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SUSPENSÃO DE OBRIGAÇÕES BANCÁRIAS
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
DESPACHO
NOTIFICAÇÃO
Sumário
(da responsabilidade do relator): I – A alegação de que o despacho que prorroga a suspensão provisória de todas as operações a débito em contas bancárias, ao abrigo do disposto nos arts. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, de 11.01, e 49.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 83/2017, de 18.08, viola o dever de fundamentação das decisões judiciais, enquadra-se na categoria das irregularidades processuais, devendo ser arguida pelo interessado, perante o Tribunal que as cometeu, nos termos e prazos previstos na lei, sob pena de ficar sanada. II – A falta de notificação do despacho que inicialmente confirmou a suspensão provisória das operações a débito em contas bancárias configura uma irregularidade a arguir perante o Tribunal a quo, no prazo de três dias a contar da notificação do despacho de prorrogação das medidas, que constituiu a primeira notificação para os termos do processo, com a qual os recorrentes puderam aperceber-se da irregularidade cometida. III – Não enferma de falta de fundamentação o despacho que prorroga a suspensão provisória de todas as operações a débito em contas bancárias, quando este concretiza sumariamente que se verifica a indiciação de factos suscetíveis de integrarem o crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, do Código Penal, remetendo para os fundamentos constantes da promoção do Ministério Público e do despacho inicial que havia determinado a suspensão das operações bancárias, concluindo que não se alteraram os seus pressupostos de facto e de direito. IV - A medida de suspensão provisória de todas as operações a débito em contas bancárias não tem a mesma natureza das medidas de coação e garantia patrimonial previstas no CPP, pelo que não exige a prévia constituição de arguido, nos termos do art.º 58.º, al. b) do CPP. Aliás, para que a medida seja eficaz, prevenindo a prática do crime de branqueamento e salvaguardando a obtenção de prova imprescindível à investigação criminal, a mesma será aplicada normalmente antes da constituição de arguido, o que é facultado pelos arts. 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017, e não viola as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
Texto Integral
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
No Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferido o seguinte despacho:
«Indiciando-se a prática de factos susceptíveis de integrarem, inter alia, o crime de branqueamento, p. e p. nos termos dos artigos 368.º-A, do Código Penal, e atentas as razões invocadas na douta promoção antecedente, que se dão por integralmente reproduzidas, a par das que levaram à prolação do despacho de suspensão das operações bancárias, mantendo-se inalterados os seus pressupostos de facto e de direito, renovam-se as medidas de controlo bancário em curso nos presentes autos, nos seus exactos termos, por mais 90 (noventa) dias, ao abrigo do previsto nos artigos l.º, n.º 1, alínea i), 4.º, n.º 1 a 4, da Lei n.º 5/2002, de 11-01, e 269.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. Comunique às entidades bancárias em causa, nos termos habituais. Oportunamente, devolva os autos ao Ministério Público».
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AA e BB vieram recorrer deste despacho, formulando as seguintes conclusões: «1 - A decisão judicial recorrida faz errada aplicação e integração da lei, e viola o disposto na alínea b) do n.º 1 do Art.º 58º do Código de Processo Penal, na medida em que aplica medida cautelar de bloqueio das contas bancárias sem a prévia constituição de arguido. 2 - A decisão viola n.ºs 1 e 5 do Art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que viola as garantias de defesa em processo criminal. 3 - A decisão viola o disposto n.º 1 do Art.º 205º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 5 do Art.º 97º do CPP, na medida em que viola o dever de fundamentação, pois, os factos que sustentam a decisão de aplicação de medida cautelar de bloqueio das contas bancárias devem ser obrigatoriamente fundamentados. 4 - A decisão viola o disposto no Art.º 4º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro, que determina a medida de controlo de conta bancária ou de suspensão de movimentos bancários e não determina o bloqueio total das contas bancárias sem possibilidade de realizar movimentos a débito. Tais vícios invocados da decisão recorrida, devem determinar a revogação da mesma e, consequentemente, da medida de prorrogação do prazo por mais 90 dias».
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O Ministério Público junto do Tribunal Central de Instrução Criminal apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo:
«1 - Por despacho do Mmo. Juiz de Instrução Criminal, datado de 31.05.2024, foi confirmada a aplicação da medida de suspensão temporária de operações determinada pelo Ministério Público até ao dia 28.08.2024. 2 - Por despacho judicial de 26.08.2024 foi determinada a prorrogação da medida de suspensão temporária de operações já aplicada nos autos, por um período de 90 dias. 3 - Porém, ao invés do alegado pelos recorrentes, a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não padecendo da alegada irregularidade. 4 - A suspensão temporária de operações bancárias decretada nos autos não é uma medida de coação nem de garantia patrimonial, mas sim um meio de prevenção da prática de crimes de branqueamento, constituindo-se assim num regime legal especial perante o regime geral do Código de Processo Penal, motivo pelo qual, in casu, não é aplicável o disposto no art.º 58.º, alínea b) do CPP, ou seja, a aplicação desta medida não exige a prévia constituição como arguido dos visados. 5 - No entanto, as decisões que aplicam uma medida de suspensão temporária de operações prevista na Lei do Branqueamento têm de ser sempre conformadas pelos princípios constitucionais consagrados, designadamente os princípios da proporcionalidade, necessidade e proibição de excesso e das garantias de defesa, o que sucedeu com as decisões proferidas nos presentes autos. 6 - O despacho recorrido ao remeter para a promoção do Ministério Público que o precede, bem como para outras decisões já proferidas nos autos que fundamentaram a aplicação da medida de suspensão temporária de operações quer no disposto no art.49.º da Lei 83/2017 de 18.08, quer no art.4.º, n.º4 da Lei 5/2002, de 11.01, sustenta também a sua decisão nas referidas normas legais que têm como desiderato a preservação de fundos com origem ilícita com o objetivo de impedir que os mesmos sejam disseminados na economia legítima. 7 - A decisão recorrida não enferma dos vícios que os recorrentes lhe apontam, estando em face dos elementos constantes dos autos conforme às normas processuais e constitucionais invocadas».
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II – OBJECTO DO RECURSO
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A. de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no nº 2 do art.º 410º do CPP.
Tendo presentes as conclusões formuladas, são as seguintes as questões jurídicas a decidir:
a) Irregularidade do despacho recorrido por violação do dever de fundamentação e por ausência de notificação da decisão inicial de bloqueio das contas bancárias;
b) Nulidade do despacho recorrido por violar os direitos de defesa dos recorrentes, ao aplicar medidas restritivas de direitos sem prévia constituição de arguido;
c) Violação do disposto no art.º 4º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Com relevo para a apreciação do recurso, documentam os autos o seguinte:
1) O Ministério Público, na sequência de comunicação da ..., determinou a suspensão temporária das seguintes contas bancárias:
- ... com o IBAN... (USD), titulada por AA, com saldo de 29.738,99 USD.
- ... com o IBAN ... (Euro), titulada por AA, com saldo de 13.294,29€.
- ... com o IBAN ... (USD), titulada por BB com saldo de 65.013,54 USD.
- ... com o IBAN ... (Euro), titulada por BB, com saldo de 23.956,50€.
2) Em 29/05/2024, o Ministério Público promoveu que fosse validado o regime de segredo de justiça, se confirmasse a suspensão provisória e se determinasse o bloqueio, por três meses, de todas as operações a débito, incluindo através de meios à distância, sobre as referidas contas bancárias, ficando a comunicação da decisão de suspensão temporária às pessoas titulares da conta abrangida adiada por um período de 30 dias, nos termos do art.º 49º, n.º 3 da Lei 83/2017, de 18 de agosto (cfr. a promoção de 29/05/2024, que se reproduz – fls. 73 a 76 do processo principal).
3) Remetidos os autos ao Mmo. Juiz de Instrução, pelo mesmo foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Fls. 73 a 76: A fim de serem acautelados os interesses da investigação, ao abrigo do disposto no art.º 86.º, n.º 3, parte final, do Código de Processo Penal, valido a decisão do Ministério Público de aplicar aos presentes autos o segredo de justiça. Investiga-se nestes autos a prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, n.º 1 a 5, do Código Penal. Com efeito, da prova documental constante dos autos, resulta que as contas bancárias identificadas 75V foram criadas para receber quantias monetárias obtida através da prática, ao que tudo indica, dos crimes de violação de medidas restritivas, p. e p. pelo art.º 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 97/2017, de 23.08, e de fraude fiscal, p. e p. pelo art.º 103.º do RGIT. Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, de 11.01, e 49.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 83/2017, de 18.08, por ter grande interesse para a descoberta da verdade e por se revelar necessária à prevenção da prática do crime de ranqueamento, nomeadamente tendo em vista obstar à dispersão pela economia legítima de fundos que se indicia terem sido obtidos ilicitamente, confirmo a ordem de suspensão temporária, até 28.08.2024 (inclusive), de todas as operações a debito (também através de meios de acesso à distância) relativas às contas bancárias identificadas a fls. 75V. Comunique às instituições bancárias. Na medida em que a notificação do despacho que antecede aos titulares das referidas contas bancárias é susceptível de pôr em causa as diligências de recolha de prova a que há que proceder, nomeadamente aquelas a que 0 Ministério Público alude a fls. 76, determina-se que tal notificação seja diferida por 30 dias (art.º 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18.08). Devolva os autos ao Ministério Público» (cfr. despacho de 31/05/2024 – fls. 79 do processo principal).
4) Em 22/08/2024, o Ministério Público apresentou a seguinte promoção:
«Renovação da medida de bloqueio de contas Nos presentes autos, através da decisão judicial de folhas 79, foram bloqueados, por um período de três meses, até ao próximo dia 28.08.2024, todos os movimentos a débito e o acesso pelo canal homebanking relativamente às seguintes contas bancárias: - ... com o IBAN … (USD), titulada por AA; - ... com o IBAN ... (Euro), titulada por AA; - ... com o IBAN ... (USD), titulada por BB; - ... com o IBAN ... (Euro), titulada por BB. Entendemos que se justifica a renovação dessa mesma medida, por um novo período de três meses, nos termos do art.º 49º-2 da Lei 83/2017, de 18 de agosto, em face do reforço dos indícios recolhidos e de forma a evitar a dispersão dos fundos, uma vez que se indicia a sua origem e destinação ilícita. Com efeito, nos presentes autos estão em causa transferências bancárias recebidas em contas domiciliadas na ... e tituladas pelos cidadãos de nacionalidade russa, AA e BB, com origem em contas sediadas no estrangeiro, nomeadamente nos ... e ..., seguidas de conversão para euros e a sua dispersão por contas localizadas em .... AA, de nacionalidade russa, é titular da conta ... com o IBAN ... (USD), aberta em ........2023, com um saldo 79.708,99USD e da conta com o ... (Euro), aberta em ........2023, com um saldo de 10.456,66€. BB, de nacionalidade russa, é titular da conta ... com o IBAN ..., aberta em ........2023, com um saldo de 65.013,54USD e da conta ... com o IBAN ... (Euro), aberta em ........2023, com um saldo de 8.942,55€. As contas tituladas por AA e BB foram abertas no Balcão de .... No período compreendido entre ........2023 e 04.05.2023, a conta ..., titulada por AA foi creditada pelo montante total de 370.642,26 USD: - 275.672,26 USD, através de seis transferências com origem na conta com o IBAN ...; - 94.970,00 USD, através de quatro transferências com origem na conta com o IBAN ...; E debitada pelo montante tal total de 341.028,11 USD, através de nove transferências efetuadas para a conta com o IBAN ..., titulado pelo próprio. Por sua vez, no período compreendido entre ........2023 e ........2024, a conta IBAN ... foi creditada pelo montante total de 464.201,57€: - 314.354,05€, através de nove transferências com origem na conta com o IBAN ... - 149.847,52€, através de contas bancárias tituladas pelo próprio e sediadas nos .... A débito, verificaram-se os seguintes movimentos: - vinte e seis transferências, no total de 384.000,00€, para conta titulada por si e domiciliada em ..., com o IBAN ...; - uma transferência de 2.500,00€, a favor de ..., com o IBAN ...; - uma transferência de 13.827,00€, a favor de ..., com o IBAN ...; - três transferências, no montante total de 44,500,00€, a favor da conta com o IBAN ..., titulada por BB, No período compreendido entre ........2023 e 04.05.2023, a conta IBAN ... (USD), titulada por BB foi creditada pelo montante total de 229.417,41 USD, com origem em contas tituladas por AA e sediadas nos .... Por sua vez, no período compreendido entre ........2023 e ........2024, a conta IBAN ... (Euros) titulada por BB foi creditada pelo montante total de 201.221,53€: - 44.500€ através da conta com o IBAN ..., titulada por AA; -156.721,53€ com origem na conta com o ... (USD) de que é titular. A débito foram realizadas onze transferências, no montante total de 112.820C, a favor da conta sediada em ..., com o IBAN ... e da qual é titular e cinco transferências no montante de 64.980€, a favor da conta com o IBAN ..., sediada em ... e titulada por AA. De acordo com informação prestada à ..., AA e BB são casados, residem na Rússia e serão titulares de contrato de arrendamento de imóvel sito em .... Ambos têm nacionalidade russa e de ... e, em Portugal, não são titulares de autorização de residência nem formularam qualquer pedido nesse sentido, embora tenham registo de entradas e saídas do território nacional. Em Portugal não têm registada a propriedade de qualquer bem nem declaram quaisquer rendimentos. Tais factos permitem suspeitar que os referidos cidadãos se encontram a utilizar o sistema financeiro português para camuflar dinheiro próprio ou de outrem, com origem na Rússia, por forma a contornar as medidas restritivas impostas pela União Europeia aos cidadãos russos, no que respeita à aceitação de depósitos em instituições bancárias europeias de valor superior a 100.000€. Indicia-se assim, considerando a tipologia das operações em causa, que os montantes creditados nas contas acima referidas foram obtidos através da violação de medidas restritivas impostas pelo Regulamento (UE) n.º 833/2014, do Conselho de 31.07.2014 - art.º 5.º-B, n.º 1 - e pela Decisão 2014/512/PESC do Conselho de 31.07.2014 - art.º 1.º-B, n.º 1 - nas redações ora em vigor. A factualidade em causa é suscetível de configurar a prática dos crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento. Pelo exposto, no sentido de evitar a dispersão dos fundos e a continuação de manobras de branqueamento de capitias, promovemos, nos termos do art.º 49.º- 2 da Lei 83/2017, de 18 de agosto, que se renove, por um período de três meses, até ao dia 28 de novembro de 2024, a medida de bloqueio de operações a débito e de acesso via home banking relativamente às seguintes contas: - ... com o IBAN ... (USD), titulada por AA; - ... com o IBAN ... (Euro), titulada por AA; - ... com o IBAN ... (USD), titulada por BB; - ... com o IBAN ... (Euro), titulada por BB. Remeta ao TCIC para apreciação e decisão, promovendo-se que a decisão que vier a ser proferida seja comunicada ao departamento de Compliance da .... Mais promovemos se comunique ainda a decisão de renovação da medida de bloqueio da conta a AA e CC» (cfr. a promoção de 22/08/2024 – fls. 127 a 129 dos autos principais).
5) Em 26/08/2024, foi proferido o despacho recorrido, notificado aos ora recorrentes por cartas expedidas em .../.../2024 (cfr. fls. 38, 72 e 73 dos presentes autos).
6) As promoções e despachos supra mencionados em 2), 3) e 4) foram notificados à Il. Mandatária dos ora recorrentes em .../.../2024.
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a) Irregularidade do despacho recorrido por violação do dever de fundamentação e por ausência de notificação da decisão inicial de bloqueio das contas bancárias (violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 97.º, n.º 5 do CPP).
A primeira questão a apreciar consiste na alegada irregularidade do despacho recorrido, relativamente ao qual os recorrentes apontam a falta de fundamentação, quer por ausência de suficiente concretização das razões de facto e de direito em que se baseia, quer pela ausência de notificação do despacho que determinou o bloqueio das suas contas bancárias.
Para contextualizar a situação, importa fazer a resenha dos factos:
O Ministério Público, em .../.../2024, determinou a suspensão temporária de todos os movimentos a débito das contas bancárias os IBAN ..., ..., ... e ..., ao abrigo do disposto no artigo 48.º n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 83/2017 de 18/08.
Em 29/05/2024, o Ministério Público promoveu que fosse validado o regime de segredo de justiça, se confirmasse a suspensão provisória e se determinasse o bloqueio, por três meses, de todas as operações a débito, incluindo através de meios à distância, sobre as referidas contas bancárias, ficando a comunicação da decisão de suspensão temporária às pessoas titulares da conta abrangida adiada por um período de 30 dias, nos termos do art.º 49º, n.º 3 da Lei 83/2017, de 18 de agosto (cfr. a promoção de 29/05/2024, que se reproduz – fls. 73 a 76 do processo principal).
Remetidos os autos ao Mmo. Juiz de Instrução, pelo mesmo foi proferido despacho, em 31/05/2024, deferindo o promovido, por estar em causa a investigação do crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, n.º 1 a 5, do Código Penal e considerar que da prova documental constante dos autos, resultava que as sobreditas contas bancárias foram criadas para receber quantias monetárias obtidas através da prática, ao que tudo indica, dos crimes de violação de medidas restritivas, p. e p. pelo art.º 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 97/2017, de 23.08, e de fraude fiscal, p. e p. pelo art.º 103.º do RGIT.
Pelo que, ao abrigo do disposto nos arts. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, de 11.01, e 49.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 83/2017, de 18.08, por ter grande interesse para a descoberta da verdade e por se revelar necessária à prevenção da prática do crime de branqueamento, nomeadamente tendo em vista obstar à dispersão pela economia legítima de fundos que se indicia terem sido obtidos ilicitamente, foi confirmada a ordem de suspensão temporária, até 28/08/2024 (inclusive), de todas as operações a débito (também através de meios de acesso à distância) relativas às contas bancárias supra identificadas.
Sucede que o despacho de 31/05/2024 não foi imediatamente notificado aos ora recorrentes. O próprio despacho, na sua parte final, determina o diferimento da notificação aos titulares das contas bancárias por 30 dias, ao abrigo do art.º 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18/08.
Por razões que se desconhecem, a notificação aos recorrentes do despacho que confirmou ordem de suspensão temporária só terá ocorrido em .../.../2024.
Ora, em 22/08/2024, o Ministério Público promoveu a renovação da medida de bloqueio determinada (cfr. a promoção transcrita em 4), o que veio a ser deferido no despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Indiciando-se a prática de factos susceptíveis de integrarem, inter alia, o crime de branqueamento, p. e p. nos termos dos artigos 368.º-A, do Código Penal, e atentas as razões invocadas na douta promoção antecedente, que se dão por integralmente reproduzidas, a par das que levaram à prolação do despacho de suspensão das operações bancárias, mantendo-se inalterados os seus pressupostos de facto e de direito, renovam-se as medidas de controlo bancário em curso nos presentes autos, nos seus exactos termos, por mais 90 (noventa) dias, ao abrigo do previsto nos artigos l.º, n.º 1, alínea i), 4.º, n.º 1 a 4, da Lei n.º 5/2002, de 11-01, e 269.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. Comunique às entidades bancárias em causa, nos termos habituais. Oportunamente, devolva os autos ao Ministério Público».
Este despacho foi notificado aos ora recorrentes em 20/09/2024, que dele recorreram em 25/09/2024.
Os recorrentes alegam que o despacho viola o dever de fundamentação das decisões judiciais.
Sobre esta matéria, o art.º 205.º, n.º 1 da Constituição dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Por sua vez, o art.º 97.º, n.º 5 do CPP procede à concretização do dever de fundamentação nos seguintes termos: «os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
É sabido que os atos decisórios tomam a forma de sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo; ou de despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior (art.º 97.º, n.º 1, al. a] e b] do CPP).
A falta de fundamentação das sentenças encontra-se cominada com a nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º e 379º, n.º 1, al. a), do CPP. Diversamente, a inobservância do dever de fundamentação os despachos não conduzem em regra à sua nulidade, uma vez que não se encontra elencada nos artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, nem é expressamente cominada como tal em qualquer outra disposição legal.
Na verdade, em sede de nulidades processuais vigora o princípio da legalidade enunciado pelo art.º 118.º do Código de Processo Penal:
«1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. «2 – Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular».
Por sua vez, o art.º 123.º do CPP dispõe o seguinte:
«1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado. «2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado».
Daqui decorre que nem todas as irregularidades relevam processualmente, mas apenas aquelas que possam afetar o ato praticado, devendo ainda ser arguida pelo interessado, perante o Tribunal que as cometeu, nos termos e prazos previstos na lei, sob pena de ficar sanada.
A possibilidade do conhecimento de nulidades de sentença em fase de recurso é somente aplicável a sentenças penais finais, como resulta do art.º 379. do CPP, que se refere claramente a sentenças finais condenatórias ou absolutórias. Nos demais casos de nulidades ou irregularidades processuais, cabe ao Tribunal de primeira instância apreciá-las, havendo recurso das decisões que delas conhecerem.
No caso dos autos, está em causa o despacho de 26/08/2024, que renovou as medidas de controlo bancário, o qual foi notificado aos ora recorrentes em 20/09/2024. Trata-se inequivocamente de um despacho e não de uma sentença, pelo que a irregularidade teria que ser invocada perante o Tribunal que o proferiu, no prazo de três dias a contar da notificação.
Ora, os recorrentes não invocaram a irregularidade do despacho perante o Tribunal recorrido, no prazo legal, tendo optado antes por interpor o presente recurso, no qual invocam a irregularidade, pelo que não podem invocar esse vício.
O mesmo se diga quanto à falta de notificação do despacho de 31/05/2024, para o qual o despacho recorrido remete, pois se é certo que os recorrentes deveriam dele ter sido notificados, logo que decorresse o diferimento de 30 dias (cfr. o art.º 49.º, n.º 3, 4 e 7 da Lei n.º 83/2017, de 18/08), tal omissão configura uma irregularidade a arguir perante o Tribunal a quo, no prazo de três dias a contar da notificação do despacho de prorrogação das medidas, que constitui a primeira notificação para os termos do processo, com a qual puderam aperceber-se da irregularidade cometida.
Deste modo, importa concluir que as apontadas irregularidades não constituem fundamento de recurso, devendo considerar-se sanadas por falta de arguição perante o Tribunal recorrido, no prazo legal.
Em todo o caso, sempre se dirá que o despacho recorrido não padece de falta de fundamentação, pois concretiza sumariamente que se verifica a indiciação de factos suscetíveis de integrarem o crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, do Código Penal, remetendo para os fundamentos constantes da promoção do Ministério Público e do despacho de 31/05/2024, que havia determinado a suspensão das operações bancárias, concluindo que não se alteraram os seus pressupostos de facto e de direito.
O Tribunal Constitucional tem admitido a conformidade da fundamentação de determinadas decisões proferidas no âmbito do processo penal por simples remissão, nomeadamente para o conteúdo de promoções do Ministério Público, à luz dos princípios constitucionais da fundamentação e da reserva de juiz, consagrados, respetivamente, nos artigos 205.º, n.º 1, e 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual tal forma de fundamentação pode ser adotada (acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 223/98, 189/99, 396/2003, 391/2015 e 684/15, acessíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, como se refere no Ac. Rel. Lisboa de 22/02/2023 (P. 449/22.8TELSB-A.L1-3 em www.dgsi.pt), «o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, implica que se conciliem o princípio da fundamentação das decisões judiciais com o princípio da economia e celeridade processuais, que pressupõe decisões em tempo útil, sobretudo num quadro de maior complexidade processual, seja esta aferida em função do espectro factual e do universo probatório, seja em função da panóplia de interpretações doutrinais e jurisprudenciais que se perfilam no âmbito do enquadramento jurídico penal, como sucede, nomeadamente, no caso da criminalidade económico financeira. «Assim, ainda que não corresponda à técnica de fundamentação ideal, a remissão para peças processuais e/ou atos decisórios que constem dos autos permite conciliar os referidos interesses em equação».
Salienta ainda o mesmo aresto que «conquanto não constitua uma medida de coação nem de garantia patrimonial, a manutenção da suspensão provisória (de operações bancárias) está sujeita ao princípio “rebus sic standibus”, ou seja, pode ser mantida e prorrogada enquanto persistirem os fundamentos de facto e de direito que determinaram a sua aplicação – o risco de branqueamento e a aptidão para fornecer meios de prova da prática dos respetivos factos integradores, tendo como limite de vigência o prazo correspondente ao da duração prevista para o inquérito, sob pena de extinção por caducidade, nos termos do artigo 49º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 83/2017».
Ora, no caso dos autos, o Tribunal procedeu a uma mera renovação das medidas de controlo das contas bancárias, pelo que não se impunha uma nova descrição de toda a matéria factual e subsunção jurídica, sendo bastante a remissão para o anterior despacho e promoção para justificar o juízo de renovação das medidas, tanto mais que não se evidenciava qualquer alteração dos seus pressupostos.
Deveria, é certo, ter ocorrido a notificação do despacho de 31/05/2024 em tempo útil, assim como da promoção de 22/08/2024, para que o despacho que prorrogou as medidas fosse inteligível pelos destinatários.
No entanto, a omissão de notificação configura uma mera irregularidade processual, que não afeta o valor do ato decisório em si mesmo, pois uma coisa é fundamentação do despacho, outra a transmissão do seu conteúdo aos recorrentes.
O despacho recorrido está suficientemente fundamentado através da remissão para a promoção e despacho anteriores, limitando-se a prorrogar a aplicação da medida, face à não alteração dos seus pressupostos.
O que é irregular é a notificação do despacho de 31/05/2024 e da promoção de 22/08/2024, para os quais o despacho recorrido remetia, mas como mera irregularidade, apenas relevaria se tivesse sido arguida perante o Tribunal recorrido no prazo legal. Diga-se, em todo o caso, que já em momento posterior à interposição do recurso foi dado conhecimento aos recorrentes do teor do dito despacho e promoção, pelo que nada mais existe a decidir quanto a tal matéria.
Assim, e em suma, improcede a arguição de irregularidade do despacho por falta de fundamentação.
b) Nulidade da decisão recorrida, por aplicar medida cautelar de bloqueio das contas bancárias sem a prévia constituição de arguido.
Os recorrentes alegam que a decisão viola as garantias de defesa em processo penal a que alude o art.º 32.º, n.º 1 e 5 da Constituição, e aplicou uma medida cautelar de bloqueio das contas bancárias sem a prévia constituição de arguido, desrespeitando os arts. 58.º, n.º 1, b) e 193.º do CPP.
Vejamos, o art.º 32.º da Constituição dispõe o seguinte:
«1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. 3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. 4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais. 5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. 6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento. 7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei. 8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. 9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. 10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
O artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPP prevê que, em prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coação ou de garantia patrimonial, ressalvado o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 192.º.
Já o art.º 193.º, n.º 1 do CPP estabelece que as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Contrariamente ao que os recorrentes alegam, a medida aplicada nos autos principais não é uma medida de coação ou de garantia patrimonial prevista no Código de Processo Penal, mas sim uma medida de suspensão temporária de movimentos a débito nas contas bancárias, cujo fundamento legal reside nos arts. 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017 de 18/08, a qual estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente as Diretivas 2015/849/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, e 2016/2258/EU, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 06/10/2020 (P. 261/20.9TELSB-A.L1 em www.dgsi.pt), «a medida de suspensão temporária da execução de operações a débito das contas bancárias é uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias, como a decretada, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detetados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em atividades económico-financeiras internacionais. «Considerando a fase processual em que a medida é decretada, de recolha de prova, anterior à constituição de arguido e com uma exigência de indiciação inferior, não se reconhece a alegada violação do princípio da presunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2, CRP), pois não existe sequer arguido constituído, em relação ao qual exista qualquer juízo de culpabilidade e as restrições aos direitos do visado estão justificadas pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade».
A medida prorrogada pelo despacho recorrido não tem, por conseguinte, a mesma natureza das medidas de coação e garantia patrimonial previstas no CPP, não exigindo a constituição de arguido, nos termos do art.º 58.º, al. b) do CPP.
Aliás, para que a medida seja eficaz, prevenindo a prática do crime de branqueamento e salvaguardando a obtenção de prova imprescindível à investigação criminal, a mesma será aplicada normalmente antes da constituição de arguido, o que é facultado pelos arts. 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017, e não viola as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
Os recorrentes alegam que a medida viola os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, previstos no art.º 193.º do CPP, pois ficaram privados de qualquer acesso aos seus fundos.
No entanto, reitera-se que se trata de uma medida submetida a um regime especial, diverso do CPP, podendo ainda assim justificar-se à luz daqueles princípios, pois a mesma é necessária para prevenir a prática do crime de branqueamento e salvaguardar a obtenção de prova; adequada para atingir aquela finalidade, sendo uma medida temporária, sujeita a validação judicial; e proporcional, tendo em conta o valor da Justiça, o combate e a perseguição aos movimentos financeiros de proveniência ilícita, sobrepõem aos eventuais prejuízos causados pela suspensão da movimentação de contas bancárias.
Acresce que, os recorrentes podem sempre fazer uso do disposto no n.º 5, do art.º 49.º da Lei n.º 38/2017, solicitando autorização para operações pontuais, caso necessitem de fundos para fazer face a necessidades essenciais.
Assim, e em suma, a decisão recorrida não viola os direitos de defesa dos recorrentes, improcedendo o recurso quanto a esta questão.
c) Violação do disposto no Art.º 4º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro.
Os recorrentes alegam que a decisão impugnada, ao invocar o art.º 4.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01, apenas permitiria a suspensão de movimentos considerados suspeitos e não o bloqueio total das contas bancárias, sem qualquer possibilidade de movimento a débito.
Cumpre apreciar.
O despacho em apreço, remetendo para as razões invocadas na promoção antecedente, e para as que levaram à prolação do despacho de suspensão das operações bancárias, renovou as medidas de controlo bancário em curso, nos seus exatos termos, por 90 dias.
Ora, o despacho de 31/05/2024, que confirmou as medidas aplicadas pelo Ministério Público baseia-se no disposto nos arts. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, de 11.01, e 49.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 83/2017, de 18/08, normativos que aí são indicados em paridade.
Na verdade, o art.º 48.º da Lei 83/2017 prevê que o DCIAP possa determinar a suspensão temporária da execução das operações, acrescentando o art.º 49.º:
«1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação. 2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior».
Já o art.º 4.º da Lei 5/2002, de 11/01 dispõe o seguinte:
«1 - O controlo de conta bancária ou de conta de pagamento obriga a respetiva instituição de crédito, instituição de pagamento ou instituição de moeda eletrónica a comunicar quaisquer movimentos sobre a conta à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal dentro das vinte e quatro horas subsequentes. 2 - O controlo de conta bancária ou de conta de pagamento é autorizado ou ordenado, consoante os casos, por despacho do juiz, quando tiver grande interesse para a descoberta da verdade. 3 - O despacho referido no número anterior identifica a conta ou contas abrangidas pela medida, o período da sua duração e a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal responsável pelo controlo. 4 - O despacho previsto no n.º 2 pode ainda incluir a obrigação de suspensão de movimentos nele especificados, quando tal seja necessário para prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais. 5 - A suspensão cessa se não for confirmada por autoridade judiciária, no prazo de 48 horas».
Como refere o Ministério Público na sua resposta ao recurso, o controlo judicial de conta bancária previsto no n.º1 do art.º 4.º da Lei n.º 5/2002 consubstancia um meio de recolha de prova no âmbito das medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, tendo como desiderato a obtenção de informações relevantes para a investigação, ou seja, respeita às situações em que se suspeita de manobras de branqueamento que possam ocorrer no futuro em determinada conta bancária; a abstenção de realização de determinados movimentos bancários estabelecido no n.º4 da mesma norma consubstancia, para além de um meio de recolha de prova, um meio de preservação dos fundos que se pretende fazer circular.
Já a medida de suspensão temporária de operações prevista no art.º 49.º da Lei n.º 83/2017 é uma medida preventiva e repressiva de combate ao branqueamento e ao financiamento do terrorismo que visa preservar um património cuja origem se suspeita ser ilícita de modo a que não seja disseminado pela economia legítima.
Quer a medida de controlo de conta prevista no art.º 4.º, n.º 4 da Lei 5/2002, quer a medida de suspensão provisória de operações prevista no art.49.º da Lei 83/2017, intercetam-se no que concerne à modalidade de preservação de património evitando a sua dispersão, sendo assim também aplicável à situação dos autos, pelo que o despacho recorrido, ao remeter para a promoção do Ministério Público que o precede, bem como para a anterior decisão, fundamenta-se quer no disposto no art.º 49.º da Lei 83/2017 de 18/08, quer no art.º 4.º da Lei 5/2002, de 11/01.
Não têm razão os recorrentes quando referem que a suspensão das operações bancárias determinada nos autos vai além do que permite a lei, alegando que esta apenas permite a suspensão de movimentos considerados suspeitos, pois tratando-se de movimentos a débito – e apenas estes foram objeto de suspensão – todos eles poderiam frustrar a finalidade de preservação patrimonial.
De todo o modo, reitera-se que esta suspensão não impede os recorrentes de solicitar autorização para operações pontuais, ao abrigo do disposto no n.º 5, do art.º 49.º da Lei n.º 38/2017, pelo que, também por essa via, não existe um bloqueio total.
Assim, o recurso improcede na íntegra.
IV– DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso interposto por AA e BB totalmente improcedente.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça.
Notifique.
Lisboa, 11 de março de 2025
Rui Poças
Ana Lúcia Gordinho
Ana Cristina Cardoso