SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PREVENÇÃO ESPECIAL
Sumário

I - O Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II - Não há um dever especial de fundamentação do segmento da decisão relativo ao período da suspensão, nem regras autónomas para a sua avaliação. Logo, o prazo da suspensão decorre dos mesmos critérios usados para avaliar as necessidades de prevenção especial e, particularmente, para a decisão de suspensão da execução da pena de prisão apurada.
A fixação do prazo de suspensão apela directamente às necessidades de prevenção especial.
III - Importa ter presente que estamos perante um crime praticado no espaço escolar, revelando uma intransigência impulsiva revelada pelo Arguido, no sentido de que nada o pararia na sua demanda por satisfações imediatas, directas, pessoais, fora de qualquer canal institucional.
Há que valorizar a sua integração familiar e social, mas pesa em seu desfavor o percurso já assumido de condutas contrárias à lei, com punições registadas e penas cumpridas.
IV - A fixação do prazo de suspensão deverá ser alargada quando exigida para permitir ao Condenado ponderar seriamente as consequências da sua forma de agir, exortando-o a um comportamento conforme ao Direito, atenta a ameaça de cumprimento efectivo da pena de prisão que se suspende.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal do ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Por tudo o exposto, atentas as disposições legais e os fundamentos supramencionados, julgo a acusação do Ministério Público parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Absolvo a AA da prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência aos artigos 132.º, n.º 2, alínea l), e 386.º, n.º 1, todos do Código Penal, contra a pessoa de BB.
b) Absolvo a AA da prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, contra a pessoa de CC.
c) Condeno o DD pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência aos artigos 132.º, n.º 2, alínea l), e 386.º, n.º 1, todos do Código Penal, contra a pessoa de BB, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
d) Condeno o DD pela prática de 1 (um) crime de coação agravada, previsto e punido, pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, contra a pessoa de BB na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
e) Condeno o DD pela prática de 1 (um) crime de coação agravada, previsto e punido, pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, contra a pessoa CC, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
f) Condeno o DD pela prática de 1 (um) crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, ambos do Código Penal, contra a pessoa de CC na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco) euros, perfazendo o montante total de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
g) Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nas alíneas c), d) e e), condeno o DD na pena única de 2 (dois) anos de prisão.
h) Suspendo a execução da pena única de prisão aplicada, pelo período de 4 (quatro) anos (cfr. artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal), e determino a sujeição desta a regime de prova, assente sobre plano individual de reinserção social, a elaborar pelos competentes serviços de reinserção social, no âmbito do qual ficará adstrito às obrigações desse plano decorrentes (cfr. artigos 53.º e 54.º, do Código Penal e artigo 494.º, do Código de Processo Penal). (…)»
- do recurso -
Inconformado, recorreu o Arguido formulando as seguintes conclusões:
«1ª. Nos presentes autos, o arguido DD foi condenado (…)
2ª. O arguido discorda da condenação do pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência aos artigos 132.º, n.º 2, alínea l), e 386.º, nº. 1, todos do Código Penal, contra a pessoa de BB, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
3ª. Tal como refere a douta sentença de que se recorre, verificamos que a ilicitude dos factos é baixa, tendo em conta, por um lado, o valor e a natureza dos bens jurídicos violados, mormente a integridade corporal e a saúde física da Ofendida BB, e por outro, ao motivo frívolo de toda a agressão, que foi perpetrada pela circunstância de o arguido DD apenas pretender aceder ao interior do refeitório da escola da sua filha, por lá se encontrar CC ( ... da escola ), a quem queria confrontar, por ter ouvido da sua filha que a mesma tinha gritado com ela e a obrigava a comer, tendo, para tal, empurrado BB, conseguindo desse modo desviá- la do seu caminho.
4ª. Não houve qualquer intenção de magoar o corpo de BB. Como bem refere a sentença, estamos perante um único ato, um empurrão, o qual foi desferido com o próprio corpo do Arguido, e não com recurso a qualquer objeto para tal propósito, tendo as consequências do mesmo se manifestado como ligeiras.
5ª. O arguido não teve a mínima intenção de molestar fisicamente a ofendida. Ia bastante nervoso, pretendia falar com a cozinheira da escola, pois que a professora, bem como a diretora da escola já nem se encontravam na escola. O que motivou o arguido a tentar falar com a cozinheira da escola foi o facto de o seu pai lhe ter contado que quando foi buscar a neta (filha do Arguido), a menina chorava e dizia que não queria voltar para a escola porque aquela cozinheira (CC) tinha obrigado a mesma a comer, gritando bem alto com ela e lhe tira puxando os óculos, deixando a menina magoada.
6ª. No que respeita aos factos dados como provados contidos nos pontos 9. a 12., subjacentes ao conhecimento/discernimento e intenções do Arguido DD teve o Tribunal primeiramente em consideração que o Arguido referiu expressamente que não se deve bater, ofender ou ameaçar senhoras com mais idade do que a sua, mormente com as idades de BB e CC, evidenciado ter noção de que tais condutas, para além de desrespeitosas são contrárias à lei, e, por isso puníveis, não podendo assim ser cometidas.
7ª. Apesar de não ser primário, as condenações que sofreu não têm a ver com este tipo de crime. O Arguido está em prisão preventiva por factos de natureza diversa deste tipo de crimes. O Arguido tem duas filhas menores, de 6 e 7 anos, que vivem com a mãe. Antes de ser preso preventivamente vivia com os seus pais e irmão que muito o apoiavam e continuam a apoiar nas visitas constantes ao estabelecimento prisional. O Arguido contou com o apoio dos familiares mesmo no decorrer da audiência de discussão e julgamento.
8ª. No entender do Arguido e Recorrente, deveria ter sido acusado, julgado e condenado por um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º. do Código Penal em pena de multa de acordo com a gravidade dos factos e a sua condição económica.
9ª. O Arguido apenas desviou BB, conforme palavras suas, tendo sido empurrada para libertar a passagem e entrada na cozinha da escola, de forma leve, que nem a cozinheira se apercebeu. Não ficou a mesma com qualquer marca física nem referiu ter dores.
10ª. Entende o Arguido que não se trata de ofensa à integridade física qualificada.
11ª. No entender da defesa, foram assim violados os artigos aplicados para a sua condenação por ter sido feita aplicação errónea dos mesmos aos factos relativos à pessoa de BB.
12ª. O tribunal ad quo violou assim, o artigo 143º. nº. 1, 145º. nº.1, alínea a) e nº.2 e 132º. nº.2, alínea h) do Código Penal.
13ª. O Tribunal ad quo deveria ter proferido sentença que condenasse o Arguido pelo crime de ofensa à integridade física simples, nos termos do artigo 143º. do Código Penal, segundo o qual “ Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
14ª. No caso dos autos, seria adequado e suficiente a aplicação de pena de multa, de acordo com a situação económica e social do Arguido.
15ª. Mais se adequa com os factos constantes dos presentes autos e a condenação aplicada ao arguido, que a duração da suspensão se fixe em dois anos, sendo que nos termos do artigo 50º. nº5 do Código Penal, o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
16ª. Atendendo a que o Arguido, apesar de não ser primário, nunca cometeu factos desta natureza, mostra-se mais adequado e razoável um período de suspensão igual ao período de prisão em que foi condenado, ao invés dos quatros anos que lhe foram aplicados. »
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
«1. Nos presentes autos foi o arguido, ora recorrente, condenado (…)
2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença proferida, insurgindo-se contra a sua condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa da ofendida BB, por entender que deveria ter sido condenado, quanto a esta ofendida, apenas na prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1 do Código Penal;
3. Bem como se insurgiu quanto ao período pelo qual lhe foi suspensa, na sua execução, a pena de prisão em que foi condenado, alegando que o respectivo período de suspensão deveria ter sido fixado em dois anos, por entender que tal é o que mais se adequa “com os factos constantes dos autos”, ao invés do período de quatro anos de suspensão fixado na douta sentença proferida, alegando essencialmente que “apesar de não ser primário, nunca cometeu factos desta natureza”, razão pela qual entende que “mostra-se mais adequado e razoável um período de suspensão igual ao período de prisão em que foi condenado”;
4. Contudo, não assiste qualquer razão ao arguido, pois decorre dos factos provados e não provados, contra os quais o arguido não se insurgiu, que o arguido praticou todos os factos pelos quais foi condenado e nomeadamente, o crime de ofensa à integridade física qualificado na pessoa da ofendida BB;
5. De facto, tendo em consideração o teor dos factos dados como provados, resulta que o Arguido DD desferiu um empurrão que atingiu a ofendida BB no seu braço esquerdo, o qual foi desferido com força suficiente para que aquele conseguisse remover BB do seu caminho, bem como do caminho da sua companheira, que também passou por esta ofendida em consequência do empurrão que esta sofreu do arguido, resultando igualmente da matéria dada como provada, que BB ficou com dores, tendo ainda resultado provado que o arguido estava bem ciente que a ofendida BB era assistente operacional da escola onde tudo ocorreu (até porque foi a mesma quem o recebeu e atendeu quando chegou ao portão da ...), sabendo ainda o Arguido, que BB se encontrava naquele momento em pleno exercícios das suas funções, o que não o impediu mesmo assim, de agir como agiu;
6. Desta forma, não há dúvidas em concluir que a conduta do arguido, praticada na pessoa de BB, preenche objectiva e subjectivamente o tipo de ilícito do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência aos artigos 132º, n.º 2, alínea l), e 386º, n.º 1, todos do Código Penal, pelo qual também, foi e bem, condenado;
7. Ponderadas as circunstâncias da prática dos crimes pelos quais o arguido foi condenado e os antecedentes criminais do mesmo, bem como o grau de culpa com que este actuou, não poderemos chegar a outra conclusão que não seja a razoabilidade e a adequação da decisão recorrida, ao fixar todas as penas parcelares de prisão pouco acima dos limites mínimos das penas abstractas aplicáveis, sendo que no crime de injuria agravada, o arguido foi condenado numa pena de multa, fixada nos seus limites médios;
8. A forma persistente da actuação do arguido, o número de ilícitos perpetrados e o contexto em que o foram, fazem revelar alguma propensão para a ilicitude, que deve merecer o devido e adequado juízo de censura, pelo que não nos merece qualquer reparo a pena única de prisão que foi encontrada, de dois anos de prisão, a qual se decidiu suspender na sua execução pelo período de quatro anos, não merecendo a decisão em crise qualquer censura;
9. Pois com efeito, a substituição da prisão pela suspensão da sua execução, depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e por isso, a fixação do respectivo período de suspensão da execução da pena, dentro dos limites do art.º 50º, nº 5, do Código Penal, assume autonomia em face da fixação da medida concreta da pena principal substituída e as razões de prevenção geral e especial podem impor que, o período de suspensão da execução da pena, para ser eficaz seja superior, desde que não exceda o limite máximo dos 5 anos estabelecidos no citado art.º 50º, nº 5, do Código Penal;
10. E na situação em apreço verifica-se que, não obstante o arguido se encontrar familiarmente inserido, facto é que o mesmo conta já com inúmeros antecedentes criminais registados (concretamente, onze crimes de roubo, um crime de detenção de arma proibida e um crime de dano qualificado), os quais, não obstante serem por crimes de diferente natureza aos dos presentes autos, são reveladores de uma propensão para a prática de ilícitos criminais, com recurso à violência física, tendo o mesmo já tido contacto com o sistema prisional, por ter sido já condenado a pena de prisão efectiva;
11. Razão pela qual se entende que, na situação em apreço, se justifica que o período pelo qual foi suspensa na sua execução, a pena de prisão em que o arguido foi condenado, é adequado e proporcional às exigências de prevenção geral e especial que, no presente caso, se impunham;
12. Face ao exposto, não poderemos chegar a outra conclusão que não seja a razoabilidade e a adequação da decisão recorrida, ao decidir suspender a pena de 2 (dois) anos de prisão em que o arguido foi condenado, pelo período de 4 (quatro) anos;
13. Assim e em conclusão, verifica-se que o enquadramento jurídico-penal, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se correcto e as penas aplicadas revelam-se bem doseadas, atendendo aos ilícitos criminais em causa, aos bens jurídicos tutelados, à personalidade do arguido e seus antecedentes, e às necessidades de prevenção, geral e especial, que o caso reclama;
14. Concluímos, pois, que o Tribunal a quo efectuou uma correcta subsunção dos factos ao Direito, tendo ponderado adequadamente todas as circunstâncias que sopesaram a favor e contra o ora arguido, não merecendo, assim, a decisão recorrida qualquer censura, a qual deverá ser mantida nos seus precisos termos, não tendo ocorrido qualquer violação das normas indicadas pelo arguido;
15. Face ao exposto, não podemos, assim, concordar com as teses defendidas pela recorrente, dado que, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que deve a mesma ser mantida, integralmente, negando-se provimento ao recurso interposto.»
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, conforme a resposta apresentada.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer remetendo para a motivação do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a única matéria sob recurso prende-se com o crime de ofensa à integridade física qualificada praticado na pessoa de BB.
Aborda o Recorrente que não ficou demonstrada a intenção de magoar BB, dada como provada. Porém, as suas motivações não evidenciam qualquer argumentação para questionar a decisão de facto, sendo, por isso, entendimento do Tribunal que não se impõe conhecer de qualquer vício da decisão de facto.
Assim, tudo visto, são as seguintes as questões a decidir:
- erro na qualificação jurídica dos factos;
- medida concreta da pena;
- período da suspensão da execução da pena.
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada:
«1. Os Arguidos AA e DD são pais de GG, a qual, em ... de 2023, frequentava o 1º ano na Escola do Ensino Básico das ..., sita na Rua ..., na ....
2. Nessa altura, trabalhavam nesta Escola do Ensino Básico das ..., BB, como assistente operacional, e CC, como ... no refeitório e enquanto trabalhadora da firma ..., mantendo contactos frequentes com os alunos e demais elementos da escola.
3. No dia .../.../2023, pelas 14h15m, alegando que a sua filha lhes tinha dito que se sentiu sozinha na cozinha, a Arguida AA e o Arguido DD dirigiram-se à entrada da escola, onde encontraram BB, e disseram-lhe que queriam falar com a professora  da filha ou com a coordenadora da escola, ao que BB respondeu que as pessoas que procuravam não se encontravam na escola.
4. Perante tal resposta, a Arguida AA e o Arguido DD disseram que então queriam falar com a cozinheira, dizendo-lhes BB que aguardassem no exterior da escola, enquanto ia ver se a colega da cozinha os podia atender.
5. BB foi ainda na direção dos Arguidos, tendo sido empurrada pelo Arguido DD no braço esquerdo, perto do ombro, permitindo tal empurrão que ele e a Arguida conseguissem aceder à cozinha, onde encontraram CC.
6. O Arguido DD disse a CC "minha puta, minha cabra, podes chamar o cabrão do teu marido, que eu mato-te a ti e a toda a tua família", e que o mesmo faria caso chamasse a polícia.
7. No imediato, o Arguido DD dirigiu-se a BB e disse-lhe "minha cabra, se chamares a polícia, dou-te dois murros na cabeça".
8. Com as condutas descritas, o Arguido DD causou, direta e necessariamente, dores a BB.
9. O Arguido DD agiu com a intenção concretizada, de molestar a integridade física de BB para a afastar e entrar na cozinha da escola, sabendo que esta atuava enquanto assistente operacional e que nesta qualidade integrava a comunidade escolar e desempenhava um serviço público, funções que quis desrespeitar, ciente de que tais circunstâncias acresciam censura à sua conduta.
10. Atuou o Arguido DD com a intenção de constranger CC e BB a não contactarem familiar e a polícia, para tanto dirigindo-lhes palavras pelas quais anunciava que caso o fizessem atentava contra a sua vida e integridade física e a de familiares, bem sabendo serem idóneas a causar-lhes receio caso não acedessem à exigência que lhes era feita e a constrangê-las, o que conseguiu, bem como da qualidade e funções em que as mesmas atuaram e a censura que, por isso, acrescia à sua conduta.
11. O Arguido DD, ao proferir as citadas expressões "minha puta, minha cabra" e "cabrão do teu marido", conhecedor da qualidade que CC assumia e por causa dela, quis denegrir a imagem e ofender a honorabilidade pessoal e profissional da mesma, o que conseguiu, bem sabendo tratar-se de expressões aptas para tal e manifestando menosprezo pela natureza das suas funções, que sabia acrescerem censura à sua conduta.
12. O Arguido DD agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que, atuando da forma descrita, praticava atos proibidos e punidos por lei penal.
*
Relativamente às condições económicas e sociais dos Arguidos resultou como provado que:
(…)
18. O Arguido DD encontra-se atualmente no Estabelecimento Prisional do ... a cumprir prisão preventiva.
19. Até ao momento não foi alvo de infrações disciplinares no Estabelecimento Prisional.
20. Não se encontra a exercer qualquer atividade profissional ou académica no Estabelecimento Prisional.
21. Recebe visitas regulares dos pais, irmãos e sobrinhos.
22. Antes de se encontrar no Estabelecimento Prisional exercia a profissão de comerciante de automóveis, auferindo cerca de € 600,00 mensais.
23. Desde tenra idade exerceu também a profissão de vendedor ambulante.
24. Terminou a sua relação com a AA há cerca de 4 meses.
25. Tem duas filhas com 6 e 7 anos de idade que se encontram a residir com a excompanheira e Arguida nestes autos, AA.
26. Como habilitações literárias o Arguido possui o 6.º ano de escolaridade.
27. O Arguido conta com os seguintes antecedentes criminais registados:
− Por Acórdão datado de 10/07/2013, transitado em julgado em 25/09/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1318/12.5PBSXL, pela prática em 24/11/2012, 27/11/2012, 18/12/2012, 20/12/2012 e 21/12/2012, de 10 crimes de roubo, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, já extinta pelo cumprimento.
− Por sentença datada de 20/12/2013, transitada em julgado em 03/02/2014, proferida no âmbito do processo n.º 748/13.0TASXL, pela prática em fevereiro de 2012, de 1 crime de roubo, na pena de prisão de 4 meses substituída por 120 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, já extinta pelo cumprimento.
− Por Acórdão datado de 17/12/2020, transitado em julgado em 05/11/2021, proferido no âmbito do processo n.º 339/19.1GBSXL, pela prática, em agosto de 2019, de 1 crime de detenção de arma proibida e 1 crime de dano qualificado, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão efetiva, já extinta pelo cumprimento.»
FUNDAMENTAÇÃO
- erro na qualificação jurídica dos factos;
Entende o Recorrente que deveria ser condenado «por um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º. do Código Penal em pena de multa de acordo com a gravidade dos factos e a sua condição económica».
Recordemos os factos provados 5, 8, 9 e 12, segundo os quais BB foi empurrada pelo Arguido no braço esquerdo, perto do ombro, o que lhe causou, directa e necessariamente, dores sendo que o Arguido agiu com a intenção concretizada, de molestar a sua integridade física para a afastar, e agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que, atuando da forma descrita, praticava actos proibidos e punidos por lei penal. Mais se provou, no facto 2, que BB exercia funções como assistente operacional Escola do Ensino Básico das ..., local onde ocorreram os factos.
Com esta factualidade apreciou o Tribunal a quo: «Dispõe o artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
Mais dispõe o artigo 145.º do Código Penal Se que “as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena até quatro anos no caso do artigo 143.º.”. Acrescentando o n.º 2 da mesma disposição legal que “são suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias enumeradas nas diversas alíneas que compõem o n.º 2 do artigo 132.º, entre aquelas, a alínea l), ou seja, praticar o facto contra funcionário público (…) ou membro de comunidade escolar”.
Já o artigo 386.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal diz-nos que para efeito da lei penal, a expressão funcionário público abrange o empregado público, entendido este como sendo pessoa singular que presta a sua atividade a um empregador público de forma subordinada e mediante uma remuneração.
O bem jurídico tutelado pelo crime de ofensa à integridade física é a integridade física da pessoa humana, compreendendo-se aqui a integridade corporal e a saúde física. A este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13/01/2016, proferido no processo n.º 569/13.0PBCTB.C1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 09/03/2016, proferido no processo n.º 31/13.0GBLMG.C1, disponíveis ambos para consulta em www.dgsi.pt.
Tal bem jurídico tem tutela constitucional consagrada no artigo 25.º, n.º 1: “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
No que concerne ao bem jurídico, estamos perante um crime de dano, pois que a sua consumação depende da efetiva lesão do bem jurídico tutelado.
Relativamente ao modo como pode ser cometido, estamos perante um crime de execução livre, na medida em que pode ser cometido por qualquer meio apto a produzir o resultado típico previsto.
Já quanto ao objeto da ação estamos perante um crime de resultado, pois que o tipo incriminador pressupõe a produção de um evento, designadamente a lesão do corpo ou da saúde, enquanto consequência da atividade do agente.
(…) In casu, resultou como provado que o Arguido DD desferiu um empurrão no braço esquerdo de BB, o qual foi desferido com força suficiente para que o Arguido conseguisse chegar perto de CC, que se encontrava mais a diante, removendo assim BB do seu caminho, bem como do caminho da Arguida AA, que também passou pela Ofendida.
Resultou também como provado que o empurrão que atingiu BB fez com que a mesma ficasse com dores.
Mais adveio como provado, que o Arguido DD tinha conhecimento que BB era assistente operacional da escola onde tudo ocorreu, até porque foi inclusivamente a mesma quem o recebeu e atendeu quando chegou ao portão da Escola do Ensino Básico das ..., sita na Rua ..., na ..., com a Arguida AA, sabendo ademais o Arguido que BB se encontrava naquele momento em pleno exercícios das suas funções.
Vislumbra-se ainda que, não foi a qualidade profissional da Ofendida suficiente para demover o Arguido dos seus intentos, pois que apenas queria alcançar CC, sem olhar a meios para atingir os seus fins, ignorando, portanto, a qualidade profissional que BB desempenhava, quer enquanto membro integrante da comunidade escolar, quer enquanto trabalhadora de um serviço público (cfr. artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal), caraterísticas estas que o Arguido DD pretendeu e logrou desrespeitar.
Portanto, temos que o Arguido DD atingiu na sua integridade física, mormente desferiu um empurrão, contra uma funcionária pública, simultaneamente membro da comunidade escolar, bem sabendo que ao proceder como procedeu incorreria em responsabilidade criminal, tendo, ainda assim, persistido em lograr os seus intentos.
Pelo exposto, e inexistindo quaisquer circunstâncias suscetíveis de afastar a ilicitude ou a culpa do Arguido DD, deverá concluir-se que o mesmo cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime de ofensa à integridade física qualificada que lhe é imputado contra a pessoa de BB.»
Não se vislumbra nada a acrescentar a tão manifesto preenchimento do tipo qualificado pelo qual o Arguido vinha acusado. Há um conjunto de circunstâncias que são demonstrativas da culpa agravada que justifica uma punição mais pesada. Estão objectiva e subjectivamente provadas. Não poderia ser outra a decisão do Tribunal. Por isso, improcede a pretensão do Recorrente.
- medida concreta da pena;
Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal, segundo o qual «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.»
Porém, previamente, e como o impõe o teor do art.º 70.º do mesmo Código, há que dar preferência à punição com recurso a pena não privativa da liberdade caso a norma incriminadora preveja esta punição alternativa. Não é esse, contudo, o caso que nos ocupa, pois o crime de ofensa à integridade física qualificada, nos termos do art.º 145.º/1 al. a) com referência ao art.º 143.º, e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal é punível apenas com pena de prisão, até quatro anos.
Para proceder à determinação do quantum concreto dessa punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada no caso que nos ocupa.
No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, o arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos, nomeadamente quando atentamos no espaço onde ocorreram, que se pretende são para garantir a educação dos mais jovens.
Encontrado o vector que limita o máximo concreto da pena aplicável, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos e suas repercussões; a intensidade do dolo; as condições pessoais do arguido, suas habilitações literárias e situação económica; a sua conduta anterior e posterior ao facto – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho [ECLI:PT:STJ:2006:06P2681.A0] - «I - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto… alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora, p. 570).
II - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte).
III - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
IV - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassáve1 de todas e quaisquer considerações preventivas…” (ainda a mesma obra, p. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (p. 558).».
Entramos aqui nas chamadas razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e as razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade.
As primeiras traduzem-se em duas vertentes, caracterizadas como positiva e negativa. A positiva respeitando às expectativas de ressocialização do condenado, e a negativa resultando da necessidade de prevenção da reincidência.
As segundas traduzem a necessidade de apaziguamento da comunidade em geral, eliminando sentimentos de impunidade, e reforçando a mensagem de que existem consequências para a prática de condutas que são criminosas e, desta forma, assegurando ao cidadão comum que o Estado e as suas leis estão activamente a promover a segurança e a paz social.
Seguindo estas indicações, fixou o Tribunal recorrido a pena de 5 meses de prisão, fundamentando: «Assim sendo, no caso em apreço verificamos que a ilicitude dos factos é baixa, tendo em conta, por um lado, o valor e a natureza dos bens jurídicos violados, mormente a integridade corporal e a saúde física da Ofendida BB, e por outro, ao motivo frívolo de toda a agressão, que foi perpetrada pela circunstância de o Arguido DD pretender aceder ao interior do refeitório da escola da sua filha, por lá se encontrar CC, a quem queria confrontar, tendo, para tal, empurrado BB, conseguindo desse modo desviá-la do seu caminho.
Ainda assim, estamos perante um único ato, um empurrão, o qual foi desferido com o próprio corpo do Arguido, e não com recurso a qualquer objeto para tal propósito, tendo as consequências do mesmo se manifestado como ligeiras.
Já a culpa é elevada, pois que se molda no dolo direto.
As necessidades de prevenção geral são elevadas, tendo em atenção a quantidade de crimes desta natureza que se praticam na sociedade, na qual se revela que os cidadãos persistem em resolver as situações com que se deparam através de confrontos físicos, perpetrados de forma efusiva e irrefletida, menosprezando quer os espaços em que se encontram, quer os funcionários dos mesmos, os quais acabam por ser desrespeitados no efetivo de funções e perante o olhar de colegas e/ou utilizadores desses mesmos espaços.
As exigências de prevenção especial são médio-altas, devido à existência de antecedentes criminais por parte do Arguido, que pese embora sejam por crimes de natureza diversa, levaram já a que o mesmo tivesse inclusivamente contacto com o sistema prisional.
Como atenuantes, o Tribunal considerou, pessoal do Arguido, que conta com o apoio de familiares.
Ponderado tudo o acima exposto, bem como a moldura penal aplicável ao crime em apreço, e sabendo que a pena a aplicar ao Arguido deverá ser o reflexo de todos os critérios e fatores enunciados, afigura-se justo e adequado condenar o Arguido na pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada praticado sobre a pessoa de BB.».
Estando tal pena tão próxima do limite mínimo não merece reparo, pelo que se decide manter a mesma inalterada
- período da suspensão da execução da pena
Fixada a pena única de dois anos de prisão, decidiu o Tribunal que a suspensão duraria quatro anos. Assim fundamentou tal trecho decisório «No caso vertente devemos ponderar que o Arguido DD conta já com antecedentes criminais registados, mas todos por crimes de natureza distinta daqueles em causa nestes autos.
Devemos também ter em atenção que o Arguido já teve contacto com o sistema prisional, através do cumprimento de uma pena de prisão efetiva, já extinta.
Não obstante, é ainda importante considerar que o Arguido exerce a atividade profissional de comerciante de automóveis, que tem duas filhas de tenra idade, 6 e 7 anos, e que conta com apoio familiar, dos seus pais, irmãos e sobrinhos.
Tendo em conta, que o Arguido DD se encontra familiarmente inserido, somos em crer que tal apoio será relevante para o auxiliar a compreender que deve pautar-se pelos ditames do direito, ficando assim alheio ao cometimento de quaisquer crimes.
Assim, entendemos que deve ser conferida uma derradeira oportunidade Arguido, acreditando-se que, o melhor será reintegrá-lo na sociedade, fazendo-lhe entender a gravidade das condutas que praticou, e da necessidade de respeitar o seu próximo, sempre com a ameaça do cumprimento de uma pena de prisão num estabelecimento prisional.
Atendendo a todos os critérios supra expostos, deverá a pena de prisão de 2 (dois) anos em que o Arguido é condenado, ser suspensa pelo período de 4 (quatro) anos.»
Impõe-se aferir da bondade da decisão, não quanto a suspender a execução de tal pena, mas quanto ao período de 4 anos fixado.
De acordo com o art.º 50.º do Código Penal, o Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para tanto deverá ponderar a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, daí retirando a necessidade da execução do encarceramento ou julgar que a ameaça de um período concreto de prisão bastará para alcançar a satisfação das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. O período de suspensão terá duração a fixar entre 1 e 5 anos.
A pedra de toque desta decisão será a avaliação e conclusão, pelo Tribunal, de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no que toca às necessidades de prevenção especial.
Para chegar a tal conclusão, ponderará ainda o decisor as diversas formas que a suspensão da execução poderá assumir. Assim, para assegurar que será alcançado tal desiderato, poderá a suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova.
Tais deveres impostos ao condenado deverão ser vocacionados à reparação do mal do crime, nomeadamente, “pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado” - (art.º 51.º /1 al. a) do Código Penal).
Já quanto ao regime de prova, deverá ser determinado se o mesmo se afigurar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. Necessariamente, nos casos em que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade o regime de prova é ordenado (art.º 53.º do Código Penal).
A decisão desta questão resultará da ponderação das circunstâncias da prática do crime e das condições pessoais do Arguido. Assim, quanto às primeiras, importa ter presente que estamos perante um crime praticado no espaço escolar, revelando uma intransigência impulsiva revelada pelo Arguido, no sentido de que nada o pararia na sua demanda por satisfações imediatas, directas, pessoais, fora de qualquer canal institucional
Já no que toca às condições pessoais do Arguido, há que valorizar a sua integração familiar e social, mas, pesando em seu desfavor, o percurso já assumido de condutas contrárias à lei, com punições registadas e penas cumpridas.
A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa. Uma vez decidida, não há um dever especial de fundamentação do segmento da decisão relativo ao período da suspensão, nem regras autónomas para a sua avaliação. Logo, o prazo da suspensão decorre dos mesmos critérios usados para avaliar as necessidades de prevenção especial e, particularmente, para a decisão de suspensão da execução da pena de prisão apurada.
Assim, a fixação do prazo de suspensão apela directamente às necessidades de prevenção especial que, como vimos, se acentuam pela natureza da conduta sancionada e pelo passado criminal do Arguido.
Ora, tudo ponderado, concorda-se com a visão do Tribunal a quo, de que a fixação do prazo de suspensão deverá ser alargada para permitir ao ora Recorrente ponderar seriamente as consequências da sua forma de agir, exortando-o a um comportamento conforme ao Direito, atenta a ameaça de cumprimento efectivo destes dois anos de prisão.
Como tal, improcede na íntegra o recurso do Arguido.

DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça.

Lisboa, 11.Março.2025
Rui Coelho
Paulo Barreto
Ana Lúcia Gordinho