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LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Sumário
I - Deverá o Tribunal de Execução de Penas conceder a Liberdade Condicional, aos dois terços da pena (art.º 61.º do Código Penal) se o Condenado consentir, se se mostrarem cumpridos dois terços da pena e sido cumprido um mínimo de 6 meses de prisão (requisitos formais), e se «for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (requisito material). II - Apenas se for reconhecido que já foi alcançado o fim da pena da prevenção especial deverá ser concedida a almejada Liberdade Condicional. III - As licenças de saída e o cumprimento de pena em regimes abertos têm por finalidade validar o comportamento do Condenado na reaproximação ao meio livre, bem como a recetividade da comunidade à sua presença. Como tal, constituem etapas indispensáveis. IV - A reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são igualmente indispensáveis para concluir que ocorreu uma eficaz interiorização do desvalor da conduta. Só esta permitirá intuir que o Condenado está munido de um relevante inibidor interno que contribuirá de forma eficaz para garantir a prevenção especial.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
No Tribunal de Execução de Penas de Lisboa – Lisboa – J5, foi proferida sentença em processo de liberdade condicional, com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, cumpre decidir: 1) Não concedo a liberdade condicional a AA; 2) Determino que o recluso cumpra a pena até ao seu termo (15.11.2025), sem prejuízo de uma eventual renovação da instância caso o mesmo frequente e Liberdade Condicional (Lei 115/2009) conclua tempestivamente o programa dirigido à criminalidade pela qual cumpre pena;»
- do recurso -
Inconformado, recorreu o Condenado formulando as seguintes conclusões: «I. O presente Recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual não concedeu ao arguido condenado AA a liberdade condicional (Lei 115/2009). II. O Tribunal “a quo” concordando com o Ministério Público e com o Conselho Técnico decidiu não conceder a liberdade condicional ao recluso por ainda ser prematura. III. O instituto da liberdade condicional tem dois requisitos, um de natureza formal, outro de natureza material. IV. O condenado prestou o seu consentimento nos termos do artigo 61.º, n.º 1, do Código Penal. V. Tendo também o recluso cumprido mais de 2/3 da pena de prisão nos termos dos artigos (61.º, n.ºs 2,3 e 4 e 63.º, n.º 2, do código Penal). VI. Ocorreu assim, o cumprimento dos pressupostos de natureza formal para aplicação ao condenado do instituto da liberdade condicional. VII. No entanto, entende o Tribunal “a quo”: VIII. Que os pressupostos de natureza material não estão ainda cumpridos, designadamente o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade. IX. Evidenciando o recluso, no douto entendimento do Tribunal “a quo”, necessidades de prevenção especial a acautelar. X. Entende o douto Tribunal “a quo” não ser de esperar que o condenado, uma vez, em liberdade, conduza a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes. XI. Refere inclusive o Douto Tribunal “a quo” que o recluso demonstra pouca consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado. XII. Não demonstrando qualquer vontade em alterar o seu percurso de vida. XIII. Refere inclusive o Douto Tribunal “ a quo” que o recluso manifesta relevante défice de consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado e que se revela numa postura autocentrada e de desculpabilização, um pensamento consequencial inexpressivo face à sua conduta criminal bem como ao desvalor da sua conduta e consequências para vítima, não se vislumbrando também qualquer empatia pela mesma. XIV. Decidiu o tribunal “a quo” não conceder ao condenado AA a liberdade condicional. XV. No entendimento do recorrente e, antes de mais, o recluso AA já cumpriu 2/3 da pena de prisão em 15.7.2024, estando o seu termo da pena previsto para 15.11.2025. XVI. O arguido foi notificado da decisão de não conceder a liberdade condicional. XVII. A douta decisão considerou essencialmente como único fundamento, que não se verificou a interiorização pelo recluso do desvalor da conduta criminosa por ele praticada. XVIII. Ora, no caso em concreto, o recluso entende, que o Tribunal “a quo” não apreciou correctamente os factos e, consequentemente, não aplicou correctamente o direito. XIX. Na verdade, o recluso ainda não beneficiou de licença precária, embora já tenha sido requerida pelo recluso. XX. O recorrente já formulou o pedido para frequentar o programa específico (“CONTER”), estando esse pedido a aguardar selecção. XXI. O recluso AA reconhece os seus erros, demonstrando grande arrependimento, sendo um indivíduo bem visto e respeitado socialmente no meio prisional. XXII. Demonstra o recluso mais maturidade, adequação e assertividade. XXIII. Apesar de o recluso ter demonstrado interesse em dar continuidade ao investimento escolar, o seu certificado de habilitações inviabilizou a matrícula, uma vez que não conseguiu a sua equivalência portuguesa. XXIV. O recluso efectuou pedido de ocupação laboral, tendo sido colocado na oficina dos componentes desde 27/03/2024, e onde se mantém de forma assídua e responsável. XXV. O recluso foi sinalizado pela técnica para frequentar o programa direccionado à sua problemática criminógena, e aceitou a sua integração através do Plano Individual de Readaptação, e efectuou pedido que aguarda seleção. XXVI. O recorrente reconhece a ilicitude e a censurabilidade da sua anterior conduta criminosa. XXVII. O comportamento prisional do recluso é um factor de avaliação que não foi devidamente apreciado pelo Tribunal “a quo”, atribuindo-se uma evolução positiva à personalidade do recluso, pois o mesmo durante todo o período de detenção, cerca de três anos, apenas regista duas infracções disciplinares. XXVIII. O recorrente denota hábitos de trabalho pois trabalha na oficina dos componentes desde 27/03/2024, e onde se mantém de forma assídua e responsável, demonstrando motivação e empenho no trabalho que desenvolve. XXIX. Demonstra esta situação, que, o recorrente uma vez em liberdade, tem a capacidade para se sustentar sem recorrer à prática de ilícitos. XXX. É também favorável ao recluso e milita totalmente em seu favor que tendo sido sinalizado pela técnica para frequentar o programa direccionado à sua problemática criminógena, aceitou a sua integração através do Plano Individual de Readaptação, e efectuou pedido que aguarda selecção. XXXI. Revelando com essa atitude que, o mesmo irá cumprir, em meio livre, todos os comandos jurídicos que lhe foram impostos. XXXII. A natureza do crime praticado pelo recluso e a postura do recorrente não devem legitimamente fazer duvidar o Tribunal de Execução das Penas, da sua capacidade de reinserção social, ou seja, isenta da prática de novos crimes XXXIII. O recorrente demonstra consciência crítica face à sua conduta criminosa e demonstra vontade em alterar o seu percurso de vida. XXXIV. Sendo que a libertação do recluso também se revela compatível com a defesa da ordem e da paz social. XXXV. A douta sentença proferida violou o disposto no artigo 61.º do Código Penal, pois estão verificados, no caso em concreto, os requisitos formais e substanciais para ser aplicada a liberdade condicional ao recorrente.»
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos: «1- Nesta perspetiva afigura-se-nos que não estarão reunidos os pressupostos da concessão da liberdade condicional por, além do mais não se encontrarem esbatidas e diminuídas as razões de prevenção especial que ao caso assistem não se verificando assim os pressupostos dos art.ºs 61º nº1, nº3 e 62º todos do Código Penal. 2- É que acerca do famoso “arrependimento” também o S.T.J. se pronunciou no sentido que… “O arguido tem o direito ao silêncio, ou a contar a “sua verdade”, cuja invocação, em circunstância alguma, o pode prejudicar”. 3- Porém, o que está em causa não é a valoração de tal postura processual em sentido negativo, mas sim a valoração num sentido positivo, em termos de prevenção especial, da conduta contrária, ou seja, de uma assunção plena, e responsável, do acto ilícito cometido a qual inexiste no caso vertente.” (Santos Cabral, processo 6040/02.8TDPRT.S1…), pelo total afastamento do recluso em relação aos diversos crimes... 4- Ou seja numa medida graciosa como é a da concessão da liberdade condicional, que não se trata dum direito subjetivo do recluso, que apenas tem direito à apreciação da LC e não mais, será numa perspetiva de integração POSITIVA, em que os factos terão ser apreciados de forma a construir o juízo de prevenção especial integrativa que, manifestamente não existe no caso… 5- Diremos que é ao recluso que cabe construir e percorrer o seu percurso prisional afastando as razões de prevenção especial que determinaram a aplicação da pena, partindo-se também da sua vida passada, onde consta naturalmente a condenação sem que nesta fase processual possa beneficiar do principio in dubio pro reu, pois havendo duvida séria não existe juízo de prognose favorável ... 6- Aliás, mesmo quando a declaração de arrependimento do recluso, a dois terços da pena, se deva, essencialmente, à penosidade do cumprimento da pena de prisão e à sua ânsia de liberdade, em vez de constituir a expressão de uma genuína mudança de caráter e personalidade, não há lugar à concessão da liberdade condicional. 7-- Ora, embora concordemos parcialmente com o Acórdão elaborado no processo 1796/10.7TXCBR-H.P1 datado de 10-10-2012 com nº Convencional: J.T.R.P.000 cujo relator PEDRO VAZ PATO, citado no recurso, e onde se decidiu que; Sumário: I - Não é requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61°) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. II - Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta. III - A lei exige, antes, que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes. 8- Tal entendimento, que resulta do Acórdão e mesmo do recurso, tem de ser equacionado com a perspetiva da reincidência, que ali bem se realça, pois, que ao contrário do ali decidido, em face não da falta de confissão, mas sim da falta de interiorização do desvalor da conduta, terá de ser admitida a reincidência; 9- Assim a falta, não de arrependimento, mas de consciência de desvalor genérico da conduta, será elemento a ter em linha de conta, e de grande valia na apreciação que foi levada a cabo e que também a sustenta, mas não só. 10- Ou seja numa medida graciosa como é a da concessão da liberdade condicional, que não se trata dum direito subjetivo do recluso, que apenas tem direito à apreciação da LC e não mais, será numa perspetiva de integração POSITIVA, em que os factos terão ser apreciados de forma a construir o juízo de prevenção especial integrativa que, manifestamente não existe no caso… Em conclusão; Diremos que é ao recluso que cabe construir e percorrer o seu percurso prisional afastando as razões de prevenção especial que determinaram a aplicação da pena, partindo-se também da sua vida passada, onde consta naturalmente a condenação... Ora no caso concreto, face à gravidade dos diversos crimes e do percurso prisional do recluso, ainda inconclusivo, o mencionado equilíbrio não foi ainda atingido, pois face ao desvalor das condutas em termos de prevenção especial e face assim às necessidades de consolidação do percurso do recluso bem andou a sentença recorrida.»
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido de que «O recorrente limita-se a fazer uma interpretação subjetiva dos referidos factos que não tem a virtualidade de impor decisão diversa. Nesta conformidade, a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo ou censura.»
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a única questão a decidir é a de saber se estão reunidos os pressupostos de concessão ao Recorrente da liberdade condicional e o Tribunal de Execução de Penas, ao não a conceder, violou a lei, impondo-se a revogação da sentença e a sua substituição por outra de sentido inverso. DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada: «1) O condenado nasceu em ........1991; 2) Cumpre a pena de 4 anos de prisão, à ordem do P.C.C. n.º 1057/20.3... do Juízo Central Crimina de Almada (J2), no âmbito do qual foi condenado pela autoria de um crime de violação (praticado na pessoa de uma jovem de 14 anos a quem constrangeu à prática de sexo anal contra a vontade daquela, sem preservativo, sabendo que é portador de vírus HIV); 3) Liquidação da pena: - Início: 15.11.2021; - 1/2: 15.11.2023; - 2/3: 15.7.2024; - Termo: 15.11.2025; 4) Desde o início da reclusão regista 2 infrações disciplinares, a última delas uma repreensão escrita, por factos ocorridos a 4.4.2024; 5) Indivíduo bem visto e respeitado socialmente no meio prisional; 6) Denota-se assunção ao sistema, mas pouca capacidade de reagir positivamente a frustrações e contrariedades, próprias do seu estado de reclusão, no entanto, demonstra mais maturidade, adequação e assertividade; 7) Desde a sua entrada no E.P. da ... que demonstra interesse em dar continuidade ao investimento escolar, contudo o seu certificado de habilitações inviabiliza a matrícula, uma vez não conseguiu a sua equivalência portuguesa; 8) Efetuou pedido de ocupação laboral, tendo sido colocado na oficina dos componentes em 27/03/2024, onde se mantém de forma assídua e responsável; 9) Não integra atividade ocupacional; 10) Foi sinalizado pela técnica para frequentar o programa direcionado à sua problemática criminógena, aceitou a sua integração através do Plano Individual de Readaptação, efetuou pedido e aguarda seleção; 11) Ainda não efetuou aproximações ao meio livre; 12) Declara-se arrependido essencialmente por motivos centrados em si e da sua vida familiar (“não devia ter feito porque tinha a minha companheira, porque ela não queria, deixei a minha mulher grávida de 4 meses, a minha filha já tem 2 anos e tal”), mas ainda revela uma posição ambígua e de desculpabilização quanto ao crime e défices de consciência crítica relativamente ao desvalor da sua conduta e consequências para vítima, não se vislumbrando também qualquer empatia pela mesma (“ela não queria, caí numa tentação, vim da minha terra, ainda não sabia de nada das coisas daqui; ela não fez nada para me tentar; aconteceu, ela estava no sofá, chameia-a para o quarto, ela foi para o quarto e deitou-se de livre vontade na cama”); 13) Recebe de forma frequente a visita da companheira de quem tem uma filha com 1 ano, e de amigos; 14) Em liberdade o condenado pretende fixar residência junto da companheira e da filha de ambos, de dois anos de idade e ainda do enteado, familiares que residem numa habitação arrendada; 15) Quando foi preso trabalhava na área da …, sendo nessas funções que pretende voltar a encontrar colocação laboral logo que seja colocado em liberdade, junto de antigos empregadores; 16) AA não tem documentação regularizada, situação que poderá dificultar a sua integração laboral; 17) Não dispõe de rendimentos próprios, necessitando do apoio de terceiros para o ajudarem a colmatar as suas necessidades básicas; 18) A companheira trabalha numa … e recebe o salário mínimo, garantido que apesar de algumas dificuldades a subsistência do condenado será assegurada;» FUNDAMENTAÇÃO
Como acima foi enunciado, no presente recurso discute-se se a decisão de não concessão de liberdade condicional ao Condenado, após o marco de 2/3 da pena, se mostra correcta.
A apreciação da liberdade condicional constitui um incidente na execução da pena de prisão e encontra assento nos art.º 61.º a 64.º do Código Penal e 173.º a 188.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
A sua finalidade é anunciada no preâmbulo do Código Penal, onde expressamente se anuncia a pretensão de «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
Assim, deverá o Tribunal de Execução de Penas conceder a Liberdade Condicional, aos dois terços da pena (art.º 61.º do Código Penal) se o Condenado consentir, se se mostrarem cumpridos dois terços da pena e sido cumprido um mínimo de 6 meses de prisão (requisitos formais), e se «for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (requisito material).
No caso que nos ocupa, não há qualquer questão subjacente aos dois requisitos formais, objectivos, pois está atingido o marco dos dois terços da pena, superior a 6 meses de prisão, e o Condenado aceitou a Liberdade Condicional.
Discute-se, pois, pressuposto cuja valoração pelo Tribunal de Execução de Penas foi negativa e o Recorrente entende dever ser reconhecido como alcançado.
Tendo em consideração a sua formulação, navegamos nas águas da prevenção especial, enquanto fim das penas. Apenas se for reconhecido que já foi alcançado tal fim deverá ser concedida a almejada Liberdade Condicional. Para tanto, deveremos ponderar as circunstâncias concretas do caso, a vida anterior do Condenado e a sua personalidade bem como a evolução exibida durante a execução da pena de prisão.
Vejamos, pois, a fundamentação do Tribunal a quo para entender diversamente: «No que concerne ao caso concreto, de positivo é de realçar o apoio familiar, habitacional e económico de que beneficiará no exterior. No entanto: Subsistem dúvidas relativamente às suas concretas perspetivas de empregabilidade. AA manifesta ainda relevante défice de consciência crítica que se revela numa postura autocentrada e de desculpabilização, um pensamento consequencial inexpressivo face à sua conduta criminal bem como ao desvalor da sua conduta e consequências para vítima, não se vislumbrando também qualquer empatia pela mesma. Neste âmbito necessita, pois, de evoluir a sua consciência crítica e consolidar o seu percurso prisional. Para o efeito será importante que frequente programa específico (“CONTER”) para a sua tipologia de crime, pedido que já formulou, aguardando seleção. Programa que, a meu ver, se me afigura como fundamental em ordem a que o recluso possa evoluir na sua consciência crítica. É que a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logrou ainda percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos”. Por outro lado, ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena (licenças de saída jurisdicional, regime aberto no interior e/ou regime aberto no exterior). Naquele contexto e no âmbito da tipologia de crimes em análise, para beneficiar da liberdade condicional é fundamental equacionar e avaliar medidas de flexibilização da pena de modo a que possa testar-se a capacidade contentora do seu apoio no exterior, bem como firmar-se uma convicção sobre se o condenado logra manter uma conduta normativa em meio livre, se está capaz de observar as injunções e proibições inerentes à liberdade condicional e, neste caso, aferir do potencial alarme social. Posto isto, os fatores de risco não são nada negligenciáveis, ou seja, assumem ainda bastante relevo. Assim sendo, a meu ver e salvo o devido respeito por outra opinião, não existe nenhuma razão suficientemente forte que possa alicerçar a conclusão de que, “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (art.º 61º, n.º 2, al. b) do C.P.). Destarte, é mister concluir que razões de prevenção especial impõem que se acompanhe o parecer do M.P. e do Conselho Técnico no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.»
Desde já adiantamos que as circunstâncias apontadas pelo Tribunal a quo assumem o relevo que lhes foi dado.
Por um lado, ainda não usufruiu de medidas de flexibilização da pena. As licenças de saída e o cumprimento de pena em regimes abertos têm por finalidade validar o comportamento do Condenado na reaproximação ao meio livre, bem como a recetividade da comunidade à sua presença. Como tal, constituem etapas indispensáveis ainda por cumprir. Têm igualmente pressupostos que fundamentam a sua concessão e são exigíveis pelo Condenado. No caso concreto, ainda não ocorreram.
Por outro lado, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são igualmente indispensáveis para concluir que ocorreu uma eficaz interiorização do desvalor da conduta. Só esta permitirá intuir que o Condenado está munido de um relevante inibidor interno que contribuirá de forma eficaz para garantir a prevenção especial. Ora, o Recorrente continua a manifestar consciência crítica deficitária, na medida em que o “arrependimento” que verbaliza surge autocentrado e de desculpabilizante. O seu pensamento consequencial não é expressivo no que respeita à sua conduta criminal, pois não releva de forma empática o desvalor da sua conduta e as consequências para vítima. É o que se retira do facto provado 12) que reproduz parte do seu discurso.
Ou seja, a circunstância da Recorrente manter um discurso desculpabilizante, não pode ser minimizada, sendo antes factor de apreensão quanto à eventual adoção de comportamentos idênticos após o retorno ao meio livre [Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 05.12.2024, Desembargadora Ester Pacheco dos Santos - ECLI:PT:TRL:2024:83.20.7TXPDL.N.L2.5.D6].
Como tal, não se vislumbra que as circunstâncias que abonam em favor do Condenado, e amplamente invocadas no presente recurso, sejam bastantes para anular as interrogações causadas por estes factores negativos. Considerando que a concessão da Liberdade Condicional não é automática nem discricionária, mas fruto de um juízo ponderado, fundamentado e sindicável, no qual o Tribunal tem que avaliar pressupostos legais estritamente definidos, conclui-se que a decisão recorrida trilhou o caminho certo, fundamentando correcta e justificadamente a opção adoptada.
Assim o vemos validado em decisões deste Tribunal como sejam, a título de exemplo, a que agora se citam: «A concessão da liberdade condicional cumpridos 2/3 (ou metade) da pena, não é automática, nem exigida por razões de necessidade de reinserção que não contemplem o juízo de prognose favorável a que se aludiu. O cumprimento por inteiro da pena, se necessário, cabe dentro da culpa do condenado, pois que a pena aplicada na sentença condenatória não ultrapassou a medida da culpa» – [Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 02.07.2024, Desembargadora Sandra Oliveira Pinto - ECLI:PT:TRL:2024:591.20.0TXPRT.L.L1.5.6E]. «O importante é considerar a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre, considerando as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, hábitos de trabalho, eventuais tratamentos de adições, seu relacionamento com o crime cometido e as suas consequências para eventuais vítimas, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional.» - [Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.06.2024, Desembargadora Sara Reis Marques - ECLI:PT:TRL:2024:5729.10.2TXLSB.AD.L1.5.44].
Consequentemente, a evolução exibida pelo Recorrente não oferece ainda a segurança bastante exigida para sustentar um juízo de prognose favorável acerca da sua capacidade para, em meio livre, conseguir orientar o seu comportamento de forma socialmente responsável, sem cometer crimes. Nessa medida, improcede o recurso. DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça.
Lisboa, 11.Março.2025
Rui Coelho
Rui Poças
Pedro José Esteves de Brito