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CONTRA-ORDENAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO CONDENATÓRIA
NULIDADE
Sumário
I - O art. 58.º, n.ºs 1 a 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, enumera os requisitos a que deve obedecer a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima ou sanções acessórias decorrentes da prática de uma contra-ordenação. II - Para além da indicação das provas que sustentam a imputação dos factos ao arguido, a exigência de fundamentação resultante da al. c) do n.º 1 do art. 58.º do DL n.º 433/82, de 27-10, implica que a autoridade administrativa avalie ou aprecie, ainda que de modo conciso, todas as provas recolhidas nos autos. III - Ao nível da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a autoridade administrativa não se deve limitar a indicar as provas produzidas, deverá proceder a uma apreciação crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos, incluindo os documentos oferecidos pelo arguido, de modo a que sejam conhecidos e compreendidos os motivos da decisão proferida. IV - A nulidade da decisão administrativa, por inobservância dos requisitos previstos pelo art. 58.º, n.ºs 1 a 3, do DL n.º 433/82, pode ser sanada, nos casos indicados pelo art. 121.º, n.º 1, als. a) a c), do CPP, porquanto não integra o elenco de nulidades insanáveis estabelecido pelo art. 119.º do mesmo código. V - Incorre na prática da contra-ordenação p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 2, al. b), e 46.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 57/2017, 09-06, a empresa que tem em exposição, para venda ao público nas suas lojas, equipamentos de rádio desacompanhados das informações de segurança, ainda que nada se tenha demonstrado acerca da sua perigosidade para a saúde ou para a segurança dos consumidores. VI - A obrigação de disponibilizar as informações de segurança não se encontra dependente da prova de que os equipamentos apresentam perigosidade para os consumidores. Basta que estejam a ser disponibilizados no mercado e que o distribuidor não apresente as correspondentes informações de segurança para se considerarem integrados os elementos objectivos desta contra-ordenação. VII - O distribuidor deve dispor, para além das instruções e das informações de segurança, redigidos em língua portuguesa, os documentos destinados a comprovar que os equipamentos de rádio, que disponibilizou no mercado, cumprem os requisitos que estão previstos pelo art. 4.º do DL 57/2017, entre os quais, a declaração UE de conformidade. VIII - Encontrava-se ínsito na al. h) do n.º 3 do art. 46.º do DL n.º 57/2017, de 09-06, na sua versão originária, o cumprimento do prazo que viesse a ser fixado pelas autoridades de fiscalização ao operador económico, enquanto componente ou como forma de tornar efectiva a obrigação de apresentação da documentação demonstrativa da conformidade do equipamento de rádio. IX - A actual redacção da al. h) do n.º 3 do art. 46.º do DL n.º 57/2017, introduzida pelo DL n.º 87/2022, de 28-12, limitou-se a clarificar o sentido da versão originária deste dispositivo, da qual já resultava que, o cumprimento do prazo que viesse a ser fixado pela autoridade administrativa, constituía elemento integrante deste ilícito de mera ordenação social.
Texto Integral
Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO:
“Continente Hipermercados, SA”, melhor identificada nos autos, por sentença datada de 15-10-2024, proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 2, foi condenada pela prática de:
--uma contraordenação grave, praticada com negligência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 2, al. b), 46.º, n.ºs 2, al. b), 5, al. e), e 7 e 48.º, n.º 2, do DL n.º 57/2017, de 09-06, bem como no art. 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04-09, por falta de informações de segurança, na coima de € 3 500 (três mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de perda a favor do Estado do equipamento de rádio da marca “EUROBRIC”, modelo 17800, identificado no auto de notícia n.º 49/2021, de 29-07;
--uma contraordenação muito grave, praticada com dolo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.ºs 1 e 2, al. g), e 46.º, n.ºs 3, al. f), e 6, al. e), do DL n.º 57/2017, de 09-06, relativa aos equipamentos de rádio da marca “EUROBRIC”, modelo 17800, por não adoção de medidas correctivas, numa coima de € 12 700 (doze mil e setecentos euros);
--uma contraordenação grave, praticada com negligência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 2, al. b), 46.º, n.ºs 2, al. b), 5, al. e), e 7 e 48.º, n.º 2, do DL n.º 57/2017, de 09-06, bem como no art. 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04-09, por falta de informações de segurança, na coima de € 3 500 (três mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de perda a favor do Estado do equipamento de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, identificado no auto de notícia n.º 49/2021, de 29-07;
--uma contraordenação muito grave, praticada com negligência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 2, al. i), e 46.º, n.ºs 3, al. h), e 6, al. e), do DL n.º 57/2017, de 09-06, relativa aos sistemas de equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, por não entrega da declaração de conformidade, na coima de € 6 350 (seis mil trezentos e cinquenta euros);
--uma contraordenação muito grave, praticada com dolo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.ºs 1 e 2, al. g), e 46.º, n.ºs 3, al. f), e 6, al. e), do DL n.º 57/2017, de 09-06, relativa aos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, por não adoção de medidas correctivas, numa coima de € 13 000 (treze mil euros);
--uma contraordenação grave, praticada com negligência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 2, al. b), 46.º, n.ºs 2, al. b), 5, al. e) e 7, e 48.º, n.º 2, do DL n.º 57/2017, de 09-06, bem como no art. 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04-09, por falta de instruções e informações de segurança em português, na coima de € 4 000 (quatro mil euros) e na sanção acessória de perda a favor do Estado dos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMINISN”, com os n.ºs de lote 32807 e 35575, identificados nos autos de notícia n.ºs 114/2019, de 13-12, 8/2020, de 13-02;
--uma contraordenação grave, praticada com negligência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 2, al. b), 46.º, n.ºs 2, al. b), 5, al. e) e 7, e 48.º, n.º 2, do DL n.º 57/2017, de 09-06, bem como no art. 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04-09, por omissão das informações de segurança, na coima de € 3 800 (três mil e oitocentos euros) e na sanção acessória de perda a favor do Estado dos equipamentos de rádio da marca “SOUNDLOGIC”, modelo 80166, com o n.º de lote 900140, identificados nos autos de notícia n.ºs 114/2019, de 13-12 e 8/2020, de 13-02.
*
Em cúmulo jurídico, a sociedade “Continente Hipermercados, SA” foi condenada na coima única de € 24 000 (vinte e quatro mil euros).
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A “Continente Hipermercados, SA” interpôs recurso da sentença proferida, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões: “A. Conforme questão prévia suscitada em sede de impugnação judicial, a ANACOM não se pronunciou sobre os documentos oportunamente entregues pela arguida, mormente os relativos aos equipamentos de rádio da marca CONTACT modelo LCAUTWMIMI. B. Ora, quanto a isto invocou a seu favor a entidade administrativa autuante, e corroborando tal, a douta sentença recorrida também, que uma eventual nulidade neste particular se teria como sanada, por via do decidido no Assento 1/2003 do STJ. C. Com efeito, A instância, também no que tange a tal questão prévia, embora reconhecendo, como se impunha, que a “autoridade administrativa tem o dever de se pronunciar na decisão final sobre os alegados factos alegados pelo arguido no exercício do seu direito de audiência e de defesa…porque o direito de defesa se traduz no poder de interferir no processo dialéctico que conduz à decisão final e de livremente conformar essa sua participação constitutiva…na declaração do caso…a não apreciação por parte da autoridade administrativa dos factos referidos e das questões suscitadas pelo arguido significaria uma postergação do direito do direito de defesa”(sic), e afirmando ainda que a violação do referido dever consubstancia uma omissão de pronúncia (sic), e assim deve ser, entendeu, mau grado tal, que a dita nulidade estaria sanada, por reporte ao já referido Assento 1/2003 do STJ, porquanto, no seu dizer, a arguida se prevaleceu do direito preterido (sic). D. Ora, salvo o devido respeito, o Assento 1/2003, não tem aplicação ao caso sujeito, uma vez que na sua génese esteve outro momento processual e outra temática, que não estes aqui em causa. F. Com efeito, o referido Assento visava (e visa) a fase do exercício do direito de defesa plasmado no art. 50º do RGCO, posto que ora o que está em causa, de resto como bem se realça na douta sentença recorrida, é uma eventual omissão de pronúncia da autoridade administrativa, ao não ter avaliado, em sede de decisão administrativa, os documentos apresentados pela arguida, designadamente, os referentes aos falados equipamentos de rádio da marca CONTACT, pelo que em bom rigor se trata in casu de um outro tema, de um outro âmbito, que nada tem de ver com o conteúdo do citado Assento. G. Conforme no acórdão da Relação de Coimbra,
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
275/09.0TBSEI.C1
Nº Convencional:
JTRC
Relator:
ORLANDO GONÇALVES
Descritores:
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
DECISÃO ADMINISTRATIVA
Data do Acordão:
14-04-2010
Votação:
UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE SEIA
Texto Integral:
S
Meio Processual:
RECURSO PENAL
Decisão:
CONFIRMADA
Legislação Nacional:
41º, 50ºE 58º DO DL 433/82 DE 27/10, 374º, Nº2 E 379º,Nº1 DO CPP
Sumário:
1. Na sequência da notificação do artigo 50º do DL nº 433/82, os factos relevantes alegados pela defesa devem ser apreciados ainda que de modo conciso na decisão administrativa a que se refere o artigo 58º daquele diploma, sob pena de nulidade.
2. Nada obsta à invocação do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como direito subsidiário, para declarar nula uma decisão administrativa, ou parte dela, por omissão de pronúncia sobre factos relevantes alegados pela defesa.
H. Donde, antes a ANACOM e agora a sentença recorrida, ao não terem apreciado os documentos entregues pela arguida, incorreram em omissão de pronúncia sobre factos e questões alegados pela arguida, sendo como tal nulas nos termos dos arts. 374.º, n.º 3 e 379.º, n.ºs 1, alíneas a) e c) e 2, do CPP, aplicáveis ex vi art. 41º nº 1 do RGCO. I. É, pois, quanto a este segmento da sentença recorrida, que vai do ponto 5 ao ponto 13, que se dirige o primeiro vector recursivo. J. Segue-se o seguinte: No que tange aos equipamentos EUROBRIC, CONTACT e SOUNDLOGIC, entendeu a sentença recorrida corroborar o entendimento da ANACOM, de acordo com o qual tais equipamentos deveriam estar acompanhados de informações de segurança, posto que, na ausência de tais informações, a decisão foi no sentido de condenar a arguido na respectiva coima. L. Ora, como a arguida sempre encareceu desde o início, tais equipamentos não se revestem de qualquer perigosidade, não havendo assim informações de segurança a transmitir ao respectivo utilizador. M. na factualidade dada como provada não constam quaisquer elementos que suportem, é dizer, que corroborem a pretensa perigosidade dos ditos equipamentos de rádio, motivo pelo qual terá de soçobrar o propósito punitivo no que tange à efectiva omissão de informações de segurança, por objectivamente nada haver a informar neste particular aspecto. N. No que tange à demais documentação técnica, mormente a que se prende com o equipamento da marca CONTACT modelo LCAUTWMIMI (Cf. Ponto 104 da douta sentença recorrida), e respectivo prazo para a entrega da mesma (Cfr. Ponto 120 da sentença recorrida), cumpre assinalar que a arguida consumou tal entrega, embora para além do prazo fixado pela ANACOM. O. E este é o ponto, o de saber se a arguida, embora tendo remetido para a Entidade Autuante tal dita documentação escorreita, porque cumprindo as exigências legais, poderia, ainda assim, ter sido condenada, mais a mais por uma pretensa conduta dolosa, apenas porque a dita remessa foi feita após o prazo aleatoriamente determinado pela ANACOM. P. Neste aspecto, como mister é de ver, haverá que buscar resposta no que rege a legislação aqui aplicável, é dizer, haverá que trazer à colação, desde logo, as normas aplicáveis à data dos factos sub judice, posto que tendo ocorrido, entretanto, alterações impostas pelo DL 87/2022, todavia serão elas irrelevantes no que ao tratamento da dita matéria concerne. Q. Assim, na versão então vigente, o art. 46º nº 3 al) h do RED referia apenas a não entrega da documentação, sem qualquer menção à não entrega dentro do prazo fixado pela ANACOM, ao contrário do que sucede actualmente, face à alteração da norma pelo DL nº 87/2022. R. Daí que a instância, em boa verdade, ao condenar a arguida, num contexto em que esta entregou a documentação técnica, embora com um atraso relativamente ao prazo inicialmente fixado pela entidade, está, na sua essência, a acrescentar à norma do aludido preceito - 46º nº 3 al) h do RED - um elemento objectivo que nele não consta: o do prazo fixado para tal. S. Isto é, a instância (e já antes a ANACOM) ao assim proceder, considerou haver na dita norma um requisito típico que então não existia, e que o legislador apenas veio a introduzir mais tarde, e tanto assim que só com a nova redacção da norma do art. 46.º n.º 3 é que passou a constar a referência, enquanto requisito típico (elemento objectivo da norma), ao segmento “não entrega dentro do prazo…”. T. Ao admitir a punição da arguido com base num elemento típico que não faz parte da norma, ao arrepio, aliás, do que a própria lei prevê, incorreu a douta sentença recorrida na violação de dois dos princípios basilares do direito de mera ordenação social: o Princípio da Legalidade e o da Tipicidade – Cf. arts. 2º e 43º do RGCO. U. O segmento que importa ponderar é este, que vem plasmado no art. 46º n.º 3 h) da RED, com destaque para o advérbio “fundamentadamente” (transcrição), Não facultar às autoridades de fiscalização do mercado, quando estas lho pedirem fundamentadamente, toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio, em papel ou, preferencialmente, em suporte eletrónico, numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, em violação da al. i) do n.º 2 do art. 14.º V. Ora, o advérbio “Fundamentadamente” nos dicionários significa “de maneira fundamentada; de forma alicerçada, apoiada, baseada ou estabelecida; de modo firmado, fundado ou sustentado”, pelo que pedido fundamentado será um pedido em que esteja subjacente a legislação que suporte o que vai associado a tal pedido, o que nada tem de ver, naturalmente, com o prazo que de forma aleatória a entidade entendeu dar ao visado (arguido) para este responder a esse pedido. X. Donde, a conclusão que aqui a instância extraiu do probatório dos autos, e mais adiante na fundamentação, mais não é do que o pretender adicionar, à revelia da letra e do espírito da lei, um novo requisito típico ao corpo do decantado artigo 46º nº 3. Z. Dito de um outro modo, face ao que reunido ficou em sede de factualidade provada e na respectiva fundamentação, no tocante a esse aspecto vindo de encarecer, inexistirá matéria susceptível de poder preencher (integrar) o elemento (requisito) objectivo do invocado normativo (art. 46º nº 3 da RED), ou seja, não há factos susceptíveis de in casu preencher o tipo legal da apreciada norma. Z.1 Como na própria sentença recorrida se reconhece (transcrição, ponto 122 da sentença), …tem-se presente a existência de jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa em sentido contrário (nota nossa, ao do que foi sufragado quer pela ANACOM quer pelo Tribunal da Concorrência). Z.2 Os aspectos vindos de apontar (sem prejuízo da invocada questão prévia), são susceptíveis de fazer reduzir o número de infracções a considerar em sede de apuramento do cúmulo, com a consequente redução do quantum final condenatório. Z.3 Em suma, na assinalada parte indicada supra, a douta sentença em recurso enferma de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 3 e 379.º, n.ºs 1, als a) e c) e 2, do CPP, aplicáveis ex vi art. 41.º nº 1 do RGCO. Z.4 Violou, ainda, os arts. 11º nº 1 l), 14.º nº 1, e nº 2 b), g), i) e art. 46º nº 3 f), h), e nº 6 e), todos do DL 57/2017 (RED), bem como o Princípio da Legalidade e o da Tipicidade – Cf. arts. 2.º e 43.º do RGCO. Z.5 Deve, pois, a presente (e douta) sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida dos ilícitos contra-ordenacionais em causa, procedendo destarte à redução do quantum final da coima, sem prejuízo do invocado vício. Z.6 a recorrente faz consignar, para os devidos e legais efeitos, que prescinde da realização de audiência – art. 411º nº 5 do C.P.P, a contrario”. *
A “AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES” respondeu ao recurso interposto, que terminou com as seguintes conclusões: “1. O Tribunal ad quem não deve conhecer da alegação de nulidade da decisão administrativa, pois os recursos para os Tribunais da Relação têm como objeto apenas e só a sentença recorrida. 2. A nulidade de que padecesse a decisão administrativa encontrar-se-ia de qualquer forma sanada, de acordo com a jurisprudência constante do Assento n.º 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça. 3. A alegação relativa às informações de segurança implicaria e em toda a linha uma reapreciação da matéria de facto provada, o que é inadmissível atento o disposto no n.º 1 do art. 75.º do RGCO, pelo que o Tribunal ad quem dela não deve conhecer. 4. o RED fixa que todos os equipamentos de rádio devem ser acompanhados de informações de segurança, independentemente de serem ou não considerados perigosos, não estabelecendo qualquer tipo de exceção. 20. Resulta da matéria de facto provada que a ora Recorrente não enviou a esta Autoridade, quer no prazo fixado para o efeito, quer posteriormente, cópia de declaração UE de conformidade válida, relativa aos sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI – não podendo, assim, o Tribunal ad quem conhecer da alegação relativa à contraordenação praticada em violação do preceituado na al. i) do n.º 2 do art. 14.º do RED. 5. O Tribunal da Relação de Lisboa, em 30.10.2024, determinou, quanto a esse preceito, que o prazo fixado pela ANACOM para o envio de cópia da declaração UE de conformidade (válida) pelo distribuidor é, mesmo para factos praticados até 28.12.2022, elemento do tipo contraordenacional.” *
O Ministério Público, junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, também respondeu ao recurso interposto, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões: “A - Os segmentos das conclusões do recurso A a H, em que a Recorrente invoca omissão de pronúncia quanto à decisão administrativa impugnada conformam meio processual impróprio, pois está no âmbito de um recurso de sentença contraordenacional, sendo seu objeto legal, como consagrado nos arts. 73.º a 75.º do RGCO, a sentença e não a decisão administrativa que já teve o seu momento próprio de censura no âmbito da impugnação judicial. B – A douta sentença não enferma de omissão de pronúncia pois que a questão colocada pela Recorrente, e que apresentou como questão prévia na impugnação relativa a omissão de pronúncia da decisão da ANACOM, foi conhecida e decidida como tal na douta sentença recorrida no seu capítulo II – QUESTÕES PRÉVIAS, PRIMEIRA QUESTÃO PRÉVIA – NULIDADE DA DECISÃO IMPUGNADA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, pontos 5 a 14, onde o douto Tribunal, com respaldo no Acórdão proferido no Processo 244/18.9YUSTR-B.L1, J.2 do TCRS pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, admitindo a omissão de pronúncia, veio a considerar sanado o vício em virtude de a Recorrente não se ter limitado a arguir a nulidade, tendo exercido uma pronúncia de mérito que comtempla o ponto que a mesma diz ter sido omitido. C - A conduta processual da Recorrente mostra que compreendeu toda a imputação, defendeu-se amplamente da mesma, e de mérito, tendo-se prevalecido da faculdade que indicou ter sido omitida, não tendo a alegada omissão de pronúncia constrangido ou afetado o direito de defesa/impugnação/recurso da Recorrente, que mesmo nesse contexto discutiu de mérito o tema, conforme esclarece o Tribunal no ponto 13 da sentença. D - Quando a Recorrente refere que quanto aos equipamentos da marca EUROBRIC, CONTACT, e, SOUNDLOGIC, a douta sentença considerou que os mesmos deviam estar acompanhados das informações de segurança, mas que os mesmos não detinham qualquer perigosidade, e que inexistem factos provados na douta sentença quanto à perigosidade dos equipamentos, é manifesto que a Recorrente está a impugnar de facto, de forma proibida, como decorre da previsão normativa do art. 75.º/1 do RGCO (em qualquer caso a matéria de facto fica definitivamente consolidada na primeira instância) E - A matéria das conclusões J a M terá de ser desconsiderada em obediência ao disposto no cit. art. 75.º/1 do RGCO. F - Impondo o RED que os equipamentos de rádio têm de estar acompanhados de informações de segurança, resulta que estão em causa tipos de contraordenação de violação de dever, ou mera atividade, ou perigo presumido, em que o legislador prescinde da alegação e comprovação da concreta perigosidade do equipamento para o preenchimento do tipo infracional (veja-se a este propósito a ampla fundamentação de direito da douta sentença nos pontos 78 a 97, que, aliás, não é diretamente contrariada pela Recorrente). G - Quando a Recorrente se refere ao prazo de entrega da declaração UE de conformidade, indicando que o prazo não fazia parte do tipo infracional do art. 46.º/3/h do RED e que ao estabelecer um prazo o douto TCRS violou os princípios da legalidade e da tipicidade, sobressai desde logo uma imprecisão concetual, pois que, H - O princípio da tipicidade não vigora no direito das contraordenações conforme resulta da própria Constituição ao não consagrar a garantia da tipicidade para as contraordenações. I - Encontra-se provado no facto provado h que a Recorrente nem até 6/10/2021, nem posteriormente enviou à ANACOM a declaração de conformidade válida, pelo que quando a Recorrente vem dizer que entregou a declaração fora do prazo indicado pela ANACOM, está a impugnar de facto, de forma proibida, o facto provado h, em violação do cit. art. 75.º/1 do RGCO J - Sendo quase estéril e inútil discutir se o prazo indicado pela ANACOM faz ou não parte do tipo de infração, uma vez que o facto provado demonstra que a Recorrente nunca apresentou a declaração de conformidade EU, estando em causa uma questão de facto e não de direito. K - A questão do prazo do cumprimento do dever legal fixado pela ANACOM encontra-se fundamentada nos pontos 115 a 130 da douta sentença, sendo que esta interpretação normativa é a única que confere efetiva eficácia à norma de conduta, pois que se o prazo indicado pelo Regulador não fizesse parte do tipo objetivo infracional, nunca se preencheria o tipo, redundando a situação em insuficiência da tutela legal do interesse jurídico que a norma de conduta visa proteger (reverso da proibição do excesso). Desta forma, o recurso de sentença contraordenacional de CONTINENTE deverá ser julgado manifestamente improcedente por conformar meio processual impróprio, conter impugnação de matéria de facto, proibida, incorrendo em evidentes erros de direito e de interpretação de factos e normativa, devendo ser mantida na íntegra a douta sentença recorrida.
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O Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, apôs “visto” nos presentes autos.
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Mostrando-se colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) Factos provados:
A primeira instância considerou como provados os seguintes factos: “Equipamentos da marca EUROBRIC, modelo 17800: a. A Arguida, em 29.07.2021, encontrava-se a colocar à venda, nas suas instalações sitas em Fraião, um equipamento de rádio da marca EUROBRIC, modelo 17800, sem número de série visível, que havia adquirido à sociedade espanhola MC INTERNATIONAL TRADE, SA, e que foi apreendido. b. Analisado o equipamento de rádio da marca EUROBRIC, modelo 17800, e a respetiva documentação, foi constatado que não se encontrava acompanhado de informações de segurança. c. Em 07.03.2022, a Arguida foi notificada pela ANACOM de que se verificara, em 29.07.2021, que, quanto aos equipamentos dessa marca e modelo: não se encontram acompanhados de informações de segurança; não se encontram acompanhados de informações sobre as faixas de frequência nem sobre a potência máxima transmitida; não se encontram acompanhados de qualquer declaração de conformidade, e que deveria tomar, até 21.03.2022, medidas corretivas, nos termos do disposto na al. g) do n.º 2 do art. 14.º do RED, para colocar em conformidade os equipamentos de rádio dessa marca e modelo, para os retirar do mercado ou para os recolher. d. Até 21.03.2022, a Arguida não tomou quaisquer medidas corretivas para colocar os equipamentos de rádio da marca EUROBRIC, modelo 17800, em conformidade com as normas constantes do RED, para os retirar do mercado ou para os recolher Equipamentos da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI: e. A Arguida, em 29.07.2021, encontrava-se a colocar à venda, nas suas instalações sitas em Fraião, um sistema de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI, com o número de lote 32807 (aposto naquela embalagem e na caixa carregadora), que havia adquirido à sociedade espanhola MC INTERNATIONAL TRADE, SA, e que foi apreendido. f. Em 17.09.2021, a ANACOM solicitou à Arguida, para efeitos de fiscalização dos equipamentos dessa marca e modelo, dentro de um prazo que terminava em 06.10.2021 o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como de cópia da declaração UE de conformidade e da documentação técnica, relativos a esses sistemas, tendo sido enviados elementos a esta Autoridade em 30.09.2021. g. O fabrico dos sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI, iniciou-se em data não anterior a 23.11.2020. h. Analisado o sistema de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI, e a respetiva documentação, foi constatado que: i. nos equipamentos que o compõem não se encontra aposto o nome do modelo, o número de lote, o número de série, nem qualquer outro elemento de identificação; ii. não se encontra acompanhado de versões em língua portuguesa quer dos manuais de instruções quer das informações de segurança; iii. nos equipamentos que o compõem não se encontra aposta a marcação CE; iv. quer até 06.10.2021, quer posteriormente, não foi enviada à ANACOM cópia de declaração UE de conformidade válida, uma vez que a cópia da declaração UE de conformidade enviada em 30.09.2021 não menciona a Diretiva 2014/53/EU. i. Em 07.03.2022, a Arguida foi notificada de que se verificara, em 29.07.2021, que, quanto aos sistemas da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI: nos equipamentos que o compõem não se encontra aposto o nome do modelo, o número de lote, o número de série, nem qualquer outro elemento de identificação; não se encontram acompanhados de versões em língua portuguesa quer dos manuais de instruções quer das informações de segurança; não se encontram acompanhados de informações sobre as faixas de frequência nem sobre a potência máxima transmitida; não se encontram acompanhados de qualquer declaração de conformidade em português; a declaração UE de conformidade em espanhol e em formato simplificado, que os acompanha, não indica o endereço na internet onde é possível localizar o texto integral da declaração UE de conformidade; nos equipamentos que o compõem não se encontra aposta a marcação CE, e que deveria tomar, até 21.03.2022, medidas corretivas, nos termos do disposto na al. g) do n.º 2 do art. 14.º do RED, para colocar em conformidade os equipamentos de rádio dessa marca e modelo, para os retirar do mercado ou para os recolher. j. Até 21.03.2022, a Arguida não tomou quaisquer medidas corretivas para colocar os sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI, em conformidade com as normas constantes do RED, para os retirar do mercando ou para os recolher. Equipamentos da marca CONTACT, modelo LCAUTWMINISN: k. A Arguida, em 26.10.2021, encontrava-se a colocar à venda, nas suas instalações sitas em Canidelo, 14 sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMINISN, com os números de lote 32807 e 35575, apostos apenas na embalagem e na caixa carregadora, que havia adquirido à sociedade espanhola MC INTERNATIONAL TRADE, SA, e que foram apreendidos. l. Analisados os sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMINISN, e a respetiva documentação, foi constatado que: i. nos equipamentos que o compõem não se encontra aposto o nome do modelo, o número de lote, o número de série, nem qualquer outro elemento de identificação; ii. não se encontra acompanhado de versões em língua portuguesa quer dos manuais de instruções quer das informações de segurança; iii. nos equipamentos que o compõem não se encontra aposta a marcação CE. Equipamentos da marca SOUNDLOGIC, modelo 80166: m. A Arguida, em 13.12.2019, encontrava-se a colocar à venda, nas suas instalações sitas em Loures, 6 equipamentos de rádio da marca SOUNDLOGIC, modelo 80166, com o número de lote 900140, que havia adquirido à sociedade espanhola MC INTERNATIONAL TRADE, SA, tendo sido recolhido um equipamento para realização de análises laboratoriais e ensaios. n. Analisados os equipamentos de rádio SOUNDLOGIC, modelo 80166, foi constatado que não se encontram acompanhados de informações de segurança. o. Os equipamentos de rádio da marca SOUNDLOGIC, modelo 80166, foram retirados do mercado pela Arguida em janeiro de 2020 Factos relativos ao elemento subjetivo e culpa: p. A Arguida tinha conhecimento da obrigação de colocar os equipamentos de rádio da marca EUROBRIC, modelo 17800, e os sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI, em conformidade com o disposto no RED, retirá-los do mercado ou recolhê-los, uma vez que foi expressamente notificada pela ANACOM para esse efeito. q. A Arguida representou e quis, pelo menos, dentro dos prazos fixados pela ANACOM, não tomar qualquer medida corretiva relativa aos equipamentos de rádio da marca EUROBRIC, modelo 17800 e aos sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI, nem os recolhendo ou retirando do mercado, sabendo que não estavam conformes com o RED, tendo agido de forma livre e consciente, sabendo que tal lhe era legalmente exigido e que ao não tomar qualquer medida corretiva a fazia incorrer em incumprimento e no pagamento de uma coima. r. A Arguida não enviou à ANACOM cópia da declaração UE de conformidade relativa aos sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelo LCAUTWMIMI por falta de cuidado, cuidado de que era capaz, não tendo representado como possível a verificação do facto. s. A Arguida disponibilizou no mercado os equipamentos referidos com as características acima indicadas, porque não teve o cuidado de verificar, como podia e era capaz, se os equipamentos que comercializava respeitavam todos os requisitos legalmente exigidos, designadamente se os equipamentos de rádio da marca EUROBRIC, modelo 17800, e da marca SOUNDLOGIC, modelo 80166, se encontravam acompanhados de informações de segurança e se os sistemas de equipamentos de rádio da marca CONTACT, modelos LCAUTWMIMI e LCAUTWMINISN, se encontravam acompanhados de versões em língua portuguesa quer dos manuais de instruções quer das informações de segurança, não tendo representado como possível a verificação dos factos. Outros factos: t. A falta de instruções de utilização implica que muitos consumidores não possam compreender o funcionamento dos equipamentos de rádio, comprometendo nomeadamente a sua devida utilização. u. A falta de documentação em língua portuguesa implica que muitos consumidores não possam compreender o funcionamento dos equipamentos de rádio, comprometendo nomeadamente a sua devida utilização. v. O não envio, pelo distribuidor, das instruções de utilização e de cópia da declaração UE de conformidade, dificulta a fiscalização da conformidade dos equipamentos com as normas aplicáveis relativas à proteção da saúde e à compatibilidade eletromagnética, lesando não só as possibilidades de verificação completa dos equipamentos por esta Autoridade, como também a garantia dos consumidores na qualidade dos aparelhos e os direitos daqueles à informação. w. A não adoção de medidas corretivas para colocar em conformidade equipamentos de rádio com as normas constantes do RED, para os retirar do mercado ou para os recolher, implica que possam estar a ser reiteradamente disponibilizados no mercado equipamentos que não cumprem disposições legais que visam a proteção dos consumidores. x. A não identificação dos aparelhos através do respetivo modelo e do respetivo número de lote ou de série implica que não esteja garantida a identificação precisa do equipamento pelos consumidores, que não têm em regra os conhecimentos técnicos que lhes permitam essa identificação através de outros meios. y. A não aposição de marcação CE visível nos equipamentos implica que os consumidores não possam ter a completa garantia de que as mesmas correspondem aos níveis ótimos de segurança na utilização exigidos ao nível europeu. z. No ano de 2021, a Arguida obteve um volume de negócios de € 842 356 434,14, um balanço total anual de € 613 838 036,75 e um resultado líquido de € 27 326 935,22, tendo ao seu serviço um número médio de 4 763 trabalhadores. aa. No ano de 2023, a Arguida obteve um volume de negócios de € 990 678 965,14, um balanço total anual de € 563 380 212,59, um resultado líquido de € 27 751 370,57 e um capital próprio no valor de € 613 838 036,75, tendo ao seu serviço um número médio de 4823 trabalhadores. bb. Não são conhecidos antecedentes contraordenacionais à Arguida da mesma natureza. cc. A Arguida teve uma postura processual colaborante. dd. A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta ee. A Arguida retirou os equipamentos da marca CONTACT, modelo LCAUTWMINISN de venda em 23.05.2023. ff. O equipamento da marca EUROBRIC, modelo 17800: i. na frequência de 163,648756 MHz, em medição Quasi-Peak à distância de 3 metros, a perturbação eletromagnética radiada é de 43,78 dB V/m; ii. na frequência de 190,903185 MHz, em medição Quasi-Peak à distância de 3 metros, a perturbação eletromagnética radiada é de 41,23 dB V/m; iii. na frequência de 218,156614 MHz, em medição Quasi-Peak à distância de 3 metros, a perturbação eletromagnética radiada é de 41,44 dB V/m; iv. na frequência de 272,705972 MHz, em medição Quasi-Peak à distância de 3 metros, a perturbação eletromagnética radiada é de 58,72 dB V/m; v. na frequência de 381,803187 MHz, em medição Quasi-Peak à distância de 3 metros, a perturbação eletromagnética radiada é de 47,11 dB V/m; vi. na frequência de 600,023006 MHz, em medição Quasi-Peak à distância de 3 metros, a perturbação eletromagnética radiada é de 47,39 dB V/m. gg. Os valores referentes ao campo eletromagnético perturbador radiado supra descritos são superiores aos limites aplicáveis previstos na norma EN 55032, que são, em medição Quasi-Peak, de 40,00 dB V/m nas frequências de 163,648756 MHz e 218,156614 Mhz, e de 47,00 dB V/m nas frequências de 272,705972 MHz a 600,023006 MHz.
O tribunal de primeira instância considerou que não ficaram provados quaisquer outros factos, muito em particular que: “a. A Arguida não teve o cuidado de verificar, como podia e era capaz, se nos equipamentos que comercializava se encontrava aposto o nome do modelo, o número de lote, o número de série, ou qualquer outro elemento de identificação, bem como a marcação CE. b. Os equipamentos da marca CONTACT, modelo LCAUTWMINISN quando foram retirados de venda já possuíam marcação CE assim como elementos identificativos (código interno) e já se faziam acompanhar de manual de instruções e instruções de segurança em português.”
b) Enquadramento jurídico dos factos:
O recurso em processo de contra-ordenação deve seguir a tramitação dos recursos em processo penal, com excepção das especialidades que resultem do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14-09.
Dentro dessas especialidades, de acordo com o disposto no art. 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, importa anotar que nos processos de contra-ordenação, os tribunais de segunda instância conhecem apenas, por regra, de matéria de direito, funcionado enquanto tribunais de revista.
Deste modo, o art. 74.º, n.º 4, do DL n.º 433/82, de 27-10, remete para o regime jurídico dos recursos que se mostra vertido no Livro IX do CPP.
Como decorre do disposto nos arts. 402.º, 403.º e 412.º, todos do CPP, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Isto significa compete ao sujeito processual, que se mostra inconformado com a decisão judicial, indicar, nas conclusões do recurso, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto.
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
Está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões que não tenham sido suscitadas e, por consequência, os seus poderes de cognição encontram-se delimitados pelo recurso interposto pelo sujeito processual, sem prejuízo daquelas que se revelem de conhecimento oficioso.
Os recursos não se destinam a proceder a um novo julgamento de todo o objecto da causa, antes visam a reapreciação de questões anteriormente decididas, mediante o impulso processual do sujeito que se mostre afectado pela decisão. Nulidade da decisão administrativa e da sentença recorrida:
A recorrente “Continente Hipermercados, SA” veio alegar que a decisão da autoridade administrativa e que a sentença recorrida não se pronunciaram sobre os documentos por si apresentados, referentes aos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, o que implica a sua nulidade, nos termos do disposto nos arts. 374.º, n.º 3 e 379.º, n.ºs 1, als. a) e c), e 2, do CPP, aplicáveis ex vi art. 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10.
A “Autoridade Nacional de Comunicações” veio defender que a nulidade de que padecesse a decisão administrativa encontrar-se-ia sanada, de acordo com a jurisprudência resultante do Assento n.º 1/2003.
Por seu turno, o Ministério Público, junto do tribunal da primeira instância, veio defender, muito em suma, que a sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade e que a conduta processual da recorrente “Continente Hipermercados, SA” mostra que compreendeu toda a imputação e que se prevaleceu da faculdade que indicou ter sido omitida, não tendo a alegada omissão de pronúncia constrangido o seu direito de defesa.
Apreciando e decidindo:
Conforme resulta dos autos, a recorrente “Continente Hipermercados, SA”, mediante email datado de 10-07-2023, remeteu à autoridade administrativa (“Autoridade Nacional de Comunicações”) diversos documentos, com vista a demonstrar que os equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, que pretendia comercializar, preenchiam todos os requisitos previstos pelo DL n.º 57/2017, de 09-06.
De seguida, empresa apresentou impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que a condenou pela prática das contra-ordenações em referência, na qual, para além de ter invocado omissão de pronúncia sobre os documentos que anteriormente tinha oferecido durante a fase administrativa do processo, veio também alegar que “(…) à luz do quadro legal invocado, o do DL 57/2017, não lhe seriam imputáveis, nem censuráveis, as pontuais omissões alegadamente detectadas nos equipamentos em causa nestes autos, e ali devidamente identificados, das marcas EUROBRIC, CONTACT e SOUNDLOGIC, as quais não pertencem a arguida, sendo que, ademais, a arguida, aqui assumindo a qualidade de mera retalhista, entregou na fase administrativa do processo todos os documentos relevantes (…)”.
A “Autoridade Nacional de Comunicações” veio responder à alegada nulidade da decisão administrativa, por omissão de pronúncia, nos seguintes termos: “não se nega que, em 10.07.2023, a ora Recorrente enviou a esta Autoridade a c6pia de uma declaração UE de conformidade, que alegou ser relativa aos equipamentos dessa marca e modelo.A qual se verificou corresponder a um controlo remoto WiZmote, e não ao modelo supra referido. De facto, essas Informações dos Serviços de Fiscalização desta Autoridade não são referidas na decisão ora impugnada como fundamentando o facto provado n.º 8. Contudo, não só do facto provado n.º 8 consta inequivocamente que quer ate 06.10.2021, quer posteriormente, não (foi) enviada a esta Autoridade cópia de declaração UE de conformidade válida, relativa a esse modelo - pronunciando-se assim a decisão sobre o fundo da questão (…)”.
O art. 58.º, n.ºs 1 a 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, enumera os requisitos a que deve obedecer a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima ou sanções acessórias decorrentes da prática de uma contra-ordenação.
Para além de outros requisitos legais, relativos, por exemplo, à identificação dos arguidos, à descrição dos factos imputados e à indicação das provas, a al. al. c) do n.º 1 deste dispositivo exige que a “decisão condenatória” contenha a “(…) indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão (…)”.
O requisito da “fundamentação” exige que a autoridade administrativa proceda à uma apreciação crítica das provas recolhidas durante a fase de investigação do processo, incluindo aquelas que foram oferecidas pelo arguido, na sequência do cumprimento do art. 50.º do DL n.º 433/82.
Para além da indicação das provas que sustentam a imputação dos factos ao arguido, a exigência de fundamentação resultante da al. c) do n.º 1 do art. 58.º do DL n.º 433/82 implica que a autoridade administrativa avalie ou aprecie, ainda que de modo conciso, as provas recolhidas nos autos.
Nestes processos, a fundamentação não apresenta a mesma extensão do que nos processos de natureza criminal, atendendo aos diferentes bens ou interesses jurídicos e às diferentes consequências jurídicas decorrentes do cometimento dos delitos em confronto, sem que, contudo, possa vir a ser dispensada.
A este propósito, António Leones Dantas doutrina que, após o “relatório” “(…) seguir-se-á a «fundamentação» que incluirá os factos provados e as razões subjacentes a este juízo de prova, nos termos do n.º 3 do art. 374.º do CPP e al. b), 1.ª parte, do n.º 1 do art. 58.º, bem como a fundamentação de Direito (…)” - in “Direito Processual das Contraordenações”, 2023 Reimpressão, Almedina, págs. 120 e 121.
Acrescenta ainda este autor que “(…) aceite que a mera indicação das provas obtidas não satisfaz as exigências legais inerentes à fundamentação da decisão sancionatória, impõe-se, contudo, projectar na dimensão da fundamentação a especificidade do processo das contraordenações, em obediência ao disposto no art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral (…)”
Deste modo, a decisão administrativa, proferida ao abrigo do disposto no art. 58.º do DL n.º 433/82, deve pronunciar-se, ao nível da fundamentação da matéria de facto, sobre os documentos que tenham sido oferecidos pelo arguido durante a fase de investigação, ainda que de modo sucinto, concedendo-lhe (ou não) relevância para efeitos do apuramento dos factos em apreciação.
Ao nível da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a autoridade administrativa não se deve limitar a indicar as provas produzidas, deverá proceder a uma apreciação crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos, incluindo os documentos oferecidos pelo arguido, de modo a que sejam conhecidos e compreendidos os motivos da decisão.
No caso vertente, verifica-se que a “Autoridade Nacional de Comunicações”, pelo menos de um modo expresso, não deu cumprimento a esta exigência legal, limitando-se a afirmar na decisão administrativa, de modo algo vago, que “(…) quer até 06-10-2021, quer posteriormente, não foi enviada a esta Autoridade cópia da declaração EU de conformidade válida (…)”.
Para além de, pelo menos de modo expresso, não terem sido mencionados, a autoridade administrativa não procedeu a uma apreciação e a uma valoração, ainda que sucinta, dos documentos que foram oferecidos pela recorrente “Continente Hipermercados, SA”, em momento anterior do processo, por forma serem compreendidos os motivos da decisão.
Deste modo, verifica-se que a decisão da “Autoridade Nacional de Comunicações” incumpriu a exigência legal de fundamentação, prevista pela al. c) do n.º 1 do art. 58.º do DL n.º 433/82, de 27-10, na medida em que não se pronunciou e que não apreciou, ainda que de modo sucinto ou conciso, os documentos oferecidos pela recorrente “Continente Hipermercados, SA”.
Ao não ter procedido a uma apreciação crítica desses elementos de prova, permaneciam desconhecidos os motivos que levaram a recorrida “Autoridade Nacional de Comunicações” a desvalorizá-los ou a considerá-los irrelevantes para a fixação dos factos que foram imputados ao arguido.
As garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, determinam que o arguido fique a conhecer, para além dos factos e das normas jurídicas que enquadram o caso, a avaliação crítica das provas (incluindo da prova que veio a ser apresentada pelo arguido) realizada pela autoridade administrativa e que levou a que fosse proferida uma “decisão condenatória”.
Não obstante, o art. 58.º do DL n.º 433/82, de 27-10, não estabelece a consequência jurídica resultante do incumprimento do regime jurídico nele fixado, ou, dito por outras palavras, não prevê, de modo expresso, o vício decorrente da decisão da autoridade administrativa não respeitar os requisitos legais.
Deste modo, o intérprete deve socorre-se dos pertinentes dispositivos constantes do CPP, na medida em que, conforme resulta do art. 41.º do DL n.º 433/82, “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”.
Tem-se debatido, tanto na jurisprudência como na doutrina nacionais, a questão de saber se a inobservância por parte da decisão condenatória dos requisitos previstos pelo art. 58.º do DL n.º 433/82, comporta uma simples irregularidade (por remissão para o art. 118.º do CPP, ex vi art. 41.º deste diploma) ou se, ao invés, determina nulidade (por remissão, seja para o n.º 3 do art. 283.º, seja para o n.º 1 do art. 379.º, ambos do CPP, consoante se entenda que a “decisão condenatória” consubstancia uma acusação ou, ao invés, uma sentença criminal).
Ao contrário do que sucede no processo penal, no regime geral das contra-ordenações não se encontra prevista a dedução de acusação, enquanto peça processual da autoria do Ministério Público (ou do assistente), que, após o encerramento da fase preliminar de inquérito, implica a narração dos factos imputados ao arguido, a indicação dos dispositivos legais aplicáveis e das provas recolhidas, que são submetidas ao juiz de julgamento, com a perspectiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança.
Nos processos de contra-ordenação, havendo indícios da prática de um ilícito de mera ordenação social, a autoridade administrativa competente deverá proferir uma “decisão condenatória”, com observância dos requisitos que se mostram previsto pelo art. 58.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 433/82, de 27-10.
Essa decisão é distinta da acusação deduzida em processo penal (vide arts. 283.º a 285.º do CPP), na medida em que, para além de ser da autoria de uma autoridade administrativa (em vez do Ministério Público ou do assistente), pressupõe que ao agente venham a ser aplicadas coimas ou sanções acessórias, como resulta do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 58.º.
Enquanto que no processo penal, o Ministério Público (ou o assistente) solicita ao juiz que o arguido venha a ser julgado pela prática dos factos descritos na acusação que integram um ilícito de natureza criminal, com vista à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, nos processos de contra-ordenação, a autoridade administrativa aplica, por sua iniciativa, uma coima ao agente, cuja decisão se torna definitiva, sem necessidade de intervenção do tribunal, caso não venha a ser impugnada judicialmente.
Por isso, a “decisão condenatória” deve ser fundamentada, para além de dever conter a indicação da coima e das sanções acessórias aplicáveis, requisitos que não surgem enumerados pelo n.º 3 do art. 283.º do CPP.
Caso essa decisão venha a ser impugnada pelo arguido, estabelece o art. 62.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, que “(…) recebido o recurso (…), deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público (…) que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação (…)”.
Havendo a interposição de recurso judicial por parte do arguido, a “decisão condenatória” constituirá a peça processual onde, com o encerramento da fase administrativa do processo, estão narrados os factos imputados ao arguido, indicados os dispositivos legais aplicáveis e oferecidas as provas recolhidas, que são submetidos a apreciação por parte do juiz, na sequência de despacho proferido pelo Ministério Público.
Nestes casos, a “decisão condenatória” assumirá a função de uma “acusação”, ainda que em sentido impróprio, enquanto peça processual que concentra os factos e os ilícitos que são submetidos a apreciação pelo tribunal.
Conforme se deixou escrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-11-2008, proferido no âmbito do Proc. n.º 08P2804 (acessível em www.dgsi.pt): “ (…) a decisão condenatória em matéria contra-ordenacional, apresentando alguma homologia com a sentença condenatória em processo penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, por menos exigente, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas, devendo conter a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas aplicáveis e a fundamentação da decisão (…)”.
Acrescenta-se ainda, neste aresto, que “(…) na fase de recurso, valendo a apresentação dos autos ao juiz pelo MP como acusação (art. 62.º, n.º 1), torna-se necessário o recurso ao art. 283.º, n.º 3, al. b), do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo das contra-ordenações (art. 41.º, n.º 1): segundo este dispositivo, a acusação contém sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção (…)”.
Independentemente de a “decisão condenatória” equivaler, nos casos em que dela é interposto recurso judicial, a uma acusação ou a uma sentença criminal, importará verificar se a nulidade decorrente do incumprimento do art. 58.º do DL n.º 433/82 - prevista, por remissão, pelo n.º 3 do art. 283.º ou pelo n.º 1 do art. 379.º, ambos do CPP - é passível de ser sanada, conforme entendimento sufragado pela sentença proferida pelo tribunal a quo.
A nulidade da decisão administrativa, por inobservância dos requisitos legais previstos pelo art. 58.º do DL n.º 433/82, pode ser sanada, nos casos indicados pelo art. 121.º, n.º 1, als. a) a c), do CPP, porquanto não integra o elenco de nulidades insanáveis estabelecido pelo art. 119.º do CPP.
Em abono da tese da sanação da nulidade, o tribunal de primeira instância socorreu-se do assento n.º 1/2003, sobretudo do segmento em que se disse que “(…) se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações] (…)”.
Ainda que o Supremo Tribunal de Justiça tenha firmado jurisprudência a respeito do art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10 (direito de audição do arguido durante a fase de instrução do processo de contra-ordenação), acabou por admitir a possibilidade de sanação da nulidade, decorrente da autoridade administrativa “(…) não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão nas matérias de facto e de direito (…)”, quando o arguido se tenha prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, de acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 121.º do CPP.
Como se viu, a recorrente “Continente Hipermercados, SA”, mediante o recurso judicial apresentado, veio alegar, essencialmente, que as contra-ordenações em referência não lhe podem ser imputadas e que na fase administrativa do processo de contra-ordenação entregou todos os documentos relevantes, incluindo aqueles que diziam respeito ao equipamento de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”.
Deste modo, concorda-se inteiramente com a decisão proferida pelo tribunal recorrido quando, a respeito da sanação da nulidade, deixou consignado que “(…) a Recorrente não se limitou a arguir a nulidade, tendo exercido uma pronúncia de mérito que abarca o ponto que a Recorrente considera ter sido omitido, pois: alegou que entregou todos os documentos relevantes e que diziam respeito aos referidos equipamentos (artigos 2.º, 50.º, 56.º e 57.º da motivação de recurso)”.
Ou ainda quando o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 2 afirmou, a este propósito, que a recorrente “Continente Hipermercados, SA” “(…) defendeu que a factualidade imputada não é suscetível de preencher os elementos típicos da infração imputada sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade (cf. artigos 10.º a 33.º da motivação de recurso) (…)”.
Em face do exposto, como se veio defender da prática dos factos em causa, alegando, muito em particular no recurso judicial que apresentou todos os documentos relevantes dos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, deve considerar-se sanada a nulidade resultante da autoridade administrativa, quando proferiu a “decisão condenatória”, a que alude o art. 58.º do DL n.º 433/82, de 27-10, não se ter pronunciado sobre os elementos probatórios oferecidos pela empresa recorrente “Continente Hipermercados, SA” durante a fase administrativa do processo.
A recorrente “Continente Hipermercados, SA” veio ainda alegar que é nula a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, por não se ter pronunciado sobre os documentos por si entregues.
Vejamos:
Estabelece o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, aplicável por força do disposto no art. 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, que “(…) é nula a sentença (…) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”.
Este dispositivo, respeitante aos vícios da sentença, comina com nulidade, quer a omissão de pronúncia (o tribunal não apreciou questões que devia ter conhecido), quer o excesso de pronúncia (o tribunal apreciou questões que não podia ter conhecido).
Da conjugação do art. 379.º, n.º 2, com o art. 414.º, n.º 4, do CPP, resulta que o tribunal a quo pode suprir as nulidades de sentença, assim como estas podem ser arguidas e conhecidas em sede de recurso.
A “(…) nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou sobre questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – art. 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP (…)” – in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, pág. 1182.
Ainda a respeito do vício da sentença decorrente a omissão de pronúncia, acrescenta, logo de seguida, o Conselheiro Oliveira Mendes “(…) a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta de falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão (…)”.
Em idêntico sentido, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2011, proferido no Proc. n.º17/09.0TELSB (www.dgsi.pt): “(…) como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença”.
Acrescenta ainda o mencionado acórdão do Supremo Tribunal: “(…) A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas. A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante (…)”.
No caso vertente, verifica-se que a decisão recorrida pronunciou-se sobre a questão da nulidade da decisão administrativa (vide págs. 6 a 9), assim como considerou, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, que “(…) no recurso de impugnação, a Arguida alegou que entregou à ANACOM uma declaração de conformidade. Contudo, não é verdade, pois decorre da Informação dos Serviços de Fiscalização da ANACOM, de fls. 1843, que adeclaração junta pela Arguida na fase organicamente administrativa do processo de contraordenação reportava-se a um equipamento totalmente distinto, designadamente um remote control WIZmote. Não há qualquer razão para duvidar da exatidão e correção desta informação (…)” - vide pág. 25 e 26.
Em face do exposto, verifica-se que não assiste qualquer razão à recorrente “Continente Hipermercados, SA” quando alega que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre os documentos por si oferecidos, durante a fase administrativa do processo de contra-ordenação, relativos aos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”.
Por conseguinte, deverá ser confirmada, neste particular, a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 2, que não merece qualquer reparo, na medida em que se pronunciou sobre todas as questões que tinha de conhecer. Inexistência de perigosidade dos equipamentos:
De seguida, a recorrente “Continente Hipermercados, SA” veio defender que os equipamentos das marcas “EUROBIC”, “CONTACT” e “SOUNDLOGIC” não revestem perigosidade, que, por conseguinte, não há informações de segurança a transmitir ao utilizador e que, por isso, deverá soçobrar o propósito punitivo quanto à omissão das informações de segurança.
Por seu turno, a este propósito, a “Autoridade Nacional de Comunicações” respondeu, com particular destaque, que todos os equipamentos de rádio devem ser acompanhados de informações de segurança, independentemente de serem ou não considerados perigosos.
O Ministério Público veio sustentar que a recorrente “Continente Hipermercados, SA” está a impugnar a matéria de facto, de forma proibida, conforme decorre do disposto no art. 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, bem como que o legislador prescinde da alegação e da comprovação da concreta perigosidade do equipamento para o preenchimento do tipo infracional.
Apreciando e decidindo:
Da sentença recorrida resultou provado, com particular relevância, que, no dia 29-07-2021, os equipamentos de rádio da marca “EUROBIC”, modelo 17 800, e “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, não se encontram acompanhados das informações de segurança, que, no dia 26-10-2021, os equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMINISN”, não se encontram acompanhados das informações de segurança e que, no dia 13-12-2019, os equipamentos de rádio da marca “SOUNDLOGIC”, modelo 80 166, também não disponham das correspondentes informações de segurança (vide, máxime, als. b), h), l) e n) dos factos provados).
Estabelece o art. 14.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 57/2017, de 09-06 (que foi alterado pelos DL n.º 09/2021, de 29-01, DL n.º 87/2022, 28-12 e DL n.º 30/2024, de 05-04), relativamente aos deveres do distribuidor, que este, quando disponibiliza um equipamento de rádio no mercado, deve “verificar se o mesmo vem acompanhado dos documentos exigidos pelo presente decreto-lei e das instruções e informações de segurança, redigidas em língua portuguesa”.
Por seu turno, de acordo com o disposto no art. 46.º, n.º 2, al. b), deste diploma legal, constitui contra-ordenação grave “a disponibilização no mercado de equipamento de rádio que não se encontre acompanhado de instruções e de informações de segurança redigidas em português e em linguagem clara, compreensível e inteligível pelos consumidores e por outros utilizadores finais, em violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 14.º”;
Recorde-se que o DL n.º 57/2017, de 09-06, transpôs a Directiva n.º 2014/53/UE, a qual procedeu à harmonização da legislação dos Estados-Membros sobre a disponibilização ao mercado de equipamentos de rádio.
Logo na al. a) do n.º 1 do art. 3.º, a mencionada directiva estabelece que os equipamentos de rádio devem assegurar “(…) a protecção da saúde e da segurança das pessoas e dos animais domésticos e a proteção dos bens, incluindo os objetivos constantes da Directiva 2014/35/UE no que se refere aos requisitos de segurança, mas sem aplicar limites de tensão (…)”.
Em conformidade com a anunciada preocupação com a saúde e com a segurança, o art. 13.º, n.º 2, da Directiva n.º 2014/53/UE, obriga o distribuidor a verificar se o equipamento de rádio se encontra acompanhado, entre outros documentos, pelas instruções e pelas informações de segurança.
No caso vertente, a pretensão apresentada pela recorrente “Continente Hipermercados, SA” mostra-se, desde logo, prejudicada pela matéria de facto traçada pelo tribunal de primeira instância e que não pode ser sindicada, revista ou modificada nesta sede (de acordo com o disposto no art. 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, no âmbito dos processos de contra-ordenação, os tribunais de segunda instância funcionam como tribunais de revista, o que significa que estão legalmente impedidos de procederem à reavaliação da decisão da primeira instância sobre matéria de facto, sem prejuízo do conhecimento dos vícios previstos pelo art. 410.º, n.º 2, do CPP).
Muito embora se encontre alegado que os equipamentos de rádio com as marcas “EUROBIC”, “CONTACT” e “SOUNDLOGIC” não apresentam qualquer perigosidade, o recurso interposto não merece respaldo na matéria de facto que o tribunal de primeira instância deixou fixada.
Ao mesmo tempo em que se deu como provado que estes equipamentos não dispunham das correspondentes informações de segurança, apesar de estarem exposição para venda ao público nas lojas da empresa “Continente Hipermercados, SA”, nada se apurou a respeito da sua perigosidade, em concreto, para a saúde ou para a segurança dos consumidores.
Deste modo, não se consegue afirmar que os mencionados equipamentos de rádio não revelavam qualquer perigosidade para o público, conforme deixou alegado a empresa “Continente Hipermercados, SA”.
Conforme resulta dos dispositivos acima mencionados, os equipamentos de rádio, desde que estejam a ser disponibilizados ao mercado, devem estar sempre acompanhados das correspondentes informações de segurança, redigidas em língua portuguesa, independentemente da sua perigosidade para a saúde ou para a segurança dos consumidores.
A obrigação de disponibilizar as informações de segurança não se encontra dependente da prova de que os equipamentos apresentam perigo para os consumidores, ou seja, o legislador, em momento algum, condiciona esta obrigação à demonstração, em concreto, de que estes equipamentos podem fazer perigar a saúde ou a segurança das pessoas ou os seus bens.
Basta que estes equipamentos estejam a ser disponibilizados no mercado e que o distribuidor não apresente as correspondentes informações de segurança para se considerarem integrados os elementos objectivos da contra-ordenação imputada à recorrente “Continente Hipermercados, SA”.
Incorre na prática da contra-ordenação dos arts. 14.º, n.º 2, al. b), e 46.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 57/2017, a empresa que tem em exposição, para venda ao público nas suas lojas, equipamentos de rádio desacompanhados das informações de segurança, ainda que nada se tenha demonstrado acerca da sua perigosidade para a saúde ou para a segurança dos consumidores.
Por último, conforme deixa assinalado a “Autoridade Nacional de Comunicações”, o DL n.º 57/2017 constitui um regime específico respeitante aos equipamentos de rádio disponibilizados ao público, que não se mostra derrogado ou revogado pelo Regulamento (UE) 2023/988 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à segurança, em geral, dos produtos.
Resulta do disposto no art. 2.º, n.º 2, deste diploma, que “(…) no caso de os produtos serem abrangidos por direito da União que contemple requisitos específicos de segurança”, como é o caso do regime jurídico respeitante aos equipamentos de rádio, o Regulamento (UE) 2023/988 somente é aplicável aos aspectos e aos riscos não abrangidos por esses requisitos.
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, o recurso interposto pela recorrente “Continente Hipermercados, SA” deve, nesta parte, ser julgado improcedente e, em consequência, deve ser confirmada a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância. Não envio da declaração de conformidade UE:
Por último, a recorrente “Continente Hipermercados, SA” sustentou que procedeu à entrega da documentação referente aos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, muito embora o tenha feito para além do prazo fixado pela “Autoridade Nacional de Comunicações”.
De um modo mais detalhado, referiu que a al. h) do n.º 3 do art. 46.º do DL n.º 57/2017, na redacção vigente à data da prática dos factos, referia apenas a não entrega da documentação sem qualquer menção à não entrega dentro do prazo fixado pela autoridade administrativa e que a interpretação sufragada pelo tribunal recorrido acrescentou ao aludido preceito um elemento objectivo que dela não contava (o prazo), o que consubstancia uma violação do princípio da legalidade e do princípio da tipicidade.
A autoridade administrativa defendeu, muito em suma, que a recorrente “Continente Hipermercados, SA” não enviou, quer no prazo fixado, quer posteriormente, cópia da declaração UE de conformidade válida, relativa aos equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI”, e que o prazo é elemento do tipo contra-ordenacional em causa.
Por seu turno, o Ministério Público, junto do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão, veio alegar, muito em suma, que se torna inútil discutir se o prazo indicado pela recorrida “Autoridade Nacional de Comunicações” faz (ou não) parte do tipo de infracção, uma vez que os factos provados demonstram que a empresa recorrente “Continente Hipermercados, SA” nunca apresentou uma declaração de conformidade UE.
Apreciando e decidindo:
O art. 14.º do DL n.º 57/2017, de 09-06, sob a epígrafe “deveres do distribuidor”, obriga este operador económico a verificar se o equipamento de rádio, que disponibilizou ao mercado, está “(…) acompanhado dos documentos exigidos pelo presente decreto-lei e das instruções e informações de segurança, redigidas em língua portuguesa em linguagem clara” (vide al. b) do n.º 2) e a facultar “(…) toda a informação e documentação necessária para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio (…)” (vide al. i) do n.º 2).
Entre esses documentos, que devem acompanhar o equipamento de rádio, conta-se a declaração de conformidade da UE (vide arts. 11.º, n.º 1, al. e), e 18.º, n.ºs 1 a 6, do mencionado diploma legal).
Deste modo, o distribuidor deve dispor, para além das instruções e das informações de segurança, redigidos em língua portuguesa, os documentos destinados a comprovar que os equipamentos de rádio, que disponibilizou no mercado, cumprem os requisitos que estão previstos pelo art. 4.º do DL n.º 57/2017, entre os quais, a declaração UE de conformidade.
De acordo com estes dispositivos, a recorrente “Continente Hipermercados, SA” estava obrigada a facultar à “Autoridade Nacional de Comunicações” toda a documentação referente aos equipamentos da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI, incluindo as instruções e as informações de segurança em língua portuguesa e a declaração de conformidade da UE.
O art. 46.º, n.º 3, al. h), do DL n.º 57/2017, na redacção vigente à data da prática dos factos, estabelecia que constituía contra-ordenação muito grave “não facultar às autoridades de fiscalização do mercado, quando estas lho pedirem fundamentadamente, toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio, em papel ou, preferencialmente, em suporte eletrónico, numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, em violação do disposto na alínea i) do n.º 2 do art. 14.º (…)”.
Posteriormente, o DL n.º 87/2022, de 28-12, procedeu a uma alteração do DL n.º 57/2017, passando, a al. h) do n.º 3 do art. 46.º deste diploma legal, a apresentar a seguinte redacção: “Não facultar às autoridades de fiscalização do mercado, quando estas lho pedirem fundamentadamente e no prazo fixado para o efeito, toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio, em papel ou, preferencialmente, em suporte eletrónico, numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, em violação do disposto na alínea i) do n.º 2 do art. 14.º”.
Do confronto destas duas redacções, resulta que consta, actualmente, de modo expresso, da al. h) a referência a um “prazo fixado” para o operador económico facultar a documentação às autoridades de fiscalização, enquanto que, na sua versão originária, não era feita qualquer menção a este propósito.
De acordo com o estabelecido pelo art. 9.º, n.º 3, do CC, que contém princípios de interpretação das normas jurídicas aplicáveis a todo o ordenamento, “(…) na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (…)”.
A solução mais acertada a respeito da versão originária da al. h) do n.º 3 do art. 46.º do DL n.º 57/2017, leva a afastar a interpretação defendida pela recorrente “Continente Hipermercados, SA”, que conduz ao resultado (indesejado) de inexistir prazo para o cumprimento de uma obrigação legal.
Segundo essa interpretação, o operador económico não se encontrava vinculado a qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de entrega da documentação em causa às autoridades de fiscalização, sob o pretexto, que nada resulta, de modo expresso, do texto do mencionado dispositivo.
Todavia, deste dispositivo ressalta a possibilidade de a autoridade administrativa exigir de imediato ou de fixar um prazo para o cumprimento da obrigação legal de entrega da documentação necessária para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio, tanto mais que, como se disse, o distribuidor deve verificar se o equipamento disponibilizado se encontra acompanhado pelos documentos exigidos pelo DL n.º 57/2017, de 09-06.
Encontrava-se ínsito nesse dispositivo, na sua versão originária, enquanto componente ou como forma de tornar efectiva a obrigação de apresentação da documentação demonstrativa da conformidade do equipamento de rádio, o cumprimento do prazo que viesse a ser fixado pelas autoridades de fiscalização ao operador económico.
A actual redacção da al. h) do n.º 3 do art. 46.º do DL n.º 57/2017, introduzida pelo DL n.º 87/2022, de 28-12 limitou-se a clarificar o sentido da versão originária deste dispositivo, da qual já resultava que o cumprimento do prazo que viesse a ser fixado pela autoridade administrativa constituía elemento integrante deste ilícito de mera ordenação social.
Deste modo, não se acompanha a alegação da recorrente “Continente Hipermercados, SA” quando sustenta que a interpretação sufragada consubstancia uma violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.
Para além de existir lei prévia, que regulava as matérias em causa (o que, aliás, não se mostra questionado), a empresa não estava impedida de tomar conhecimento do comportamento proibido, procedendo à entrega da documentação em causa, dentro do prazo que lhe tinha sido fixado.
De qual forma, sempre se dirá, que a pretensão apresentada pela recorrente “Continente Hipermercados, SA” não colhe enquadramento na matéria de facto (provada e não provada) fixada pelo tribunal de primeira instância, muito em particular quando afirma que consumou a entrega dos documentos em falta, ainda que o tenha feito para além do prazo fixado pela autoridade administrativa (“Autoridade Nacional de Comunicações”).
Por um lado, resulta da al. j) dos factos provados que a empresa, até ao dia 21-03-2022, não tomou quaisquer medidas para colocar os equipamentos em causa em conformidade com as normas constantes do DL n.º 57/2017.
Por outro lado, conforme já se deixou assinalado, a sentença recorrida, em sede de motivação da matéria de facto, referiu que não corresponde à verdade que a empresa tenha procedido à entrega da declaração de conformidade, na medida em que “(…) decorre da Informação dos Serviços de Fiscalização da ANACOM, de fls. 1843, que a declaração junta pela Arguida na fase organicamente administrativa do processo de contraordenação reportava-se a um equipamento totalmente distinto, designadamente um remote control WIZmote (…)” - vide págs. 25 e 26 da decisão recorrida.
Isto significa que não se encontra demonstrado, ao contrário do que se deixa alegado, que a empresa recorrente “Continente Hipermercados, SA” tenha procedido à entrega de toda a documentação necessária (v.g. instruções e informações de segurança redigidos em língua portuguesa, declaração de conformidade da UE), para comprovar que os equipamentos de rádio da marca “CONTACT”, modelo “LCAUTWMIMI, colocados em exposição para venda, cumpriam todos os requisitos previstos pelo DL n.º 57/2017.
Dito por outras palavras: não ficou provado que tenha sido apresentada, ainda que fora do prazo fixado “Autoridade Nacional de Comunicações”, toda a documentação respeitante a estes equipamentos.
Em face do exposto, improcede também, nesta parte, o recurso e, em consequência, decide-se confirmar integralmente a sentença proferida pelo Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão – J 2.
III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente “Continente Hipermercados, SA”, e, em consequência, confirmar integralmente a sentença proferida pelo Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão – J 2.
Custas a cargo da recorrente “Continente Hipermercados, SA”, fixando-se em 3 UCs. a taxa de justiça devida (art. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, em conjugação com o art. 8.º, n.º 9, do RCP e com a Tabela III anexa).
Lisboa, 12 de Março de 2025
Paulo Registo
Armando Cordeiro
Com a seguinte declaração de voto:
“Concordo com a decisão. Contudo, não conheceria da parte do recurso que respeita à invocada nulidade da decisão administrativa. As nulidades objeto de recurso para este tribunal da Relação são unicamente aquelas que, segundo a recorrente, persistem na decisão judicial e não as apontadas à decisão administrativa. O presente recurso tem como objeto a decisão judicial e não a decisão da autoridade administrativa. Uma vez que a recorrente alega que a decisão em recurso mantém a invocada nulidade ou seja, é também ela (a decisão) nula, apenas esta seria apreciada e os autos demonstram que tal nulidade não ocorre, tal como decidido." Alexandre Au-Yong Oliveira