadas em 1.ª instância e que não são objeto do presente recurso quanto aos processos de contraordenação processos ...52, ...53, ...54, ...58 e ...60).

Custas pela Arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s.

Notifique.

Em 1.ª instância será feita a comunicação, oportunamente, à autoridade administrativa.


*


(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 24 de fevereiro de 2025

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
António Joaquim da Costa Gomes [1ºAdjunto]
António Luís Carvalhão [2º Adjunto]


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[1] Artigo na redação anterior à Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.
[2] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais (v.g. de escrita) evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[3] Adiante designado por RGCOLSS.
[4] Adiante designado por RGCO.
[5] Adiante CPP.
[6] Consigna-se que serão inseridas no texto as notas de rodapé que se encontram apostas no elenco dos factos provados.
[7] Consigna-se que se corrigiu aqui um lapso material manifesto, já que constava o ano de 2002, quando é inequívoco que se queria reportar ao ano de 2020.
[8] Na sua redação anterior à Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.
[9] A própria sentença recorrida isso mesmo espelha ao fundamentar os pontos em causa quanto ao elemento subjetivo aí constante.
[10] Processo n.º 3226/20.7T8OAZ.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes.
[11] Processo n.º 1426/22.4T8VCT.G1, Relatora Desembargadora Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso.

[12] Processo n.º 40/12.7 TTOAZ.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho, hoje Juíza Conselheira.
[13] Processo n.º  571/14.4.T8MTS.P1, Relator Desembargador João Nunes.

[14] Processo n.º 19733/19.1T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes.
[15] Processo n.º 2191/19.1T8PDL.L1.S2, Relator Conselheiro Júlio Gomes.
[16] Processo n.º 158/20.2T8MTSPL1.S1, Relator Conselheiro Ramalho Pinto, sendo que este Acórdão negou revista a Acórdão desta Seccção Social do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2023 (relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão, aqui 2.º Adjunto).
[17] Processo n.º 5001/21.2T8MAI.L1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado, sendo que este Acórdão negou revista a Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 18-09-2023 (relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas).
[18] Processo n.º 741/22.1T8MAI.P1, relatado pela Desembargadora Eugénia Pedro e no qual teve intervenção como 1º Adjunto o aqui 2º Adjunto Desembargador António Luís Carvalhão – Acórdão ao que se julga não publicado, mas disponível no livro de registo dos acórdãos.
[19] Processo n.º 3656/23.2T8FAR.E1, Relator Desembargador João Luís Nunes.
[20] Processo n.º 2391/20.8T8VFX.L1.S2, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[21] Processo n.º 222/16.2T8EVR.E1, relatado pelo então Desembargador Chambel Mourisco (entretanto nomeado Juiz Conselheiro).
[22] Processo n.º 0644660, Relator Desembargador Ferreira da Costa.
[23]Processo n.º 1204/19.8T8OAZ.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes, sendo que as notas de rodapé mencionadas no texto têm o seguinte teor:
“[2] Assim o Assento 1/2003, de 28 de Nov. de 2002, sem prejuízo, diga-se, de ter optado pela aplicação subsidiária do Código Penal ao RGCO nos casos dos limites do prazo de prescrição (Acórdão 6/2001), nas situações que levam à sua suspensão (Acórdão nº 2/2002) ou quanto à aplicação da lei que em concreto se mostre mais favorável ao arguido (Ac. 11/2005);
[3] Acs. 537/2011 e 85/2012.”
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[24] Acórdão de 19-06-2008, Relator Conselheiro João Cura Mariano, disponível in tribunalconstitucional.pt/tc/acordãos.
[25] Verifica-se um lapso manifesto na menção a estes números dos factos provados, quando o que se queria dizer era nos pontos 50. e 51. dos factos provados constantes da decisão administrativa e que coincidem com os pontos 50. e 51. dos factos provados da sentença recorrida].
[26] Cfr. artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal; João Soares Ribeiro, Contraordenações laborais, Regime Jurídico, 3.ª edição, 2011, pág. 355; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2018, processo n.º 8300/17.4T8CBR.C1, Relator Desembargador Felizardo Paiva.
[27] Artigo na redação anterior à Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.
[28] Neste sentido, veja-se João Soares Ribeiro, obra citada, páginas 358-359.
[29] Neste sentido, vejam-se, entre outros: o Acórdão desta Secção Social de 20-05-2024 [processo n.º 3400/23.4T8MAI.P1, relatado pelo Desembargador Rui Penha, e no qual interveio como Adjunta a aqui Relatora], o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-01-2024 [processo n.º 727/23.9T8EVR.E1, Relatora Desembargadora Paula Paço], o Acórdão da Relação de Coimbra de 14-01-2016 [processo n.º 1565/14.5T8LRA.C1, Relator Paula Paço], o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4-11-2021 [processo n.º 386/21.3T9VRL.G1, Relatora Vera Sottomayor]. Também o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a questão no Acórdão n.º 80/2018, de 7-02-2018, processo n.º 167/16, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
[30] Em consonância com o entendimento seguido no Acórdão de 18-03-2024 [processo n.º 2065/23.T8VFR.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão (aqui 2.º Adjunto), com intervenção como 1.ª Adjunta da aqui Relatora – ao que se julga, não publicado, mas disponível no livro de registo dos acórdãos].
Vd. também o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 4-12-2017 [processo n.º 2883/16.3T8VFR.P1, relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas].
[31] Artigo na redação anterior à Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.