MATÉRIA DE FACTO
JUÍZO PROBATÓRIO SOBRE OS FACTOS INSTRUMENTAIS
DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
REGIME RELATIVO À CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
VALOR DA CAUSA
UTILIDADE ECONÓMICA DOS PEDIDOS
Sumário

I - Sobre os factos instrumentais não é necessária a formulação de um juízo probatório específico, estando o seu relevo limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos.
II – As asserções que revestem natureza conclusiva não devem integrar o acervo factual relevante.
III - A legalidade do despedimento por extinção do posto de trabalho deve ser aferida segundo os critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo ao tribunal, unicamente, verificar a exatidão ou veracidade dos motivos que foram invocados e a existência de um nexo causal entre esses motivos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir que aqueles eram idóneos a justificar a decisão de diminuição de pessoal por via do despedimento.
IV – A apreciação da impossibilidade prática da subsistência do contrato de trabalho pressupõe saber se o empregador dispõe ou não de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional seja compatível quer com a categoria objetiva ou o género de atividade contratada, quer com a categoria normativa ou estatutária do trabalhador, esta entendida como a que corresponde à designação formal dada pela lei ou pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho a um determinado conjunto de tarefas.
V - O regime relativo à cessação do contrato de trabalho, podendo embora ser regulado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho na parte relativa aos critérios de definição de indemnizações, aos prazos de procedimento e de aviso prévio e aos valores de indemnizações, estes desde que dentro dos limites do CT, não pode ser afastado por contrato de trabalho, tratando-se de matéria subtraída à disponibilidade das partes e, consequentemente, a qualquer convenção individual que viole o regime previsto no dito Código.
VI – A referência ao valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido "reconhecidos" constante da parte final do art.º 98.º-P, n.º 2 do CPT, não prescinde da "utilidade económica" dos pedidos formulados, podendo o valor da causa ir além desta, mas não podendo ficar aquém da mesma, seja qual for a sorte de tais pedidos.

Texto Integral

Processo n.º 5633/21.9T8PRT.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2

Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

AA intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra “Ordem dos Médicos Dentistas”, apresentando o formulário a que alude o artigo 98.º-C, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), juntando decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho.

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, pugnando pela licitude do despedimento, opondo-se à reintegração, caso seja essa a opção da autora se a ação for julgada procedente. Juntou procedimento de despedimento por extinção do posto de trabalho.

A autora apresentou contestação, alegando não se verificarem os requisitos para a extinção do posto de trabalho e deduziu pedido reconvencional pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento e, em consequência, seja a ré condenada a reintegrá-la, bem como a pagar-lhe as retribuições e quantias pecuniárias que se vencerem na pendência da ação relativas a férias, subsídio de férias e de Natal que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora; que seja considerada improcedente a oposição da empregadora à reintegração; ou subsidiariamente em relação ao pedido de oposição à reintegração, que a empregadora seja condenado no pagamento da quantia correspondente a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fração a título de indemnização. Pretende ainda que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; também subsidiariamente, que seja declarada a validade e eficácia da adenda contratual de 25 de outubro de 2019 na parte em que foi acordada um valor sujeito a termo suspensivo inicial e dependente da extinção da relação de trabalho, condenando-se a ré a pagar-lhe a quantia de 241.093,20 (duzentos e quarenta e um mil, noventa e três euros e vinte cêntimos) correspondente ao valor acordado nos termos da adenda contratual de 25 de outubro de 2019 que se encontrava sujeita a termo suspensivo inicial de extinção da relação de trabalho.

Pede, por fim, a condenação da ré a pagar-lhe as quantias devolvidas no montante líquido de € 65.587,97 (sessenta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete euros e nove e sete cêntimos).

A ré respondeu pugnando: pela licitude do despedimento; pela improcedência do pedido reconvencional de indemnização por danos morais impugnando quer a conduta assediante levada a cabo pela Ré, quer os danos alegadamente causados por tal conduta; pela declaração de nulidade da cláusula 4.ª do aditamento ao contrato de trabalho, datado de 25 de outubro de 2019, e consequente improcedência do pedido de condenação da ré ao pagamento do montante de €241.093,20; pela improcedência do pedido de condenação na devolução da compensação e demais créditos salariais.

Subsidiariamente, caso o despedimento seja declarado ilícito, requer que indemnização em substituição da reintegração ser fixada pelo mínimo legal.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador fixando o objeto do litígio e os temas de prova, seguido de despacho que apreciou e julgou parcialmente procedentes as reclamações apresentadas pelas partes.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que culminou no seguinte dispositivo:

“(…) julgo a presente ação de impugnação de despedimento improcedente, julgando a reconvenção apenas procedente quanto ao pedido de condenação da R “ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS.” a pagar à trabalhadora A AA as quantias devolvidas por esta no dia 05 de abril de 2021 no montante líquido de € 65.587,97 (sessenta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete euros e nove e sete cêntimos), absolvendo a R de todos os demais pedidos contra si formulados, quantia esta acrescida de juros, contados à taxa supletiva legal desde o eventual trânsito em julgado desta decisão.”

Foi ainda fixado o valor da causa em € 331.681,17 (trezentos e trinta e um mil, seiscentos e oitenta e um euros e dezassete cêntimos).


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Inconformada a autora interpôs o presente recurso, concluindo as alegações nos seguintes termos:

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A recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

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O recurso foi regularmente admitido e, neste tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo sido emitido parecer nos termos do art.º 87.º, n.º 3 do CPT, no sentido da procedência parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto e ao valor da causa e da procedência do recurso quanto à ilicitude do despedimento, considerando, em síntese não resultar demonstrada necessidade de extinguir o posto de trabalho, nem que a alternativa escolhida seja mais económica, nem mesmo mais eficiente, sendo a extinção do posto de trabalho desproporcional e excessiva, atentos os valores constitucionais em confronto.

Apenas a recorrida se pronunciou sobre o parecer do Ministério Público, reiterando a improcedência do recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – valor da causa;

2 – impugnação da decisão da matéria de facto;

3 – ilicitude do despedimento;

4 – validade da cláusula 4.º da Adenda Contratual de 25 de outubro de 2019.


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Fundamentação de facto

Em 1.ª instância foi considerada provada a seguinte matéria:

«A) Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1. Em 18 de janeiro de 2005 foi celebrado entre a Autora e a Ré um contrato de trabalho a termo certo cuja cópia se encontra junta aos autos sob doc. n.º 2 com o articulado motivador a 26/5/2021.

2. A Autora foi contratada pela Ré para o exercício das funções de “Assessora Jurídica”, auferindo mensalmente € 1.400,00, a título de retribuição base.

3. Em 1 de fevereiro de 2007, o contrato de trabalho a termo certo foi convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

4. A Empregadora celebrou com a Trabalhadora uma Adenda ao contrato de trabalho em 1 de fevereiro de 2007 cuja cópia se encontra junta sob doc. 1 em 15/6/2021 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e na qual se pode ler:

“Cláusulas

Primeira

As presentes outorgantes acima identificadas, convertendo o contrato de trabalho a termo certo, celebram entre ambas o presente contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Segunda

A trabalhadora é mantida ao serviço da empregadora para exercer sob a sua autoridade e direcção as funções correspondentes à categoria profissional de Assessora Jurídica da Ordem dos Médicos Dentistas, na qualidade de Directora do Departamento Jurídico da OMD, cabendo-lhe a coordenação, a estruturação e organização do referido departamento.

§ primeiro: A trabalhadora exercerá as suas funções em regime de exclusividade, sem prejuízo do cumprimento de deveres legais no âmbito da legislação sobre o acesso ao direito e aos tribunais.

§ segundo: Dentro das funções previstas no presente contrato não está incluído o mandato forense.

§ terceiro: Os restantes recursos humanos integrantes ou a integrar o departamento jurídico da OMD, são contratados pela empregadora, e, desde que no exercício de actividade que se encontre legalmente condicionada à posse de carteira profissional ou título com valor legal equivalente, mantêm de acordo com a lei a autonomia técnica inerente à respectiva actividade nos termos das normas legais ou da deontologia aplicável, responsabilizando-se aqueles nessa medida directamente perante a empregadora.

Terceira

Atenta a natureza dos serviços envolvidos, que não se compadecem com a limitação de horários normais de trabalho, bem como de tratar-se de cargo de especial confiança da OMD, a trabalhadora exercerá as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, aceitando desde já emitir a respectiva declaração de concordância, tudo nos termos da alínea b), do n°1 do artigo 177º, da Lei nº 99/ 2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.

§ primeiro: A trabalhadora exercerá as suas funções num período normal de trabalho de 40 horas semanais, e de 8 horas diárias, aceitando estender a sua prestação quando solicitada a dois meios dias de descanso complementar em cada mês, nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 177" do Código do Trabalho.

§ segundo: O acordo referente à isenção de horário será enviado à Inspecção-Geral do Trabalho para cumprimento da obrigação prevista no n.º 3 do Art.º 177 do Código do Trabalho.

Quarta

A trabalhadora receberá a quantia de 3.293,24 € (três mil duzentos e noventa e três euro e vinte e quatro cêntimos) de retribuição base, sujeito a contribuições e retenções, ocorrendo o respectivo vencimento no fim de cada mês.

§ primeiro: a trabalhadora terá ainda direito à quantia diária de 5,00€ (cinco euros) a título de subsídio de refeição, por cada dia de efectivo serviço.

§ segundo: à quantia referida no corpo desta cláusula acresce a retribuição especial decorrente da isenção de horário de trabalho nos termos do artigo 256° n°2 do Código do Trabalho, que se consubstancia no montante de 626,98€ (seiscentos e vinte e seis euros e noventa e oito cêntimos).

Quinta

Sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, o valor do vencimento será actualizado no mês de Janeiro de cada ano, no mínimo, à taxa anual da inflação, sem prejuízo de acordo entre as outorgantes por um valor superior.”

5. Desde o momento referido em 4. a Autora exercia as funções inerentes à categoria profissional acima indicada, cabendo-lhe a execução de todas as funções jurídicas com exceção do exercício do mandato forense, coordenando também prestadores de serviços jurídicos externos, cabendo-lhe ainda a estruturação e organização do referido departamento, tendo, designadamente, as seguintes funções: assessorar o Conselho Diretivo da Ré no exercício das suas funções, podendo emitir pareceres que este entendesse solicitar sobre projetos de diplomas legais em que a Ré fosse interessada e fosse ouvida, bem como sobre diplomas legais vigentes ou sobre a elaboração de regulamentos a submeter ao Conselho Geral; e ainda a representação da R em instituições várias, por indicação do Sr. Bastonário da R, nomeadamente, na Comissão do INFARMED, I.P., na delegação do Council of European Dentists - órgão de consulta legislativa da Comissão Europeia -, FEDCAR, delegada da OMD na Federação das Autoridades Reguladoras Competentes Dentárias, e como delegada do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) até 2011, data a partir da qual foi nomeada presidente da comissão executiva desta CNOP, sendo que o exercício das funções da A junto da R implicava o acesso a informação confidencial da R.

6. Aquando do referido em 5. a R tinha contratado a prestação de serviços jurídicos também a sociedades de advogados.

7. A 25 de outubro de 2019 o contrato de trabalho da Autora foi aditado nos termos constantes do Documento n.º 5 junto aos autos em 26/5/2021 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aí se podendo ler, designadamente:

“Cláusula 3ª

Regime do acordo individual de isenção de horário de trabalho

1-A isenção de horário de trabalho que foi objeto de acordo individual entre a trabalhadora e a empregadora não pode ser alterada sem o consentimento escrito de ambas, e rege-se pela alínea c) do número 1 do artigo 219º do código do trabalho quanto à observância do período normal de trabalho acordado sendo para efeitos do cumprimento do acordo consideradas todas as modalidades do local da prestação nos termos das cláusulas 1ª e 2ª da presente adenda.

2- E revogado toda a cláusula terceira do acordo celebrado em 1 de fevereiro de 2007.

Cláusula 4ª

Compensação por Desvinculação

1 - É devida à trabalhadora a compensação pecuniária em caso de desvinculação, independentemente da natureza jurídica da cessação do contrato, por qualquer das partes, e não obstante ou independentemente de causa, cujo comprovativo de liquidação acompanhará a formalização da respetiva cessação.

2- A compensação não inclui, sendo devidos à trabalhadora, os créditos vencidos por liquidar nos termos da lei laboral.

3 - Aplica-se à compensação a fórmula de cálculo seguinte:

a) por cada ano de antiguidade da trabalhadora desde a admissão na OMD, a trabalhadora tem direito ao valor correspondente a dois meses e meio da retribuição de base ilíquida mensal, incluindo o valor pela isenção de horário de trabalho, e diuturnidades, bem como o subsídio de alimentação, todos com referência aos valores praticados à data da desvinculação.

4- A antiguidade da trabalhadora é contada desde o vínculo laboral inicial celebrado a 18/01/2005.

Cláusula 5ª

Revogação, redução contratual e produção de efeitos

1-A presente adenda revoga o contrato inicial em tudo quanto colide com o mesmo mantendo-se em vigor todo o restante estipulado entre as partes e aplicando-se o princípio da redução contratual laboral na medida em que a nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o contrato de trabalho.

2-A presente adenda produz efeitos no dia da sua assinatura pelas partes.”

8. O Sr. Bastonário da R em exercício de funções à data referida em 6., justificou a aprovação de tal adenda com o facto da A ter recebido um convite para integrar o XXII Governo e tal adenda ser necessária para a A se manter a prestar funções para a R.

9. Na ata do Conselho Diretivo da R n.º ... de novembro de 2019 foi lavrado o seguinte:

“Foi ratificada por unanimidade dos presentes a adenda contratual ao contrato da diretora do departamento jurídico, Dra. AA na sequência do convite do Estado que foi endereçado à própria para integrar o atual XXII Governo, em outubro, previamente à tomada de posse do mesmo.

Em suma, foi corrigida a situação de facto quanto a adequar o enquadramento da isenção do horário e local de trabalho da mesma, sobretudo pelo facto da necessidade de deslocações da trabalhadora em exercício de funções e/ou a natureza das mesmas, que frequentemente implicam que não seja possível o controlo de ponto em alguns formatos. Por outro lado, é objeto de acordo atribuir uma compensação em caso de futura desvinculação, assente na antiguidade e fundamentada igualmente no regime de exclusividade a que a trabalhadora está sujeita.”

10. No Relatório e Contas de 2019 aprovado pelo o Conselho Geral da R, com parecer favorável do Conselho Fiscal, foi incluída uma provisão, e feita a seguinte inscrição: “Na sequência de um convite externo efetuado à Diretora do Departamento Jurídico da OMD, em outubro passado, o Conselho Diretivo tomou a decisão de introduzir uma adenda ao seu contrato de trabalho, que resultou no registo contabilístico desta provisão. Em caso de desvinculação a colaboradora terá direito a uma compensação neste montante. Esta decisão do Conselho Diretivo assenta no reconhecimento dos serviços prestados pela Assessora ao longo de 15 anos, e no pressuposto de que a Ordem poderá continuar a beneficiar da sua colaboração.”

11. Em Conselho Diretivo da OMD em 15 de dezembro de 2020 foi deliberado o seguinte:

“1. Reestruturação do Departamento Jurídico da OMD: No âmbito da redefinição da estratégia gestionária da OMD, foi apresentada a proposta de reestruturação dos serviços jurídicos da OMD, tendo em conta os resultados e a situação económico-financeira da OMD, bem como a estrutura atualmente existente. A atual estrutura do Departamento Jurídico comporta excessivos custos para a OMD e não responde às necessidades desta que requer uma assessoria mais polivalente e otimizada. O presidente do Conselho Diretivo informou que manteve já contactos com a diretora do Departamento Jurídico nesse sentido, no entanto, os mesmos revelaram-se infrutíferos. Obtido o necessário aconselhamento legal, a reestruturação, nesta fase, passaria por extinguir o posto de trabalho da diretora do Departamento Jurídico da OMD (Dr.ª AA), bem como denunciar o contrato de prestação de serviços, em regime de avença, de um outro colaborador da OMD (Dr. BB). Obtidos os esclarecimentos que os membros do Conselho Diretivo consideraram necessários junto da A..., Sociedade de Advogados, SP RL, entre outros, relativamente aos atos associados ao procedimento de extinção, aos valores de indemnização aplicáveis, à morosidade de um eventual processo judicial e à possibilidade de fazer cessar o contrato por acordo contra o pagamento de uma indemnização, foi aprovado por unanimidade dos membros presentes o despedimento por extinção do posto de trabalho da diretora do Departamento Jurídico da OMD, Dra. AA, bem como a denúncia do contrato de prestação de serviços, em regime de avença, do Dr. BB, tendo ficado mandatado o presidente do Conselho Diretivo para executar as deliberações aprovadas, designadamente para estabelecer os necessários contactos com os visados, para negociar condições e termos de saída, apresentar propostas e manter em geral a negociação com vista à obtenção daquele fim”.

12. A ré remeteu à autora uma carta datada de 21/12/2020 comunicando-lhe que, nos termos dos artigos 367.º e seguintes do Código de Trabalho, tinha a intenção de proceder ao despedimento por extinção do seu posto de trabalho nos termos seguintes:

“A. Da necessidade de extinguir o posto de trabalho, motivos justificativos e seção ou unidade equivalente a que respeita:

A Ordem dos Médicos Dentistas (doravante designada apenas por “Ordem” ou “OMD”) é uma associação pública profissional representativa dos que (…) exercem a profissão de médico dentista, tendo por finalidade regular e supervisionar o acesso à profissão de médico dentista e o seu exercício (…)

O surto do novo Coronavírus (COVID-19) disseminou-se de forma rápida e globalmente, encontrando-se já há vários meses em território português, constituindo uma situação de calamidade ou emergência pública. (...)

Temos, por isso, enfrentado um período em que as atividades económicas e os vários intervenientes no seu desenvolvimento sofreram e continuam a sofrer o impacto do atual contexto a par da necessidade de enfrentarem as demais dificuldades com que já se vinham deparando.

No caso da OMD, constata-se que em 30 de junho de 2020, os prejuízos apresentados em balancete ascendiam a €630.623,57, registando nesse período de resultados acumulados negativos de €664.144,69.

Apesar de algumas oscilações de melhoria sempre em contexto de resultados acumulados negatives e, portanto, sem recuperação para valores positivos, esta tendência tem-se mantido ao longo do segundo semestre de 2020, sendo previsível que o mês de dezembro seja fechado com um valor também negativo a rondar €194.864,30.

Para esta situação contribuíram não só dividas existentes de quotas dos associados da OMD que, em 30 de setembro 2020, ascendiam a €381.630,00, mas também despesas extraordinárias com medidas de apoio aos nossos associados, como a aquisição de máscaras e a sua distribuição que ascenderam, respetivamente, a €170.662,50 e €107.445,29.

Adicionalmente, entre as medidas de apoio tomadas, a OMD não faturou quotas aos seus associados no segundo trimestre de 2020, medida que se estima ter um impacto de €490.000,00 no seu orçamento.

Os resultados negativos acumulados colocam, naturalmente, forte pressão sobre a necessidade de restabelecer o equilíbrio da situação económico-financeira da OMD.

Com efeito, as mais recentes previsões financeiras da OMD apontam para que o ANO de 2020 seja encerrado com um resultado negativo estimado entre € 190.00 e €210 000,00, os quais transitarão para 2021.(…)

Neste contexto foi decidido pela OMD proceder ainda a uma reestruturação ao nível dos recursos humanos através da maximização de recursos com vista a reduzir custos com a estrutura interna como forma de desagravar os resultados negativos registados e recuperar de forma estável o equilíbrio económico-financeiro

No caso do departamento jurídico constata-se que o posto de trabalho correspondente à sua Direção constitui o custo mais elevado em toda a estrutura interna de recursos humanos da OMD

Com efeito, a manutenção do de posto de trabalho em apreço no ano de 2019 ascendeu a um total de €111.709,70 e que em 2020 se estima de €105.752,39, os quais se computam considerando as rubricas salariais associadas (nas quais se incluem os subsídios de ferias e de natal) (…) verifica-se igualmente que é possível proceder à reestruturação do posto de trabalho em causa, assegurando ao mesmo tempo a manutenção da execução das funções atribuídas à Direção do Departamento Jurídico, através de serviços externos que, de resto, já prestam serviços à OMD, e dos restantes departamentos que integram a OMD com competências relacionadas mas autónomas daquele, como é o caso do Conselho Deontológico e de Disciplina.

Com efeito, as entidades externas de prestação de serviços desta natureza não só oferecem serviços especializados de assessoria jurídica nas mais diversas áreas do Direito que se relacionam com a atividade da OMD, como oferecem condições para investir na permanente formação e atualização dos seus recursos humanos, disponibilizando igualmente um serviço de elevada competência técnica e de qualidade, adequado às exigências de rigor e ao permanente acompanhamento da atividade da OMD, com a vantagem de esta poder recorrer aos mesmos consoante as suas necessidades e avaliar os custos associados, nomeadamente, da sua oportunidade.

Acresce que os serviços prestados por via de tais entidades terceiras serão mais alargados relativamente ao leque de funções desempenhadas pela Trabalhadora, permitindo otimizar e rentabilizar a atividade do departamento.

Com efeito, compete atualmente à Direção do Departamento Jurídico a execução nomeadamente das seguintes tarefas: assessorar o Conselho Diretivo no exercício das suas funções, podendo emitir pareceres que este entenda solicitar sobre projetos de diplomas legais em que a OMD seja diretamente interessada e tem necessariamente de ser ouvida, bem como sobre diplomas legais vigentes, e sobre a elaboração de regulamentos a submeter ao Conselho Geral.

Assim, as entidades terceiras que prestam atualmente serviços à OMD ou que esta entenda contratar de acordo com as suas necessidades, a par dos serviços internos de assessoria existentes e que se manterão, garantem, não só a execução daquelas funções mas também de valências técnicas alargadas em todo o conjunto de outros aspetos jurídicos associados à atividade da OMD, nomeadamente, de direito administrativo, laboral, fiscal e contratual.

Acresce que, nos termos do Estatuto da OMD, também o Conselho Deontológico e de Disciplina da OMD dispõe de competências que coincidem com algumas das funções que até recentemente foram sendo desenvolvidas pela Direção Jurídica, tal como a elaboração de pareceres que lhe sejam cometidos ou a elaboração de normas, deliberações, resoluções e recomendações de natureza ética ou deontológica ou propostas de alteração para aprovação pelo Conselho Geral. Além disso, o referido Conselho conta já com uma assessoria jurídica externa gerida de forma autónoma relativamente ao Departamento Jurídico. Paralelamente, a OMD conta ainda com assessoria a nível interno na resolução de questões laborais, cujo custo ascende a uma verba de €20.000,00/ano adicionalmente ao custo associado à manutenção do posto de trabalho da Direção do Departamento Jurídico.

Em suma, a reestruturação perspetivada permitirá a flexibilização e otimização dos custos associados.

Assim, tal medida de redução de custos no Departamento Jurídico, no conjunto das medidas que têm vindo a ser tomadas, resulta da decisão gestionária da OMD que visa recuperar o equilíbrio orçamental das suas contas e inverter o desequilíbrio económicofinanceiro existente.

B. Da necessidade de despedir o trabalhador afeto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional, bem como dos critérios para seleção dos trabalhadores a despedir:

O processo de reestruturação que a OMD visa implementar passa pela extinção da função de Diretor Departamento Jurídico, único posto existente Ordem, inexistindo qualquer outro mesmo conteúdo funcional.

Conjugados todos os aspetos acima melhor descritos com a inerente e necessária adoção do modelo organizativo descrito, a reestruturação levada a efeito implica extinção do posto trabalho "Diretor do Departamento Jurídico”, na medida em que o exercício das funções integradas na estrutura organizativa da OMD se torna secundário desnecessário.

Consequentemente, verifica-se o esvaziamento das referidas funções, distribuindo-se residualmente as mesmas pelos assessores jurídicos internos e entidades externas, sem qualquer perda de qualidade e eficácia do respetivo desempenho.

Assim, e perante o cenário atual, não se justifica a manutenção autónoma do posto de trabalho de Diretora do Departamento Jurídico, cujas funções são aquelas que se deixaram descritas acima (….)

Não existe na OMD outro cargo compatível com as suas funções, nem com a sua categoria profissional (…).

Inexistem, igualmente, na OMD contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes ao posto de trabalho que se pretende extinguir (…).

Assim, e verificados os pressupostos previstos nos artigos 367.º e seguintes do Código do Trabalho, a OMD comunica a V. Exa. a intenção de proceder à extinção do seu posto de trabalho (…)”.

14. A Autora remeteu à Ré uma carta datada de 28 de dezembro de 2020, informando que solicitou a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (adiante, “ACT”), alegando fazê-lo “nos termos e para os fins previstos no n.º 2 do art. 370.º do CT, nas alíneas c) e d) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 368.º do Código do Trabalho, e artigo 29.º, do Código do Trabalho” – cfr. carta cuja cópia se encontra junta aos autos em 26/5/2021.

15. A Autora remeteu à ré uma carta datada de 4 de janeiro de 2021, cuja cópia se encontra junta pela autora e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, expressando a sua oposição ao comunicado despedimento por alegada necessidade de extinguir o seu contrato de trabalho, na qual fez constar, designadamente, que: “ (…) a intenção que V. Exa. me comunica não é possível que ocorra, ao menos, pela forma que pretenderia: a da extinção do posto de trabalho, conforme a orgânica estrutural da OMD em respeito pela Lei aplicável. (…) não está na disponibilidade dos órgãos da Ordem proceder à extinção de um posto de trabalho correspondente à chefia do Departamento, porque esta diretora é a única trabalhadora, titulada, Advogada, deste departamento e com maior antiguidade (…)

III- Da existência de condutas consubstanciadoras de assédio que culminaram na intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho (…)

Nos últimos 6 meses de exercício de funções com o novo Bastonário verificou-se que:

a) A Diretora do departamento jurídico encontra-se impedida do acesso à decisão efetiva do coletivo, tendo de produzir atos administrativos por presunção ou com base em relatos de membros individuais do Órgão, posto que não tem acesso a nenhum elemento oficial que resulte das reuniões do executivo

b) a trabalhadora é por diversas vezes, verbalmente ou por escrito, remetida para a consulta do site público da OMD, caso a diretora pretenda estudar ou estar a par de procedimentos que atualmente lhe são exigidos adivinhar,

c) não existiu até à data uma única reunião, para conhecimento, integração ou planeamento do trabalho jurídico, por manifesta impossibilidade de agenda do dirigente nos últimos seis meses após a sua eleição:

d) a intermediação das suas funções de chefia jurídica, mas também de todo o departamento, é realizada unicamente pelo secretariado administrativo sem qualificações para o efeito;

e) foi mesmo alvo da acusação explicita e sem fundamento (como de imediato provado) sobre formas de funcionamento do departamento, recebendo perguntas que se apresentam insólitas em 16 anos de prática, por si só reveladoras do profundo desconhecimento das funções e da atividade da Ordem no plano da atividade jurídico administrativa, por parte dos seus autores;

f) foram realizados pedidos notoriamente desproporcionais às tarefas pretendidas, associando-lhes respostas de teor politico/ ideológico dirigidas à trabalhadora; na permanente confusão entre a natureza contratual profissional da Diretora do departamento jurídico e juízos de comparabilidade e acusação de anteriores Órgãos de direção;

g) foi esta diretora e Advogada, sujeita a um muito sério sofrimento ético, por continuadamente desconhecer a atribuição de dossiers do executivo, pelo bastonário, a seus colegas de profissão, enquanto a diretora recebia e solicitava informação e, bem assim, fornecia pareceres detalhados sobre a necessidade da Ordem agir no tratamento urgente do contencioso (…).

Tudo demonstra que o propósito do Presidente do Conselho Diretivo da OMD foi, desde a primeira hora (tomada de posse) e independentemente dos fundamentos económico financeiros despedir a Diretora do Departamento Jurídico (…).

IV – Da inexistência dos fundamentos invocados para a extinção do posto de trabalho.”

16. A ACT emitiu o seu relatório, datado de 5 de janeiro de 2021, cuja cópia se encontra junta aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o mesmo sido rececionado pela Ré, no dia 7 de janeiro de 2021, no qual concluiu “terem sido observados pelo empregador os requisitos previstos na alínea c) e d) do n.º 1, já que no n.º 2 do art. 368.º do Código do Trabalho, ou seja, na concretização do posto de trabalho a extinguir, a categoria profissional da trabalhadora em causa, dado que é a única existente na referida unidade, pelo que não existe a obrigatoriedade de observar a ordem de critérios relevantes e não discriminatórios presentes nas varias alíneas do mesmo número e artigo”.

17. Em 18 de janeiro de 2021, a Empregadora remeteu à Autora, por correio registado com aviso de receção, a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, cuja cópia se encontra junta pela autora e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18. Na mesma data em que a decisão foi remetida à Autora, a Ré procedeu igualmente à comunicação à ACT.

19. Além de notificação por via postal realizada nos termos descritos anteriormente e que a Autora recebeu apenas em 25 de janeiro de 2021, a decisão de despedimento por extinção do seu posto de trabalho foi-lhe igualmente remetida através de correio eletrónico, em 20 de janeiro de 2021, tendo o mesmo sido recebido nesse mesmo dia.

20. A Ré procedeu a duas transferências bancárias para a conta titulada em nome da Autora, sob o número  ..., transferências essas datadas de 30/3/2021 (cfr docs 65 e 66 juntos pela R com o articulado motivador) no valor global de €65.586,97.

21. A autora devolveu à ré a quantia total no dia 5 de abril de 2021.

22. À data do procedimento em apreço nestes autos, a Autora auferia mensalmente os seguintes valores:

a) € 4.867,44, a título de retribuição base;

b) € 79,20, a título de diuturnidades;

c) € 926,69, a título de isenção de horário de trabalho;

d) € 7,00 diários, a título de subsídio de alimentação

23. A Ré contava com cerca de 10919 associados, cujo valor da quota individual se cifra em € 45,00, sendo que por deliberação do Conselho Diretivo, de 17 de março de 2020, foi decidido proceder à isenção do respetivo pagamento para o segundo trimestre de 2020.

24. À data da comunicação da Decisão de despedimento a ré apurou os seguintes créditos, da autora, referentes a:

a) Retribuição de férias vencidas e não gozadas: € 15.180,30;

b) Subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2021: € 5.873,33;

c) Proporcionais de retribuição de férias: € 1.528,67;

d) Proporcionais de subsídio de férias: € 1.528,67;

e) Proporcionais de subsídio de Natal: € 1.287,48;

f) Créditos de Formação: € 3.815,50.

25. Quanto à retribuição de férias vencidas e não gozadas foi apurado um montante total de € 15.180,30 correspondente a 56 dias uteis de férias apurados por gozar.

26. Por correio eletrónico datado de 25 de janeiro de 2021, a Autora comunicou à Ré que “Na carta hoje rececionada é imposto unilateralmente o gozo de férias até 5 de abril de 2021 e correspondente ao período de pré-aviso fixado na lei. Contudo as férias que me são impostas excedem o número de férias a que tenho direito, pelo que solicito que me informem o cálculo dos dias férias efetuado. Em qualquer caso iniciarei hoje o período de férias que me seja devido, aguardando a indicação referida.”

27. Nessa sequência, revistos os registos internos da Ré quanto ao gozo das férias da Autora, a ré apurou um total de 48 dias úteis de férias vencidas e não gozadas.

28. Desta retificação foi a Autora informada por correio eletrónico por si recebido em 13 de fevereiro de 2021.

28. A Autora gozou férias nas seguintes datas:

a. de 26 a 31 de janeiro de 2021 (inclusive);

b. de 01 a 28 de fevereiro de 2021;

c. de 1 a 31 de março de 2021

d. 1 e 5 de abril de 2021.

29. A autora interpôs uma ação administrativa contra a Ré, tendo em vista impugnar a deliberação mencionada em 11., a qual corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1, sob o número 1185/8BEPRT.

30. A R Ordem dos Médicos Dentistas (doravante designada apenas por “Ordem” ou “OMD”) é uma associação pública profissional representativa das pessoas que exercem a profissão de médico dentista, tendo por finalidade regular e supervisionar o acesso à profissão de médico dentista e o seu exercício.

31. O surto do novo Coronavírus (COVID-19) disseminou-se de forma rápida e globalmente, encontrando-se já há vários meses em território português, constituindo uma situação de calamidade ou emergência pública.

32. Em 30 de junho de 2020, a R apresentou um resultado contabilístico intercalar negativo de €664.144,76, para os primeiros 6 meses do ano.

33. O resultado liquido do exercício dos 12 meses do ano de 2020 da R foi de € 215.600,00 negativos.

34. Para esta situação contribuíram as imparidades de dividas a receber que, em 30 de junho 2020, ascendiam a €359.013,06, mas também despesas extraordinárias com medidas de apoio aos nossos associados, como a aquisição de máscaras e a sua distribuição que ascenderam, respetivamente, a €170.662,50 e €107.445,30, adicionalmente, entre as medidas de apoio tomadas, a OMD não faturou quotas aos seus associados no segundo trimestre de 2020, medida que teve um impacto de € 418.325,00 no seu orçamento.

35. O posto de trabalho da A correspondente à direção do departamento jurídico da R era o custo mais elevado de todos os trabalhadores com contrato de trabalho em vigor com a R, em toda a estrutura interna de recursos humanos da OMD.

36. A manutenção do de posto de trabalho da A no ano de 2019 ascendeu a um total de €113.021,07, da seguinte forma:

37. Após o vertido em 17. R continuou a recorrer a serviços jurídicos externos e também a serviços administrativos integrados nos restantes departamentos da OMD, como é o caso do Conselho Deontológico e de Disciplina.

38. As entidades externas de prestação de serviços jurídicos ofereciam serviços especializados de assessoria jurídica nas diversas áreas do Direito, sendo que a R pode recorrer aos mesmos consoante as suas necessidades e avaliar os custos associados, nomeadamente, da sua oportunidade.

39. Os serviços prestados por via de tais entidades terceiras incluem patrocínio forense e assessoria em direito laboral que não era prestado pela A.

40. A R pede a estas entidades terceiras pareceres e assessoria nas áreas de direito administrativo, laboral, fiscal e contratual.

41. O Conselho Deontológico e de Disciplina da OMD elabora pareceres que lhe sejam cometidos, elabora normas, deliberações, resoluções e recomendações de natureza ética ou deontológica, e faz propostas de alteração para aprovação pelo Conselho Geral.

42. A OMD tem assessoria a nível interno na resolução de questões laborais, cujo custo ascende a valor não concretamente apurado.

43. No sentido de reduzir o impacto dos resultados negativos registados, como referido em 30. a 34. supra, a Ré tomou resoluções ao nível do seu funcionamento, designadamente as seguintes medidas/restrições financeiras:

a) As reuniões do Conselho Diretivo deixaram de se realizar em salas de hotéis, tendo passado a realizar-se na sede da OMD;

b) As despesas de alojamento dos membros da OMD, deslocados no exercício das suas funções, passaram a ter um limite máximo de €100,00 por dia;

c) As despesas de refeições dos membros da OMD, no exercício das suas funções passaram a ter por limite o valor de €25,00;

d) A adjudicação de serviços externos passou a depender de consulta prévia de, pelo menos, três entidades;

e) Na maioria das rubricas de despesa da OMD (estadas, viagens) as novas regras implementadas permitiram uma redução de custo para €234.500,00, o que representou um corte relativamente aos valores gastos nos últimos dois anos.

f) Também as rendas e alugueres foram revistas para não ultrapassarem os €362.000,00, tendo sofrido um corte em relação à média dos últimos dois.

44. A Autora é a única trabalhadora da Ré cujo conteúdo funcional do posto de trabalho consiste na função de Diretora do Departamento Jurídico.

45. A A é a única jurista que exercia funções na Ré e com quem esta havia firmado contrato de trabalho, aquando do referido em 5. e até à extinção do posto de trabalho da A pela R.

46. Aquando do referido em 5. e até à extinção do posto de trabalho da A pela R, esta era advogada.

47. Aquando do referido em 5. e até à extinção do posto de trabalho da A pela R, o Departamento Jurídico era integrado pelos seguintes trabalhadores da R: a A e CC, que há 19 anos presta serviços de apoio administrativo nesse departamento e que, a dada altura concluiu a licenciatura em Solicitadoria, continuando após a sua licenciatura até à atualidade a desempenhar as mesmas funções, tendo após a licenciatura passado a ter a categoria de técnica de apoio jurídico, sendo sempre a A que fazia os pareceres jurídicos e propostas de decisão de órgãos da R (apesar da A poder contar com a colaboração de CC no preenchimento de minutas para esse efeito).

48. Após o procedimento de extinção de posto de trabalho da A, a R manteve o Departamento Interno de Serviços Jurídicos na sua orgânica.

49. A R questionou a A sobre o funcionamento do Departamento jurídico.

50. A A dirigiu a seguinte mensagem de correio eletrónico ao Sr Bastonário e aos Conselheiros do Conselho Diretivo da Ré, em 11 de janeiro de 2021, - cfr. Documento n.º 18 junto com o articulado motivador e aqui se dá por integralmente reproduzido – e no qual se pode ler:

“Exmo. Bastonário,

Exmos. Senhores Conselheiros do Conselho Diretivo da OMD,

Tomei conhecimento da dispensa do Dr. BB, Advogado cujo o trabalho estava afeto ao Departamento da Ordem que chefio.

Esta decisão, que cabe aos órgãos da Ordem, deveria, no mínimo, ser-me previamente comunicada. Contudo, tal conduta omissiva não me surpreende, porquanto estamos perante mais um reflexo da afronta sistemática à minha dignidade profissional enquanto diretora do departamento.

Sobretudo, estando V. Exas. cientes que não existe para além de mim própria qualquer outro trabalhador / advogado afeto ao departamento com funções de apoio aos órgãos executivos, entre os quais o Conselho Diretivo, o que demonstra a intenção inequívoca de substituir todas as pessoas do Departamento Jurídico da Ordem por motivos subjetivos e não objetivos, pois a Ordem não pode ficar, materialmente e por imposição da lei, sem serviços jurídicos.

O departamento encontra-se, diante desta conduta, de forma consciente e incorreta, a muitos níveis, a ser desnatado, esvaziado, num claro prejuízo para o funcionamento e organização dos corpos funcionais da OMD, e sem que se atenda uma consulta interna da direção dos serviços, aliás, numa clara ultrapassagem desta direção técnica estatutária.

Esta uma perseguição pessoal revela-se no desprezo pelas funções exercidas e que consubstancia em mais uma um comportamento assediante para com a Diretora do Gabinete Jurídico.

Esta conduta é ilícita, ilegal e moralmente reprovável, tanto mais que a Ordem dos Médicos Dentistas é uma Ordem Profissional cujos órgãos devem prosseguir o interesse público e respeitar a legalidade.”

51. O tema da adenda ao contrato de trabalho da Autora, sua eventual revogação, era um tema político da Ré, sendo do conhecimento geral e da classe, tendo sido objeto da campanha eleitoral que decorreu, embora tenha sido questão residual e não central.

52. Ocorreram reuniões entre o Sr. Bastonário da R e a A, estando presentes outras pessoas, em número concretamente não apurado, desde julho de 2020 e até à formalização da extinção do posto de trabalho da A.

53. A Autora, em finais de setembro de 2020, inícios de outubro desse ano, foi contactada por mandatários do Sr. Bastonário da R, advogados, no sentido de encontrar uma solução extra judicial com vista a pôr termo ao contrato de trabalho da Autora, reduzindo os custos financeiros com o posto de trabalho da Autora.

54. O Sr. Bastonário chegou a trocar mensagens escritas também por correio eletrónico e conferências telefónicas ou por outros meios à distância, para além de contactos pessoais, reuniões e contactos telefónicos com a A, para tratar de assuntos da R.

55. A expressão “Dra. AA a postura desta Ordem mudou” consta do email remetido à Autora por um membro do Conselho Diretivo da Ré, datado de 12/11/2020, junto como doc 5 com a contestação da A e que aqui se tem por integralmente reproduzido, e foi remetida em resposta às comunicações da Autora que constam desse mesmo documento 5 e que aqui se têm igualmente por reproduzidas.

56.O Diretor Executivo da R enviou à R o seguinte email constante do documento 4 junto aos autos pela A com a contestação, a que a A respondeu nos termos constantes do email também referidos nesse documento 4 que aqui se tem por integralmente reproduzidos:

57. A A recebeu e enviou os emails constantes do doc 5 junto com a sua contestação e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo recebido, designadamente, email do seguinte teor:

58. No site https://www.base.gov.pt/, no contrato aí inscrito como tendo sido celebrado pela R a 20.05.2021, em que é Adjudicatário B... – Sociedade de Advogados, SP, RL, com o preço de € 19.900,00 e com a menção “Prestação de serviços de patrocínio judiciário - contencioso administrativo”, e no contrato aí inscrito como celebrado a 05.02.2021, em que é Adjudicatário A... – Sociedade de Advogados, SP RL., com o preço de € 15.000,00 e a menção “PROCEDIMENTO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA PARA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS JURIDICOS NO ÂMBITO DO REGIME JURÍDICO DA PROTEÇÃO RADIOLÓGICA, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º108/2018, DE 3 DE DEZEMBRO” consta na fundamentação para recurso ao ajuste direito, “ausência de recursos próprios.”

57. No ano de 2020 a OMD teve receitas de € 1960.870,634.

58. No ano de 2020 foi constituída provisão, que foi inscrita na contabilidade da R, como passivo, no valor de € 16.869,00, que tem a designação de “Provisão Dr.ª AA”, que não implicou disponibilidade monetária pela R, não sendo uma divida, tendo por base a incerteza e probabilidade de um evento.

59. No ano de 2019, foi constituída provisão com a mesma inscrição no valor de € 217.541,00.

60. Do relatório e Contas de 2020 da R consta:

“Em 2019, na sequência de uma alteração ao contrato de trabalho da Diretora do Departamento Jurídico da OMD, foi registada uma provisão para fazer face a uma obrigação decorrente dessa alteração. Em 2020 foi atualizado o montante da provisão.”

61. No ano de 2020 a R teve menores receitas em consequência, sobretudo, da não cobrança de quotas no 2.º trimestre de 2020 e do facto de ter havido redução acentuada dos rendimentos suplementares com organização de Congressos e Patrocínios.

62. A OMD a 31 de dezembro de 2020 tinha inscrito na rúbrica contabilística “caixa e Depósitos à Ordem” € 3.161.238, e na rúbrica “Outros Investimentos financeiros, em ativo não corrente”, € 2.577.294,00, tendo assim ativos de liquidez imediata ou quase imediata o total de € 5.738.532,00.

63. Consta da base de dados https://www.base.gov.pt/, a aquisição de serviços jurídicos a advogados e sociedades de advogados que até 15/6/2021 ascenderam a € 34.900,00.

64. A A sofreu perturbação e constrangimento e sentiu-se diminuída na sequência do processo de extinção do posto de trabalho.»


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E foi considerado não provado o seguinte:

«i) CC prestava e presta serviços jurídicos à R e tem inscrição suspensa na OSAE.

ii) A Autora enquanto Diretora do Departamento Jurídico da Ré, exercia funções como sua advogada representando-a judicialmente e, na qualidade de advogada, ainda extrajudicialmente.

iii) A A tinha poderes e autonomia para decidir livremente quais as melhores soluções legais para a R vinculando-a.

iv) Nunca a direção atual da R, sem experiência em cargos da OMD, endereçou à A pedido algum sobre o ponto de situação jurídico ou necessidades efetivas da associação pública profissional.

v) Foi dito à A que a decisão do Sr Bastonário de extinguir o seu posto de trabalho era radical e apenas admitia a celebração de um contrato de prestação de serviços por 6 meses com a A, pois aquele não queria trabalhar com a Diretora Jurídica da anterior equipa.

vi) A R esvaziou as funções da A e os novos assessores jurídicos da R nunca lhe foram apresentados.

vii) Aquando do referido em 56. dos factos provados, não havia atraso do departamento jurídico no tratamento das matérias aí referidas.

viii) A R impediu a A de aceder a todos os documento e decisões dos seus órgãos, pelo que a A passou a exercer as suas funções com base em relatos de membros individuais dos órgãos da R.

ix) A A foi por diversas vezes, verbalmente ou por escrito, remetida para a consulta do site público da OMD, caso pretendesse estudar ou estar a par de procedimentos.

x) Nunca existiu qualquer reunião após a tomada de posse dos órgãos da OMD, para conhecimento, integração ou planeamento do trabalho jurídico, por alegada impossibilidade de agenda do Bastonário Eleito, tendo este escrito que, por telefone e em viagem, poderia atender os contactos da diretora.

xi) Foi realizada uma intermediação das funções da Direção Jurídica, mas também de todo o departamento, realizada unicamente pelo secretariado administrativo sem qualificações para o efeito, sendo a Trabalhadora obrigada a enviar mensagens escritas de correio eletrónico para poder obter resposta aos assuntos da sua responsabilidade.

xii) A Direção da R não respondeu à A, havendo prazos curtos de resposta da OMD a indícios de contraordenação pela ERC, sobre a Revista OMD, dando o Sr Bastonário indicação de que o assunto já estava tratado, após ultrapassagem de prazos.

xiii) A A promoveu em 2018 a passagem de CC de técnica administrativa a técnica de apoio jurídico.

xiv) Desde Julho de 2020 que não existe assessoria jurídica aos órgãos diretivos e executivos da R.

xv) Mercê do comportamento da R, a A sentiu-se intimidada.

xvi) A manutenção do de posto de trabalho da A no ano de 2020 ascendeu a €105.752,39.

xvii) No segundo semestre de 2020 a R teve receitas de € 1.363.661,54.

xviii) No primeiro semestre de 2020, a OMD empregadora apenas faturou € 273.546,46, livres de impostos.

ixx) Por força do exercício das suas funções, aquando de deslocações a entidades externas, a A não recebia remuneração, nem ajudas de custo.

xx) O Conselho Geral da R tinha antes do referido em 17. assessoria jurídica externa gerida de forma autónoma relativamente ao Departamento Jurídico.»


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Apreciação

Ainda que a primeira questão suscitada pela recorrente seja relativa ao valor da causa, a mesma será apreciada a final, considerando que, face ao disposto pelo art.º 98.º-P, n.º 2 do CPT, a decisão a proferir quanto ao mais, terá inevitável impacto no valor a fixar (art.º 608.º, n.º 1 do CPC).

Assim, iniciaremos a apreciação do recurso pelas questões atinentes à impugnação da decisão da matéria de facto.

No que respeita à pretensão deduzida pela recorrente de retificação de erros materiais contidos na numeração da matéria de facto provada, que não se ignora que existem, atento o disposto pelo art.º 614.º, n.º 2 do CPC, o requerido é extemporâneo, devendo tê-lo sido perante o tribunal de 1.ª instância antes da subida do recurso, pelo que se indefere.

Sempre diremos que tais erros em nada comprometem a decisão, nem a apreciação do recurso, sendo absolutamente inócuos.

A recorrente impugnou a decisão relativa à matéria de facto provada nos pontos 12, 39, 40 e 48, 42 e 63 pretendendo ainda que sejam aditados novos factos à matéria de facto provada.

Nos termos do já mencionado art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do CPC.

Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do CPC, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.

A respeito dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto, apesar de apenas ter fixado jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, importa atender à fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[1].

No caso dos autos, analisadas as alegações de recurso e as respetivas conclusões, aqueles ónus mostram-se suficientemente cumpridos pela recorrente, nada obstando à apreciação da impugnação, para o que importa considerar, como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, que «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.»

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1.ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[3] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[4] - de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC - de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa - significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão desta Secção de 28/06/2024[5], “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

No mesmo sentido, que perfilhamos, escreve-se no Ac. RP de 10/07/2024[6] “Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo, haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por modo diverso.

Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”

A recorrente pretende que o facto 12 seja complementado, devendo nele ser reproduzido todo o ter e conteúdo da carta de despedimento, junta como documento n.º 1 do articulado de motivação do despedimento, o que a recorrida considera ser desnecessário.

Do nosso ponto de vista, a recorrente lavra em equivoco quando refere que o ponto 12. se refere à carta de despedimento, pois na verdade o mesmo constitui a comunicação da intenção de a recorrida proceder ao despedimento por extinção do posto de trabalho (cfr. art.º 369.º, n.º 1 do Código do Trabalho). O conteúdo integral dessa comunicação é, do nosso ponto de vista, irrelevante o caso dos autos, pois o que interessa com vista à apreciação da procedência dos motivos invocados é a decisão do despedimento, cujo teor foi dado como provado, sem impugnação, no ponto 17.

Por isso, se referida ao conteúdo da comunicação da intenção de despedir, a pretensão da recorrente é inútil e se referida ao conteúdo da decisão de despedir, é redundante.

Improcede, assim, a pretensão da recorrente.

Quanto aos factos provados 39, 40 e 48, a recorrente pretende que os mesmos sejam dados como não provados, por entender que não foi produzida prova relativamente aos mesmos e que os dois primeiros correspondem a matéria de facto não alegada e cuja decisão não foi motivada.

Ora, os factos provados em 39 e 40, resultam do alegado pela autora no art.º 14.º da contestação e do alegado pela ré nos arts. 48.º a 52.º do articulado de motivação do despedimento. E sobre os mesmos foi produzida ampla prova desde logo as declarações de parte da autora e o depoimento da testemunha DD, sem que tenha sido posta em causa a sua credibilidade e razão de ciência, não se vislumbrando qualquer motivo para divergir da decisão do tribunal a este respeito, considerando a fundamentação que, ao contrário do alegado pela recorrente consta da sentença, na qual se pode ler:

“A mesma testemunha DD explicou que independentemente de a A trabalhar para a R ou não, sempre a R tinha de pagar honorários a advogados e sociedades de advogados – prestadores de serviços externos -, pois que a A afirmava não ter à vontade em todas as áreas jurídicas de intervenção da R e que contendiam com a atividade da Ordem, por exemplo ao nível da radiologia, da área laboral, da contratação pública, para além de sempre terem tido juristas avençados a trabalhar com vários órgãos da Ordem, como era o caso do Conselho de Deontologia e Disciplina e o Conselho Geral. Referiu ainda esta testemunha que nos anos de 2018 e 2019 a R teve gastos médios com assessoria jurídica que rondaram os € 18.000,00 anuais, a que acrescia o encargo com o posto de trabalho da A, e que no ano de 2021 foi o ano em que tiveram mais encargos com assessoria jurídica, também por força dos presentes autos, e que tal ascendeu ao montante de cerca € 108.000,00, ainda assim inferior ao custo do posto de trabalho da A; sendo que no ano de 2022, os encargos com assessoria jurídica rondaram os € 86.000,00. Acrescidamente esclareceu as vantagens de flexibilidade, especialização e poupança que a terceiriarização dos serviços de assessoria jurídica representavam para a R. Assim confirmando o vertido em 37) a 43) dos factos provados, e se infirmando o descrito em vi) e xiv) dos factos não provados.”

No que respeita à matéria do ponto 48, a recorrente alega igualmente que não foi produzida qualquer prova. Contudo, verifica-se que a matéria em causa foi considerada pelo tribunal “assente considerando o acordo das partes e o teor dos documentos juntos aos autos”. Acresce que, tal facto sempre resultaria demostrado tendo em atenção o depoimento da testemunha CC, técnica de apoio jurídico que integrava o Departamento de Serviços Jurídicos da recorrida e continuou a integrar nas suas palavras, que não ofereceram dúvidas, bem como o teor do ponto 47.

Quanto ao ponto 42 diz a recorrente que deve ser considerado não provado por ser contraditório com a matéria provada em 12.

Ora, não existe qualquer contradição, na medida em que no ponto 12 o que foi considerado provado foi que a ré enviou à autora a comunicação da intenção de a despedir, com o teor que aí parcialmente se transcreveu, não a veracidade dos factos constantes de tal comunicação.

De resto, o facto em causa foi alegado no art.º 55.º do articulado de motivação do despedimento, tendo ficado provado com a restrição relativa ao valor do custo da assessoria ali mencionada, não se vislumbrando a existência de qualquer contradição, que de resto, a recorrente não explicou.

Improcede, pois, a impugnação relativa aos pontos 39, 40, 42. e 48.

Quanto ao ponto 63 a recorrente pretende que a matéria ali constante deve ser complementada.

É o seguinte o teor do ponto 63.:

“63. Consta da base de dados https://www.base.gov.pt/, a aquisição de serviços jurídicos a advogados e sociedades de advogados que até 15/6/2021 ascenderam a € 34.900,00.”, facto que está em consonância com o que consta provado em 58.

A recorrente entende que deve ser aditado ao abrigo do art.º 5.º, n.º 2 do CPC, a seguinte matéria que desde logo alega ser instrumental:

“(…) custos estes que até ao final de 2021 ascenderam ao montante de cerca de € 108.000,00.”

A matéria constante do ponto 63. Corresponde à alegada pela recorrente nos arts. 63.º a 65. da contestação, já a matéria que pretende que seja aditada não foi alegada nos articulados.

Ora, importa destacar que na tarefa de concretização dos factos que julga provados, em cumprimento do disposto pelo art.º 607.º, n.º 4 do CPC, o juiz deve considerar os factos que foram alegados no processo por cada uma das partes, e que sejam relevantes para a decisão, de acordo com todas as soluções plausíveis de direito, ou seja, os factos nucleares, quer tenham sido alegados na petição inicial, na contestação ou em qualquer outro articulado da causa (cfr. art.º 5.º, n.º 1 do CPC), bem como os factos que sejam complemento ou concretização daqueles que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar (cfr. art.º 5.º, n.º 2, al. b) do CPC).

O juiz deve ainda considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (art.º 5.º, n.º 2, al. a) do CPC).

São factos complementares os factos constitutivos do direito, mas que não são definidores do mesmo e são factos instrumentais aqueles que permitem a afirmação, por indução, de outros factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da exceção, aqueles que possam servir para a formação da convicção sobre os demais factos[7].

Pois bem, se sobre os factos essenciais e complementares o tribunal deve emitir pronuncia expressa nos termos do mencionado art.º 607.º, sobre os factos instrumentais não é necessária a formulação de um juízo probatório específico, estando o seu relevo limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos[8].

Concorda-se com a recorrente quando afirma que a matéria que pretende ver aditada ao facto provado em 63. é instrumental. Por outro lado, como resulta da motivação da decisão da matéria de facto, tal matéria foi ponderada na formação da convicção do tribunal.

Nessa medida, sobre a mesma não se justifica pronuncia expressa pelo tribunal, improcedendo a impugnação.

A impugnação improcede também quanto ao pretendido aditamento ao elenco dos factos não provados da seguinte matéria que a recorrente retirou da comunicação da intenção de despedimento e que também consta da decisão final de extinção do posto de trabalho:

“Pelo que aqui chegados, a conclusão é simples: caso se mantenham os custos e procedimentos gestionários aplicados até ao corrente ano e, com isso, os resultados da OMD, a sua situação económico-financeira tenderá a agravar-se e a influenciar negativamente o futuro funcionamento da Ordem.”

Ora, importa ter em atenção o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos que se aplica, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.

Como se escreve no Ac. RP de 08/02/2021[9], “sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto]”. E como se lê no Ac. RP de 23/11/2017[10], com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP”.

Na matéria em causa, desde logo se afirma estar em causa uma conclusão, o que corresponde manifestamente à verdade.

Consequentemente, improcede a pretensão da recorrente.

A recorrente pretende também que seja aditada a seguinte matéria ao elenco dos factos provados:

“i. “A situação da Trabalhadora, desde as eleições, anteriormente ao início do processo eleitoral para os atuais órgãos da OMD, constitui um tema político.”

ii. “Durante a campanha para a eleição de Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, para o quadriénio 2020-2024, a situação contratual da trabalhadora, nomeadamente a indemnização que lhe seria devida no caso de cessação do contrato de trabalho, e que resultava de uma adenda a esse mesmo contrato, foi tornada pública pela lista encabeçada pelo atual Bastonário da OMD.”

iii. “Para além de tornada pública em sede da sobredita campanha eleitoral, a situação contratual da trabalhadora foi debatida publicamente entre as duas listas concorrentes.”

iv. “Dos debates públicos entre os dois candidatos resultou que o atual Bastonário da OMD anunciou publicamente que, caso a lista que encabeçava fosse eleita, era seu propósito não só despedir a trabalhadora, mas também não fazer cumprir o teor da adenda ao contrato de trabalho desta.”

A este respeito urge apenas referir que face ao que já consta como provado no ponto 51, nenhum relevo se vislumbra na pretensão deduzida que, como tal, se indefere.

Finalmente a recorrente pretende que seja aditado ao elenco dos factos provados a seguinte matéria:

v. “De acordo com os Relatórios e Contas da Ordem dos Médicos Dentistas de 2020 a Ordem não tinha um desequilíbrio económico financeiro estrutural em 2020.”

vi. “Relativamente ao Fundo de Maneio Disponível, existe uma desproporção assinalável entre o Ativo corrente e o Passivo corrente, pelo que a OMD dispõe, para a sua atividade corrente, de fundos mais do que suficientes.”

vii. “No período de 2016 a 2021, a OMD apresentou sempre resultados positivos, com a exceção do exercício de 2020.”

viii. “O resultado líquido do período de 2020, negativo em 215.600€, em nada veio abalar a posição robusta dos Fundos Patrimoniais da OMD.”

ix. “No orçamento de 2020 estava previsto um valor de quotas dos utilizadores, no montante de €1.850.000,00. Deste montante, verifica-se que apenas foi concretizado o montante de 1.431.675€, existindo assim um desvio assinalável de €418.325,00, que muito supera o resultado líquido negativo de €215.600,00 desse mesmo período.”

x. “Na análise dos Fundos Patrimoniais da OMD, situação líquida, constata-se a existência, desde 2016, uma tendência crescente dos Fundos Patrimoniais, devido ao acumular de resultados dos vários anos, com exceção do ano de 2020.”

xi. “Na análise dos Fundos Patrimoniais da OMD, situação líquida, constata-se que o peso dos Fundos Patrimoniais, situação líquida, face ao Ativo, é estável no período entre 2016 e 2021. Em 2016 este rácio situava-se nos 90% e em 2020 nos 91%.”

xii. “A Autonomia Financeira da OMD que em 2020 situava-se nos 91% é muito significativa e confortável e expressa de forma clara a posição económica saudável da OMD.”

xiii. “A opção de isentar os associados do pagamento de quotas no 2.º trimestre de 2020 foi tomada com a consciência de que situação económico-financeira da OMD era bastante robusta.”

xiv. “Em 2020 e em 2021 foram contratados trabalhadores, o que contribuiu para um aumento dos gastos com pessoal.”

xv. “O orçamento para 2021 previa um resultado positivo de cerca de €100.000,00 (cem mil euros).”

xvi. “As principais fontes de receita da Ré resultam da cobrança de quotas dos seus associados e da realização de congressos e patrocínios.”

xvii. “Este compromisso contratual foi celebrado voluntariamente com a OMD e levado a escrutínio de todos os órgãos competentes bem como à sindicância externa.”

xviii. “Desde logo, o Bastonário, seguindo-se a aprovação / ratificação por unanimidade pelo Conselho Diretivo, a aprovação do relatório e contas pelo Conselho Fiscal com indicação expressa do ROC para constituição da provisão ou poupança da OMD para efeitos de facto futuro incerto, havendo eventual necessidade de liquidação do compromisso assumido, a aprovação pelo Conselho Geral com menção expressa à adenda e provisão.”.

Diversas razões, determinam, porém, a improcedência da pretensão da recorrente.

A matéria dos pontos xvii e xviii, resulta já suficientemente demonstrada nos pontos 7 a 10 e 60 da decisão da matéria de facto constante da sentença, pelo que o requerido pela recorrente é redundante, não podendo ser atendido.

Por sua vez a matéria dos pontos v, vi, viii, x, xii e xiii é conclusiva, não podendo, nos termos já acima referidos, integrar o acervo factual.

Por outro lado, com exceção da matéria dos pontos xvii e xviii, nenhuma da matéria que a recorrente pretende que seja aditada aos factos provados foi alegada nos articulados, pelo que a sua consideração só poderia ter lugar por apelo ao disposto no artigo 72.° do CPT.

O mecanismo aí previsto não foi, contudo, utilizado em 1.ª instância, pelo que não pode o Tribunal da Relação aditar factos não alegados pelas partes.

Neste sentido, defendendo posição que subscrevemos, se pronunciou, entre outros, o Ac. RG de 05/03/2020[11], no qual se pode ler que «É de referir que o exercício dos poderes-deveres contidos no art.º 72.º, n.º 1 do CPT, está circunscrito à 1.ª instância, sendo que à Relação apenas é consentida a reapreciação dos meios de prova que conduziram à prova ou não prova dos factos sobre os quais incida o recurso da matéria de facto ou ordenar a ampliação da matéria de facto quando repute serem essenciais factos para a decisão que não mereceram da 1.ª instância qualquer pronúncia, mas que tenham sido alegados.

Os poderes do Tribunal da Relação estão, neste âmbito, concreta e claramente delimitados pelo n.º 1 do art.º 662.º do CPC., ou seja, a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que a decisão a alterar há-de respeitar a factos adquiridos – no sentido de provados/não provados ou alegados – e não a outros que sejam percecionados no decurso da audição dos registos da prova.

Em suma, não tendo o tribunal da 1.ª instância feito uso do poder-dever previsto no art.º 72.º do CPT, também o Tribunal da Relação, em sede de recurso da sentença final, não pode pronunciar-se sobre o mesmo, como se tal facto tivesse sido alegado pelas partes».

Acresce que à mesma conclusão se chegaria à luz do art.º 5.º, n.º 2, al. b) do CPC invocado pelo recorrente.

À matéria a que a recorrente agora se refere poderá ser reconhecida a natureza complementar dos factos alegados pela autora nos articulados.

Todavia, como já afirmámos no Ac. RL 08/11/2023[12] “(…) a ampliação da matéria de facto em sede de recurso tem sempre como limite a factualidade alegada no momento e meio processuais próprios, atento o disposto pelo art.º 662.º, n.º 2, al. c), in fine CPC e não se confunde com disposto pelo art.º 5.º, n.º 2, al. b) CPC.”

No mesmo sentido, merecendo a nossa concordância, pode ler-se no Ac. da RL de 11/01/2024[13] que “(…) para que tal facto pudesse ser introduzido nos autos, com tal natureza complementar – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica -, teria de o ter sido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respetivo contraditório. Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efetivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não podendo, por isso, tal factualidade ser objeto de inclusão nesta instância de recurso.

No caso, a apelante não desencadeou, oportunamente, tal ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal, pelo que está precludida, neste momento e nesta sede, a ampliação da matéria de facto com tal fundamento, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova, não se destinando os recursos a criar decisões novas, mas, antes, a reapreciar questões já decididas.

Note-se que, a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).”

Em consequência, nunca poderia considerar-se como passível de inclusão no acervo factual, a matéria inovadoramente invocada pela recorrente.

A impugnação da decisão da matéria de facto, improcede, na íntegra.


*

Fixados os factos, importa decidir se, como pretende a recorrente, o seu despedimento foi ilícito.

Está em causa um despedimento por extinção do posto de trabalho comunicado à autora por correio eletrónico recebido em 20 de janeiro de 2021 e por via postal registada recebida pela autora no dia 25 do mesmo mês e ano, cujo procedimento se iniciou em 21/12/2020, pelo que importa considerar que nessa data estava em vigor o regime jurídico dos arts. 367º a 372º do Código do Trabalho de 2009 aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, na redação da Lei nº 93/2019 de 04/09 (doravante CT).

A extinção do posto de trabalho por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos relativos à empresa constitui uma modalidade de despedimento individual fundado em causa objetiva – artigo 367º do CT.

Em termos simples, o despedimento por extinção do posto de trabalho perfila-se como uma espécie de variante individual do despedimento coletivo: funda-se em motivação económica coincidente, resumindo-se a diferença ao número de trabalhadores abrangidos por uma e outra medida, sendo o despedimento por extinção do posto de trabalho subsidiário em relação ao despedimento coletivo - arts. 367º, nº 2 e 368º, n. 1, al. d) do CT[14]

Na sua análise, importa ter sempre presente o princípio constitucional da segurança no emprego estabelecido no art.º 53° da Constituição da República Portuguesa (CRP), cujo conteúdo se consubstancia na proibição de despedimentos arbitrários (despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos), na certeza de que tal princípio constitucional assegura uma ampla tutela aos trabalhadores em matéria de estabilidade do vínculo laboral, sendo de imposição direta (por integrar a categoria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores com sujeição ao regime do art.º 18. ° da CRP) às entidades públicas e privadas.

Devem ser, pois, reduzidas à regra do mínimo, as restrições ao conteúdo do princípio da segurança no emprego.

Uma das restrições ao princípio da segurança no emprego é o despedimento por causa objetivas, ou seja, causas justificadas em que, não sendo imputáveis a culpa do trabalhador ou do empregador, existe uma inviabilidade na manutenção da relação laboral, uma impossibilidade prática da subsistência do contrato, sendo que se a inviabilidade do contrato “respeita a todos, porque ninguém pode efectuar a prestação (...), a impossibilidade é objectiva”[15]

Por força do mencionado princípio constitucional, embora a lei admita causas objetivas de despedimento, o legislador teve necessidade de impor alguma rigidez no procedimento para essa forma de cessação da relação laboral e nos requisitos substanciais da sua fundamentação.

A cessação do contrato por extinção do posto de trabalho insere-se, pois, no conceito de justa causa objetiva de despedimento.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2003, de 25 de Junho[16] que apreciou a constitucionalidade de algumas normas do Código do Trabalho de 2003 -, entre as garantias a observar no caso de despedimento por causas objetivas “(...) estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objetiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização”.

Também a jurisprudência se tem pronunciado no sentido das exigências de concretização dos factos que podem conduzir ao despedimento por causas objetivas de modo a que esses factos conduzam, necessariamente, à impossibilidade prática daquele contrato de trabalho.

É que, se, da análise dos factos concretos que são invocados para o despedimento por causas objetivas, não se concluir que é um determinado posto de trabalho que deve ser extinto (e não outro), os motivos invocados não podem ser tidos em conta para fundamentar um despedimento por causas objetivas por não constituírem “justa causa” em relação ao contrato de trabalho atingido.

A entender-se a desnecessidade da correspondência estrita entre os motivos invocados para a cessação do contrato de trabalho por justa causa objetiva e o contrato de trabalho abrangido, violar-se-ia frontalmente o princípio constitucional da segurança no emprego, por permitir despedimentos arbitrários.

Por outro lado, “(…) a concretização do conceito constitucional de justa causa tem de atender à imprescindível concordância prática entre diversos valores constitucionais, máxime entre a segurança do emprego e a liberdade de empresa. Daqui resulta a aceitação do despedimento por motivos atinentes à empresa enquanto instrumento de redimensionamento da organização, orientado por critérios de racionalidade económica e não por uma exigência de «impossibilidade da relação de trabalho» que apenas admita o despedimento se este for imprescindível para assegurar a sobrevivência da empresa.”[17]

Feita esta breve alusão aos princípios constitucionais que devem estar sempre presentes na análise da matéria sobre a cessação dos contratos de trabalho por causas objetivas, vejamos, agora, o que estabelece a legislação ordinária aplicável no domínio da situação em causa nos autos.

De acordo com o disposto 367.º, nº 1 do CT «1- Considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa. 2 – Entende-se por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos os como tal referidos no nº 2 do art. 359º.»

Os motivos para o despedimento por extinção do posto de trabalho, encontram-se, pois, densificados no art.º 359.º, n.º 2 do CT, do seguinte modo:

a) motivos de mercado - redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;

b) motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;

c) motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

Acresce que, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do art.º 368º, o despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos fundamentais:

a) os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;

b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

c) não existam, na empresa, contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

d) não seja aplicável o despedimento coletivo;

E o n.º 2 do mesmo artigo estabelece os critérios a observar no caso de pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico para determinação do posto de trabalho a extinguir.

Importa ainda considerar que nos termos do disposto pelo nº 4 do preceito legal em causa, “Para efeito da alínea b) do nº 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador” e que nos termos do nº 5 do dito preceito legal este tipo de despedimento só pode ter lugar desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato.

Sobre os direitos do trabalhador cujo contrato cesse por extinção do posto de trabalho rege o art.º 372.° do CT, que remete para as regras do despedimento coletivo (art.º 366.º do CT).

Por outro lado, o despedimento por extinção de posto de trabalho está sujeito a um determinado procedimento, regulado nos arts. 369.° a 371.° e que «se traduz numa série de diligências preparatórios de uma decisão unilateral que pertence ao empregador (art. 371.º)»[18]

Quanto à ilicitude do despedimento, o art.º 381.° prevê que qualquer tipo de despedimento é ilícito:

“a) se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;

b) se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;

c) não tiver sido precedido do respetivo procedimento;

d) (…)”.

E, de acordo com o art.º 384.°, o despedimento por extinção de posto de trabalho é, ainda, ilícito se o empregador:

a) não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368°;

b) não observar o disposto no nº 2 do artigo 368º;

c) não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369°;

d) não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o art.º 366º, por remissão do art.º 372º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”.


*

A autora considera que o seu despedimento foi ilícito por não serem verdadeiros os motivos relativos ao desequilíbrio económico-financeiro invocados pela ré, por inexistir nexo causal e de adequação entre os motivos invocados e o despedimento, por o desequilíbrio económico-financeiro invocado se ter devido a uma decisão voluntária de não realização de receita, por impossibilidade legal de extinção do departamento que a autora dirigia, por não haver impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, por as funções de assessoria jurídica que desempenhava continuaram a ser exercidas ainda que por prestadores externos, e por estar um causa um despedimento dirigido à sua pessoa e não ao posto de trabalho, estão em causa os fundamentos de ilicitude previstos pelo art.º 381º, al. b) e 384º, al. a), ambos do Código do Trabalho.

Da matéria de facto provada resulta que a ré invocou como fundamento do despedimento a existência de resultados acumulados negativos que em 30 de junho de 2020 ascendiam a € 664.144,69, sendo previsível o fecho do mês de Dezembro de 2020 com um valor ainda negativo a rondar € 194.864,30, situação para a qual teriam contribuído as dívidas de quotas dos associados, despesas extraordinárias com medidas de apoio aos mesmos no contexto do surto de Covid 19, a decisão de, pelo mesmo motivo, não ter faturado quotas aos associados no 2.º trimestre de 2020, havendo a necessidade de reestabelecer o equilíbrio da situação económico-financeira, face à previsão de encerramento do exercício de 2020 com resultados negativo, para o que a ré decidiu proceder a reestruturação dos recursos humanos através da maximização de recursos com vista à redução de custo como forma e desagravar aqueles resultados, tendo optado por extinguir o posto de trabalho correspondente ao custo mais elevado de toda a sua estrutura interna, passando as correspondentes funções a ser asseguradas através de serviços externos, que já lhe prestavam serviços, e dos seus restantes departamentos com competências relacionadas, permitindo a flexibilização e otimização dos custos associados.

Ora, tal como apresentado, o motivo invocado pela ré para a extinção do posto de trabalho da autora subsume-se à reestruturação da atividade produtiva, determinada pelo objetivo de redução de custos face aos resultados negativos do exercício do ano de 2020, o que se subsume ao disposto pelo art.º 359.º, n.º 2, al. b) do CT, relativo aos motivos estruturais.

Importa ter presente que a decisão de reestruturação empresarial que implique extinção de postos de trabalho é uma decisão de gestão que os tribunais podem sindicar em termos muito limitados, como ocorre relativamente ao despedimento coletivo.

A este respeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é unânime na consideração de que a legalidade do despedimento terá de ser aferida segundo os critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo ao julgador unicamente verificar a exatidão ou veracidade dos motivos que foram invocados e a existência de um nexo causal entre esses motivos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir que aqueles eram idóneos a justificar a decisão de diminuição de pessoal por via do despedimento.

No que especificamente respeita ao despedimento por extinção do posto de trabalho, já o Ac. do STJ de 1/10/2008[19] perfilhava o entendimento de que, na apreciação da verificação do motivo justificativo da cessação do contrato, as decisões técnicas- económicas ou gestionárias a montante da extinção do posto de trabalho estão cobertas pela liberdade de iniciativa dos órgãos dirigentes da empresa.

Concordamos.

Na verdade, o que caracteriza estas formas de cessação contratual é, essencialmente, a "localização" do motivo e a sua "natureza", distinguindo-as do despedimento com invocação de justa causa, em que o pressuposto material se traduz na verificação de uma justa causa, imputável a título de culpa à pessoa do trabalhador e apurada em processo disciplinar (arts. 353.° e segs. do CT). Nos despedimentos coletivos e por extinção do posto de trabalho o motivo situa-se na área da empresa (é inerente à organização produtiva e exterior às relações de trabalho) e a sua natureza é essencialmente económica.

Também a doutrina sublinha estas especificidades do controlo judicial dos fundamentos do despedimento coletivo e por extinção do posto de trabalho.

Assim, Pedro Romano Martinez, no que concerne ao despedimento coletivo, salienta que “não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado”.[20]

Também Mário Pinto e Furtado Martins[21] sustentam que o juiz deve apenas, em princípio, assegurar-se “da existência dos motivos alegados e da relação entre estes e o despedimento, por forma a evitar a realização de despedimentos patentemente arbitrários ou fundados em motivos manifestamente falsos ou inconsistentes. Mas já não lhe caberá substituir-se ao empresário e determinar a improcedência do despedimento porque, p. ex. entende que existem outras alternativas”.

E Maria do Rosário Palma Ramalho afirma, igualmente, já a propósito do despedimento por extinção do posto de trabalho, que não são sindicáveis os critérios da decisão que levaram à extinção do posto de trabalho[22].

Não deve, pois, o julgador, na apreciação dos factos, desrespeitar os critérios de gestão da empresa (na medida em que sejam razoáveis e consequentes), não lhe competindo substituir-se ao empregador e vir a concluir pela improcedência do despedimento, por entender que deveriam ter sido outras as medidas a tomar perante os motivos invocados.

A legalidade do despedimento com fundamentos económicos terá, pois, de ser aferida sempre com respeito pelos critérios de gestão empresarial, mas tal como se lê no Ac. STJ de 11/12/2019[23] (a propósito do despedimento coletivo, mas com inteira aplicação nos casos de despedimento por extinção do posto de trabalho) «O controlo judicial não pode deixar de incidir sobre a proporcionalidade da decisão do recurso ao despedimento coletivo, nem se abster de aferir da boa-fé do empregador-decisor».

Ora, a ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em ação intentada pelo trabalhador e nesta ação de impugnação do despedimento, «o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador» (art.º 387º, n.ºs 1 e 3 do C.T.).

Daí que, para efeito de apreciação dos fundamentos da extinção do posto de trabalho, o tribunal se atenha aos factos que foram invocados, no procedimento, como motivadores da extinção do posto de trabalho.

Os motivos da extinção do posto de trabalho devem estar, por conseguinte, devidamente especificados, tanto nas comunicações previstas no art.º 369º, como na decisão final do processo, nelas devendo figurar as circunstâncias e os factos concretos que integram esses motivos[24]

Nesta ação de impugnação de despedimento, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação por iniciativa da entidade empregadora, enquanto que sobre esta entidade recai o ónus de alegar e provar os factos justificativos do despedimento e que se consideram suscetíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.

No caso vertente, está provada a existência de um contrato de trabalho que vigorou entre as partes desde 18/01/2005 e que, em 21/12/20220 a ré comunicou à autora a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho, com a consequente cessação do contrato de trabalho entre as partes, comunicando-lhe a decisão de despedimento por carta de 18/01/2021.

Por conseguinte, a autora fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), da existência de um contrato de trabalho e da sua cessação através de despedimento por extinção de posto de trabalho promovido pela entidade empregadora.

A autora não põe em causa o cumprimento das formalidades legais do despedimento, importando, nessa medida, ajuizar se são procedentes os motivos invocados para a extinção do posto de trabalho objeto dos autos e se a mesma decorre causalmente dos motivos invocados, que a empregadora, como se disse, terá de provar.

Da matéria de facto provada, resulta a demonstração dos fundamentos invocados pela ré para proceder ao despedimento.

Na verdade, ficou provado que em junho de 2020, a ré apresentou um resultado contabilística intercalar negativo de € 664 144,76, tendo o exercício desse ano sido encerrado com um resultado líquido negativo de € 215 600,00, o que confirma a previsão anunciada na comunicação da intenção de extinção do posto de trabalho e na decisão subsequente.

Ficou também provado que no sentido de reduzir o impacto dos resultados negativos registados a ré tomou uma série de outras medidas para além da extinção do posto de trabalho de diretor do departamento jurídico, o que permitiu uma redução de custos em relação aos dois anos anteriores.

Por outro lado, ocorreu uma efetiva reestruturação, designadamente do departamento jurídico já que, tendo continuado a contar com a técnica de apoio jurídico, licenciada em solicitadoria que já antes prestava apoio administrativo no departamento jurídico, a ré passou a contratar a assessoria com entidades externas, que já antes prestavam serviços á ré, sendo que estas oferecem serviços especializados nas diversas áreas do direito, o que lhe permitia recorrer a tais serviços consoantes as necessidades, bem como avaliar a oportunidades dos custos associados, estando incluídas até tarefas não exercidas pela direção do departamento jurídico, como o mandato forense e a assessoria em determinadas áreas relevantes para a atividade da ré, como direito administrativo, laboral, fiscal e contratual que não eram asseguradas por aquela, racionalizando e flexibilizando os custos com o recurso a tais serviços externos, que até 15 de junho de 2021 ascendiam a € 34 900,00.

E não resulta da matéria de facto provada que as funções correspondentes ao posto de trabalho de diretor do departamento jurídico não tenham sido efetivamente externalizadas[25].

Também ficou demonstrado que o posto de trabalho extinto era o custo mais elevado da ré em toda a sua estrutura interna de recursos humanos tendo, em 2019 tais custos ascendido a € 113 021,07.

Da matéria de facto provada resulta ainda que para o resultado líquido negativo do exercício de 2020 contribuíram as dívidas no valor de € 359 013,06, bem como despesas extraordinárias com medidas de apoio aos associados, durante a pandemia, como a aquisição de máscaras e sua distribuição que ascenderam, respetivamente a € 170 662,50 e € 107 445,30 e ainda a decisão da ré, nesse mesmo contexto, de não faturar quotas aos associados no 2.º trimestre de 2020, o que teve um impacto de € 418 325,00 no seu orçamento.

Ora, considerando o que acima se expôs quanto aos limites da intervenção do tribunal no controlo dos motivos invocados para o despedimento, afigura-se-nos que a extinção do posto de trabalho em causa não merece censura, constituindo medida de racionalização de custos apta a desagravar a situação em que a ré se encontrava no ano de 2020, por permitir, a par com as demais medidas implementas, a redução de custos legitimamente almejada pela ré.

A situação económico-financeira da ré não era de desequilíbrio estrutural, já que a mesma no ano de 2020 teve uma receita de € 1 960 870,634 e que a 31 de dezembro de 2020, tinha ativos de liquidez imediata ou quase imediata de € 5 738 532,00.

Mas, não é disso que se trata na situação dos autos. Trata-se antes de uma situação de desequilíbrio conjuntural que a ré considerou justificar a implementação de medidas tendentes a reduzir os seus custos, não se vislumbrando qualquer motivo relevante para que a reestruturação da organização não possa ser justificada por tal desequilíbrio ainda que meramente conjuntural. De resto, em bom rigor, a opção da ré de empreender a reestruturação, que resulta da matéria de facto ter acontecido, nem tem que ser justificada, pois, podia a ré ter feito a mesma reestruturação, sem que ocorresse qualquer outro motivo que não a decisão gestionária de modificar a sua estrutura.

Diz a autora que a ré não podia proceder eliminação do posto de trabalho do diretor do departamento jurídico porque está legalmente obrigada a ter na sua estrutura o dito departamento nos termos da Lei n.º 124/2015, de 2 de setembro. Contudo, desta não resulta qualquer obrigatoriedade de as Ordens a Profissionais terem um diretor jurídico, mas apenas a previsão da existência de um departamento de serviços jurídico (art.º 70.º da dita Lei), cujo quadro de pessoal quer em termos de quantidade, quer de qualidade, não se encontra definido, e que no caso da ré até se manteve como resulta da matéria de facto, ainda que agora apenas integrado pela técnica de apoio jurídico.

De resto, a referida Lei 124/2015 aprovou a 3.ª alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, conformando-a com a Lei 2/2013 de 10/01 que aprovou o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, a qual prevê expressamente, no seu art.º 44.º, que as associações públicas profissionais instituem os serviços operacionais e técnicos (sendo o departamento de serviços jurídicos da OMD um serviço de técnico, nos termos do art.º 70.º da Lei 124/2015) necessários para o desempenho das suas atribuições, sem prejuízo da faculdade de externalização de tarefas.

Improcede, pois, o argumento da autora.

Envolvendo tal reestruturação a eliminação do posto de trabalho, a licitude da decisão de despedir apenas depende da sua efetivação e existência de nexo e adequação entre a reestruturação e a cessação do contrato de trabalho, sendo que não compete ao tribunal aferir da natureza de tais medidas enquanto atos de gestão da ré.

E como já vimos tal relação causal e de adequação, no caso dos autos, tem-se por demonstrada.

E é irrelevante, do nosso ponto de vista que, no caso, a decisão de reestruturação e extinção do posto de trabalho tenha resultado da constatação de uma situação económico financeira para a qual contribuíram decisões da ré com impacto na redução da sua receita, pois, como como resulta do acima referido, não compete ao tribunal sindicar as eras decisões de gestão da ré, mesmo que se apresentem como ruinosas. Tal só seria de ponderar se consubstanciasse uma situação de culpa do empregador na criação dos motivos para o despedimento (art.º 368.º, n.º 2, al. a) do CT), o que não tem qualquer sustentação na matéria de facto, pois, a decisão de suportar custos adicionais com o apoio aos associados durante a pandemia e de reduzir as receitas com a cobrança das quotas nesse mesmo período não se pode considerar irrazoável ou imprudente considerando que a ré é uma ordem profissional competindo-lhe, além do mais, zelar pelas condições do exercício da atividade dos seus associados e a defesa dos seus interesses, e o impacto que a pandemia teve, como é público e notório, no exercício da atividade destes enquanto médicos dentistas, que ficaram, ainda que temporariamente, impedidos de a realizar, com inevitáveis impactos negativos nos seus rendimentos. Muito menos se pode considerar que tais decisões da ré serviram apenas para gerar o motivo para o despedimento da autora.

Releva ainda que nada na matéria de facto provada legitima a conclusão de que o despedimento da autora foi arbitrário ou como a mesma alega, subjetivo, o que a verificar-se, sempre determinaria a ilicitude da cessação do contrato. Com efeito, não se provaram os factos alegados pela autora através dos quais pretendia demonstrar ter sido vitima de assédio nos meses anteriores ao despedimento, nem a discussão da adenda ao contrato de trabalho da autora e da sua eventual revogação durante a campanha para a eleição dos órgãos da Ordem e o facto de ser do conhecimento geral e da classe (dos médicos dentistas? dos advogados?), legitimam a conclusão da autora de que o seu despedimento já havia sido decidido pelo novo Bastonário, como se fosse um objetivo em si mesmo.

Quanto à impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, requisito de legalidade do despedimento por extinção do posto de trabalho cuja verificação no caso concreto a recorrente questiona, nos termos do disposto pelo art.º 368.º, n.º 1, al. b) e n.º 4 do CT ocorrerá, se a factualidade revelar que, extinto o posto de trabalho em apreço, inexiste outro compatível com a categoria do trabalhador.

É pacífico o entendimento de que o ónus da prova da inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador é do empregador[26].

Mas, como se lê no Ac. STJ de 29/05/2013 “(…) tratando-se, de prova de factos negativos (a subsistência da relação de trabalho torna-se praticamente impossível, relembre-se, desde que, extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro (posto) que seja compatível com a categoria do trabalhador), assume aqui particular acuidade o princípio da aquisição processual, devendo o Tribunal tomar em consideração, por regra, todas as provas produzidas – art. 515.º do C.P.C. – tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las: importante é, sim, que os factos relevantes estejam disponíveis no processo, sendo indiferente quem os carreou.

Seguindo na peugada de Alberto dos Reis sempre prevalecerá o ónus chamado objectivo, ou seja, a necessidade real e efectiva de que tais factos se achem suficientemente provados, seja por iniciativa do Tribunal, seja por impulso da parte contrária.

Só quando não seja possível ao julgador – ante a deficiência/insuficiência dos factos relevantes e não obstante o referido princípio da aquisição processual – firmar a sua decisão de mérito, é que a dúvida sobre a sua realidade, e sobre a repartição do respectivo ónus da prova, se resolve contra a parte a quem o facto aproveita, como preceitua o art. 516.º do C.P.C.”

No caso dos autos analisada a matéria de facto provada, não subsistem dúvidas.

Para Pedro Furtado Martins[27] a questão passa aqui por saber se o empregador dispõe ou não de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional seja compatível quer com a categoria objetiva ou o género de atividade contratada, quer com a categoria normativa ou estatutária do trabalhador, esta entendida como a que corresponde à designação formal dada pela lei ou pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho a um determinado conjunto de tarefas, com vista à aplicação do regime laboral previsto para essa situação.

A autora foi admitida ao serviço da ré para exercer as funções correspondentes à categoria de assessora jurídica, na qualidade de Diretora do Departamento Jurídico da ré.

O posto de trabalho em causa é o de diretor do departamento jurídico, cabendo à autora, a coordenação e organização do departamento, assessorar o Conselho Diretivo da ré no exercício das suas funções, podendo emitir pareceres que este entendesse solicitar sobre projetos de diplomas legais em que a ré fosse interessada e fosse ouvida, bem como sobre diplomas legais vigentes, elaboração de regulamentos a submeter ao Conselho Geral e ainda a representação a ré em várias instituições, por indicação do Bastonário.

A autora era a única diretora do departamento jurídico e a natureza das funções que exercia, essencialmente de emissão de pareceres jurídicos e propostas de decisão de órgãos da ré, sendo ela a única jurista vinculada à ré por contrato de trabalho, não deixa margem para dúvida quanto à inexistência de outro posto de trabalho compatível quer com a sua categoria normativa, quer com a sua categoria funcional.

Por fim, importa referir que a circunstância de a ré ser uma associação pública, não significa que a apreciação da decisão de extinção do posto de trabalho esteja sujeita a critérios diversos dos aplicáveis às pessoas de direito privado, já que aquela sua decisão se insere no âmbito de uma relação laboral sujeita ao Código do Trabalho (cfr. art.º 110.º da Lei n.º 124/2015 e art.º 41.º da Lei 2/2013) correspondendo ao exercício de poderes privados, em conformidade com o disposto pelo art.º 4.º, n.º 2, al. b) da lei 2/2013 segundo o qual, no que respeita à sua organização interna, são aplicáveis as normas e princípios que regem as associações de direito privado.

Nessa medida, sem necessidade de mais considerações, concorda-se na íntegra com o afirmado na sentença recorrida a propósito desta questão.

O despedimento da autora por extinção do posto de trabalho afigura-se, pois, como lícito, nenhum reparo havendo a fazer à conclusão alcançada na sentença recorrida.

O recurso improcede, assim, nesta parte.


*

Resultando da licitude do despedimento da autora promovido pela ré, a efetiva cessação do contrato de trabalho, importa apreciar a questão relativa à validade da cláusula 4.º da adenda contratual de 25 de outubro de 2019.

Aí se estabeleceu sob a epígrafe “Compensação por Desvinculação” o seguinte:

“1 – É devida à trabalhadora a compensação pecuniária em caso de desvinculação, independentemente da natureza jurídica da cessação do contrato, por qualquer das partes, e não obstante ou independentemente de causa, cujo comprovativo de liquidação acompanhará a formalização da respetiva cessação.

2 – A compensação não inclui, sendo devidos á trabalhadora, os créditos vencidos os liquidar nos termos da lei laboral.
3 – Aplica-se à compensação a fórmula de cálculo seguinte:

a) por cada ano de antiguidade da trabalhadora desde a admissão na OMD, a trabalhadora tem direito ao valor correspondente a dois meses e meio da retribuição base líquida mensal, incluindo o valor pela isenção de horário de trabalho, e diuturnidades, bem como o subsídio de alimentação, todos com referência aos valores praticados à data da desvinculação.

b) A antiguidade da trabalhadora é contada desde o vínculo laboral inicial celebrado a 18/01/2005.”

Com relevo, ficou ainda provado que o Sr. Bastonário da ré em exercício de funções à data, justificou a aprovação de tal adenda com o facto de a autora ter recebido um convite para integrar o XXII Governo e tal adenda ser necessária para a autora se manter a prestar funções para a ré.

Na ata do Conselho Diretivo da ré n.º ... de novembro de 2019 foi lavrado o seguinte:

“Foi ratificada por unanimidade dos presentes a adenda contratual ao contrato da diretora do departamento jurídico, Dra. AA na sequência do convite do Estado que foi endereçado à própria para integrar o atual XXII Governo, em outubro, previamente à tomada de posse do mesmo.

Em suma, foi corrigida a situação de facto quanto a adequar o enquadramento da isenção do horário e local de trabalho da mesma, sobretudo pelo facto da necessidade de deslocações da trabalhadora em exercício de funções e/ou a natureza das mesmas, que frequentemente implicam que não seja possível o controlo de ponto em alguns formatos. Por outro lado, é objeto de acordo atribuir uma compensação em caso de futura desvinculação, assente na antiguidade e fundamentada igualmente no regime de exclusividade a que a trabalhadora está sujeita.”

No Relatório e Contas de 2019 aprovado pelo o Conselho Geral da R, com parecer favorável do Conselho Fiscal, foi incluída uma provisão, e feita a seguinte inscrição: “Na sequência de um convite externo efetuado à Diretora do Departamento Jurídico da OMD, em outubro passado, o Conselho Diretivo tomou a decisão de introduzir uma adenda ao seu contrato de trabalho, que resultou no registo contabilístico desta provisão. Em caso de desvinculação a colaboradora terá direito a uma compensação neste montante. Esta decisão do Conselho Diretivo assenta no reconhecimento dos serviços prestados pela Assessora ao longo de 15 anos, e no pressuposto de que a Ordem poderá continuar a beneficiar da sua colaboração.”

O tribunal “a quo” considerou que a cláusula em análise consagra uma compensação devida pela desvinculação, tendo concluído pela sua nulidade face ao regime de imperatividade previsto pelo art.º 339.º do CT.

A recorrente alega que a dita cláusula não estabelece uma compensação pela cessação do contrato, mas um prémio que visou compensar a trabalhador pelo facto de se manter ao serviço da Ordem dos Médicos Dentistas a pedido do Bastonário.

A recorrida, por sua vez, acolhe a decisão do tribunal e os seus fundamentos.

A aquisição do conteúdo das declarações negociais vertidas num contrato implica uma tarefa intelectiva sujeita às regras e critérios de exegese delineados nos arts. 236º e segs. do Código Civil, designadamente, desde logo a vontade real dos declarantes.

Caso não se apure a vontade real do declarantes, a declaração deve valer com o sentido que um declaratário normal (medianamente instruído, diligente e sagaz), colocado na posição do declaratário efetivo, possa deduzir do comportamento do declarante, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, que aquele teria tomado em conta, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Consagra-se naquelas disposições legais a vulgarmente denominada teoria da impressão do declaratário[28] segundo a qual o «objectivo da lei é, em tese geral, o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir»[29]

Contudo, tratando-se de negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (como estipula o art.º 238º), ou seja, para que possa valer, o sentido “atribuído pelo declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que corporiza a declaração.

Como se pode ler no Ac. do STJ de 12/06//2012[30]: «As regras constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor).

No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).

Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real.

Se não se afigurar viável chegar a um resultado suficientemente claro sobre a interpretação do negócio jurídico, (…) há que lançar mão do art. 237.º do CC, que dispõe para os casos duvidosos.»

Importa ainda referir que na interpretação de um contrato, «deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial, à lei, aos usos e costumes, e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio»[31]

Ora, atenta a matéria de facto provada, as normas legais aplicáveis e as considerações que antecedem, não podem subsistir dúvidas que através da cláusula em análise as partes quiseram estabelecer o direito da autora a receber determinada quantia, caso o contrato de trabalho viesse a cessar.

Não temos dúvidas de que tal cláusula foi acordada após o convite que foi endereçado à autora para integrar o XXII Governo que a autora não aceitou. Também não temos dúvidas de que tal cláusula foi apresentada pelo Sr. Bastonário perante os órgãos da ré, por referência àquela circunstância, configurando-a como uma compensação em caso de futura desvinculação assente na antiguidade e no regime de exclusividade a que a trabalhadora está sujeita, tendo sido justificada no relatório de contas da ré como assente no reconhecimento dos serviços prestados pela autora ao longo de 15 aos e no pressuposto de que a ré poderia continuar a beneficiar da sua colaboração.

O que daqui resulta, pois, é que, a autora apesar do convite que lhe foi dirigido para o exercício de outras funções fora da ré, terá aceite continuar a sua atividade na ré em exclusividade e que, por isso, foi acordado que no caso de o contrato vir a cessar, seria compensada com uma quantia correspondente a duas vezes e meia a sua a retribuição mensal ilíquida.

Ou seja, o que foi acordado não foi que para que a autora continuasse a exercer a sua atividade ao serviço da ré esta lhe pagaria uma compensação pelo facto de aceitar não sair, ou como alega de um prémio que visou compensá-la pelo facto de se manter ao serviço da ré.

O que ali foi acordado foi uma garantia (e permitimo-nos dizer, à qual não terá sido alheio o facto de a adenda ter sido acordada no período que antecedeu as eleições para os órgãos da ré) de que, se o contrato viesse a cessar, receberia uma compensação pecuniária de valor superior ao previsto na lei. Preveniu-se afinal o risco de, tendo a autora aceitado ficar, vir a ser “dispensada”.

Tal como consagrada, a dita clausula permitia até à autora tomar a iniciativa de cessar o contrato, não continuando, pois, ao serviço da ré, recebendo também nesse caso a dita compensação, o que é inconciliável com a ideia de que o que foi estabelecido foi um prémio por se manter ao serviço da ré.

Concluímos, pois, tal como o tribunal “a quo” que na cláusula 4.ª da adenda ao contrato de trabalho foi consagrada uma compensação pela cessação do contrato.

E sendo assim, também nenhum reparado nos merece a decisão do tribunal que concluiu pela nulidade de tal cláusula por violação do regime imperativo previsto pelo art.º 339.º do CT.

Na verdade, dispõe o art.º 339.º do CT sob a epígrafe imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho:

“1 – O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal.

2 – Os critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

3 – Os valores de indemnizações podem, dentro dos limites deste Código, ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.

Importa ainda considerar que, de acordo com o disposto pelo art.º 3.º, n.º 5 do Código do Trabalho “Sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho”.

Da conjugação das duas normas supra citadas resulta, pois, de forma inequívoca, que o regime relativo à cessação do contrato de trabalho, podendo embora ser regulado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho na parte relativa aos critérios de definição de indemnizações, aos prazos de procedimento e de aviso prévio e aos valores de indemnizações, estes desde que dentro dos limites do CT, não pode ser afastado por contrato de trabalho, tratando-se de matéria subtraída à disponibilidade das partes e, consequentemente, a qualquer convenção individual que viole o regime previsto no dito Código.

Neste sentido, por apelo às disposições dos arts. 339.º e 3.º, n.º 5 do CT, concluem Bernardo da Gama Lobo Xavier[32] e Pedro Furtado Martins[33], que o valor da compensação legalmente previsto para o despedimento coletivo - o que, por identidade de razões e de regimes, consideramos ser transponível para o despedimento por extinção do posto de trabalho - não é passível de convenção individual prévia, mesmo que mais favorável para o trabalhador despedido[34].

Está sobretudo em causa a salvaguarda da igualdade relativa entre todos os trabalhadores em caso de cessação do contrato de trabalho[35].

Assim, no caso dos autos, a estipulação na adenda ao contrato de trabalho que vigorava entre a autora e ré, de uma compensação para a cessação do contrato diversa, porque com apelo a critérios quantitativamente diferentes, e conducente a uma compensação superior, da resultante da aplicação do disposto pelos art.º 366.º, aplicável por remissão o art.º 372.º do CT, é nula, por violação do regime imperativo previstos pelo art.º 39.º do CT, tal como se concluiu na sentença recorrida.

Por isso, não pode a autora reclamar com base nela o pagamento de qualquer quantia, improcedendo, o recurso também nesta parte, sendo-lhe apenas devida a quantia de € 65 586,97 que a ré lhe pagou no termo do contrato, e que a autora, tendo impugnado o despedimento, devolveu, e à qual, sendo o despedimento lício tem direito nos termos dos citados arts. 372.º e 366.º do CT.


*

Resta a apreciação do recurso relativo ao valor da causa (não sendo aplicável o incidente de verificação do valor, já que está em causa o valor fixado pelo juiz e não o valor atribuído à causa por qualquer das partes).

A Mm.ª Juiz “a quo” fixou o valor da causa em € 331.681,17, entendendo a recorrente que deveria ter sido fixado o valor de € 5 000,01.

Por sua vez o Ministério Público foi de parecer que o valor da causa deve ser fiado em € 65 586,97.

Nos termos do disposto pelo art.º 296.º, n.º 1 do CPC “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.”

Decorre do disposto no artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho que o seu n.º 1 se reporta à fixação do valor da causa para efeitos de custas - valor este que resulta do artigo 12.º, n.º 1, alínea e), do RCP, aplicável “ex vi” do nº 1 do artigo 98º-P do CPT - dirigindo-se os n.ºs 2 e 3 do artigo 98º-P, por seu turno, ao valor da causa para os demais efeitos processuais. É este último valor que está em causa no recurso.

Nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, “[o] valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”.

Este preceito, fazendo apelo à equivalência entre o valor da ação e o da utilidade económica do pedido a que se refere o citado art.º 296.º, n.º 1 do CPC, estabelece, também, o momento a que se atende na ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento para a fixação do valor: o momento em que são reconhecidos créditos ao trabalhador (geralmente o momento da sentença final).

Como é reconhecido nos Ac. do STJ de Justiça de 25/09/2014[36] e de 29/10/2015[37], não existe qualquer incompatibilidade entre o art.º 98º-P do CPT e o artigo 299.º do Código de Processo Civil (que corresponde ao anterior art.º 308.ºdo Código de Processo Civil revogado). A regra ínsita no n.º 2 daquele artigo do CPT “é especial (…) apenas em relação ao disposto no art.º 308.º do CPC, isto é, quanto ao momento a que se atende para se proceder à fixação do valor”.

Quanto aos critérios para a fixação do valor da ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, o n.º 2 do artigo 98.º-P estabelece que deve ser levada em consideração a utilidade económica dos pedidos que tenham sido deduzidos, tal como resulta da regra geral para a fixação do valor da causa expressa no artigo 296.º, n.º 1 do Código de Processo Civil a que, de acordo com o n.º 2 deste mesmo preceito, se atende “para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal”.

Embora especifique que se deverá atender, “designadamente”, ao valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido “reconhecidos”, o que exige uma atenção à utilidade económica atual face ao momento em que se fixa o valor, o preceito não deixa de ter como matriz básica a “utilidade económica do pedido”, tal como expressamente consigna e sempre resultaria da regra geral ínsita no artigo 296.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Ou seja, o valor da ação não é determinado tendo por referência, exclusiva ou sequer principalmente, o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final, antes é determinado pelo valor económico dos pedidos deduzidos, incluindo os que nada têm que ver com créditos indemnizatórios e salariais.

Assim, e como se equaciona no Ac. da RC de 20/11/2014[38], no caso de o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final ser inferior ao da utilidade económica dos pedidos deduzidos inicialmente pelo trabalhador (ou se os mesmos forem todos julgados improcedentes), o valor da ação deve corresponder ao da mencionada utilidade, a fim de que se respeite o determinado na primeira parte do artigo 98.º-P, n.º 2 do CPT; no caso de o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos na decisão final exceder o da utilidade económica dos pedidos inicialmente deduzidos, o valor da ação deve ser determinado tendo em conta, para lá da referida utilidade económica, o valor global da indemnização, créditos e salários que tenham sido efetivamente reconhecidos na decisão final, designadamente a diferença entre o valor assim reconhecido e o reclamado inicialmente pelo trabalhador, a fim de que se respeite o determinado na primeira parte do mesmo art.º 98.º-P, n.º 2 do CPT.

Ou seja, a referência ao valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido "reconhecidos" constante da parte final do art.º 98.º-P, n.º 2 do CPT, não prescinde da "utilidade económica" dos pedidos formulados, podendo o valor da causa ir além desta, mas não podendo ficar aquém da mesma, seja qual for a sorte de tais pedidos.

No caso em apreço, não foi reconhecida a ilicitude do despedimento, tendo a ré sido absolvida de todos os pedidos contra ela formulados quer na ação, quer na reconvenção, com exceção do relativo ao pagamento da quantia que, tendo sido paga pela ré na sequência do despedimento e que de resto, era condição da sua licitude, a autora havia devolvido com vista à impugnação do despedimento, pelo que, em conformidade com o que estabelecem as disposições conjugadas dos arts. 98.º-P, n.º 2 do CPT e 296.º e 299.º do CPC, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do CPT, o valor a atribuir à causa terá que ter em conta a utilidade económica dos pedidos deduzidos pela autora no momento em que os mesmos foram formulados[39].

Ora, de acordo com o art.º 297.º do CPC, aplicável ao caso, ex vi art.º 1º n.º 2 al. a) do CPT:

“1 - Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.

2 - Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.”

3 - No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.”

Os pedidos principais formulados são o de declaração de ilicitude do despedimento e, em consequência, a de condenação da ré na reintegração da autora (da consulta do processo não resulta que tenha sido feita a opção pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração), no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 1 de abril de 2021 até ao trânsito em julgado da sentença, no pagamento todas as quantias pecuniárias que se vencerem na pendência da ação relativas a férias, subsídio de férias e de Natal, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal, contados da data de vencimento de cada uma das prestações e até ao efetivo e integral pagamento, a liquidar em execução de sentença e no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 25 000,00.

Em alternativa à reintegração, para o caso da procedência da oposição à reintegração, a autora pede a condenação da ré no pagamento de indemnização correspondente a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fração.

Subsidiariamente, para o caso de improceder o pedido de declaração de ilicitude do despedimento a autora pede a condenação da ré no pagamento da quantia de € 241 093,20 referente à cláusula 4.ª da adenda ao contrato de trabalho e no pagamento da quantia de € 65 587,92 que devolveu à ré com vista à impugnação do despedimento.

Vejamos, pois.

A utilidade económica do pedido de reintegração corresponde à do seu sucedâneo, ou seja, à do valor da indemnização substitutiva[40].

Ora, assim sendo, e contabilizando a antiguidade da autora, para efeitos de fixação do valor da ação, desde a data da sua admissão (18/05/2005) até à data da propositura da ação (09/04/2021) em 15 anos e uma fração, ou seja, 16 anos, considerando o valor da sua retribuição base e diuturnidade à data da cessação do contrato (€ 4 867,44 + € 79,20= € 4 946,64), e o valor médio da indemnização a fixar em 30 dias (na falta de outro critério) a indemnização de antiguidade seria de € 79 146,24, pelo que, a este valor deverá corresponder a consequência da (eventual) reintegração.

Importa, contudo, ter em atenção que o valor do pedido alternativo formulado decorrente da eventual procedência da oposição à reintegração ascenderia ao dobro daquele, por a indemnização peticionada corresponder a 60 dias de retribuição base e diuturnidades, ascendendo a € 158 292,48, sendo, pois, o valor a considerar nos termos do art.º 297.º, n.º 3 do CPC.

As retribuições intercalares desde a data do despedimento, peticionadas desde 01/04/2021 até à propositura da ação (09/04/2021), tendo em conta a retribuição base e diuturnidades, isenção de horário de trabalho, tudo no montante global mensal de € 5.873,33 (€ 4.867,44 + € 79,20 + 926,69), incluindo os subsídios de férias e de Natal ascendem à quantia global de € 1.848,90.

Mais haverá que atender ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais peticionado, no valor de € 25.000,00.

Por fim, importa referir que, sendo os demais pedidos formulados subsidiários em relação aos quantificados supra, nos termos do disposto pelo art.º 297.º, n.º 3 do CPC, os mesmos não serão atendidos para efeitos de fixação do valor da ação.

Apura-se, assim, um valor global de € 185.141,38 (cento e oitenta e cinco mil, cento e quarenta e um euros e trinta e oito cêntimos), que por corresponder à utilidade económica dos pedidos no momento em que foram formulados, deverá ser fixado como valor da ação.

O recurso nesta parte, procede, pois, apenas parcialmente.


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As custas do recurso são da responsabilidade de ambas as partes na proporção que se fixa em 99% para a recorrente e 1% para a recorrida – art.º 527.º do CPC.

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Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a decisão relativa ao valor da ação, fixando-se o mesmo em € 185 141,38 (cento e oitenta e cinco mil, cento e quarenta e um euros e trinta e oito cêntimo), mantendo-se no mais a sentença recorrida.

Custas por ambas as partes na proporção de 99% para a recorrente e 1% para a recorrida.


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Notifique.

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Porto 24/02/2025
Maria Luzia Carvalho
António Costa Gomes
Germana Ferreira Lopes
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[1] Publicado no DR, I série, de 14/11/2023, com Declaração de Retificação n.º 35/2023, publicada no DR, I série, de 28/11/2023.
[2] In “Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7.ª edição atualizada, 2022, pág. 195.
[3] Ob. cit., pág. 350.
[4] Entre outros, veja-se os Acórdãos do STJ de 08/03/2022, processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1 e de 24/10/2023, processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1.
[5] Processo n.º 1472/23.0.T8AVR.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[6] Processo n.º 12796/20.9T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] António Abrantes Geral e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 32.
[8] Idem, pág. 744.
[9] Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Processo n.º 811/13.3TBPRD.P1 e no mesmo sentido, entre outros, o Ac. RP de 08/02/2021, Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] Processo n.º 1984/18.8T8BCL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Processo n.º 7886/23.9T8LRS.L1, acessível em www.dgsi.pt.
[13] Processo n.º 2799/22.4T8FNC.L1-2, acessível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – à Luz do novo Código do Trabalho, Coimbra, 2009, pág. 391 e Júlio Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, pág. 989).
[15] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª Ed., Coimbra, 1990, pág. 65/66).
[16] Acessível in www.dgsi.pt.
[17] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 304.
[18] Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14ª edição, pág. 625.
[19] Citado pelo Ac. do STJ de 9/09/2009 (Relator Sousa Grandão), disponível in www.dgsi.pt.,
[20] Código do Trabalho Anotado, 5ª ed., pág. 696.
[21] "Despedimentos colectivos: liberdade de empresa e acção administrativa", in RDES, ano XXXV, n.°s 1-2-3-4, Jan.-Dez. 1993, pág. 38 e segs.
[22] “Direito do Trabalho”, Parte II – Situações laborais individuais, Coimbra, 2006, pág. 884.
[23] Proc. n.º 7031/16.7T8FNC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[24] Ac. da RL de 23/04/2008, processo n.º 1473/2008-4, acessível em www.dgsi.pt.; Pedro Romano Martinez, in Apontamentos sobre a Cessação do Contrato de trabalho à luz do Código do Trabalho, 1ª reimpressão, pág. 120.
[25] Ac. STJ de 30/03/2022, 9989/19.5T8PRT.P1.S1 e Ac. RG de 09/01/2025, processo n.º 2495/23.5T8VNF.G1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[26] Ac. STJ de 07/07/2009, processo n.º 27/07.1TTFIG.C1.S1; Ac. STJ de 15/03/2012, processo n.º 554/07.0TTTMTS.P1.S1 e Ac. STJ de 29/05/2013, processo n.º 1270/09.4TTLSA.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[27] Da Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed. Ver. e at., pág. 295
[28] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 418.
[29] A. Varela e P. de Lima, CC Anotado, I, 4ªed., pág. 152.
[30] Processo. nº 14/06.7TBCMG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[31] Ac. do STJ de 16/04/2013, Processo nº 2449/08.1TBFAF.G1.S1, citando Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª ed., 2010, pág. 547, acessível em www.dgsi.pt.
[32] Compensação por Despedimento, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro - Junho de 2012, Ano LIII, n.ºs 1-2, pág. 79,
[33] Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., revista e atualizada, pág. 28 a 33
[34] Ac. RP de 11/01/2010, processo n.º 727/07.6TTGMR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[35] Ac. TRP de 29/04/2013, Processo: 440/10.7TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida
[36] Processo n.º 3648/09.4TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[37] Processo n.º 478/11.7TTVRL.G1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[38] Processo n.º 265/13.8TTVIS.C1, acessível em www.colectaneadejurusprudencia.pt.
[39] Neste sentido se pronunciou, entre outros, o Ac. RL de 16/11/2016, processo n.º 1360/16.7T8LSB.L1-4, o AC. RL de 07/05/2018, processo n.º 2652/17.3T8CSC.L1-4 e o Ac. RP de 05/06/2023, processo n.º 3192/20.9T8PRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[40] Entre muitos outros, Ac. RP de 21/11/2016, processo n.º 12128/14.5T8PRT-B.P1, acessível em www.dgsi.pt.