ARTICULADOS
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
CONCURSO PÚBLICO
ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE
PERDA DE CHANCE
Sumário

- Cabe ao juiz convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados na estrita medida que permita suprir irregularidades dos mesmos, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada;
- Aquele dever de cooperação, que se mostra mitigado pelo princípio do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir, como se verifica no caso em análise;
- Abusa de posição dominante, por recusa de fornecimento, a empresa que, sendo detentora do exclusivo da venda para a Península Ibérica de “materiais” considerados insubstituíveis e necessários para se concorrer a um concurso público, ciente disso, se recusa a fornecer a cotação a outra empresa que deles necessita para apresentar proposta ao concurso;
- O abuso é tanto mais notório quando resultou que aquela manteve conversações com esta, nomeadamente dando conta que estava a trabalhar na proposta, até à véspera do termo do prazo para apresentação das propostas ao concurso, altura em que comunicou a recusa, não esquecendo que a primeira acabou por ser a única que se apresentou ao concurso público;
- O reconhecimento da perda de chance pressupõe a existência de condições concretas que permitam formular um juízo sobre a consistência e seriedade da sua proposta e da possibilidade de sucesso;
- Para o efeito, era necessário comparar as propostas, face aos parâmetros do concurso, ou então demonstrar as condições técnicas, logísticas, financeiras e orçamentais, reportadas aos referidos parâmetros, e aferir da viabilidade e possibilidade de sucesso.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
INCOMEF – INDÚSTRIA de COMPONENTES MECÂNICOS de FREIXIEIRO, LDA, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a requerida KNORR-BREMSE ESPAÑA, SA, tendo formulado o seguinte pedido:
“Termos em que se conclui pela procedência da presente acção, por provada, e em consequência pela condenação das Rés ao pagamento à A. da quantia de 1.305.446,13€, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, contados desde 21 de Março de 2019 e até integral e efectivo pagamento.”
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Como fundamento da referida pretensão, alegou, em síntese, que contatou a R. para obter orçamento de aquisição de material para efetuar proposta ao concurso público efetuado pela ML.
Mais alegou que parte do referido material (o exigido pelo caderno de encargos e respetivos anexos) era exclusivamente comercializado pela R. e que esta não só acabou por lho negar como a manteve na expetativa durante cerca de 47 dias.
Finalmente, alegou que a falta de orçamento do referido material a impossibilitou de concorrer ao referido concurso, sendo que teve despesas com a elaboração do projeto e viu-se privada de um lucro de cerca de Euros 1.300.00,00.
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A KNORR-BREMSE ESPAÑA, SA, deduziu contestação, tendo concluído que deve ser:
“Nestes termos e nos demais de Direito, deve:
a) ser julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, absolvendo a Ré da instância;
b) ser julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré, absolvendo a Ré da instância;
c) ser admitida a intervenção com Ré do Metropolitano de Lisboa, EPE, NIPC 500192855 e com sede Avenida Fontes Pereira de Melo, nº 28, 1069-095 Lisboa;
d) Caso assim não se entenda, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, com absolvição da Ré do pedido.”
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Como fundamento da referida pretensão, invocou: o tribunal é materialmente incompetente para apreciar da procedência da ilegalidade das peças do procedimento e do consequente pedido indemnizatório da A.
Não se verifica a apontada ilegalidade das peças do procedimento pré-contratual e muito menos a existência de uma qualquer posição dominante ou abuso da mesma.
Finalmente, não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação do instituto da responsabilidade civil.
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A INCOMEF – INDÚSTRIA de COMPONENTES MECÂNICOS de FREIXIEIRO, LDA, a 12 de setembro de 2022, pronunciou-se sobre as exceções.
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A KNORR-BREMSE ESPAÑA, SA, a 26 de setembro de 2022, tomou posição sobre o requerimento da A.   
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O Tribunal a quo, por despacho de 21 de dezembro de 2022, indeferiu o chamamento do Metropolitano de Lisboa, EPE.
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A KNORR-BREMSE ESPAÑA, SA, conforme despacho saneador de 16 de maio de 2023, que julgou o TCRS materialmente incompetente, foi absolvida da instância.
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A A. interpôs recurso para este Tribunal que, por Acórdão de 25 de setembro de 2023, tendo dado provimento, revogou a decisão impugnada.
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Por despacho de 4 de março de 2024, além de afastada a exceção da incompetência em razão da matéria, da caducidade do direito da A. e da ilegitimidade passiva da R., foi definido o objeto do litígio na análise das seguintes questões:
- Existência do facto voluntário e ilícito por parte da R.:
- Posição dominante da R.;
- Abuso de posição.
- Existências de culpa da parte da R.;
- Existência dos danos alegados pela A. (por lapso refere R.);
- Danos emergentes;
- Lucros cessantes/ perda da chance;
- Existência de nexo de causalidade entre o facto voluntário e ilícito imputado e os danos.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença, a 31 de março de 2024, pela qual se decretou o seguinte:
“Em face de todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a) Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de quarenta e seis euros e treze cêntimos (€ 46,13), que a Autora despendeu com a compra dos selos temporais;
b) Condeno a Ré a pagar à Autora as quantias que se vierem a liquidar, até ao limite peticionado de quatrocentos euros, correspondentes aos montantes que a Autora gastou com a deslocação e alimentação dos seus colaboradores às oficinas do ML;
c) Condeno a Ré a pagar à Autora o montante total que se vier a liquidar, até ao limite peticionado de cinco mil euros, que esta despendeu com o vencimento dos seus colaboradores durante o período de tempo total que estes afetaram à elaboração da proposta que tinha a intenção de apresentar no segundo concurso;
d) Condeno a Ré a pagar à Autora juros de mora sobre os montantes referidos nas alíneas precedentes, desde 21.03.2019 até efetivo e integral pagamento, de acordo com a taxa legal aplicável aos juros civis (e as demais que venham a ser aprovadas);
e) Absolvo a Ré do demais peticionado pela Autora.”
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A INCOMEF – INDÚSTRIA de COMPONENTES MECÂNICOS de FREIXIEIRO, LDA, inconformada, interpôs recurso de apelação da sentença final, em que apresenta as seguintes conclusões:
“1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode concordar in totum, sendo que a presente decisão acaba por surpreender a aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presentação ação apenas parcialmente procedente, acaba por com, com o devido respeito, julgar incorretamente.
2. Com tal decisão, a MMa. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 6º; 590º nº2 b) e n4; 195º nº1, todos do Código de Processo Civil; 483º; 487ª 496º nº1; 562º; 563º; 564º; 566º nº3; do Código Civil; 11º da Lei da Concorrência; 7º 101º e 102ª do TFUE; 4º e 9º nº2 da Lei nº 23/2018 de 05 de Junho (Direito a indemnização por infração ao direito da concorrência).
3. Das várias passagens do depoimento da testemunha (…)2, cremos que resulta de forma verdadeiramente cristalina que o facto dado como não provado na alínea d) – (Com exceção dos preços solicitados à Ré, a Autora tinha todo o processo documental pronto para submissão aquando do segundo concurso (artigo 93.º da PI)) - dos factos considerados não provados, deveria ter sido considerado como provado!
4. O presente recurso quanto à matéria de direito, incide sobre a parte da decisão proferida pelo Tribunal a quo no concernente ao dano pela perda de chance e ao seu nexo causal, ao ter entendido que não ficou demonstrada uma perda de chance ou de oportunidade séria e consistente de ganhar o concurso invocadas pela Autora/Recorrente, o que não se concede.
5. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, com base no Instituto da Responsabilidade Civil, condenou a Ré/Recorrida a pagar à Autora/Recorrente os danos emergentes sofridos pela prática de concorrência restritiva.
6. Da factualidade dada como provada, ex vi, q) a z), aa) a vvvv) da sentença, resultou evidente que a Ré/Recorrida, por sua culpa exclusiva, não forneceu os sistemas de óleo-hidráulicos de elevação e movimentação de cargas e pessoas, impedindo a Autora/Recorrente de apresentar a sua proposta de candidatura ao segundo concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa, cujo caderno de encargos indicava peças comercializadas apenas pela Ré/Recorrida, inclusive, tendo sido esta, a quem foi adjudicado o contrato por ter sido a única proponente.
7. O Tribunal a quo, não obstante ter entendido como indubitável a admissibilidade do dano pela perda de chance ou de oportunidade invocadas pela Autora/Recorrente quer no direito da União Europeia quer no direito Nacional, não o reconheceu a seu favor suportando que a prova da consistência e da seriedade desse dano não foi plena, o que não se aceita.
8. Para a Recorrente ficou cristalino dos factos provados - q) a z), aa) a vvvv) - da sentença, que a Ré/Recorrida, com a sua conduta culposa, (não fornecimento dos sistemas de óleo-hidráulicos de elevação e movimentação de cargas e pessoas), impediu a Autora/Recorrente de apresentar a sua proposta de candidatura ao segundo concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa, cujo caderno de encargos indicava peças comercializadas apenas pela Ré/Recorrida.
9. Por esse motivo, a atuação da Recorrida causou direta e necessariamente danos na esfera jurídica da Recorrente, onde se inclui o dano pela perda de chance ou perda de oportunidade, incorrendo a Recorrida na obrigação de indemnizar a Recorrente, também pelo dano de perda de chance, apurado no valor de 1.300.000,00€, conforme provado em qqqq) da matéria de facto dada como provada na Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
10. O Tribunal a quo, apesar de concluir que a atividade comercial da Autora lhe permitia executar os serviços objeto do contrato, que empreendeu diversas diligências tendentes à apresentação da proposta, que tem experiência em concursos públicos, que tinha a firme intenção de concorrer e que a proposta que pretendia apresentar teria um valor inferior ao preço base, aliás o que consta da matéria da factualidade como provada, decidiu não condenar a Recorrida no pagamento dos danos causados pela perda de oportunidade.
11. Entendeu o Tribunal a quo que não foram alegados e provados factos que reputa como essenciais (que a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável) para poder decidir pela verificação do dano e nexo causal quanto à perda de oportunidade.
12. Mas, por hipótese de raciocínio e cautela de patrocínio, caso se pudesse conceber a decisão quanto à falta de alegação na petição inicial e prova de factos que considera como essenciais, sempre o Tribunal a quo tinha o poder/dever do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, o que não fez.
13. O Tribunal a quo não só tinha o poder, mas também o dever do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, visto ser admissível e necessária a prova desses mesmos factos que reputou como essenciais.
14. Impunha-se o convite à Recorrente, a aperfeiçoar a sua petição inicial, concedendo a concretização da matéria de facto, atento considerar vital a alegação na petição inicial e prova de factos desses factos que reputou como essenciais:
- a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável.
15. Competindo ao Juiz, nos termos das disposições conjugadas pelos artigos 6º e 590º nº 2 b) e nº4, ambos do Código de Processo Civil o Poder/dever de garantir a justa composição do litígio em prazo razoável, e de providenciar oficiosamente pelo aperfeiçoamento dos articulados com a concretização da matéria que considera essenciais para a tomada de decisão, determinando a realização dos atos necessários, convidando as partes a praticá-lo.
16. No caso em apreço, deveria sim, ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar sua petição inicial por forma a conceder-lhe a possibilidade de concretizar a matéria de facto que reputou como essencial para a habilitar a tomar a decisão na parte do dano e respetivo nexo causal pela perda de chance.
17. Salienta-se também que, tal aperfeiçoamento tinha a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante que se coaduna com os fins e limites da ação, como é a indemnização pelo dano pela perda de chance.
18. Resulta assim cristalino para a Recorrente que, ao invés de na Sentença julgar que não foram alegados factos essenciais, para plenamente poder decidir a favor da Autora quanto ao alegado dano pela perda de chance e seu nexo causal, a Mma. Juiz a quo deveria ter convidado a Recorrente, a aperfeiçoar a sua petição inicial, conforme dispõe o artigo 590º nº 2 b) e nº4 do Código de Processo Civil, poder/dever que tinha ao abrigo do artigo 6º do mesmo Código.
19. Essa omissão do convite ao aperfeiçoamento constitui, para todos os efeitos, nulidade que aqui expressamente se invoca (artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), e requer com as consequências legais.
20. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, refere “que o direito reclamado pela Autora está dependente da verificação dos seguintes pressupostos:
- um facto voluntário e ilícito consubstanciado numa violação dos artigos 11º da Lei da Concorrência e 7º ou 102ª do TFUE;
- Culposo;
- Existência de dano;
- E, um nexo de causalidade entre o facto voluntário e ilícito e o dano.
21. A decisão recorrida, julgou que os requisitos quanto ao facto voluntário, à ilicitude, à culpa e nexo causal relativamente aos danos emergentes, se verificam e estão preenchidos, somente não reconhecendo a consistência e seriedade do nexo de causalidade e do dano pela perda de chance ou de oportunidade.
22. Referindo a decisão em crise que: “consistência e seriedade significa que não basta uma «"chance" puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade», nem são suficientes as «"perdas de chance" que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida».
23. Bastará examinar os factos provados supra referenciados para concluir, com elevado grau de certeza, que não fosse a atuação da Recorrida, teria apresentado a melhor proposta no concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa.
24. Foi esta a oportunidade que perdeu e que tinha previsibilidade de concretização suficiente para justificar uma compensação.
25. A decisão do Tribunal a quo acaba por vir a sucumbir na transposição destes parâmetros gerais para a perda de oportunidade no caso concreto, não porque não estejam provados, mas porque faz uma interpretação exigentíssima desses mesmos parâmetros, concretamente quando aborda os conceitos de consistência e seriedade do dano de perda de chance.
26. Salvo o devido respeito, não se entende esta posição do Tribunal a quo, pois ela é além do mais contraditória com os pontos 220 e 221 da Sentença.
27. A verdade é que o Tribunal a quo define parâmetros de consistência e seriedade inatingíveis.
28. O conceito de perda de chance incorpora necessariamente uma situação de incerteza.
29. A perda de chance relaciona-se, precisamente, com a circunstância de alguém ser afetado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, in casu, a Recorrente, vantagem essa que ascenderia a uma margem de lucro de 1.300.000,00€;
30. A prova a ser feita não poderá nunca ser a prova de uma certeza relativamente à probabilidade da Autora vencer o concurso.
31. Bastaria, como basta, que demonstrado ficasse que a Recorrente poderia, em abstracto, vencer o concurso. E esta realidade resulta evidente dos factos dados como provados.
32. É esta a correcta aplicação da teoria da causalidade adequada. Esta teoria não exige que o facto ilícito seja o único causal do dano, nem exige que, em concreto, não tenham concorrido outros factos para a produção do dano.
33. Aquilo que é exigível é que, em abstracto, aquele facto ilícito – neste caso o abuso de posição dominante, consubstanciado no não fornecimento do equipamento indispensável à participação no concurso – fosse em abstracto adequando à produção daquele dano – no caso concreto a impossibilidade de apresentação da proposta com a consequente frustração da oportunidade de vencer o concurso e obter a margem de lucro inerente.
34. E relativamente ao montante do dano, reafirma-se, chama-se à colação o facto provado em qqqq) da Sentença que é perentório, relativamente ao quantum indemnizatório, no caso em apreço.
35. Dúvidas não subsistem assim que da factualidade dada como provada nos pontos q) a z), aa) a vvvv) da sentença, resulta claro que a Recorrida, por sua culpa exclusiva, não forneceu os sistemas de óleo-hidráulicos de elevação e movimentação de cargas e pessoas, impedindo assim a Recorrente de apresentar a sua proposta de candidatura ao concurso público em causa, cujo caderno de encargos indicava peças comercializadas apenas pela Recorrida, e que esta conduta teve como consequência necessária a perda por parte da Recorrente da oportunidade de vencer o concurso (e consequentemente obter a margem de lucro associada).
36. O tribunal a quo sustenta ainda a sua decisão quanto a esta parte, na impossibilidade de formular um juízo sobre a consistência e seriedade da perda de oportunidade, pois para formular este juízo seria necessário que dos factos se conseguisse inferir, no mínimo, que a proposta era admissível.
37. Sucede que, também esta admissibilidade, resulta da matéria de facto dada como provada, mormente quando desta consta que: a atividade comercial da Autora lhe permitia executar os serviços objeto do contrato; que empreendeu diversas diligências tendentes à apresentação da proposta; que tem experiência em concursos públicos; que tinha a firme intenção de concorrer; e que a proposta que pretendia apresentar teria um valor inferior ao preço base (6.000.000,00€). –factos provados xxx.
38. Perante estes factos dados como provados, e aplicando a teoria da causalidade adequada, facilmente se chega à conclusão que se verificou efectivamente uma perda de chance, configurada esta no lucro que a Recorrente obteria (1.300.000,00€) e que, por culpa exclusiva da conduta da Recorrida) deixou de obter, isto é, a denominada vantagem patrimonial futura.
39. O juízo de prognose não pode assim ser outro que não seja: o facto (não fornecimento dos materiais indispensáveis para o serviço e que a Recorrida era a única que os poderia fornecer), criou o dano em concreto, aliás como seria suscetível de o criar em abstrato (Recorrente sempre ficaria impossibilitada de apresentar a sua proposta no concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa com a consequente perda da vantagem patrimonial futura – lucro – se
não tivesse acesso à proposta para aquisição do material em causa), tal como resulta da factualidade dada como provada pela Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ex vi, q) a z), aa) a vvvv) daquela decisão.
40. Não se aceita ainda o entendimento do Tribunal a quo de que “não decorre dos factos provados e acima enunciados que a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que o permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica viável.”
41. A comprovar essa aptidão e capacidade da Recorrente está o facto da Recorrida ter protelado a orçamentação do material com o objetivo de afastar a Recorrente do concurso. Procurando dessa forma afastar um concorrente que reputava de certamente como capaz de colocar em causa o seu sucesso no concurso.
42. A que acresce o facto da Recorrida ter encetado negociações com a Recorrente para uma pareceria que lhes permitisse concorrer em conjunto ao concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa, evidencia também que a Recorrida reconhecia à Recorrente essa mesma aptidão e capacidade para executar o serviço.
43. A prova quanto ao dano pela perda de chance e respetivo nexo causal foi assim por demais evidente, e resulta clara do acervo de factos dados como provados.
44. De tudo quanto se vem de expor, a decisão que se impunha que o Tribunal a quo tivesse tomado era a de condenar a Ré/Recorrida no pagamento à Autora/Recorrente também do quantum indemnizatório fundado no dano pela perda de chance, e que o próprio Tribunal “a quo” computa no valor de 1.300.000,00€
TERMOS EM QUE DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA E, CONSEQUENTEMENTE, SUBSTITUIR-SE POR OUTRA QUE JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO PROPOSTA PELA RECORRENTE, ASSIM SE FAZENDO A TÃO COSTUMADA…
JUSTIÇA!”
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A KNORR-BREMSE ESPAÑA, SA, inconformada, também interpôs recurso subordinado da sentença final, em que apresenta as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do TCRS datada de 02.09.2024 a fls. ... dos autos, a qual julgou a ação parcialmente procedente.
2. A Autora intentou a presente ação tendo em vista o pagamento de uma compensação, pela Ré, sustentada na alegada ilegalidade dos documentos do concurso público n.º 024/2019-DLO-ML, cuja entidade adjudicante é o Metropolitano de Lisboa, E.P.E., materializada na decisão de adjudicação tomada em 12.04.2019 e na outorga do respetivo contrato realizada em 05.07.2019. Mas a Autora limitou-se a aplicar um raciocínio silogista que, por falhar numa das suas premissas, a de que a Ré detém uma posição dominante num hipotético mercado, conduz a uma conclusão errada.
3. Com respeito aos pedidos formulados, elementos do autos e toda a prova produzida, o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes nesse elenco nas alíneas a) a vvvv); e como não provados os factos constantes nesse elenco nas alíneas a) a m).
4. Subsumindo a factualidade ao direito, considerou o Tribunal a quo incorretamente que a Ré detém uma posição dominantenomercado deEspanhaePortugal daspeçasouórgãosmecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros de carruagens de metro com a referência IFE (n.ºs 157 e 159 da Sentença), por ser monopolista (n.ºs 160 da Sentença), tendo abusado da mesma por recusar fornecer a Autora (n.ºs 175 a 181 da Sentença), motivo pelo qual, tendo considerado que estavam preenchidos os requisitos para aplicação do instituto da responsabilidade civil, a Ré estaria obrigada a indemnizar a Autora pelos prejuízos causados.
5. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta apreciação da prova produzida, a uma incorreta fixação dos factos provados e não provados e, em consequência, a uma errada interpretação e aplicação do Direito, uma vez que, entre outros, não atendeu de forma suficientemente precisa a todos os elementos constitutivos da existência de uma posição dominante e do respetivo hipotético abuso, e opera uma conexão entre o concurso público 40/2018-DLO-ML – que não foi adjudicado e que em nada releva para a boa decisão da causa – e os alegados danos sofridos pela Autora no âmbito do concurso público n.º 024/2019-DLO-ML, não provados.
6. Por este motivo, nunca poderia concluir-se pela verificação do facto ilícito que o Tribunal a quo entendeu justificar a responsabilização da Ré pelos danos alegadamente verificados.
7. Não se conformando com o conteúdo da mencionada Sentença, vem a Ré requerer a reapreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e a revogação da Sentença recorrida e sua substituição por decisão que absolva a Ré no pedido.
8. Sendo a factualidade apurada e prova produzida nos autos incontestavelmente suficiente para que o Tribunal formasse a sua (livre) convicção sobre os factos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Ré considera incorretamente assente a matéria constante nos factos dados como provados que seguem:
9. Quanto ao facto b), conforme consta nos n.ºs 20 a 45 das alegações, resulta do depoimento das testemunhas que a Autora não realizou quaisquer diligências no sentido de procurar alternativas às peças de referência IFE, limitando-se a esperar pela resposta da Ré – além de que a Autora poderia ter obtido materiais e equipamentos equivalentes aos pretendidos da Ré a partir de outros fornecedores nacionais e internacionais.
10. Resulta, ainda, que algumas das peças que a Ré vende e que são indicadas no caderno de encargos são peças fabricadas por outras empresas e vendidas pelas mesmas, e que a referência IFE é uma mera referência interna, pelo que o que importa não é que a Ré seja ou não a única empresa a fornecer peças com a referência IFE, mas sim que poderiam existir soluções equivalentes e alternativas a estas peças, ao dispor da Autora, que lhe permitiriam ter apresentado uma proposta no âmbito do concurso público em causa, mas que em todo o caso não foram pela mesma procuradas.
11. Também não foi produzida prova suficientemente precisa pela Autora – que a isso estava obrigada – que permitisse ao Tribunal a quo considerar que as peças com a referência IFE aposta eram “essenciais” ou “indispensáveis” para a Autora poder concorrer, pelo que o facto b) dado como provado deverá ser novamente redigido consoante a formulação constante no n.º 45 das alegações.
12. Quanto ao facto eee), conforme consta nos n.ºs 46 a 60 das alegações, não é possível dar como provado, com base na prova produzida, que a Ré havia representado pelo menos desde 04.09.2018, a hipótese de não vir a indicar os preços que a Autora havia solicitado, caso viesse a concorrer ao concurso, uma vez que o que é possível retirar daqui é que a própria menção de que a Ré estaria em busca de um parceiro para a prestação dos serviços de mão-de-obra no contexto deste concurso, estando ainda a Ré a considerar em que termos seriam indicados os preços relativos aos materiais de referência IFE que poderia vir a fornecer.
13. Resulta do depoimento testemunhal que a Ré não sabia, praticamente até ao fim, se iria apresentar uma proposta diretamente ou avançar com outros para o efeito – e não que a Ré teria representando ou sabia mesmo previamente que não pretendia indicar os preços solicitados pela Autora.
14. A motivação subjacente à decisão do Tribunal a quo é insuscetível de sustentar estes pontos da matéria de facto dada como provada, pelo que o facto eee) dado como provado deverá ser novamente redigido consoante a formulação constante no n.º 60 das alegações.
15. Quanto aos factos ggg), iiii), jjjj) e qqqq), conforme consta nos n.ºs 61 a 94 das alegações, a prova produzida não foi apreciada nem tomada em consideração de forma correta, uma vez que não existia nenhum indício de que a Ré poderia ter interpretado a proposta que a Autora lhe enviou como incluindo o valor relativo aos materiais que a Ré poderia vir a fornecer, muito pelo contrário.
16. E sempre seria de considerar do depoimento testemunhal que não é possível concluir que foi produzida prova suficientemente inequívoca para que se pudesse considerar que a Autora teria estimado o custo dos materiais emcerca de € 2.500.000,00. E tambémnão poderia ter sido dado como provado que a Autora tinha já preparado, pelo menos, o programa de trabalhos e o preço final que iria apresentar ao concurso, posto que não foi produzida prova que permita concluir de forma inequívoca que o preço final referido pela Autora incluía já o preço dos materiais que a Ré poderia vir a fornecer.
17. Por todos estes motivos, a fundamentação elaborada pelo Tribunal a quo é insuscetível de sustentar a decisão proferida quanto a estes concretos pontos da matéria de facto dada como provada, tendo o Tribunal a quo procedido, salvo o devido respeito, a uma errada ponderação e valoração da prova produzida, devendo os factos considerados como provados nas alíneas ggg), iiii), jjjj) e qqqq) constar, em alternativa, do elenco de factos não provados da douta Sentença recorrida, com a redação constante no n.º 94 das alegações.
18. Quanto aos factos ppp) e qqq), ainda que a Ré não pretenda impugnar a motivação do Tribunal a quo subjacente a esta consideração factual, a verdade é que os únicos factos relevantes que importa conhecer para a boa decisão da causa são os referentes ao concurso público n.º 024/2019-DLO-ML, conforme melhor indicado nos n.ºs 95 a 105 das alegações.
19. Assim, a fundamentação elaborada pelo Tribunal a quo é insuscetível de sustentar a decisão proferida quanto à aplicação do Direito a estes concretos pontos da matéria de facto dada como provada, tendo o Tribunal a quo procedido, salvo o devido respeito, a uma errada valoração da prova, devendo os factos considerados como provados nas alíneas ppp) e qqq) constar do elenco de factos provados da douta Sentença recorrida com a redação constante no n.º 105 das alegações.
20. Quanto aos factos uuu), vvv), rrrr) e ssss), a motivação e construção argumentativa do Tribunal a quo, subjacente a estas considerações factuais, está inquinada de diversas inexatidões, conforme melhor se refere nos n.ºs 106 a 161 das alegações.
21. Da prova testemunhal não poderá ser atestado esta suposta factualidade de forma idónea, concisa e objetiva, uma vezque o Tribunal a quobaseou o seu entendimento no depoimento de uma testemunha relacionada com quem estaria no mercado como mero cliente – o Metropolitano de Lisboa e que obviamente não teria (nem teria que ter) conhecimento de facto das especificidades das peças de referência IFE -, ao invés de tomar em consideração o depoimento de uma testemunha relacionada com o próprio fabricante dessas peças.
22. O Tribunal a quo parece também ter ignorado ou desvalorizado por completo a informação transmitida poroutratestemunha, de queera possívelcolocarpeçase outros materiais, de umqualquer fabricante, no sistema de portas, ainda que sujeito a certificação ou homologação para atestar que o sistema funcionaria em conformidade com as exigências de segurança de cada marca, mas que essas alternativas não foram procuradas nos vários meses que a Autora dispôs para o fazer.
23. O sistema de acionamento de portas em questão seria um sistema altamente dependente de requisitos de segurança, mas tal não impediria que fossem utilizados materiais de outros fabricantes, desde que o sistema como um todo fosse homologado da devida forma – tal como, aliás, resulta da prova testemunhal.
24. De qualquer forma, não corresponde à verdade que não se vislumbre forma de saber, através das referências IFE, quais as peças de outros fabricantes que corresponderiam a estas, tal como resulta da prova testemunhal.
25. Nunca seria possível concluir, sem mais, que os materiais com a referência IFE eram essenciais à apresentação da proposta e posterior execução dos trabalhos; que não era possível a conceção e apresentação de soluções alternativas ou de equipamentos e materiais equivalentes; que nos referidos concursos não estava em causa o fornecimento de novas portas de passageiros mas sim a revisão da integridade e funcionalidade das portas de passageiros já instaladas no material circulante; e que, por tudo isso, os referidos materiais apenas poderiam ser fornecidos pela Recorrente, sob pena de comprometer o sistema de funcionamento das portas de passageiros – pelo que deverão os factos considerados como provados nas alíneas uuu), vvv) e ssss) constar, em alternativa, do elenco de factos não provados da douta Sentença recorrida, e o facto rrrr) dado como provado ser novamente redigido segundo a formulação constante no n.º 161 das alegações.
26. Quanto aos factos tttt) e uuuu), importa mencionar que a Ré não impugna a matéria factual que ora aqui se apresenta, pretendendo antes frisar que, conforme se refere nos n.ºs 162 a 168 das alegações, tendo as duas considerações sido dadas como provadas pelo Tribunal a quo, então este teria que ter concluído que a Ré não abusou de uma qualquer suposta posição dominante no hipotético mercado relevante pelo mesmo considerado, uma vez que não detinha tal posição. A Ré dispensa-se de sugerir uma nova formulação dos factos considerados como provados, apelando antes a uma aplicação correta do Direito aos mesmos pelo douto Tribunal ad quem.
27. No que concerne ao elenco de factos considerados como não provados pelo Tribunal a quo, a Ré aceita a factualidade não provada, não pretendendo impugnar qualquer aspeto a esse respeito.
28. O Tribunal a quo considerou que a conduta da Ré consubstancia um abuso de posição dominante por recusa de fornecimento e, ainda, que estariam preenchidos os pressupostos do regime jurídico de responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil (n.ºs 96 a 195 da Sentença ora recorrida).
29. Na sua análise, o Tribunal a quo confirmou a necessidade e indispensabilidade de se definir o mercado de produto e geográfico relevante previamente à determinação da existência de uma posição dominante, ainda que não o tenha feito da forma juridicamente correta, conforme pela Ré explicado nos n.ºs 174 a 231 das alegações.
30. O mercado relevante compreende duas vertentes: o mercado do produto relevante e o mercado geográfico relevante.
31. Na busca pelo efetivo mercado relevante aplicável aos presentes autos, o Tribunal a quo considerou que se deveria analisar estarmos na presença de um mercado de sistema ou perante mercados autónomos entre si, mas inquinou a sua consideração de aplicação de um mercado de sistemas desde logo porque, de forma errónea, considerou que não existiriam disponíveis alternativas para a Autora, o que não resultou da prova produzida.
32. Ora, o Tribunal a quo acaba por concluir, no n.º 157 da Sentença ora recorrida, que o mercado de produto relevante diz respeito ao mercado das peças ou órgãos mecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros de carruagens de metro com a referência IFE.
33. O Tribunal a quo partiu, desde logo, do pressuposto errado para determinar qual o mercado relevante, ou seja, da inexistência de alternativas às peças enumeradas no Caderno de Encargos do Concurso Público em causa [factos provados uuu) e vvv), e supra impugnados]. Isto porque não ficou demonstrado que não existiam alternativas para as referidas peças com referência IFE, nem pela Autora em sede de Petição Inicial, nem pelas testemunhas arroladas para o processo.
34. Assim, e face ao supra exposto, atendendo aos elementos probatórios (ou falta deles) constantes dos autos, sempre se deveria considerar como mercado relevante o mercado das peças ou órgãos mecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros de carruagens de metro na UE, senão mesmo correspondente ao EEE.
35. O Tribunal a quo concluiu pela existência de uma posição dominante da Ré considerando-a “evidente” por ser monopolista e não haver qualquer evidência de concorrência potencial ou qualquer outro fator que supostamente pudesse perturbara sua posição, conforme resulta do n.º160 da Sentença ora recorrida.
36. Mas tal conclusão foi apresentada sem qualquer enquadramento prévio ou (tentativa de) preenchimento de todos os pressupostos para se concluir pela existência de uma posição dominante; apenas se baseou na respetiva prévia, e errada, determinação do mercado de produto e geográfico relevante que realizou, concluindo que, em tal mercado, a Ré deteria uma posição dominante.
37. A Ré considera que não detinha qualquer posição dominante, em face dos pressupostos desta detenção para tal consideração, conforme se encontra melhor explicado no decorrer dos n.ºs 232 a 280 supra.
38. Entre outros, o facto de Ré ser distribuidora exclusiva das peças IFE não se reconduz, diretamente, ao facto de deter uma posição supostamente monopolista, principalmente devido à existência de empresas de fornecimento de peças similares ou equivalentes, uma vez que a Autora poderia, (i) ter-se socorrido da faculdade prevista no n.º 10 do artigo 49.º do CCP; ou (ii) ter ainda procurado adquirir junto de outros fornecedores nacionais ou internacionais os materiais e equipamentos que pretendia adquirir junto da Ré; ou ainda (iii) ter procurado desenvolver os seus e sujeitá-los a posterior homologação, conforme sabemos que seria uma possibilidade, de acordo com a prova testemunhal.
39. Efetivamente, a Ré seria apenas mais um fornecedor no mercado, entre muitos outros, demonstrando-se, ainda, a existência de pressões concorrenciais a título de concorrência potencial e, na verdade, mesmo quotas de mercado de uma empresa mais não são do que “uma primeira indicação útil”, uma vez que é necessário tomar ainda em consideração diversos outros elementos.
40. O Tribunal a quo ignorou todos os referidos fatores, o que põe em causa as próprias conclusões extraídas pelo Autora sobre a alegada existência de uma posição dominante detida pela Ré e consideradas provadas pelo Tribunal a quo.
41. De todo o modo, e a título meramente subsidiário e caso assim não se considere, o que se concebe apenas por mera cautela de patrocínio, sem prescindir ou conceder, é necessário relembrar que a criação de uma posição dominante ou a mera detenção de uma tal posição não configura, nos termos do artigo 11.º da LdC e do artigo 102.º do TFUE, qualquer ilícito. Apenas o abuso dessa posição dominante é proibido pelas normas em questão, sendo portanto necessária a existência de uma conduta passível de ser qualificada como abusiva, para que fosse possível considerar que a Ré teria abusado da sua alegada posição dominante, como entendido pelo Tribunal a quo, bem como preencher os restantes requisitos do tipo objetivo.
42. Dos requisitos cumulativos para a existência de um tipo de infração como a considerada pelo Tribunal a quo destacam-se, (i) a detenção de uma posição dominante; (ii) a existência de dois mercados; (iii) a recusa de contratar; (iv) que a recusa incida sobre um input indispensável para a concorrência num mercado relacionado; (v) que a conduta seja suscetível de eliminar a concorrência no mercado relacionado; (vi) que a recusa seja suscetível de originar um prejuízo para o consumidor; e, (vii) que inexista uma justificação objetiva para a recusa.
43. Relativamente ao requisito (i), conforme resulta dos n.ºs 230 a 280 e 284 a 287 das alegações, no mercado geral das peças ou órgãos mecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros de carruagens de metro, com uma dimensão correspondente (pelo menos) ao território da UE ou até do EEE, não ficou provado que a Ré detinha qualquer posição dominante.
44. Quanto ao critério (ii), conforme resulta dos n.ºs 288 a 293 das alegações, este foi totalmente ignorado pelo Tribunal a quo, resultando numa análise insuficiente e erroneamente elaborada, afetando também a consideração dos restantes requisitos e sendo por isso impossível considerar, por falta de preenchimento do mesmo, que se verificaria um abuso de posição dominante por parte da Ré.
45. No que diz respeito ao pressuposto (iii), conforme resulta dos n.ºs 294 a 306 das alegações, o Tribunal a quo considerou-o preenchido. Todavia, o que efetivamente ocorreu foi, no máximo e sem conceder, uma suposta não resposta a um pedido de cotação por parte da Ré que nem ocorreu pois a Ré respondeu à Autora comunicando-lhe que, segundo o seu entendimento, os preços da lista apresentada pela Autora estavam totalmente fora do objetivo definido pela Metropolitano de Lisboa.
46. Sendo que mesmo a simples não indicação de um preço associado a um possível fornecimento dos materiais em questão nunca afetaria a possibilidade da Autora prestar os seus serviços de manutenção nesse mercado relacionado – não sendo possível afirmar de forma tão simplista que a Ré teria, afinal, impedido a Autora de participar no procedimento concursal em causa.
47. O Tribunal a quo considerou que o critério (iv), conforme resulta dos n.ºs 307 a 337 das alegações, se encontraria preenchido. No entanto, e uma vez que o Tribunal a quo não foi capaz de identificar de forma clara qual seria o mercado relacionado em que o input comercializado no mercado principal se revelava, alegadamente, essencial e indispensável, nunca poderia este verificar de forma correta e precisa o preenchimento deste requisito.
48. Por outro lado, a conclusão que o Tribunal a quo retira encontra-se irremediavelmente inquinada desde a identificação dos factos provados quando considerou que não existiam alternativas às peças fornecidas pela Ré, visto não ter ficado provado que não existiam alternativas às peças fornecidas pela Ré e que a Autora não poderia, ela própria ou conjuntamente com outras empresas, criar materiais ou equipamentos alternativos aos da ora Ré, pois a Autora, a quem cabia uma tal prova nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, não a produziu.
49. Pelo contrário, até foi efetivamente produzida prova no sentido da existência de substitutos atuais e potenciais e de pressões concorrenciais a título de, no mínimo, concorrência potencial, algo notoriamente ignorado pelo Tribunal a quo e de onde resulta que nunca deveria ou poderia este ter dado por provadas a indispensabilidade e a essencialidade das peças.
50. No que concerne ao critério (v), conforme resulta dos n.ºs 338 a 342 das alegações, o Tribunal a quo parte de uma definição incorreta do mercado de produto e geográfico relevante, o que necessariamente inquina a respetiva conclusão.
51. A Ré não detém uma posição dominante no mercado relevante, pelo que a sua conduta sempre seria insuscetível de “eliminar toda e qualquer concorrência efetiva no mercado relacionado”. E sempre subsistiria a possibilidade de os concorrentes a quem o acesso fosse recusado disporem de alternativas resultando, por isso, na impossibilidade de concluir que se teria verificado ou existiria qualquer suscetibilidade de eliminação da concorrência nos mercados relevantes e relacionados o caso concreto.
52. Quanto ao requisito (vi), conforme ficou demonstrado nos n.ºs 343 ao 363 da alegações, o entendimento do Tribunal a quo parece partir de pressupostos erróneos, uma vez que o mesmo considerou que estaria provado que não existiria alternativa no mercado às peças fornecidas pela Ré, sendo que caso este facto tivesse sido considerado como não provado, conforme entende a Ré que deveria ter sucedido, facilmente o Tribunal a quo teria percecionado que o preço apresentado por esta ao concurso não teria sofrido, de qualquer modo, qualquer impacto, e que seria exatamente o mesmo independentemente dos seus concorrentes no mercado.
53. No que diz respeito à alegada correlação direta entre o resultado do concurso público e o preço que iria ser pago pelo cliente, trata-se de uma dedução efetuada pelo Tribunal a quo que excede o limite do razoável, porque o preço máximo a pagar pela Metropolitano de Lisboa foi definido ab initio, terá sido por aquela orçamentado e tal custo decorrente do normal decurso das suas atividades, não sendo devido ou como consequência ou em resultado da suposta recusa de venda da ora Ré – além de que o Metropolitano de Lisboa não tem sequer a ampla autonomia que o Tribunal a quo terá considerado que tinha para definir aumentos e/ou reduções dos preços, em virtude da sua especial condição de EPE.
54. Por fim, no caso do requisito (vii), conforme ficou demonstrado nos n.ºs 364 ao 394 da alegações, a Autora apenas teria disponibilidade financeira para pagar pouco mais de € 600.000,00 pelas peças que poderiam vir a ser fornecidas pela Ré, valor este que seria desmedidamente inferior ao valor real associado ao fornecimento das referidas peças e que não permitiria que a Autora desse as garantias comerciais adequadas de que cumpriria as suas obrigações enquanto compradora do material que havia solicitado junto da Ré, colocando também em causa um retorno adequado para o investimento efetuado no desenvolvimento e produção das peças, algo essencial para permitir um progresso contínuo da atividade da Ré e para garantir os elevados standards de segurança associados a este tipo de materiais – o que justificaria a referida recusa.
55. Para mais, a divulgação dos preços concretos dos materiais a fornecer pela Ré à Autora, no caso de a própria Ré vir também a apresentar uma proposta no concurso público em causa – o que acabou por suceder – poderia conceder à Autora, enquanto empresa também a concorrer no procedimento concursal, uma vantagem comercial substancial em prejuízo da própria Ré, o que poderia constituir uma justificação objetiva, necessária e proporcional para o comportamento em causa, posto que a Ré pretendia proteger-se, no limite, de uma concorrência desleal por parte da Autora e também precaver-se de quaisquer acusações sobre potenciais trocas de informações entre empresas atual ou potencialmente concorrentes ou mesmo e até, em última instância, resguardar-se de acusações mais graves, como fossem acordos ou práticas concertadas.
56. Houve ainda ganhos de eficiência associados ao comportamento em causa, uma vez que foi indispensável e proporcionado ao objetivo pretendido, de, por um lado, proteger o seu investimento e desenvolvimento no material solicitado e, por outro lado, garantir que receberia uma compensação adequada pelo fornecimento do mesmo – o que também justificaria o mesmo.
57. Face ao exposto, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo, sempre se concluiria que a conduta da Ré que, hipoteticamente, abusou da sua alegada posição dominante, sempre estaria objetivamente justificada e se consideraria uma conduta lícita nos termos e para os efeitos do artigo 11.º da LdC.
58. Relativamente ao preenchimento dos requisitos constantes do artigo 102.º do TFUE, quanto à suscetibilidade de afetação do comércio entre Estados-Membros e de que essa afetação seja sensível, o Tribunal a quo efetuou uma análise inquinada por partir dos pressupostos errados, como seja a detenção de uma posição dominante no território nacional, a partir de uma definição incorreta do mercado relevante considerando, erradamente, que existe uma afetação de todo o território nacional e, consequentemente, sobre o comércio entre Estados-Membros.
59. E ainda que ad absurdum se considerasse o requisito inerente à existência de uma afetação do comércio entre Estados-Membros preenchido (o que por mera cautela de patrocínio se poderá mas sem conceder), a verdade é que um tal afetação não teria um carácter sensível por não ter analisado os pressupostos do mesmo.
60. Em face do exposto, não se poderá senão concluir que a conduta da Ré nunca poderia ser considerada como abusiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 19/2012 e do artigo 102.º do TFUE, nomeadamente por integral falta de elementos probatórios que demonstrem qualquer dos mais elementares requisitos inerentes à demonstração da existência de qualquer abuso, cujo preenchimento é aliás cumulativo e não alternativo.
61. Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, há uma total ausência de culpa por parte da Ré, por falta de prova do preenchimento do pressuposto por parte da Autora a quem cabia o ónus da prova, devendo o Tribunal a quo ter concluído forçosamente de que a atuação da Ré não foi dolosa.
62. Apenas seria possível imputar mera culpa inconsciente à suposta conduta ilícita da Ré, o que apenas por mera cautela de patrocínio se considera e não se concede, e que a indemnização a pagar pela Ré à Autora sempre teria de ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados e, portanto, em montante muito inferior ao que foi determinado pelo Tribunal a quo na sua Sentença.
63. De qualquer forma, caso o douto Tribunal ad quem considere ad absurdum que a Ré atuou dolosamente, a existência de circunstâncias excecionais sempre poderia excluir a sua culpa e determinar uma absolvição total da Ré do pedido, nomeadamente por erro desculpável, que a lei prevê no artigo 338.º do CC.
64. Assim, conclui-se que devido ao não preenchimento de diversos dos pressupostos da responsabilidade civil, em particular a inexistência de qualquer facto ilícito e culposo por parte da Ré que consubstancie qualquer pedido indemnizatório por parte da Autora, deve ser a Ré absolvida do pedido.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E, EM CONSEQUÊNCIA, SEREM REAPRECIADOS OS FACTOS b), eee), ggg), iiii), jjjj), qqqq), ppp), qqq), uuu), vvv), rrrr), ssss), tttt) E uuuu) DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA; E SER REVOGADA A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO QUE JULGA TOTALMENTE PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO DA AUTORA, DEVENDO A MESMA SER SUBSTITUIDA POR UMA OUTRA QUE DETERMINE A AÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA, COM ABSOLVIÇÃO DA RECORRENTE DO PEDIDO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”
*
A KNORR-BREMSE ESPAÑA, SA, ofereceu contra-alegações, em que apresenta as seguintes conclusões:
(A) O âmbito do recurso jurisdicional interposto pela Recorrente abrange tanto o erro de julgamento quanto à matéria de facto, como da matéria de direito;
(B) Em primeiro lugar, a Recorrente suporta o seu recurso num alegado de erro de julgamento quanto à matéria de facto, por dar como não provado o facto constante da alínea d) – “Com exceção dos preços solicitados à Ré, a Autora tinha todo o processo documental pronto para submissão aquando do segundo concurso (artigo 93.º da PI)”;
(C) Todavia, o único meio de prova apresentando por si para suportar esta mesma alegação corresponde única e exclusivamente, ao depoimento prestado por (…);
(D) Resulta expressamente do Programa de Procedimento a proposta a apresentar no concurso em apreço deveria ter sido instruída com oito (8) documentos, sendo que destes, somente dois (2) careciam da informação ou elementos a disponibilizar pela Ré, sendo os restantes seis (6) documentos da única e exclusiva responsabilidade da Autora;
(E) A Autora nunca juntou aos autos nenhum draft de proposta, nenhum planeamento da proposta ou qualquer outro documento ou informação com base documental que aludisse à preparação da documentação exigida no Programa do Procedimento, e que permitisse demonstrar que, de facto, a Autora tinha “todo o processo documental pronto para submissão”;
(F) Estando em causa o ónus da Autora de fazer prova que todo o processo documental se encontrava pronto para submissão, naturalmente, esta mesma deveria ter sido feita, única e exclusivamente, através da junção desses mesmos documentos;
(G) Além do mais, como bem concluiu o Tribunal a quo, o depoimento da referida e testemunha não mereceu qualquer tipo de credibilidade fruto da sua abstração e generalidade;
(H) Tendo a testemunha em causa inclusivamente reconhecido – quando confrontada com o documento enviado à Ré, a solicitar o fornecimento das peças e materiais para cotação –, a existência de diversas referências que não correspondem à referência IFE, mas sim a outros fabricantes.
(I) Resulta ainda do depoimento de (…) que a mesma não era a única responsável pela recolha/elaboração de tais documentos, tendo sido todo o trabalho “feito por equipa multidisciplinar da Incomef”.
(J) Porém, esta não só não foi capazde esclarecer o Tribunal se, afinal, a Autora tinha ou não pedido cotação aos demais fabricantes cuja referência era indicada no Anexo II ao Caderno de Encargos, como nem sequer estava em condições de indicar se e quem o havia eventualmente feito;
(K) Ora, por tudo isto, e como se demonstrou nestas contra-alegações, bem andou a Sentença recorrida ao decidir como decidiu, no sentido de que não existem elementos probatórios suficientes que permitam criar algum tipo de convicção razoável ou suficientemente segura e certa sobre a efetiva verificação deste mesmo facto;
(L) Partindo do alegado erro de julgamento quanto à matéria de facto, a Recorrente vem invocar uma pretensa nulidade da Sentença recorrida derivada de o Tribunal a quo não ter procedido ao convite à Autora ao aperfeiçoamento dos factos alegados;
(M) Ora, acontece que, como se demonstrou nestas contra-alegações(para onde se remete), o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial somente compreende as situações de “mera insuficiência ou incompletude” naquela que é a “densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida” (cf. citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/11/2017);
(N) Ou seja, o convite ao aperfeiçoamento não compreende as situações de suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir” (cf. citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/01/2019);
(O) Conforme resulta do artigo 5.º do CPC, a Autora tem o ónus de alegar todos os factos essenciais que constituem a sua causa de pedir;
(P) E não tendo sido alegados factos reputados como essenciais para demonstrar o próprio dano e nexo de causalidade, não merece qualquer tipo repúdio ou censura a Sentença recorrida, ao decidir como decidiu, no sentido que não se encontra demonstrada a existência de uma perda de oportunidade, séria e consistente, de ganhar o segundo concurso;
(Q) Para além disso, e ainda que para o êxito da ação seja necessária a prova desses mesmos factos essenciais, a verdade é que não cabe ao juiz diligenciar pela verificação dessa mesma prova;
(R)       Atendendo aos critérios gerais de distribuição subjetiva do ónus da prova, previstos no artigo 342.º do CC, cabe, àquele que invoca um direito, fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado;
(S) Na medida em que todos os pressupostos necessários à satisfação do direito à indeminização correspondem a elementos constitutivos do direito invocado pela Recorrente, cabia-lhe fazer prova da sua verificação;
(T)       Contudo, resulta expressamente da Sentença recorrida que a Autora não provou os factos “necessários (…) para demonstrar o próprio dano e o nexo de causalidade” (cf. Ponto 238);
(U)      Neste seguimento, mais uma vez, bem andou o Tribunal a quo, ao entender que, no caso concreto, não se encontra “demonstrada uma perda de oportunidade de ganhar o (segundo) concurso séria e consistente” (cf. Ponto 238 da Sentença Recorrida);
(V) Por último, a Autora – ora Recorrente – alega que a decisão proferida apresenta “uma interpretação exigentíssima” dos parâmetros gerais da perda de chance, “concretamente quando aborda os conceitos de consistência e seriedade do dano”, reclamando que resulta expressamente da prova junta aos autos que, “por culpa exclusiva da conduta da Recorrida, deixou de obter” uma margem de lucro de 1.300.000,00 €;
(W) Ora, resulta expressamente do pedido indemnizatório formulado na p.i. que a Autora pretendia, não só ver-se indemnizada nos danos em que incorreu com a preparação da proposta, bem como ser colocada na situação em que se encontraria caso o contrato, resultante do concurso em apreço, fosse efetivamente celebrado e cumprido;
(X) Encontrando-nos no âmbito da indemnização pelo interesse contratual positivo e negativo, importa desde logo destacar que, para todos os efeitos, as mesmas não são cumuláveis;
(Y) Para além de que o dano da perda da chance, no âmbito dos procedimentos concursais, não corresponde a “um dano recortado matematicamente em função do lucro expectável conjugado com a percentagem de êxito quanto ao desfecho do concurso, mas antes um valor encontrado equitativamente e fixado a partir das concretas situações do caso” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/10/2023, Processo n.º 011/11.0BECBR 0279/18);
(Z) No âmbito de um concurso público, para que determinado concorrente venha a celebrar o contrato, é necessário que a proposta que o mesmo apresente, seja aquela que é efetivamente adjudicada, por se tratar da proposta economicamente mais vantajosa à luz do critério de adjudicação fixado;
(AA) Ficou demonstrados nos autos que a Autora, ora Recorrente, não possui qualquer experiência na participação em concursos públicos para adjudicação de contratos em ferrovia e, muito menos, em execução de contratos com objecto e valor similar ao contrato aqui em crise.
(BB)    Como mencionado na Sentença a quo, resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2002, de 26/01/2022, que para que “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”;
(CC) E face às contingências próprias de um processo concursal, exige-se “uma maior atenção e rigor na determinação de que a oportunidade perdida era consistente e séria”, isto porque os mesmos são caracterizados pela existência de uma incerteza sobre o desfecho dos mesmos. (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/09/2024 citado nestas contra-alegações);
(DD) Como resulta da Sentença a quo, “não decorre dos factos provados e acima enunciados que a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável” (cf. ponto 238);
(EE) E mesmo que estivesse, ainda assim, a prova de tal capacidade não seria suficiente, impondo-se que a Autora provasse igualmente “que as probabilidades de ganhar o concurso público (…) eram sérias e reais, muito superiores às probabilidades de o perder” (cf. mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/05/2024);
(FF) O critério de adjudicação erigido pelo Metropolitano de Lisboa foi o da proposta economicamente mais vantajosa, composto por dois fatores: i) Preço: a que correspondia uma ponderação de 60%; ii) Solução Técnica: a que correspondia uma ponderação de 40%.
(GG) Tendo presente que a p.i. nada refere quanto à classificação da componente técnica que a proposta póstuma da Recorrente teria, a única conclusão plausível e possível passa por assumir que teria tido – se tivesse apresentado proposta – a pontuação de zero ("0"), pelo que ficaria sempre ordenada em lugar subsequente ao da KB, aqui Recorrida;
(HH) A Autora não cuidou de, em sede de prova testemunhal, demonstrar que a componente técnica cumpriria as especificações técnicas do Caderno de Encargos nem, muito menos, qual seria a pontuação a atribuir à sua “proposta”;
(II) E não o fez, porque não preparou a proposta, nem preparou, e muito menos concluiu, algum dos documentos técnicos exigidos no Programa de Procedimento;
(JJ) Pelo que, sempre seria impossível atribuir qualquer indemnização que partisse do pressuposto que a proposta da Autora foi preparada, que seria apresentada e sobre ela recairia a adjudicação;
(KK) Não sendo, por isso, a Sentença recorrida, digna de censura ou de qualquer critica, sendo o recurso interposto manifestamente improcedente.
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A INCOMEF – INDÚSTRIA de COMPONENTES MECÂNICOS de FREIXIEIRO, LDA, ofereceu contra-alegações, em que resumidamente refere que:
“- a posição da Ré assenta na sua alegação no sentido da alteração da decisão quanto a estes factos, e concretamente passando a considerar-se não-provados! Sem essa alteração todo o raciocínio da Ré cai por terra;
- É assim na determinação de um mercado relevante, na análise da existência de um mercado de sistemas, ou de um mercado de peças de substituição. É assim na determinação de uma posição dominante. É assim na análise da (i)licitude da recusa de venda. É assim quanto ao prejuízo para concorrência, e é assim na avaliação da existência de prejuízo para o cliente final;
Convém esclarecer a pretensão da A. de uma vez por todas:
- A Ré foi investida numa posição de privilégio – verdadeiramente numa posição dominante – por força dos, já identificados nos autos, anúncios dos dois concursos públicos pela ML, onde os componentes a fornecer eram identificados por referências IFE (exclusivamente referências IFE);
- Esta “investidura”, não decorrendo automática do mero anúncio e das concretas cláusulas daqueles concursos, é, ainda assim, efectiva, em face da essencialidade de fornecimento das peças com referências IFE – devidamente explicada em sede de audiência de julgamento, como se verá;
- Uma vez nesta posição, a Ré recusou dar cotação, e com isso manifestou uma verdadeira recusa de venda, das peças com referências IFE à A.,         
- Mas mais do que isso, manteve a A. em “banho-maria” (justificadamente ou não...), durante 4 meses sempre assegurando que estava a trabalhar na solicitada cotação para o fornecimento dos ditos componentes.
- E por via desta sua conduta, impediu a A. de apresentar uma proposta aos concursos... aos dois concursos!
- Esta, sim, é uma súmula da causa de pedir da A.... a Ré, tendo recebido o privilégio de uma posição dominante, abusou dela, causando prejuízos à A., por recusar fornecer produtos do seu comércio!
- a posição da Ré assenta essencialmente na afirmação de que a A. teria sempre ao seu dispor alternativas de obtenção, fosse por aquisição ou por concepção e produção próprias, dos componentes a fornecer à entidade adjudicante para efeitos de apresentação de proposta a concurso público;
- A testemunha (…) afirmou expressamente, como é, de resto, transcrito na douta sentença recorrida, que “não havia alternativas;
- O sistema de portas a ser intervencionado foi concebido e certificado como um todo, para controlo de um software próprio para o efeito. E foi-o originalmente sujeito a tal certificação, certamente, com a indicação dos componentes identificados com as referências IFE – e não com a identificação genérica de cada componente!
E foi essa lista de componentes cujo fornecimento, sendo necessário substituir a título de manutenção ordinária, foi sujeito a concurso público.
- a certificação dos componentes a substituir implica necessariamente que não podem ser instalados componentes sucedâneos ou semelhantes ou copiados, pois que, podendo ser, em geral, funcionais, podem não satisfazer as necessidades de conformação com os critérios de funcionamento de software próprio de controlo e segurança.
Daqui resulta de forma clara e definitiva, por muitos argumentos que se possa invocar, que não havia alternativa às peças com referência IFE cujo fornecimento foi posto a concurso.
- na possibilidade de a A. fabricar as peças ela própria, a verdade é que não poderia saber as concretas especificidades de cada uma das peças, pois que apenas estão identificadas com as referências da IFE! Ou seja, qual, e como poderia um concorrente saber, a correspondência entre as referências internas da IFE e as especificações técnicas do produto?
Simplesmente não podia...
E com isso, impossibilitou-se o recurso a qualquer alternativa técnica às referências fornecidas no concurso!
- Note-se que a culpa se deve, nesta sede, referir-se não à criação da situação de posição dominante num mercado, mas apenas ao ilícito subsequente do seu abuso.
Ora,
A ilicitude da conduta da Ré residiu numa injustificada e inadmissível recusa de fornecimento de produtos do seu comércio, que, além de tudo, foi omitindo à A. até à véspera do termo de prazo de apresentação de propostas a concurso.
- Sabia igualmente a Ré que os componentes postos a concurso eram identificados com referências IFE.
Sabia mais, que as referências IFE eram referências meramente internas, ou seja, sem possibilidade de, sem mais, qualquer terceiro poder identificar as especificações técnicas correspondentes a cada um dos componentes.
Sabia, por fim, que, pela sua conduta impediria a A., ou qualquer outro concorrente, de se apresentarem aos concursos públicos da ML.
E tanto sabia tudo isto que se apresentou a concurso, por duas vezes consecutivas, apresentando proposta ao valor-base, ou seja, no limiar máximo do concurso, bem sabendo que, sem outros concorrentes, lhe seria adjudicada a prestação de serviços.”
Pugna pela improcedência do recurso subordinado e a manutenção da decisão recorrida neste âmbito.
*
O Tribunal a quo, a 9 de dezembro de 2024, na sequência do recurso da A, proferiu o seguinte despacho:
“1. A Autora interpôs recurso da sentença proferida nos autos, incluindo reapreciação da matéria de facto provada e gravada.
2. Entre o mais, invocou a nulidade da sentença por falta de convite ao aperfeiçoamento, com base nos seguintes fundamentos: “o Tribunal a quo, apesar de concluir que a atividade comercial da Autora lhe permitia executar os serviços objeto do contrato, que empreendeu diversas diligências tendentes à apresentação da proposta, que tem experiência em concursos públicos, que tinha a firme intenção de concorrer e que a proposta que pretendia apresentar teria um valor inferior ao preço base, aliás o que consta da matéria da factualidade como provada, decidiu não condenar a Recorrida no pagamento dos danos causados pela perda de oportunidade. E fê-lo por entender que não foram alegados e provados que reputa como essenciais (que a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável) para poder decidir pela verificação do dano e nexo causal quanto à perda de oportunidade. A verificar-se a falta de alegação e prova de factos que o Tribunal considerasse como essenciais à procedência da causa de pedir alegada pela Autora, sempre aquele teria o poder/dever do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, o que não fez. Para a Recorrente, o entendimento não pode ser outro: o Tribunal a quo não só tinha o poder, mas também o dever do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, visto ser admissível e necessária a prova desses mesmos factos que reputou como essenciais. (…) A falta de convite a Recorrente para aperfeiçoar a sua Petição Inicial, a decidir subsequente de que aquela não havia alegado factos essenciais à sua causa de pedir, constitui uma nulidade por violação da alínea b) do nº2 e nº4 do artigo 590º conjugado com o artigo 6º, ambos do Código de Processo Civil, pois o tribunal a quo não analisou factos que considerou como essenciais, fruto da sua omissão de convite ao aperfeiçoamento, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada. (…) Esta omissão do convite ao aperfeiçoamento constitui assim, para todos os efeitos, nulidade que aqui expressamente se invoca (artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), e requer com as consequências legais”.
3. A Ré nas suas contra-alegações pugna pela improcedência da nulidade invocada.
4. Vejamos.
5. As questões a apreciar e decidir são: (a) nulidade por falta de convite ao aperfeiçoamento (ao abrigo do artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); (b) em caso negativo, admissibilidade do recurso, modo e momento de subida e efeitos. Iremos analisá-las em separado.
A. Nulidade por falta de convite ao aperfeiçoamento:
6. Concordamos com a Autora no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto previsto no artigo 590.º, n.º 2, alínea b) e n.º 4, do Código de Processo Civil, é um poder-dever do juiz e que a sua inobservância pode conduzir a uma nulidade, quando possa influir na decisão da causa.
7. Contudo, esse poder-dever apenas existe para “suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo”. Veja-se neste sentido: o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.01.2019, processo n.º 573/18.1T8SXL.L1-6; o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.01.2023, processo n.º 778/21.8T8AMT-A.P1; e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.11.2024, processo n.º 5289/18.6T8VIS.C1, todos passíveis de ser consultados na página eletrónica www.dgsi.pt.
8. Efetivamente, conforme advertem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, a “intervenção do juiz, apontando defeitos na narração dos factos, deve pautar-se por grande rigor e sobriedade, não cabendo ao juiz imiscuir-se nas opções assumidas pelas partes, nem sugerir outras alternativas, ainda que, eventualmente, mais vantajosas. Neste âmbito, a estratégia da parte baliza a intervenção do juiz e será dentro desses limites que o juiz deve cuidar de verificar se a alegação apresenta insuficiências ou imprecisões, proferindo o despacho de convite ao aperfeiçoamento quando conclua haver imperfeições”.
9. Estes parâmetros são relevantes para o caso, na medida em que a demonstração, in casu, da perda de uma oportunidade consistente e séria poderia ter sido alcançada pela Autora por uma de duas vias possíveis: por um lado, pela alegação e prova da admissibilidade legal e viabilidade técnica da proposta que pretendia apresentar nos concursos públicos em causa; por outro lado, através da alegação e prova de que estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável.
10. É em relação a esta segunda via que a Autora considera ter sido omitido o convite ao aperfeiçoamento. Sucede que os factos respetivos não corporizam pequenas insuficiências da matéria de facto alegada. Na verdade consubstanciam a omissão total de uma factualidade alternativa na qual a Autora poderia ter sustentado o dano da perda de chance e que, nessa medida, extravasa o poder-dever de convite ao aperfeiçoamento que incumbe ao juiz. Por conseguinte, considera-se que não se verifica a nulidade invocada.
B. Admissibilidade do recurso:
11. O recurso apresentado versa sobre decisão recorrível (cf. artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)), a Recorrente tem legitimidade (cf. artigo 631.º, n.º 1, do CPC), o recurso é tempestivo (cf. artigo 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPC), contém alegações e conclusões (cf. artigos 639.º, n.ºs 1 e 2, 640.º, e 641.º, n.º 2 alínea b), do CPC) e foi apresentado documento comprovativo da taxa de justiça devida (cf. artigo 642.º, a contrario, do CPC). Por conseguinte, o recurso deve ser admitido.
12. Trata-se de um recurso de apelação, que sobe nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo, tudo em conformidade com os artigos 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), e 647.º, n.º 1, ambos do CPC.
13. Em face do exposto:
a. julgo não verificada a nulidade por violação do convite ao aperfeiçoamento, mantendo a decisão recorrida;
b. admito o recurso de apelação interposto pela Ré da sentença proferida nos autos, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
14. Notifique.”
*
Os autos foram à conferência.
*
II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
Questões processuais.
- se a decisão é nula, por força do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC (por omissão do convite ao aperfeiçoamento da p.i. de forma a indicar os factos essenciais quanto ao alegado dano pela perda de chance e seu nexo causal);      
Impugnação da Matéria de Facto.
(A. e R.)
- se deve ser alterada a matéria de facto apurada na decisão (impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conforme efetuada pelas partes);
Direito.
(A.)
- se o dano pela perda de chance (ou de oportunidade séria e consistente de ganhar o concurso) e o seu nexo causal se verificam;
(R.)
- se a conduta da Ré (não) consubstancia um abuso de posição dominante por recusa de fornecimento;
- se (in)existe culpa por parte da Ré;
- e, em caso de se entender existir mera culpa, se a indemnização deve ser fixada, equitativamente, em montante inferior.
*
III – Fundamentação
Questões Processuais
Da nulidade da decisão (por omissão do convite ao aperfeiçoamento da p.i. de forma a indicar os factos essenciais quanto ao alegado dano pela perda de chance e seu nexo causal).
A Recorrente (ICOMEF) veio arguir a nulidade da decisão proferida nos termos dos artigos 6.º, 590.º, n.º 2, al. b) e n.º 4, e 195.º, n.º 1, todos do CPC 
Para o efeito, alega que o Tribunal a quoentendeu que não foram alegados e provados factos que reputa como essenciais (que a estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica viável) para poder decidir pela verificação do dano e nexo causal quanto à perda de oportunidade.
Finalmente, refere que “caso se pudesse conceber a decisão quanto à falta de alegação na petição inicial e prova de factos que considera como essenciais, sempre o Tribunal a quo tinha o poder/ dever do convite aio aperfeiçoamento da petição inicial, o que não fez.
A Apelada pugnou pela inexistência da alegada nulidade.
Afirmou, na defesa da sua posição, que “Conforme resulta do artigo 5.º do CPC, a Autora tem o ónus de alegar todos os factos essenciais que constituem a sua causa de pedir; E não tendo sido alegados factos reputados como essenciais para demonstrar o próprio dano e nexo de causalidade, não merece qualquer tipo repúdio ou censura a Sentença recorrida, ao decidir como decidiu, no sentido que não se encontra demonstrada a existência de uma perda de oportunidade, séria e consistente, de ganhar o segundo concurso”.
Mais afirmou que face ao “critério de adjudicação erigido pelo Metropolitano de Lisboa”, que considera a proposta economicamente mais vantajosa, a que resulta de dois fatores: “Preço: a que correspondia uma ponderação de 60%; Solução Técnica: a que correspondia uma ponderação de 40%.”
“Tendo presente que a p.i. nada refere quanto à classificação da componente técnica que a proposta póstuma da Recorrente teria, a única conclusão plausível e possível passa por assumir que teria tido – se tivesse apresentado proposta – a pontuação de zero ("0"), pelo que ficaria sempre ordenada em lugar subsequente ao da KB, aqui Recorrida;”.
 O Tribunal a quo, em cumprimento do disposto no artigo 617.º do CPC, antes de ordenar a remessa a este Tribunal, a respeito da pugnada nulidade, consignou que: “… a demonstração, in casu, da perda de uma oportunidade consistente e séria poderia ter sido alcançada pela Autora por uma de duas vias possíveis: por um lado, pela alegação e prova da admissibilidade legal e viabilidade técnica da proposta que pretendia apresentar nos concursos públicos em causa; por outro lado, através da alegação e prova de que estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável.
 É em relação a esta segunda via que a Autoria considera ter sido omitido o convite ao aperfeiçoamento. Sucede que os factos respetivos não corporizam pequenas insuficiências da matéria de facto alegada. Na verdade, consubstanciam a omissão total de uma factualidade alternativa na qual a Autora poderia ter sustentado o dano de perda de chance e que, nessa medida, extravasa o poder-dever de convite ao aperfeiçoamento que incumbe ao juiz. Por conseguinte considera-se que não se verifica a nulidade invocada.”
Vejamos, então.
Estabelece o artigo 195.º do CPC, sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos”, que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.” (destaques nossos)
Por sua vez, dispõe o artigo 5.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”, que:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” (destaques nossos)
Estabelece o artigo 6.º do CPC, sob a epígrafe “Deveres de gestão processual”, que:
“1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.” (destaques nossos)
Finalmente, dispõe o artigo 590.º do CPC, sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”, que:
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.” (destaques nossos)
A respeito desta temática, julgamos oportuno chamar à colação o Acórdão do STJ de 19 de janeiro de 2017, proferido no âmbito do processo 873/10.9T2AVR.P1S1, nomeadamente quando considerou que:
“I. A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves- mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República.
II. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo.
III. Incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada.” (in www.dgsi.pt)
Por sua vez, ainda a respeito desta temática, como aliás citado pelo Tribunal a quo,  no CPC Anotado por Abrantes Geraldes, é referido que “a intervenção do juiz, apontando defeitos na narração dos factos, deve pautar-se por grande rigor e sobriedade, não cabendo ao juiz imiscuir-se nas opções assumidas pelas partes, nem sugerir outras alternativas, ainda que, eventualmente, mais vantajosas. Neste âmbito, a estratégia da parte baliza a intervenção do juiz e será dentro desses limites que o juiz deve cuidar de verificar se a alegação fáctica apresenta suficiências ou imprecisões, proferindo o despacho de convite ao aperfeiçoamento quando conclusa haver imperfeições.” (destaques nossos)
Finalmente, a respeito desta temática, julgamos ainda oportuno chamar à colação a jurisprudência emanado do Acórdão do TRL de 24 de janeiro de 2019, proferido no âmbito do processo 573/18.1T8SXL.L1-6, nomeadamente quando no respetivo sumário refere que:
“I - O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).” (destaques nossos)
Importa agora aplicar os ensinamentos referidos à pretensão apresentada pela Recorrida.
É nosso entendimento que a decisão em crise não apresenta qualquer nulidade suscetível de se subsumir aos citados artigos.
Vejamos porquê!
Em primeiro lugar, porque os factos que a Recorrente pretendia ter sido convidada a “corrigir”, melhor, a alegar, são, como, aliás, a mesma os reputa e com o que se concorda, essenciais à sua causa de pedir e não imperfeições ou imprecisões na exposição que havia elaborado.
Em segundo lugar, conforme dá conta o Tribunal a quo, e com o qual também se concorda, a matéria objeto de reparo corresponde a uma factualidade alternativa através da qual a Autora poderia ter sustentado o dano de perda de chance, porém, como resulta dos autos, não foi esse o caminho trilhado pela parte, e, por isso, com o devido respeito, não se impunha ao juiz fazê-lo.
Dito isto, seja porque a matéria de facto que a Recorrente alega não ter sido convidada a alegar se reputa de essencial, seja porque a mesma se reputa de alternativa, não se impunha ao juiz o poder-dever de convidar a parte a “corrigir” o articulado.
Em conclusão, entendemos que a decisão em crise não padece de nulidade e, como tal, indeferimos o requerido.
*
Impugnação da decisão de facto.
Estabelece o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto”, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;  
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
…”.
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”(cfr. Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência).
Vejamos então se se mostram cumpridos tais ónus e, em caso afirmativo, passemos a conhecer da pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, naturalmente, como referido supra, tendo por referência as conclusões apresentadas.
Para o efeito, vamos seguir a ordem enunciada nas conclusões das Apelantes.
*
Comecemos pelo recurso da Autora.
Defende a Apelante que o “facto dado como não provado na alínea d) – (Com exceção dos preços solicitados à Ré, a Autora tinha todo o processo documental pronto para submissão aquando do segundo concurso (artigo 93.º da PI)) - dos factos considerados não provados, deveria ter sido considerado como provado!”
Funda a sua posição no depoimento da testemunha (…), engenheira “responsável pelo tratamento da proposta” (execução da proposta), que no seu entender mereceu credibilidade.
Conforme explanado no ponto II a) do recurso, consignou passagens daquele depoimento de forma a demonstrar a sua posição. 
A Recorrida, a este respeito, refere que o único meio de prova para suportar esta alegação corresponde única e exclusivamente, ao referido depoimento.
Mais refere que a A. “nunca juntou aos autos nenhum draft de proposta, nenhum planeamento da proposta ou qualquer outro documento ou informação com base documental que aludisse à preparação da documentação exigida no Programa do Procedimento, e que permitisse demonstrar que, de facto, a Autora tinha “todo o processo documental pronto para submissão”.
Refere ainda que “Estando em causa o ónus da Autora de fazer prova que todo o processo documental se encontrava pronto para submissão, naturalmente, esta mesma deveria ter sido feita, única e exclusivamente, através da junção desses mesmos documentos;”
Finalmente, explica o motivo porque o depoimento da referida testemunha não mereceu qualquer tipo de credibilidade.
A decisão em crise, a respeito da fundamentação da matéria não provada, consignou que “Os factos no sentido de que a A. tinha todo o processo documental pronto para submissão aquando do segundo concurso – alínea d) dos factos não provados – ficaram por demonstrar pelas mesmas razões expostas a propósito da factualidade exposta na alínea c) dos factos não provados e para as quais se remete.”
Porém, considerando que o facto c) dos não provados se reporta à suposta exclusividade dos funcionários que efetuaram a preparação das propostas a apresentar em concursos, julgamos que a remissão padece de lapso.
Efetivamente, a ligação deve ser feita por referência ao facto b) dos não provados, pois que ai se trata da “diligência pela instrução da proposta que pretendia apresentar todos os elementos documentais exigidos por lei, pelo Programa do Concurso e pelo Caderno de Encargos.”
A respeito desta (b), o Tribunal a quo desenvolveu a sua motivação nos pontos 44) a 46), sendo que começa por enunciar os documentos necessários para o Concurso e, em síntese, dá conta que além do “Programa de Trabalhos” os demais não se mostram juntos aos autos; explicando ainda que:
“45. De todos estes documentos, a não indicação pela Ré dos materiais com referência IFE impedia a finalização do documento com a lista de quantidades e preços unitários. E também impedia evidentemente a determinação final do preço da proposta. Contudo, já não comprometia o preenchimento parcial da lista de quantidades e preços, pois a lista continha a indicação a materiais sem a referência IFE, ainda que poucos (cf. doc. 3 junto com o requerimento com a ref.ª 59824, doc. 13), e a recolha e elaboração dos demais documentos. Ora, não há evidências de tais documentos nos autos. A única prova produzida sobre os mesmos reconduziu-se ao depoimento prestado por (…), no sentido de que tinham tudo pronto para apresentar a proposta, faltando apenas os preços dos materiais pedidos à Ré.”(destaques nossos)
Relativamente ao depoimento da testemunha (…) refere que:
“46. Sucede que este meio de prova é claramente insuficiente para sustentar uma convicção segura e certa sobre estes factos, pois mesmo que não se duvide de que a testemunha estivesse convencida daquilo que afirmou não é possível aferir se a sua convicção estava certa. Desde logo, porque a testemunha não discriminou os documentos que a Autora já tinha recolhido e elaborado. Para além disso, (…) não era a única responsável pela recolha e elaboração de tais documentos, pois a própria afirmou que a tarefa estava acometida a uma equipa multidisciplinar e não foi a própria quem pediu preços para todos os materiais. Ou seja, não só a testemunha não executou todas as tarefas relacionadas com a preparação do concurso, como também não tinha conhecimentos técnicos para avaliar a completude e correção de todos os documentos requeridos e necessários. E mesmo que assim não fosse, ou seja, ainda que (…) tivesse executado todas as tarefas e/ou tivesse competências para avaliar todos os documentos, ainda assim o seu depoimento seria insuficiente, pois não há evidências seguras sobre as competências técnicas da testemunha ou de outros intervenientes que permitissem sustentar uma convicção segura sobre o trabalho desenvolvido pelos mesmos. Consequentemente, dar como provados os factos exarados na alínea b) dos factos não provados apenas com base na prova produzida seria um verdadeiro ato de fé, não uma convicção racionalmente e objetivamente sustentada. Foi por estas razões que ficou por demonstrar a factualidade exarada na alínea b) dos factos não provados.”
A explicação citada merece a nossa total concordância e, por isso, nada nos resta acrescentar.
Porém, não podemos deixar de reforçar a ideia de que estando em causa saber se “a Autora tinha todo o processo documental pronto para submissão aquando do segundo concurso (artigo 93.º da PI)”, perante a sua não junção aos autos e a inexistência de explicação cabal para o efeito, seria mesmo um verdadeiro ato de fé considerá-lo provado com base naquele depoimento. O que, como é bom de ver, se mostra racional e objetivamente afastado pelo Tribunal a quo.
Dito isto, por reporte ao facto em análise, a posição do Tribunal a quo não nos merece qualquer censura.
*
Passemos agora para o recurso da Ré.
Defende a Apelante que os factos provados eee), ggg), uuu, vvv), iiii), jjjj), qqqq) e ssss) sejam retirados dos factos dados como provados, passando a integrar a matéria de facto não provada.
Mais defende que os factos provados b), ppp), qqq) e rrrr) passem a ter uma redação diversa.
Funda a sua pretensão, em síntese, nos depoimentos das testemunhas e em particular na falta de prova
Conforme adensado nas alegações do recurso subordinado, respetivamente nos números 20 a 169. 
A Recorrida (A.), a este respeito, refere que a R. “praticamente apagar das suas inúmeras transcrições de declarações de testemunhas o depoimento da Eng.ª (…). E fá-lo de forma consciente, alegando que ela seria uma pessoa interessada na sorte da acção, por ter integrado o júri do concurso, e com isso as suas declarações visaram isentar a ML e os membros do júri do concurso de qualquer tipo de responsabilidade (que ninguém lhes assaca, já agora!).”
Mais refere que “a posição da R. assenta na afirmação de que a A. teria sempre ao seu dispor alternativas de obtenção, fosse por aquisição ou por concepção e produção próprias, dos componentes a fornecer à entidade adjudicante para efeitos de apresentação de proposta a concurso público.”
Porém, como dá conta, o Tribunal a quo baseou-se no depoimento da testemunha (…) que deixou claro estarem em causa peças necessariamente com referência “IFE” – “que faziam parte do procedimento em que foi dada a referência daquela peça exactamente, não havia alternativas porque aquelas peças fazem parte de umconjunto do sistema de portas” – e outras em que tal não se verificava – nesse concurso, não era peças com referência indicada, também havia componentes ao nível de ML99 e outras peças que tinham de ser substituídas, portanto, que poderiam ser de qualquer... com qualquer outra referência...”.    
Finalmente, reportado à inexistência de alternativa às peças com referência IFE, refere ainda que também a testemunha (…) o confirmou e que também se retira do depoimento da testemunha (…).
Vejamos então a matéria impugnada.  
- o facto provado b).
A Recorrente entende que não se logrou fazer prova de que inexistiam outros fornecedores alternativos à R. para peças com a referência IFE, ou equivalentes, que constavam do caderno de encargos.
 Apela, para o efeito, às regras do ónus da prova, e, bem assim, aos depoimentos das testemunhas (…), funcionário da Incomef, (…), colaboradora da Incomef, (…), funcionário da R., (…), funcionário da R.
A decisão em crise motivou a sua decisão referente aos factos em análise nos pontos 19) a 23).
Em resumo, o Tribunal a quo dá conta que a exclusividade da distribuição dos produtos com referência IFE nos mercados de Espanha e Portugal cabia à R., enquanto empresa do grupo alemão KNORR-BREMSE, GmBH, foi admitida por acordo, na medida em que não foi objeto de impugnação.  
Porém, ainda assim, o Tribunal deu conta que o mesmo se mostra demonstrado com base em “parâmetros de normalidade e razoabilidade”, por não ser plausível “que a Autora não tenha efetuado uma pesquisa de mercado para saber onde podia adquirir as peças com a referência IFE que constavam no caderno de encargos e, caso existissem outros distribuidores, não tivesse recorrido aos mesmos, tendo-se limitado a aguardar pela resposta da Ré, conforme decorreu do depoimento prestado por (…) e das comunicações eletrónicas juntas aos autos com a petição inicial (doc. 8) e com o requerimento com a ref.ª 59823, de 09.03.2022, doc. 14, não havendo razões para duvidar da sua credibilidade e veracidade. Corrobora esta convicção a ausência de qualquer evidência de um fornecedor alternativo à Ré que vendesse, à data dos factos, as peças com a referência IFE indicadas no caderno de encargos.”
Mais deu conta, por referência ao depoimento da testemunha, que algumas peças que a R. vende e que são indicadas no caderno de encargos são peças fabricadas por outras empresas e vendidas pelas mesmas; assim como deu conta que a referência IFE que têm aposta é uma mera referência interna, para efeitos de organização.
O Tribunal a quo, a este respeito, não deixou de concluir que, mesmo admitindo a veracidade do referido pela testemunha (…), ainda assim tem por certo a veracidade da factualidade em análise, “pois seja qual for o motivo da aposição da referência IFE o certo é que não é por esse facto que a Ré deixa de ser a única empresa que vende as peças que têm apostas essas referências” e que também “não decorreu da prova produzida a mínima evidência de qualquer forma ou meio que permitisse identificar os fabricantes dessas peças com base na referência IFE.”
Finalmente, dando ainda conta que a testemunha (…) referiu “que uma empresa chinesa copiou as suas portas, não na totalidade, mas 80%,”, o que não comprometendo a conclusão a que chegou, justificou uma alteração na formulação da factualidade em análise, passando, então, a constar que a exclusividade de distribuição dos produtos com a referência IFE, fossem ou não fabricados pela mesma.
Efetivamente, a Ré não contestou pertencer ao grupo alemão e bem assim que tem a responsabilidade exclusiva de distribuição dos produtos com referência IFE nos mercados de Espanha e Portugal.
Acresce ainda deixar claro que se aceita o raciocínio elaborado pelo Tribunal a quo, por se mostrar lógico e racional, percetível e fundamentado.
Aliás, mesmo apelando às transcrições da R., reportadas ao depoimento da testemunha (…) que admitiu que a IFE também tem componentes que ela própria faz e, por isso, sejam poucos ou muitos, julgamos que reforçam a versão a que chegou o Tribunal.
Finalmente, também não podemos deixar de referir que mesmo nos casos em que são terceiros a fabricar componentes para a R., ostentando, por isso, a referência IFE, ainda assim não vemos que seja possível concluir de outra forma, seja porque o componente passou a ser da IFE, seja porque é com base nela que é “desenhado o concurso público”. A não se entender assim, ou seja, admitindo que tudo é replicável, salvo o devido respeito, entravamos num âmbito que não só nos ultrapassa, mas que seguramente não foi pretendido pelo Concurso Público ao fazer a identificação do material por referência ao IFE.  
Pelo exposto, indefere-se a nova redação do facto, como pretendido no ponto 45) das alegações de recurso.
Prosseguindo.
- o facto provado eee).
A Recorrente entende que não é possível dar como provado, com base na prova produzida, que a Ré havia representado este cenário, ou seja, a hipótese de não vir a fornecer os preços solicitados pela Autora caso viesse a concorrer ao concurso, desde, pelo menos, 4 de setembro de 2018.
Apela para o efeito ao texto do email de 4 de setembro de 2018, endereçado por (…) a (…), e aos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…).
A decisão em crise motivou a sua decisão referente aos factos em análise nos pontos 36) a 38).
Em resumo, o Tribunal a quo dá conta que se infere dos depoimentos de (…) e de (…) que o facto de a Ré ir a concurso era razão para não fornecer os preços; assim, como resulta do email de 16 de outubro de 2018, remetido às 14h51m, por (…), que a recusa de indicação de preços resultava do facto de a Ré também ir a concurso; e do depoimento de (…)que atestou não saberem até ao fim se iam apresentar uma proposta diretamente ou avançar com outros para o efeito.  
Tendo concluído que, pelo menos, desde a data em que a Ré comunicou à Autora que andava à procura de um parceiro (email de 4 de setembro de 2018, enviado às 9h04m), a mesma já antevia, como possível, o desfecho que veio a ocorrer, porque era uma das hipóteses que estava no horizonte de ponderações, e, como referido, o facto de ir a concurso era motivo para não serem fornecidos os preços.
O raciocínio enunciado pelo Tribunal a quo mostra-se lógico e racional, percetível e fundamentado.
Efetivamente, a conclusão a que chegou, reportada a uma possibilidade colocada pela Ré, não a uma decisão definitiva, sustenta-se no facto da mesma não fornecer preços a clientes que concorram aos mesmos negócios e de, pelo menos desde o dia do referido email, existir um dado objetivo de que ponderava concorrer ao mesmo concurso que a Autora.
Aliás, reforça a convicção referida o facto de a testemunha (…), ter admitido que se tivessem apresentado preços à Incomef, “seguramente que teriam de sido preços mais altos que os preços que temos para nós mesmos, pelo que não se faria a oferta”, pois que, salvo melhor opinião, sendo compreensível a alegada diferença de preços, já não o é, seguramente, face à natureza da Ré, ou seja enquanto sociedade comercial que visa o lucro, a não concretização da oferta, mesmo que mais elevada. 
Pelo exposto, indefere-se a pretensão de o facto passar a constar do elenco dos factos não provados, como pretendido no ponto 60) das alegações de recurso.
Prosseguindo.
- os factos provados ggg), iiii), jjjj) e qqqq).
A Recorrente considera incorretamente assente a presente matéria de facto, pois, no seu entender, a prova produzida não foi apreciada nem tomada em consideração de forma correta.
Entende, pois, que não se provou que a Autora tinha já preparado, pelo menos, o programa de trabalhos e o preço final que iria apresentar ao concurso, desde logo por não saber qual o valor dos materiais; assim como não podia ter a firme intenção de apresentar proposta ao concurso, quanto muito teria a expetativa de o fazer; bem como o valor da proposta ser inferior a Euros 6.000.000,00, pois, como referido, não se sabia o valor dos materiais; finalmente que que o valor dos materiais ascenderiam a um valor aproximado de Euros 2.500.000,00, prevendo incorporar na proposta uma margem de lucro de Euros 1.030.000,00, sendo que a margem de lucro normal neste mercado ascende a, pelo menos, 6%.  
Apela para o efeito aos documentos 8, 9 e 14, juntos com a p.i., ao documento 10 junto a 9 de março de 2022 (“Project Plan”) e aos depoimentos de (…) e (…).
A decisão em crise motivou a sua decisão referente aos factos em análise nos pontos 40) a 44), 78) a 80), 87) a 89).
Em resumo, o Tribunal a quo dá conta que resultou: dos depoimentos de (…) e (…), em conjugação com as cópias do “Project Plan” (doc. 9 junto com a p.i.), os emails de 20 de setembro de 2018, 28 de setembro de 2018 e 21 de março de 2019 e docs 10 e 12 juntos aos autos a 9 de março de 2022, que a Autora já tinha preparado, pelo menos, o programa de trabalhos e o preço final que iria apresentar ao concurso; do depoimento de (…) e dos documentos 8 junto com a p.i. e 14 junto a 9 de março de 2022, que a Autora tinha a firme intenção de apresentar proposta ao concurso; do depoimento de (…), em conjugação com as cópias do “Project Plan”, que o valor da proposta seria inferior a Euros 6.000.000,00; dos depoimentos de (…), (…) e (…), que a Autora tinha a pretensão de obter um lucro de cerca de Euros 1.030.000,00, sendo que a margem de lucro normal, neste mercado, ascende os 6%.  
O raciocínio enunciado pelo Tribunal a quo mostra-se lógico e racional, percetível e fundamentado.
Efetivamente, no que diz respeito à preparação/ elaboração do programa de trabalhos e preço final, a linha de raciocínio apresentada, além de lógica, mostra-se consentânea com a prova invocada.
Naturalmente que se terá de ter a perspetiva, como julgamos resultar da motivação, que não está em causa o “mérito” da mesma, mas tão só a sua realização de acordo com os critérios da Autora e tendo em vista os parâmetros delineados pelo Concurso.
 A explicação encontrada para os dois “Project Plan”, ou seja, que se o documento em causa correspondesse apenas à proposta que a Autora efetuou à Ré não havia razão para existir um segundo documento com data muito próxima do fim do prazo para o concurso e quando as negociações com a Ré para uma possível parceria já tinham terminado; que o dito documento corresponde a uma exigência do Concurso (Programa de Trabalhos, com detalhe das tarefas a executar e respetiva duração); que o valor indicado era consentâneo com o preço base indicado pelo ML para o concurso.  
Tal explicação, reportada, como vimos ao desiderato da Autora, não colide com o facto de a Ré a ter interpretado de forma diversa, ou seja, como se reportando apenas à “mão de obra”.
Relativamente à intenção da Autora em apresentar proposta, julgamos que também a conclusão a que chegou o Tribunal a quo se mostra suportada na prova indicada e é consentânea com as regras da experiência.
Na verdade, com o devido respeito, não encontramos outra explicação para a aludida troca de correspondência, onde, além do mais, se refere expressamente que a não apresentação dos preços a impedia de concorrer, e para a elaboração dos “Project Plan”.
No que diz respeito ao valor da proposta, ou seja, que esta seria inferior a Euros 6.000.000,00, consideramos a explicação adequada aos meios probatórios referidos e bem assim às regras da experiência.
Efetivamente, os valores indicados nos dois “Project Plan” estão abaixo daquele e efetivamente, face às “regras do jogo dos concursos”, o preço indicado pela ML condiciona aqueles que, como vimos ser o caso da Autora, pretendem concorrer.
Também aqui importa referir que, salvo o devido respeito, a circunstância de a Autora ter chegado ao preço final com base numa estimativa do preço dos materiais, não invalida a conclusão a que se chegou, seja porque se aceita que a estimativa resulte da experiência dos seus autores, seja porque o preço comporta outras variáveis, nomeadamente a margem do lucro, que permitissem adaptar à “baliza” definida pelo ML.
Finalmente, no que diz respeito à margem de lucro e à percentagem normal neste mercado, a explicação do Tribunal a quo está devidamente fundamentada.           
Desde logo, porque destaca o facto de a margem de lucro ter como pressuposto, entre outros, um valor que, como vimos, correspondia a uma estimativa e, não o dizendo, mas estando subentendido, o valor da referida “baliza” definido pelo ML. 
Assim como a explicação adiantada para a possibilidade de haverem margens e metas diversas num setor, considerando outras variáveis existentes na gestão das sociedades, como sejam os custos da mão de obra, instalações e etc, admitimos como plausível.
Pelo exposto, indefere-se a pretensão de os factos passarem a constar do elenco dos factos não provados, como pretendido no ponto 94) das alegações de recurso.
Prosseguindo.
- os factos provados ppp) e qqq).
A Recorrente considera que estes factos, por dizerem respeito ao concurso de 2018, não são relevantes, sendo que apenas devem constar os que se reportam ao concurso de 2019 e, como tal, pugna que deve ser dada uma nova redação aos mesmos.
A decisão em crise motivou a sua decisão referente aos factos em análise no ponto 49).
Em resumo, o Tribunal a quo dá conta que resultaram da análise da cópia do anúncio junto aos autos, sendo que se trata de documento publicado em DR.
A posição da Recorrente, tanto quanto nos é dado a entender, visa tão só aditar ao facto descrito em ppp), ou seja que o concurso (2019) é semelhante ao anterior (2018), desde logo ao nível do objeto, das especificações técnicas de materiais e equipamentos a aplicar, que “não obsta a que ambos os concursos tenham de ser apreciados separadamente”.
A pretensão da Recorrente, salvo o devido respeito, visa, apenas, aditar um elemento conclusivo ao facto de forma a condicionar a sua interpretação a jusante.
Nessa medida, indefere-se a pretensão de os factos passarem a ter a redação pretendida no ponto 105) das alegações de recurso.
Prosseguindo.
- os factos provados uuu), vvv), rrrr) e ssss).
A Recorrente considera incorretamente assente a presente matéria de facto, pois, no seu entender, a motivação e construção argumentativa do Tribunal a quo está inquinada de diversas inexatidões.
Entende que o depoimento da testemunha (…), que foi membro do júri dos concursos em causa e no qual se baseou o Tribunal a quo, não se mostrou idóneo, conciso e objetivo.
Aliás, considera que “terá acompanhado a elaboração das especificações técnicas constantes do caderno de encargos” e “quiçá para escapar a uma possível censura ao facto de no caderno de encargos não constar, no mínimo, a menção “ou equivalente” (nos termos e em clara violação do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 49.º do CCP), veio agora depor, de forma pouco precisa, que não havia alternativas aos materiais de referência IFE, porque os referidos materiais faziam parte de um “sistema de segurança” com determinado “software” e determinadas “especificidades”.”
Mais entende que resulta dos depoimentos de (…) e (…) que “nunca seria possível concluir, sem mais, que os materiais com a referência IFE eram essenciais à apresentação da proposta e posterior execução dos trabalhos; que não era possível a conceção e apresentação de soluções alternativas ou de equipamentos e materiais equivalentes; que nos referidos concursos não estava em causa o fornecimento de novas portas de passageiros mas sim a revisão da integridade e funcionalidade das portas de passageiros já instaladas no material circulante; e que, por tudo isso, os referidos materiais apenas poderiam ser fornecidos pela Recorrente, sob pena de comprometer o sistema de funcionamento das portas de passageiros.”
A decisão em crise motivou a sua decisão referente aos factos em análise nos pontos 50) a 69).
Em resumo, o Tribunal a quo dá conta que resultou do depoimento de (…), que reputou de claro, seguro e irrepreensível, a razão pela qual não era possível substituir os materiais indicados com a referência IFE por outros materiais iguais sem a referência IFE.
Aliás, as reputadas qualidades, conforme referido pelo Tribunal a quo, justificaram mesmo a reprodução de parte daquelas, o que foi feito entre os pontos 51. a 64. da respetiva decisão/ motivação.
O raciocínio enunciado pelo Tribunal a quo mostra-se lógico e racional, percetível e fundamentado.
Acresce referir que, ao contrário do afirmado pela Recorrente, tendo presente a ligação da testemunha (…) ao ML, organizador do Concurso, bem como a respetiva razão de ciência, que, se recorda ser à data dos concursos Presidente do respetivo Júri e simultaneamente Engenheira Chefe do departamento de engenharia e manutenção do Metropolitano de Lisboa, não vemos como reputá-la de interessada e/ ou parcial.
Aliás, seja pelo objeto do processo, seja pelas partes neste envolvidas, seja ainda, como dá conta o Tribunal a quo, pelo facto de o concurso não ter sido objeto de reclamações e de a obra já estar executada (pela Ré), salvo o devido respeito, não acompanhamos as desconfianças que a Ré lhe imputa.
Finalmente, consideradas as suas declarações no seu todo, comparadas com as demais testemunhas, não se vê, com o devido respeito, que aquelas sejam infirmadas.
Efetivamente, a Ré parte da premissa, válida, é certo, que tudo é substituível e ou suscetível de ser fabricado.
Admitimos, em tese, que assim seja.
Porém, não é disso que se trata nem é sobre isso que a testemunha discorre, a testemunha explica os critérios e as exigências que o ML colocou no concurso e as respetivas razões, válidas e compreensíveis.
É, pois, natural que a ML opte pelo material que já integra as composições e que se mostra certificado, no caso, material IFE.
Assim como também dá conta que existem elementos/ materiais que não tinham essa exigência, podendo, por isso, ser fornecidos por qualquer fabricante.
Porém, no que diz respeito ao material IFE, que refere apenas poder ser fornecido por essa referência, foram avançadas várias explicações, sendo que destacamos a que se reporta às peças que integram um “sistema do conjunto do sistema de portas, como o sistema não era substituído na sua totalidade, eram apenas partes desses sistemas e são peças, portanto, que são controladas por software dessas portas que está, portanto, residente no órgão se tratarem de que, lá está, não ia ser alterado, ia continuar a ser aquele software, portanto as peças tinham de ser exatamente aquelas, porque são peças sujeitas a ajuste e afinação e não podiam ser mudadas por outras”.
Acresce referir que a passagem que o Tribunal a quo faz da contestação, reportada aos artigos 86 a 89 da contestação, (cfr. ponto 67) de que as peças em questão apenas poderiam ser fornecidas pelo respetivo fabricante, “sob pena de comprometer o sistema de funcionamento das portas de passageiros e, com isso, comprometer a segurança das dezenas de milhares de passageiros que diariamente utilizam o metropolitano de Lisboa”, não pode deixar de ser considerada, como se referindo às peças IFE.
Assim como, mesmo que se admita a existência de sucedâneas, que a ML não indica no caderno do concurso, conforme justificação explicada pela testemunha, julgamos oportuno recordar que a testemunha (…), como dá conta a Recorrente no ponto 125, atestou que efetivamente existem peças – ainda que poucas – que são fabricadas pela Ré.
Dito de outra forma, a circunstância de “muitas peças que a Ré comercializa e que são indicadas no caderno de encargos” serem “peças fabricadas por outras empresas e vendidas pelas mesmas” e ainda que a “referência IFE que têm aposta é uma mera referência interna”, podendo ser verdadeiro relativamente a alguns materiais, seguramente que não o é relativamente a todos, pelo que a pretensão da Recorrente não infirma a conclusão vertida pelo Tribunal a quo.
Em suma, o depoimento da testemunha não é de todo vago nem se afigura infirmado pelas demais testemunhas, sendo a decisão do Tribunal a quo conforme à prova e às regras da experiência. 
Nessa medida, indefere-se a pretensão de os factos uuu), vvv) e ssss) passarem a constar dos factos não provados e de o facto rrrr) passar a ter a redação pretendida no ponto 161) das alegações de recurso.
Prosseguindo.
- os factos provados tttt) e uuuu).
A Recorrente, certamente por lapso informático, começa por referir que considera incorretamente assente a presente matéria de facto, para depois “mencionar” que “não impugna a matéria factual que ora aqui se apresenta” (cfr. pontos 162 e 164 do Recurso subordinado).
A Recorrente dá conta que no seu entender, considerando-se estes factos provados, “então este teria que ter concluído que a Ré não abusou de uma qualquer suposta posição dominante no hipotético mercado relevante pelo mesmo considerado, uma vez que não detinha tal posição.
A Recorrente prossegue com considerações que visam o mesmo desiderato, o que fez até ao ponto 168, sendo de destacar o facto de também não ter sugerido uma nova formulação dos factos considerados como provados, apelando antes a uma aplicação correta do direito.
Resulta assim do que se acabou de referir, que a Recorrente na verdade não impugna a matéria de facto, pelo que, neste âmbito, nada mais importa a decidir.
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Pelo exposto, improcedem as pretensões das Recorrentes, mantendo-se, em conformidade, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo.   
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A – Factos provados
A sentença recorrida declarou como provados os seguintes factos:
2.
a) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao projeto, fabrico, instalação e assistência técnica de soluções para sistemas óleo-hidráulicos de elevação e movimentação de cargas e pessoas (artigo 1.º da PI).
b) A Ré, por seu turno, é uma empresa do grupo alemão KNORR-BREMSE, GmBH, à data dos factos, com responsabilidade exclusiva de distribuição dos produtos com a referência Innovation for Entrance Systems (“IFE”) nos mercados de Espanha e Portugal (artigo 2.º da PI).
c) O Metropolitano de Lisboa, EPE (doravante ML), em 19/07/2018, enquanto Entidade Adjudicante, deliberou abrir concurso público – Anúncio de procedimento n.º 5808/2018, publicado no Diário da República, II Série, número 138, 19 de julho de 2018, Parte L – Contratos Públicos (artigo 3.º da PI).
d) O objeto de tal contrato público seria a “Aquisição de serviços para a revisão de portas de passageiros do ML95, ML97 e ML99” – Proc. 40/2018-DLO-ML, de acordo com o Caderno de Encargos e respetivos anexos (artigo 4.º da PI).
e) E tinha por valor base 6.000.000,00€ (seis milhões de Euros) (artigo 5.º da PI).
f) Tal contrato público teria como prazo para apresentação de propostas “até às 23:59 do 75º dia a contar da data de envio do presente anúncio” (artigo 6.º da PI).
g) Sendo a data de envio do anúncio para publicação no Diário da República, o dia 19.07.2018 (artigo 7.º da PI).
h) Pelo que o último dia para apresentação de propostas seria o dia 2 de outubro de 2018 (artigo 8.º da PI).
i) Neste período temporal, a Autora acompanhou os pedidos de esclarecimentos, nomeadamente os feitos pela Ré (resposta aos artigos 9.º e 10.º da PI).
j) Requereu também ela os seus próprios esclarecimentos ao ML (artigo 11.º da PI).
k) Tendo, para o efeito, comprado “Selos temporais”, no montante de € 46,13, para o poder fazer (artigo 12.º da PI).
l) Mais tendo participado na visita às oficinas do ML, que foi agendada para o dia 6 de setembro de 2018 (artigo 13.º da PI).
m) Paralela, e posteriormente, veio a ser publicado no Diário da República, II Série, número 177, 13 de setembro de 2018, Parte L – Contratos Públicos, um “Aviso de prorrogação de prazo n.º 1220/2018” (artigo 14.º da PI).
n) Que prorrogou o prazo do aludido Anúncio de procedimento n.º 5808/2018, de 19 de julho de 2018 (artigo 15.º da PI).
o) Sendo que o prazo para apresentação de propostas passaria a ser até às 23:59 do 34.º dia a contar da data de envio do próprio anúncio (artigo 16.º da PI).
p) O último dia para apresentação de propostas passou, então, a ser o dia 17 de outubro de 2018 (artigo 17.º da PI).
q) De acordo com o Caderno de Encargos do Concurso, no ANEXO I – ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS, concretamente no seu número 2. eram definidos os “Órgãos mecânicos a substituir no ML95/ML97/ML99”), nos seguintes termos: “Os órgãos mecânicos deverão ser substituídos no sistema de acionamento das portas, no sistema de guiamento e nos dispositivos de isolamento e de emergência (indicados no Desenho 101-971-03). Os materiais indicados devem ser adquiridos, junto dos fornecedores mencionados na Tabelas 1, Tabela 2, Tabela 3, Tabela 4, Tabela 5, Tabela 6 e Tabela 7. As quantidades de materiais apresentados nesta memória descritiva são as quantidades a substituir por porta. Na execução do trabalho devem ser substituídos os parafusos, porcas, escatéis, anilhas, chavetas, troços e clips de segurança, ou seja, os materiais de fixação, devendo para tal o adjudicatário prever as quantidades necessárias. A frenagem dos materiais de fixação (parafusos e porcas), deverá ser feita por meio de cola e chapas metálicas, de acordo com as boas práticas” (realce aditado e artigo 18.º da PI).
r) As Tabelas 1, 2, 3 e 6 acima identificadas indicam como fabricante dos equipamentos aí especificados a IFE e as referências deste fabricante e a Tabela 7 acima referida identifica como fabricante de dois dos quatro equipamentos aí indicados a IFE e as respetivas referências (resposta ao artigo 19.º da PI).
s) A IFE é uma empresa sediada em Kematen an der Ybbs (na Áustria) e desenvolve, fabrica e vende sistemas elétricos de entrada para veículos ferroviários (artigo 20.º da PI).
t) Sendo uma divisão da Knorr-Bremse GmbH, com sede em Mödling, Áustria (artigo 21.º da PI).
u) Que, por sua vez, é filiada do Grupo Knorr-Bremse, com sede na Alemanha (artigo 22.º da PI).
v) Para poder concorrer ao aludido procedimento concursal, e por causa da indicação supra transcrita na alínea q), a Autora contactou via e-mail a Knorr-Bremse, em 29 de agosto de 2018, às 09:17, ao qual atribuiu importância elevada (“High”) (artigo 24.º da PI).
w) Fê-lo para o endereço ...@knorr-bremse.com e com o assunto “Request for quote_IFE” (artigo 25.º da PI).
x) Informando, inicialmente, que pretendiam apresentar proposta no concurso do ML, Proc. 40/2018-DLO-ML (artigo 26.º da PI).
y) Solicitando, para o efeito, orçamento para lista de materiais discriminada no Caderno de Encargos (que enviava em anexo) (artigo 27.º da PI).
z) Acrescentando ainda outro material e equipamento para efeitos de realização dos mesmos trabalhos postos a concurso (artigo 28.º da PI):
• 72 washers DIN7349 M10 Ref. IFE 6109007
• 72 PAC DIN 912 M10*30 Ref. IFE 1204227
• 12 PAC DIN 6912 M10*25 Ref. IFE 1306108
• 12 washers DIN125 M10 Ref. IFE 5804107
12 uts DIN934 M8 Ref. IFE 5201707
aa) Por fim, informou que, tendo em conta que o procedimento decorreria pelo prazo de 36 meses, estimavam que o fornecimento fosse faseado em 6 meses, pelo que necessitavam que fosse assegurado o stock de todo o referido material (artigo 29.º da PI).
bb) Dois dias volvidos, em 31 de agosto de 2018, às 08:29, a A. rececionou um e-mail do Sr. … (com o endereço eletrónico …@knorr-bremse.com) que, depois de se identificar, informou que era o responsável pelos serviços de pós-venda de produtos da IFE, em Espanha e Portugal (artigo 30.º da PI).
cc) Informou, ainda, que a Ré estaria a trabalhar no orçamento e que o enviariam assim que possível (artigo 31.º da PI).
dd) Em 3 de setembro de 2018, às 17:09, à Autora respondeu ao (…), questionando, primeiro, se, relativamente à previsão do orçamento solicitado, já tinha alguma data agendada (artigo 32.º da PI).
ee) E mais, na medida em que a Autora tinha conhecimento de que a empresa Knorr-Bremse seria, igualmente, uma concorrente ao aludido procedimento concursal público, a Autora informou que estaria interessada em avaliar o interesse da mesma numa eventual parceria para a execução dos trabalhos (artigo 33.º da PI).
ff) Manifestando a disponibilidade da Autora para esse efeito (artigo 34.º da PI).
gg) Pelo que, em caso afirmativo, a Autora não concorreria ao concurso e faria uma parceria com a Ré para a respetiva execução (artigo 35.º da PI).
hh) Questionou, por fim, se iriam estar presentes na visita às instalações do Metropolitano de Lisboa, que iria ter lugar no dia 6 de setembro (artigo 36.º da PI).
ii) Sendo que, em caso afirmativo, e se interessados, a Autora poderia conciliar uma reunião, nesse mesmo dia, em Lisboa para aquele fim (artigo 37.º da PI).
jj) No dia seguinte, 4 de setembro de 2018, às 09:04, o (…) informou, desde logo, que iriam concorrer ao concurso e que estavam à procura de uma parceria na execução dos trabalhos do projeto (artigo 38,º da PI).
kk) Informou, ainda, que iriam comparecer na visita agendada para o dia 6 de setembro, no entanto, uma vez que já tinham marcado as viagens de retorno a Espanha, não seria provável a oportunidade de uma reunião (artigo 39.º da PI).
ll) Quanto à parceria, solicitou que a Autora lhes enviasse a proposta e informação respetiva e que poderiam agendar uma reunião para outro dia nas instalações da Autora (artigo 40.º da PI).
mm) Por fim, informou que, no que ao orçamento do material solicitado dizia respeito, ainda estavam a trabalhar no mesmo e que, naquela data não eram capazes de confirmar uma data (artigo 41.º da PI).
nn) No dia 20 de setembro de 2018, às 16:23, a Autora respondeu a (…) com a proposta de prestação de serviços correspondentes à execução dos trabalhos no ML (artigo 42.º da PI).
oo) Referindo que a proposta incluía o planeamento de tarefas a ser desenvolvidas e o capital humano disponível (artigo 43.º da PI).
pp) Informou, ainda, que aguardariam a decisão sobre a mesma e uma data para marcar a reunião nas instalações da Autora (artigo 44.º da PI).
qq) E que ainda aguardavam pelo orçamento aos materiais solicitados (artigo 45.º da PI).
rr) No dia 21 de setembro de 2018, pelas 12:12, o (…) respondeu à Autora agradecendo a proposta e informando que a mesma iria ser analisada internamente e que fariam os comentários devidos assim que possível  (artigo 46.º da PI).
ss) Quanto ao orçamento do material, referiu que ainda se encontravam a trabalhar no mesmo e que tinham de analisar vários tópicos para poder incluir tudo (artigo 47.º da PI).
tt) Concluindo afirmando que, assim que a proposta final estivesse pronta, enviariam para a Autora (artigo 48.º da PI).
uu) No dia 28 de setembro de 2018, pelas 07:18, o (…) informou a Autora de que, quanto à proposta de parceria, tendo em conta a dimensão da estrutura apresentada, seria impossível cumprir os requisitos financeiros do ML (artigo 49.º da PI).
vv) Quanto ao orçamento para o material, referiu que ainda se encontravam a trabalhar no mesmo, estando a clarificar os últimos pontos abertos e que estimavam ser capazes de apresentar o mesmo no decurso da semana seguinte (artigo 50.º da PI).
ww) No mesmo dia, às 11:08, a Autora agradeceu a resposta, questionando se ainda mantinham o interesse numa parceria para o concurso e se ainda estariam interessados numa reunião a decorrer nas instalações da Autora (artigo 51.º da PI).
xx) Ao que o (…) respondeu, no dia 1 de outubro de 2018, às 11:41, referindo que para o projeto em questão, já tinham parceiro para a execução dos trabalhos (artigo 52.º da PI).
yy) Mais informando que, quanto à questão do orçamento relativo aos materiais da IFE, ainda se encontravam a trabalhar no mesmo e que precisariam, no mínimo, da referida semana para tal (artigo 53.º da PI).
zz) Posteriormente, no dia 12 de outubro de 2018, às 13:12, a Autora enviou e-mail ao (…), dando-lhe nota de que o orçamento relativo aos materiais ainda não lhes tinha sido enviado e que, por esse facto, estavam a impossibilitar a Autora de concorrer ao procedimento concursal, cujo termo ocorreria no dia 18 de outubro de 2018 (artigo 54.º da PI).
aaa) Tendo isso em conta, solicitou, no mesmo e-mail, que a proposta fosse enviada, impreterivelmente, até ao dia 15 de outubro de 2018, às 12:00 (artigo 55.º da PI).
bbb) (…) apenas respondeu a este último e-mail, no dia 15 de outubro de 2018, às 17:54, e apenas para solicitar à Autora que o contactasse para o número constante da assinatura no dia seguinte (artigo 56.º da PI).
ccc) No dia 17 de outubro de 2018, às 14:51, o (…) enviou um e-mail à Autora onde informava que, na medida em que também seriam concorrentes no mesmo procedimento concursal, para o projeto todo (materiais e execução dos trabalhos), e tendo em conta as regras do grupo, não seria enviado qualquer orçamento para clientes que fossem externos (artigo 57.º da PI).
ddd) A Ré - Knorr-Bremse España - tinha conhecimento da solicitação de orçamento da Autora, pelo menos, desde o dia 31 de agosto de 2018 – data em que o colaborador da Knorr-Bremse España, (…), avocou a si o processo e respondeu ao e-mail da Autora (artigo 63.º da PI).
eee) Desde, pelo menos, 04.09.2018 que a Ré colocou a possibilidade de não vir a fornecer os preços solicitados pela Autora caso viesse a concorrer ao concurso, possibilidade com a qual se conformou e que veio a ocorrer (resposta aos artigos 64.º a 69.º da PI).
fff) A Autora não apresentou a proposta (artigo 70.º da PI).
ggg) A Autora tinha já preparado, pelo menos, o programa de trabalhos e o preço final que iria apresentar ao concurso do ML, sem prejuízo dos acertos no preço que tivesse de fazer exclusivamente em função do orçamento que haveria de receber da Ré (artigo 72.º da PI).
hhh) A Autora tem funcionários que executam esta função, com experiência em concursos públicos e apresentação de propostas aos mesmos (artigo 75.º da PI).
iii) A Ré apresentou proposta ao mesmo concurso (resposta ao artigo 77.º da PI).
jjj) Conhecendo os preços e especificações dos materiais cuja cotação a Autora lhe havia pedido (resposta ao artigo 78.º da PI).
kkk) A Ré foi a única proponente no concurso da 1ª Ré (resposta ao artigo 79.º da PI).
lll) Em 28 de fevereiro de 2019, o Conselho de Administração do ML deliberou aprovar a decisão de não adjudicação e a concomitante revogação da decisão de contratar (artigo 80.º da PI).
mmm) Decisão esta que tinha como fundamento jurídico os artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e 80.º, nº. 1, ambos do Código dos Contratos Públicos (“CCP”) (artigo 81.º da PI).
nnn) Sendo a seguinte a proposta de deliberação: “a) A exclusão da proposta do proponente Knorr-Bremse, España, S.A., única proposta no procedimento para a “Aquisição de serviços para a revisão de portas de passageiros do ML95, ML97 e ML99 – Proc. 40/2018-DLO-ML”, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, por não se apresentar o documento exigido na alínea c) do n.º 2 do artigo 13.º do Programa de Concurso e nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP por apresentar, relativamente a várias matérias termos e condições que contrariam e violam o Caderno de Encargos e respetivos anexos. b) A consequente não adjudicação e revogação da decisão da mesma “Aquisição de serviços para a revisão de portas de passageiros do ML95, ML97 e ML99 – Proc. 40/2018-DLO-ML”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º e n.º 1 do artigo 80.º, ambos do CCP,” (artigo 82.º da PI).
ooo) O ML, em 06.03.2019, enquanto Entidade Adjudicante, decidiu anunciar concurso público – Anúncio de procedimento n.º 2251/2019, publicado no Diário da República, II Série, número 46, 6 de março de 2019, Parte L – Contratos Públicos (artigo 83.º da PI).
ppp) Concurso em tudo semelhante ao anterior, desde logo quanto ao seu objeto, mas também quanto a especificações técnicas de materiais e equipamentos a aplicar (artigo 84.º da PI).
qqq) O objeto de tal contrato público seria, tal como o transato, a “Aquisição de serviços para a revisão de portas de passageiros do ML95, ML97 e ML99” – Proc. 024/2019-DLO-ML (de acordo com o Caderno de Encargos e respetivos anexos) (artigo 85.º da PI).
rrr) Tal contrato público teve como prazo para apresentação de propostas “até às 23:59 do 15º dia a contar da data de envio do presente anúncio” (artigo 86.º da PI).
sss) Sendo a data de envio do anúncio para publicação no Diário da República, o dia 06.03.2019 (artigo 87.º da PI).
ttt) O último dia seria o dia 21 de março de 2019 (artigo 88.º da PI).
uuu) Os materiais e equipamentos identificados como sendo especificamente os materiais a serem aplicados em execução dos trabalhos postos a concurso pelo ML com a referência IFE eram essenciais à apresentação da proposta e posterior execução dos trabalhos (resposta aos artigos 58.º a 60.º da PI).
vvv) Não era possível a conceção e apresentação de soluções alternativas ou de equipamentos e materiais equivalentes (resposta ao artigo 89.º da PI).
www) A Autora voltou a contactar a Ré, por email enviado em 11 de março de 2019 (artigo 89.º da PI).
xxx) E voltou a pedir cotação e condições de fornecimento dos materiais listados no concurso como tendo de ser da referência IFE e bem assim o mesmo restante material que precisaria para a execução dos trabalhos de acordo com o planeamento que já havia preparado no concurso original (artigo 90.º da PI).
yyy) A Ré respondeu à Autora, em 21.03.2019 informando a Autora que iria apresentar uma proposta para todo o objeto do concurso, incluindo o trabalho e o material, acrescentando que para uma oferta normal o preço da lista anexa estaria fora do objetivo definido pelo Metropolitano de Lisboa, tendo dito isto porque interpretou a proposta que a Autora lhe enviou em 20 de setembro de 2018, no valor de € 5.359.785,08 + IVA, como reportando-se apenas à mão de obra, valor esse que somado ao preço dos materiais excederia o preço base fixado pelo Metropolitano de Lisboa de 6 milhões de euros (resposta aos artigos 92.º da PI e 79.º e 194.º da contestação).
zzz) A Ré foi novamente a única entidade a apresentar proposta (artigo 94.º da PI).
aaaa) Que, desta feita, lhe veio a ser adjudicada pelo valor de 6.000.000,00€ (Seis milhões de Euros) (artigo 95.º da PI).
bbbb) Cujo contrato veio a ser assinado em 5 de julho de 2019 (artigo 96.º da PI).
cccc) Tendo o Tribunal de Contas concedido o respetivo visto prévio (artigo 94.º da contestação).
dddd) A Autora afetou diversos trabalhadores ao procedimento em causa com o intuito de apresentar uma proposta (artigo 145.º da PI).
eeee) O que fez com que a Autora não pudesse alocar esses trabalhadores a outros tipos de funções (artigo 146.º da PI).
ffff) A Autora despendeu montantes atinentes a deslocar os seus colaboradores a Lisboa, no dia agendado para a visita às oficinais do ML (artigo 151.º da PI).
gggg) Montantes como os relativos ao transporte (artigo 152.º da PI).
hhhh) E os relativos à alimentação dos mesmos (artigo 153.º da PI).
iiii) Desde que na posse dos preços dos materiais que havia pedido à Ré, a Autora tinha a firme intenção de apresentar proposta aos concursos do ML (artigo 155.º da PI).
jjjj) Essa proposta seria inferior a € 6.000.000,00 (resposta aos artigos 156.º e 157.º da PI).
kkkk) A Autora estimou que o preço dos materiais da Ré ascenderia a um valor aproximado de 2.500.000,00€ (resposta ao artigo 159.º da PI).
llll) Valor que a Autora tem para si como adequado em função do conhecimento do mercado e dos preços então praticados para o tipo de material em causa (artigo 160.º da PI).
mmmm) A proposta da Autora incluiria o custo com a mão de obra, sendo que a Autora previa afetar: a) 15 técnicos de manutenção b) 30% de disponibilidade de 1 técnico de segurança c) 1 Engenheiro mecânico d) um Chefe de Logística e e) um Gestor de projeto (artigo 163.º da PI).
nnnn) Mais incluiria a contabilização dos custos estimados com gestão de resíduos (artigo 165.º da PI).
oooo) Mais os custos relativos ao estaleiro específico para os trabalhos a contatar (artigo 166.º da PI).
pppp) E o valor da caução a prestar nos termos do caderno de encargos, no valor de 5% sobre o valor do custo efetivo dos trabalhos e materiais - ou seja de valor não inferior a 205.000,00€ (artigo 167.º da PI).
qqqq) A Autora, no pressuposto de que o preço dos preços dos materiais da Ré ascenderia a um valor aproximado de 2.500.000,00€, previa incorporar na proposta uma margem de lucro de 1.030.000,00€, sendo que a margem de lucro normal neste mercado ascende a, pelo menos, 6 % (artigos 168.º e 170.º da PI).
rrrr) Nos referidos concursos não estava em causa o fornecimento de novas portas de passageiros mas sim a revisão da integridade e funcionalidade das portas de passageiros já instaladas no material circulante ML 95, ML97 e ML99 utilizado pela Metropolitano de Lisboa, incluindo a substituição de equipamentos integrantes dos órgãos mecânicos dos sistemas de acionamento das portas, de guiamento e nos dispositivos de isolamento e de emergência, atento o uso e o desgaste que os mesmos registam (artigos 86.º e 88.º da contestação).
ssss) Razão pela qual apenas poderiam ser fornecidos pela IFE/Ré sob pena de comprometer o sistema de funcionamento das portas de passageiros e, com isso, comprometer a segurança das dezenas de milhares de passageiros que diariamente utilizam o metropolitano de Lisboa (resposta aos artigos 87.º e 89.º da contestação).
tttt) O concurso público n.º 025/2018 – DLO, lançado pelo Metropolitano de Lisboa tinha por objeto a adjudicação do contrato de "aquisição e instalação de um sistema de acionamento elétrico para as portas e passageiros do material circulante ML 90", publicitado através do anúncio n.º 2389/2018, publicado no Diário da República, 2.ª serie, n.º 75, de 17 de Abril de 2018, em que, por estar em causa a aquisição e a instalação de um novo sistema de acionamento de portas de passageiros, não havia qualquer referência nas Especificações Técnicas do Caderno de Encargos a um determinado fabricante ou proveniência ( nota de rodapé 2 e resposta ao artigo 97.º da contestação).
uuuu) Nesse concurso, a Ré também apresentou uma proposta, mas a adjudicação foi feita à proposta apresentada por outra empresa que não a Ré (resposta ao artigo 98.º da contestação).
vvvv) De acordo com o artigo 15.º do Programa do Procedimento, a adjudicação seria efetuada em com base nos seguintes fatores e coeficientes de ponderação respetivos: a) Preço: a que correspondia uma ponderação de 60%; b) Solução Técnica: a que correspondia uma ponderação de 40% (artigo 217.º da contestação).
*
B - Factos não provados
A sentença recorrida declarou não provados os seguintes factos:
3.
a) O Grupo Knorr-Bremse (ISIN: DE000KBX1006) é considerado como líder global do mercado de travões e outros sistemas ferroviários e de veículos comerciais (artigo 23.º da PI).
b) A Autora diligenciou pela instrução da proposta que pretendia apresentar com todos os elementos documentais exigidos por lei, pelo Programa do Concurso e pelo Caderno de Encargos (artigo 73.º da PI).
c) Os funcionários da Autora que efetuam a preparação das propostas a apresentar em concursos exercem tais funções em exclusividade (artigo 75.º da PI).
d) Com exceção dos preços solicitados à Ré, a Autora tinha todo o processo documental pronto para submissão aquando do segundo concurso (artigo 93.º da PI).
e) Os factos descritos nas alíneas dddd) e eeee) dos factos provados geraram um prejuízo na atividade empresarial, dita habitual, da Autora que se computa em valor não inferior a 5.000,00€ (artigos 147.º e 148.º da PI) – apenas se provou o que consta nas alíneas dddd) e eeee) dos factos provados.
f) Os custos que a Autora suportou em deslocações e alimentação decorrentes da visita às oficinais do ML ascenderam a 400,00€ (artigo 154.º da PI).
g) A proposta que a Autora previa apresentar nunca seria de valor inferior a 5.500.000,00€ - a acrescer IVA, nem superior a € 5.800.000 (artigos 156.º e 157.º da PI) – apenas se provou o que consta na alínea jjjj) dos factos provados.
h) Os restantes custos já então previstos pela Autora no planeamento financeiro da proposta que havia preparado para a execução do projeto, para além dos preços dos materiais solicitados à Ré, ascenderiam a, pelo menos, 4.300.000,00€ (artigos 161.º e 162.º da PI).
i) Sendo, destes, 959.534,43€ relativos a todos os custos com mão-de-obra, com o pagamento a cada um dos 15 técnicos de manutenção, de uma remuneração mensal-base de 1.500,00€, ao técnico de segurança de uma  remuneração mensal-base de 2.000,00€, ao engenheiro mecânico, de uma remuneração mensal-base de 1.750,00€, ao chefe de Logística de uma remuneração mensal-base de 1.500,00€ e ao gestor de projeto de uma remuneração mensal-base de 1.500,00€ (artigo 163.º da PI).
j) A que acrescia a contabilização dos custos com a previsível cessação dos respetivos contratos, no valor de 85.125,00€ (artigo 164.º da PI).
k) Os custos estimados com gestão de resíduos ascendiam a 7.200,00€ (artigo 165.º da PI)
l) Os custos com o estaleiro específico para os trabalhos a contratar ascendiam ao valor de 3.700,00€ (artigo 166.º da PI).
m) A margem de lucro normal neste mercado, e em particular na concreta atividade de assistência técnica, normalmente designada de pós-venda ascende a 26% (artigo 169.º da PI) – apenas se provou o que consta na alínea qqqq) dos factos provados.
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IV – Direito
A presente ação reporta-se ao apuramento da responsabilidade extracontratual pela prática de uma infração ao direito da concorrência (abuso de posição dominante).
*
Considerando as questões suscitadas pelas partes, importa, então, começar por saber se a conduta da Ré consubstancia um abuso de posição dominante por recusa de fornecimento.
A respeito desta temática quer a sentença quer as partes, em particular a Ré, invocaram jurisprudência e doutrina abundante e oportuna.
Importa ainda dar conta que, no essencial, as partes concordam com a apreciação teórica que o Tribunal a quo efetuou, sejam por referência à lei, à jurisprudência ou à doutrina.
Aliás, as fontes citadas e mesmo as referências são, no geral, comuns.
A discórdia surge particularmente da sua aplicação ao caso concreto.
A respeito dos conceitos e critérios legais e jurisprudenciais aplicáveis, em face da exaustiva enunciação a que nos referimos supra, por com eles concordarmos e também por não haver efetiva discórdia, não se vê necessidade de proceder à sua enunciação, sob pena de reconhecidamente acabarmos por ser repetitivos.
Dito isto, passemos então às divergências.  
Do mercado de produto e geográfico relevante.
A sentença aborda a temática nos pontos 117 a 161 e a Ré nos pontos 29) e segs das conclusões do recurso subordinado.
As críticas enunciadas pelas Ré assentam sobretudo na análise efetuada relativamente à presença de um mercado de sistema ou perante mercados autónomos entre si, sendo que considera que “inquinou a sua consideração de aplicação de um mercado de sistemas desde logo porque, de forma errónea, considerou que não existiriam disponíveis alternativas para a Autora, o que não resultou da prova produzida.” 
Mais assentam ao nível do âmbito geográfico, por entender que este deve ter por referência o espaço da UE ou mesmo ao EEE e não o nacional.
A decisão em crise, depois de enunciar os princípios teóricos, ao nível da “transposição dos parâmetros expostos para o caso concreto”, considerou que a conduta da Ré “incidiu sobre peças ou órgãos mecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros de carruagens de metro com a referência IFE.”
Esta consideração, segundo o Tribunal a quo, extrai-se da matéria de facto apurada, no caso, alíneas d), q), r), ppp) e qqq).   
Tendo então concluindo que as peças em causa são produtos secundários, por se destinarem à revisão das portas, e o produto primário consiste nas portas.
Mais tendo concluído ainda que não há um mercado de sistemas, enunciando as respetivas razões nos pontos 155 e 156.
Por outro lado, porque as “peças ou órgãos mecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros e de carruagens de metro com a referência IFE não tinham alternativa,” concluiu antes por uma pluralidade de mercados secundários, sendo que as peças com referência IFE constituem um mercado autónomo.
Finalmente, que o “mercado relevante quanto ao produto é o mercado das peças ou órgãos mecânicos de sistemas de acionamento de portas, sistemas de guiamento e dispositivos de isolamento e de emergência de portas de passageiros e de carruagens de metro com a referência IFE.”
Importa desde já referir que se concorda com esta conclusão.
Efetivamente, considerando os critérios legais e a matéria de facto apurada, julgamos adequado afastar a existência de um mercado de sistemas e considerar a existência de uma pluralidade de mercados secundários, que se reflete na existência de peças substituíveis e ou genéricas, que podem, por isso, ser adquiridas em várias proveniências, e em peças com referência IFE não substituíveis.
A discórdia da Recorrente, legítima, assenta fundamentalmente nesta última caraterística, ou seja, não serem substituíveis, porém, ao contrário da sua pretensão, a matéria de facto assim o atesta.   
Assim, em função dessa característica, as referidas peças constituem efetivamente um mercado autónomo.
Acresce referir que o raciocínio enunciado pelo Tribunal a quo, refletido nos pontos 154 a 156, reforça aquele entendimento, nomeadamente ao refletir a matéria de facto no “critério da informação”, seja no momento da aquisição do produto primário, seja no do secundário.
Pois, como aí se dá conta, não se verificam fatores relativos ao momento da aquisição das portas e das peças que sustente a tese de um mercado de sistemas, como poderia ocorrer no caso das peças serem apenas procuradas pelos adquirentes das portas ou do valor destas e da reparação/ manutenção serem próximos.
No que diz respeito ao âmbito geográfico, importa dar conta que apesar de ser um concurso internacional, como bem refere a Recorrente, não deixa de ser relativo aos referidos produtos com referência IFE e que a área em que as empresas em causa fornecem e procuram aqueles produtos corresponde à Península Ibérica.
Aqui chegados, importa agora verificar se (in)existe a posição dominante.
Posição Dominante
A Recorrente desenvolve a sua posição, no sentido de não ser dominante, nos pontos 35 a 40 das conclusões do recurso subordinado, remetendo, ainda assim, para os pontos 232 a 280 do respetivo recurso.
A Recorrente deu conta que o Tribunal não efetuou um enquadramento prévio a respeito desta temática “ou (tentativa de) preenchimento de todos os pressupostos para se concluir pela existência de uma posição dominante.”
Mais deu conta, em resumo, que o facto de ser distribuidora exclusiva das peças IFE não origina a posição dominante, pois que existem empresas de fornecimento de peças similares ou equivalentes; que a Autora se podia ter socorrido da faculdade prevista no n.º 10 do artigo 49.º do CCP; ter procurado adquirir junto de outros fornecedores nacionais ou internacionais os materiais e equipamentos que pretendia adquirir junto da Ré; ter procurado desenvolver os seus e sujeitá-los a posterior homologação.
Vejamos.
Importa desde já referir que, no essencial, a divergência da Recorrente assenta na matéria de facto apurada pela Tribunal a quo, acabando, repetidamente, por dar conta disso em grande parte daquela exposição, como resulta dos pontos 237 a 242.
Porém, salvo o devido respeito, essa temática já se mostra ultrapassada e, por isso, é com a factualidade fixada com que nos temos de orientar.
Dito isto, vejamos os pontos da discórdia.
As soluções que apresenta/ sugere que a Autora, no devido tempo, deveria ter feito uso para obter as peças necessárias ao concurso, sendo teoricamente válidas, seja porque existem em Portugal outras empresas de fornecimento de peças para “portas de metro”, seja porque a lei permite fazer funcionar o artigo 49.º, n.º 10, do CCP, seja porque se admite existirem outros fornecedores internacionais, seja porque poderia desenvolver as suas peças e sujeitá-las a homologação, mas não se afiguram exequíveis.
Desde logo porque, como resulta da matéria de facto apurada, as peças identificadas por reporte ao mercado relevante (IFE) não são substituíveis.
Acresce referir que, por esse motivo, o recurso a empresas de fornecimento em Portugal não se afigura possível, assim como a nível internacional, pois, existindo, seguramente, outras empresas do grupo alemão a que pertence a Recorrente, está provado que esta, nesse âmbito, tem a responsabilidade exclusiva de distribuição dos produtos com referência IFE nos mercados da Península Ibérica.
O uso do referido artigo, como a própria Recorrente parece reconhecer, pressupunha a possibilidade de existirem outras peças capaz de substituir aquelas, porém, tal não se verifica.
Finalmente, o desenvolvimento das suas peças e respetiva homologação, admitindo em tese ser possível, pois que se desconhece a existência de direitos industriais, certamente que não o eram para o caso que nos ocupa, nomeadamente face ao tempo dos respetivos concursos.
Esta constatação, que não decorre da factualidade apurada, decorre antes das regras da experiência, pois, apesar do desenvolvimento científico existente, não temos dúvida em afirmar que peças de segurança de portas de composições do metro, comandadas por software, seguramente não são fabricáveis e homologadas em 4 meses.
Aliás, na sua contestação, no artigo 89.º, a Ré deu conta da relevância das peças e do necessário recurso às do fabricante, “sob pena de comprometer o sistema de funcionamento das portas de passageiros e, com isso, comprometer a segurança das dezenas de milhares de passageiros que diariamente utilizam o metropolitano de Lisboa.” 
Assim, como refere o Tribunal a quo, tendo a Ré o exclusivo de distribuição dos produtos com referência IFE nos mercados de Portugal e Espanha, detém inequivocamente posição dominante.
Aliás, não fazendo, por isso, sentido sequer falar-se em quota de mercado.
A respeito da concorrência potencial ou qualquer outro fator que possa perturbar a sua posição dominante, que o Tribunal a quo afastou, ao contrário do pugnado pela Recorrente, atenta a factualidade provada não vemos que fosse necessário fazer qualquer “enquadramento prévio”.
Finalmente, seja sobre os “mercados” seja sobre a “posição dominante”, julgamos oportuno assinalar as semelhanças existentes com o Acórdão Hugin do TJ de 31 de maio de 1979, processo 22/78, Hugin, EU:C1979:138, a que, aliás, a sentença faz referência no ponto 130, onde, por as peças para as máquinas Hugin não serem substituíveis pelas peças de outras marcas e os reparadores independentes não disporem de alternativa, se concluiu que o mercado secundário do fornecimento de peças, para reparação de máquinas Hugin fosse definido como relevante e nele a Hugin fosse considerada dominante.          
Prosseguindo.
Abuso da posição dominante.
A Recorrente, a título subsidiário, dá conta que a posição dominante, por si só, não configura, nos termos do artigo 11.º da LdC e do artigo 102.º do TFUE, qualquer ilícito.
Mais refere que apenas o abuso dessa posição dominante é proibido, ou seja, que para o efeito seria necessária a existência de uma conduta passível de ser qualificada como abusiva.
Refere, ainda, que a verificação da referida conduta decorre do preenchimento dos requisitos cumulativos que indica, ou seja: “(i) a detenção de uma posição dominante; (ii) a existência de dois mercados; (iii) a recusa de contratar; (iv) que a recusa incida sobre um input indispensável para a concorrência num mercado relacionado; (v) que a conduta seja suscetível de eliminar a concorrência no mercado relacionado; (vi) que a recusa seja suscetível de originar um prejuízo para o consumidor; e, (vii) que inexista uma justificação objetiva para a recusa.”
Mais refere que os referidos requisitos não ficaram provados, seja por não deter posição dominante no mercado que reporta ao território da EU ou até do EEE, seja por não se ter demonstrado a existência dos dois mercados,  seja por não ter havido uma recusa de contratar, seja porque a “simples não indicação de um preço associado a um possível fornecimento dos materiais em questão nunca afetaria a possibilidade da Autora prestar os seu serviços de manutenção nesse mercado relacionado”, seja porque não foi identificado de forma clara qual seria o mercado relacionado em que o input comercializado no mercado principal se revelava essencial e indispensável, seja por não estarem em causa peças insubstituíveis, seja por se ter partido de uma definição incorreta do mercado de produto e geográfico relevante, seja por não ser suscetível de eliminar a concorrência ter uma posição dominante no mercado relevante, seja porque o preço seria exatamente o mesmo, independentemente dos seus concorrentes no mercado, seja por não existir uma correlação direta com o preço a pagar pelo cliente, seja ainda porque a Autora não tinha possibilidade de dar garantias comercias adequadas de que cumpriria as suas obrigações enquanto compradora do material solicitado e porque a divulgação dos preços concretos dos materiais poderia conceder à Autora uma vantagem comercial substancial em prejuízo da Ré. 
Finalmente, relativamente à afetação do comércio entre Estados-Membros e de que essa seja sensível, refere que não se mostra afetado todo o território nacional e que também não detém posição dominante no território nacional e, consequentemente, sobre o comércio entre Estados-Membros; e também que tal afetação não teria carácter sensível.
Vejamos.
A Recorrente, mais uma vez, acaba por fazer apelo à divergência reportada à matéria de facto apurada pela Tribunal a quo.
Porém, como já referimos, essa temática já se mostra ultrapassada e, por isso, é com a factualidade fixada com que nos temos de orientar.
A sentença analisa a matéria do abuso entre os pontos 162 a 189, tendo concluído pela verificação do facto ilícito, consubstanciado num abuso de posição dominante por recusa de fornecer, p. e p. pelo artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da LdC, quer pelo artigo 102.º, § 1.º e 2.º, alínea b), do TFUE.
A apreciação tórica efetuada pelo Tribunal a quo não mereceu a crítica da Recorrente, ainda que aparentemente divirjam relativamente à existência de um dos requisitos cumulativos, no caso a existência de dois mercados.
Vejamos as divergências apontadas pela Recorrente.
A respeito da posição dominante, como vimos supra, ao contrário do referido pela Recorrente, ficou demonstrado que detinha posição dominante no mercado relevante, sendo que este não se reporta, em termos geográficos, ao território da EU ou até da EEE.
Por sua vez, reportado aos dois mercados, a Recorrente assinala que o Tribunal não considerou este requisito. 
Efetivamente, não o fez aqui de forma expressa, porém, salvo o devido respeito, a decisão tem que ser vista como um todo e, por isso, não podemos esquecer que a mesma já havia tomado posição sobre a essencialidade e indispensabilidade do produto em causa, seja para o concurso, seja para a concorrência.
Tanto mais que a própria Recorrente, no ponto 295 disso acaba por dar conta, quando refere que o “Tribunal a quo aparentemente mistura requisitos, quando procura justificar o critério da recursa de contratar abordando a essencialidade dos produtos.”         Ainda assim, importa deixar claro que não se entende como se possa questionar essa essencialidade quando estão em causa peças insubstituíveis e que se destinam a dar resposta a um concurso público para reparação/ manutenção de portas de transportes públicos.
Mais uma vez a Recorrente assume a existência de factos provados que não o foram assim considerados e que, por isso, não podem determinar a subsunção legal.
Prosseguindo.
A respeito da recusa em contratar, a sentença dá conta que esta “pode ser explícita ou implícita, designadamente pelo fornecimento do bem ou serviço em condições não razoáveis e/ou não económicas.”
O Tribunal a quo concluiu, e bem, que a Recorrente não forneceu à Autora, por duas vezes, os preços das peças por si vendidas, para efeitos desta poder concorrer aos dois concursos lançados pelo ML, tendo em vista o seu futuro fornecimento pela Ré caso viesse a ganhar o concurso. 
Importa referir que não se compreende, nesta parte, a posição da Recorrente, pois que a sua atuação, em dois momentos, inequivocamente, de acordo com as regras da experiência reportada ao meio comercial, corresponde a uma recusa em fornecer/ vender/ contratar.
A Recorrente certamente que não desconhecia os moldes em que se efetuavam os concursos públicos, tanto que concorreu aos dois, e que para se concretizar uma proposta era necessário considerar, entre outros, o custo do material/ peças de que era representante exclusivo.
Finalmente, também não se diga que a impressão da Recorrente, a respeito dos “preços da lista apresentada pela Autora estavam totalmente fora do objetivo definido pela Metropolitano de Lisboa”, justificasse a referida recusa, pois não lhe competia, enquanto vendedora exclusiva, aquilatar da viabilidade da proposta da Autora ao ML.
No que diz respeito ao requisito de que a recusa incida sobre o input indispensável para a concorrência no mercado relacionado, também concordamos com o Tribunal a quo, pois que inequivocamente foi retirada a possibilidade de a Autora poder prestar os serviços pretendidos pelo ML e, assim, garantir a efetividade da concorrência.
A Recorrente não só fora informada pela autora dos fins a que se destinava o pedido formulado, como também tinha conhecimento direto, pois que acabou por concorrer, que o concurso incluía o fornecimento de peças IFE.
A circunstância reiterada de indicar que as peças eram substituíveis, como referido, não tem conformidade com os factos provados, pelo que a consideração efetuada no ponto 311 do recurso subordinado não merce provimento.
Passemos à suscetibilidade de a conduta eliminar a concorrência no mercado relacionado.
O Tribunal a quo, reiterando que a Ré detém uma posição monopolista neste mercado, concluiu, e bem, que consegue eliminar toda e qualquer concorrência.
A crítica efetuada pela Recorrente, mais uma vez, parte de uma conceção diversa ao nível dos factos provados, pelo que não pode proceder.
Relativamente a aferir da suscetibilidade de causar prejuízo ao consumidor, também o Tribunal a quo considerou demonstrado.
A Recorrente volta a salientar a desconformidade dos factos apurados para concluir que o preço apresentado por esta ao concurso não teria sofrido qualquer impacto e que seria o mesmo, ou seja, parte novamente do pressuposto que as peças eram substituíveis e que havia concorrência.
Acrescenta, ainda assim, que não existe correlação direta entre o resultado do concurso público e o preço que iria ser pago pelo cliente, tratando-se de uma dedução efetuada pelo Tribunal a quo que “excede o limite do razoável”.
Importa referir que a primeira crítica esbarra com a matéria de facto apurada, que, como reiteramos, atesta a inexistência de concorrência para o mercado relevante.
Relativamente à segunda crítica importa referir que, podendo não haver uma relação direta no preço do consumidor final, existindo, porém,  no consumidor ML, a verdade é que, pelo menos indiretamente, se reflete naquele, nem que seja na ótica do contribuinte, pois que se trata de uma EPE, como a Recorrente refere.  
Finalmente, vejamos se (in)existe uma justificação objetiva para a recusa ou que tenha gerado ou fosse suscetível de gerar qualquer ganho de eficiência.
O Tribunal entendeu que não.
Efetivamente, atentou que a circunstância de a Ré ter considerado que para uma oferta normal o preço da lista enviada pela Autora estaria fora do objetivo definido pelo ML não é suscetível de justificar a sua conduta, seja porque a interpretação estaria errada, seja porque não seria justificação para não fornecer os preços, pois em nada se relaciona com ganhos de eficiência, sendo certo que caberia à Autora decidir se concorreria ou não e à entidade proponente a verificação dos requisitos necessários.
Adiante-se que se concorda com a posição do Tribunal a quo.
Aliás, ressalvado o devido respeito, a Ré não conhecia a disponibilidade financeira da Autora e a proposta/ pedido também não lho permita saber.
Por sua vez, o que lhe era solicitado, esgotado que estava a possibilidade de parceria, era tão só a venda/ fornecimento das peças a um consumidor.
Acresce referir, havendo exigências suplementares por parte da Recorrente, nomeadamente financeiras, estas não se mostram espelhadas nas comunicações levadas a cabo entre as ambas, pelo que, não se nos afigura curial serem agora invocadas.
Mais se reportou à vantagem comercial “substancial” que à Autora beneficiaria caso lhe tivesse divulgado os preços concretos dos materiais, pelo que sendo ou podendo ser concorrente no procedimento, se justificava, para se proteger, no limite, de uma concorrência desleal por parte da Autora, a sua não divulgação; assim como também de forma a precaver-se de quaisquer acusações sobre potenciais trocas de informações entre empresas concorrentes ou de acusações de acordos ou práticas concertadas. 
Importa referir que os argumentos da Recorrente partem do pressuposto, negado nos autos pela própria Ré, que o preço a indicar à Autora seria o mesmo que se lhe aplica.
Dito de outra forma, o preço que a Recorrente pratica certamente está sujeito a uma “variação” que a mesma dispõe, permitindo-lhe, como julgamos ser das regras da experiência, fazer “variar” os preços.
Nessa medida, beneficiando de preços mais vantajosos não se vê de que forma a referida informação consubstanciaria uma vantagem tal que obstava a que se fornecesse o preço para uma potencial venda, pois que, não era certo quem ganharia o concurso.
Acresce referir que, admitindo em tese esse desiderato, seguramente que as comunicações levadas a cabo entre a Ré e a Autora nessa fase não o demonstram. Pelo contrário, a Ré sempre comunicou à Autora que estava a trabalhar na proposta do preço das peças solicitadas e mesmo depois de referir que havia arranjado um parceiro para o concurso, declinando a proposta de parceria da Autora, comunicou que continuava a trabalhar naquela.
Mais importa referir, que mesmo no caso do segundo concurso, também só comunicou a sua posição no último dia para ser apresentada a proposta ao concurso.
Nessa medida, não vemos que o seu comportamento tivesse visado acautelar a vantagem comercial, pelo menos aquela a que se refere e muito menos evitar putativas acusações.
Finalmente, que houve ganhos de eficiência associados ao comportamento em causa, uma vez que foi indispensável e proporcional ao objetivo pretendido, protegendo o seu investimento e desenvolvimento no material solicitado e garantir que recebia uma compensação adequada pelo fornecimento do mesmo. 
A respeito desta consideração suscita-se-nos uma dúvida, saber a que comportamento se refere, pois que a negação da venda, sendo em tese admissível, seguramente que não o é nos termos em que ocorreu e a que nos referimos supra.
Por outro lado, admitindo que se refira à negação da cotação, não vemos de que forma seja indispensável e proporcional a proteger o seu investimento e desenvolvimento no material solicitado e garantir que garantia uma compensação adequada pelo fornecimento do mesmo, seja porque certamente se faria cobrar deste, seja porque fazendo-o, independentemente da correspondência de preços (ou variação), sempre acautelaria a possibilidade de, ganhando aquela o concurso, vender o respetivo material/ peças.
Nessa medida, concordamos que não existe justificação objetiva nem ganhos de eficiência na conduta da Ré, tal como referido pelo Tribunal a quo.
Ainda sobre esta temática, mas reportado aos requisitos do artigo 102.º do TFUE, a Recorrente refere que o Tribunal a quo efetuou uma análise inquinada por partir de pressupostos errados.
Porém, os pressupostos que indica, tal como vimos repetidamente referindo, assentam nos factos provados e não naqueles que a Recorrente pugna(va).
Ainda assim, a respeito da suscetibilidade de afetação do mercado nacional, julgamos que se impõe dar conta que o Tribunal a quo justifica a sua posição no facto de se estar perante concursos públicos internacionais e que, por isso, qualquer empresa estrangeira podia concorrer, o que demonstra a afetação do comércio entre os Estados-Membros.
Relativamente ao carácter sensível da afetação, que a Recorrente refere não ter sido analisado, o Tribunal a quo, depois de esclarecer as orientações da Comissão sobre o conceito de afetação, destacou o monopólio da Ré nos mercados de Portugal e Espanha, o reflexo evidente no território nacional e o valor do contrato para concluir pela verificação do requisito.
Concordamos com a apreciação efetuada, na verdade julgamos evidente o domínio da Ré em todo o território nacional, sendo que, para o efeito, não podemos deixar de considerar as zonas de implantação do metro no nosso país, sendo, por isso, suficiente para dificultar a penetração no mercado nacional, ao que acresce o valor envolvido no concurso que certamente está longe de ser despiciendo.
Assim, também quanto a esta temática, a posição do Tribunal a quo não nos merece qualquer censura.
Pelo exposto, relativamente à primeira questão suscitada pela Recorrente, ou seja, se a conduta da Ré consubstancia um abuso de posição dominante por recusa de fornecimento, a decisão do Tribunal a quo que a declarou verificada merece a nossa concordância.
*
Passemos à seguinte questão suscitada pela Recorrente (Ré), ou seja, se (in)existe culpa por parte da Ré.
A Recorrente pugna ainda que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, “há uma total ausência de culpa”.
Alega, para o efeito, que não foi produzida prova que permita concluir pela sua existência e muito menos a título doloso.  
Refere ainda que apenas seria possível imputar mera culpa inconsciente à suposta conduta ilícita da Ré, pelo que nesse caso, a indemnização a pagar sempre teria que ser fixada, equitativamente, em montante inferior aos danos causados. 
Finalmente, que se considerando a atuação dolosa, sempre existiriam circunstâncias excecionais suscetíveis de excluir a culpa e determinar a sua absolvição, nomeadamente por erro desculpável.
A Recorrida (Autora), por sua vez, pugna pela sua existência.
Para o efeito, explica que esta não se refere à criação da situação de posição dominante num mercado, mas apenas ao ilícito subsequente do seu abuso, pois que a ilicitude da conduta da Ré residiu numa injustificada e inadmissível recusa de fornecimento de produtos do seu comércio.
Por fim, reputa-a de grave.  
O Tribunal a quo, nos pontos 190 a 195, pronunciou-se sobre a culpa e concluiu pela sua verificação.
Destacamos o facto de o Tribunal a quo, depois de ter explicado o respetivo regime legal, nomeadamente em termos do ónus da prova e do padrão de referência adaptado às empresas (empresa medianamente diligente e cuidadosa), também invocou jurisprudência do STJ que, aplicado ao caso, permitiu concluir nos termos referidos.
Acresce referir que o Tribunal a quo, tendo destacado o facto de estar em causa um mercado altamente especializado e técnico, é no mínimo revelador de falta de cuidado da parte da Ré não ter noção da sua posição monopolista e de que, nessa posição, não podia atuar conforme atuou.
Finalmente, que não se verificam circunstâncias excecionais excludentes do juízo de culpa.
A respeito desta temática, julgamos que a posição do Tribunal a quo não suscita dúvidas e que se mostra adequada, aliás, a existirem dúvidas seriam sempre por defeito.
Efetivamente, aplicada a jurisprudência do STJ citada pela sentença em crise, que também seguimos, manifestamente resulta demonstrada a culpa, quando também é certo que a Ré não logrou demonstrar circunstâncias excecionais excludentes do juízo de imputação subjetiva.
Assim, também quanto a esta temática, a posição do Tribunal a quo não nos merece qualquer censura.
*
Passemos a analisar a terceira questão suscitada pela Recorrente (Ré), ou seja, se em caso de se entender existir mera culpa, se a indemnização deve ser fixada, equitativamente, em montante inferior e a questão suscitada pela Recorrente (Autora), no caso, se o dano pela perda de chance (ou de oportunidade séria e consistente de ganhar o concurso) e o seu nexo causal se verificam.
A Recorrente (Ré) pugna que a indemnização fixada deve ser em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, uma vez que a responsabilidade se funda na mera culpa.
Por sua vez, a Recorrente (Autora) defende que a Ré deve ser condenada a pagar-lhe indemnização referente ao dano pela perda de chance.
Refere, para o efeito, que ficou demonstrada uma perda de chance ou de oportunidade séria e consistente de ganhar o concurso.
A Recorrida (Autora), pelo contrário, entende que bem andou o Tribunal a quo ao considerar não provada a perda de chance. 
O Tribunal a quo desenvolveu a matéria do dano e nexo de causalidade nos pontos 196 a 248.
A respeito do dano por perda de chance ou oportunidade dá conta da legislação aplicável e alude a jurisprudência nacional e europeia para depois, aplicado ao caso sub judice, concluir pela sua não verificação.
A discordância da Recorrente (Autora) reporta-se fundamentalmente à aplicação efetuada pelo Tribunal ao caso concreto, considerando o grau de exigência aplicado intangível.
Aliás, a este respeito refere que a “decisão do Tribunal a quo acaba por vir a sucumbir na transposição destes parâmetros gerais para a perda de oportunidade no caso concreto, não porque não estejam provados, mas porque faz uma interpretação exigentíssima desses mesmos parâmetros, concretamente quando aborda os conceitos de consistência e seriedade do dano de perda de chance.”
Efetivamente, considera que:
- “A prova a ser feita não poderá nunca ser a prova de uma certeza relativamente à probabilidade da Autora vencer o concurso.”
- “Bastaria, como basta, que demonstrado ficasse que a Recorrente poderia, em abstracto, vencer o concurso. E esta realidade resulta evidente dos factos dados como provados.”
- É esta a correcta aplicação da teoria da causalidade adequada. Esta teoria não exige que o facto ilícito seja o único causal do dano, nem exige que, em concreto, não tenham concorrido outros factos para a produção do dano.
- Aquilo que é exigível é que, em abstracto, aquele facto ilícito – neste caso o abuso de posição dominante, consubstanciado no não fornecimento do equipamento indispensável à participação no concurso – fosse em abstracto adequando à produção daquele dano – no caso concreto a impossibilidade de apresentação da proposta com a consequente frustração da oportunidade de vencer o concurso e obter a margem de lucro inerente.
- “Dúvidas não subsistem assim que da factualidade dada como provada nos pontos q) a z), aa) a vvvv) da sentença, resulta claro que a Recorrida, por sua culpa exclusiva, não forneceu os sistemas de óleo-hidráulicos de elevação e movimentação de cargas e pessoas, impedindo assim a Recorrente de apresentar a sua proposta de candidatura ao concurso público em causa, cujo caderno de encargos indicava peças comercializadas apenas pela Recorrida, e que esta conduta teve como consequência necessária a perda por parte da Recorrente da oportunidade de vencer o concurso (e consequentemente obter a margem de lucro associada).
- “esta admissibilidade, resulta da matéria de facto dada como provada, mormente quando desta consta que: a atividade comercial da Autora lhe permitia executar os serviços objeto do contrato; que empreendeu diversas diligências tendentes à apresentação da proposta; que tem experiência em concursos públicos; que tinha a firme intenção de concorrer; e que a proposta que pretendia apresentar teria um valor inferior ao preço base (6.000.000,00€). – factos provados xxx.
- “O juízo de prognose não pode assim ser outro que não seja: o facto (não fornecimento dos materiais indispensáveis para o serviço e que a Recorrida era a única que os poderia fornecer), criou o dano em concreto, aliás como seria suscetível de o criar em abstrato (Recorrente sempre ficaria impossibilitada de apresentar a sua proposta no concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa com a consequente perda da vantagem patrimonial futura – lucro – se
não tivesse acesso à proposta para aquisição do material em causa), tal como resulta da factualidade dada como provada pela Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ex vi, q) a z), aa) a vvvv) daquela decisão.
- Não se aceita ainda o entendimento do Tribunal a quo de que “não decorre dos factos provados e acima enunciados que a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que o permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica viável.”
- A comprovar essa aptidão e capacidade da Recorrente está o facto da Recorrida ter protelado a orçamentação do material com o objetivo de afastar a Recorrente do concurso. Procurando dessa forma afastar um concorrente que reputava de certamente como capaz de colocar em causa o seu sucesso no concurso.
- A que acresce o facto da Recorrida ter encetado negociações com a Recorrente para uma pareceria que lhes permitisse concorrer em conjunto ao concurso público lançado pelo Metropolitano de Lisboa, evidencia também que a Recorrida reconhecia à Recorrente essa mesma aptidão e capacidade para executar o serviço.
- A prova quanto ao dano pela perda de chance e respetivo nexo causal foi assim por demais evidente, e resulta clara do acervo de factos dados como provados.
Por sua vez, a decisão em crise, a respeito desta temática, destaca que:
- a Autora não alegou, nem provou que teria ganhado o concurso caso tivesse concorrido.
- apenas podemos ter como certo é que a conduta da Ré privou a Autora da oportunidade de concorrer aos dois concursos e de, consequentemente, ganhar a proposta e celebrar o contrato respetivo. Encontramo-nos, por conseguinte, no plano da chamada perda de chance ou perda de oportunidade, que tem subjacente uma situação de incerteza.
- Fazendo a aplicação dos parâmetros aplicáveis a esta figura ao caso concreto facilmente se conclui que o esforço de alegação e prova empreendido pela Autora ficou aquém daquele que era necessário para demonstrar uma perda de oportunidade consistente e séria. Efetivamente, apenas ficaram provados, com relevo sobre esta matéria, os seguintes factos:
Ø a Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao projeto, fabrico, instalação e assistência técnica de soluções para sistemas óleo-hidráulicos de elevação e movimentação de cargas e pessoas (alínea a) dos factos provados);
Ø A A. acompanhou os pedidos de esclarecimentos, nomeadamente os feitos pela Ré (alínea i) dos factos provados);
Ø Requereu também ela os seus próprios esclarecimentos ao ML (alínea j) dos factos provados);
Ø Tendo, para o efeito, comprado “Selos temporais”, no montante de € 46,13, para o poder fazer (alínea k) dos factos provados);
Ø Mais tendo participado na visita às oficinas do ML, que foi agendada para o dia 6 de setembro de 2018 (alínea l) dos factos provados);
Ø A A. tinha já preparado, pelo menos, o programa de trabalhos e o preço final que iria apresentar ao concurso do ML, sem prejuízo dos acertos no preço que tivesse de fazer exclusivamente em função do orçamento que haveria de receber da Ré (alínea ggg) dos factos provados);
Ø A A. tem funcionários que executam esta função, com experiência em concursos públicos e apresentação de propostas aos mesmos (alínea hhh) dos factos provados);
Ø A A. afetou diversos trabalhadores ao procedimento em causa com o intuito de apresentar uma proposta, o que fez com que a A. não pudesse alocar esses trabalhadores a outros tipos de funções (alíneas dddd) e eeee) dos factos provados);
Ø Desde que na posse dos preços dos materiais que havia pedido à R., a A. tinha a firme intenção de apresentar proposta ao concurso do ML (alínea iiii) dos factos provados);
Ø Essa proposta seria inferior a € 6.000.000,00 (alínea jjjj) dos factos provados);
Ø A Autora estimou que o preço dos materiais da Ré ascenderia a um valor aproximado de 2.500.000,00€ (alínea kkkk) dos factos provados);
Ø Valor que a Autora tem para si como adequado em função do conhecimento do mercado e dos preços então praticados para o tipo de material em causa (alínea llll) dos factos provados).
Ø A proposta da A. incluiria o  custo com a mão de obra, sendo que a A. previa afetar: a)15 técnicos de manutenção b) 30% de disponibilidade de 1 técnico de segurança c) 1 Engenheiro mecânico d) um Chefe de Logística e e) um Gestor de projeto (alínea mmmm) dos factos provados);
Ø Mais incluiria a contabilização dos custos estimados com gestão de resíduos (alínea nnnn) dos factos provados);
Ø Mais os custos relativos ao estaleiro específico para os trabalhos a contatar (alínea oooo) dos factos provados);
Ø E o valor da caução a prestar nos termos do caderno de encargos, no valor de 5% sobre o valor do custo efetivo dos trabalhos e materiais - ou seja de valor não inferior a 205.000,00€ (alínea pppp) dos factos provados);
Ø A Autora, no pressuposto de que o preço dos preço dos materiais da Ré ascenderia a um valor aproximado de 2.500.000,00€, previa incorporar na proposta uma margem de lucro de 1.030.000,00€, sendo que a margem de lucro normal neste mercado ascende a, pelo menos, 6 %  (alínea qqqq) dos factos provados).
- Estes factos permitem concluir que a atividade comercial da Autora lhe permitia executar os serviços objeto do contrato, que empreendeu diversas diligências tendentes à apresentação da proposta, que tem experiência em concursos públicos, que tinha a firme intenção de concorrer e que a proposta que pretendia apresentar teria um valor inferior ao preço base. Contudo, os mesmos são insuficientes para se poder formular qualquer juízo sobre a consistência e seriedade da sua proposta e da sua probabilidade de sucesso, pois para formular este juízo seria necessário que dos factos se conseguisse inferir, no mínimo, que a proposta era admissível por cumprir todos os requisitos legais, e que a solução técnica apresentada – que valia 40% na ponderação de adjudicação (cf. alínea vvv) dos factos provados) – era viável. Sucede que os factos respeitantes à admissibilidade da proposta não ficaram provados – cf. alíneas b) e d) dos factos provados – e os factos relativos à solução técnica não foram sequer alegados.
- Noutra perspetiva, também não decorre dos factos provados e acima enunciados que a Autora estava de tal forma capacitada – em termos de recursos humanos, financeiros, logísticos e de experiência – para executar este tipo de trabalhos que permitisse inferir, com probabilidade suficiente, que a sua proposta seria admissível e a solução técnica seria viável. Factos estes que, neste plano, teriam de ser alegados e provados pela Autora, pois são necessários aqui para demonstrar o próprio dano e o nexo de causalidade.
Vejamos então se os parâmetros aplicados, concretamente quando aborda os conceitos de consistência e seriedade do dano de perda de chance, se mostram adequados.
A perda de chance, como dá conta o Tribunal a quo, mostra-se efetivamente consolidada na nossa prática judiciária, conforme, aliás, decorre do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022.
Este Acórdão resultou da constatação da contradição - jurisprudencial - existente entre dois Acórdãos do mesmo STJ, reportada ao direito de indemnização, a favor de clientes de advogados, por danos decorrentes do incumprimento do contrato de mandato forense celebrado entre cliente e os advogados.
Conforme dá conta, “(N)o centro da idêntica e fundamental questão de direito de ambos os acórdãos está a questão da indemnizabilidade do chamado dano da perda de chance ou de oportunidade processual, do seu reconhecimento, de jure condito, como um dano suscetível de ser ressarcido e, em caso afirmativo, em que termos.
Assinala que “ambos os acórdãos convergem no sentido do dano da perda de chance ser indemnizável (17) e, mais ainda, também convergem em qualificar tal dano como dano autónomo e emergente, iniciando-se a contradição jurisprudencial no momento seguinte e em saber, repete-se, se toda e qualquer perda de chance pode/deve ser reconhecida como um dano indemnizável ou se só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável.”
Prossegue, dando conta que “A responsabilidade civil, como já se referiu, tem em vista "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" (cf. art. 562.º do C. Civil), visando, no caso, colocar o lesado/mandante na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo do seu mandatário, razão pela qual, é pacífico, o dano causado pela perda de chance não poderá ser superior ao direito que o seu representado tinha originariamente, ou seja, caso este direito (do representado) não existisse ou não tivesse qualquer consistência, não haverá (não pode haver) qualquer dano pela perda de chance suscetível de ser indemnizado.

A aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano.

É verdade que o Direito (a ciência jurídica) não é, na sua interpretação e aplicação, uma ciência exata e que não pode afirmar-se com certeza absoluta qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo "anormal", porém, isso não significa que não se possa estabelecer/demonstrar, a partir de todos os elementos e circunstâncias disponíveis, que um concreto processo judicial (caso tivesse decorrido ou tivesse decorrido normalmente) tinha consistentes chances de vir a obter vencimento e que, por via disso, não se possa concluir que a chance perdida era, fora de qualquer dúvida, uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda se traduz num dano.
E isto - esta demonstração - configura uma certeza relativa e conforma uma possibilidade séria/significativa que vai permitir imputar tal certeza relativa ao facto/evento lesivo (que fez com que o processo judicial não se desenrolasse ou que decorresse "anormalmente").

A certeza do dano e a imputação objetiva deste ao ato lesivo (nexo causal), requisitos exigíveis segundo os princípios e regras do nosso direito de responsabilidade civil (21), não dispensam que se apure, caso a caso, a suficiente probabilidade da consistência e seriedade da concreta "chance" processual comprometida.
A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a "chance", para poder ser indemnizável, seja "consistente e séria" e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético.
Só assim a "chance" preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou.
Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar.

Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.
Uma "chance" puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as "perdas de chance" que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.
Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência (22).

Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (como acontece no caso do processo do Acórdão fundamento e no caso deste processo) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida - tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado "julgamento dentro do julgamento" - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance "consistente e séria") e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido - na perspetiva do tribunal que o teria que decidir - sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.

Não se ignora que tal apuramento - tal "julgamento dentro do julgamento" - nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão recorrido) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão fundamento) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado.
Tanto mais que, repete-se, no incidental "julgamento dentro do julgamento", como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão (25), uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental) (26).
Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil - a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado - não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual.
A violação de deveres específicos - voluntária e contratualmente assumidos - dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar - seja fácil ou difícil - a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense.

São coisas diferentes - ao lado dum dano patrimonial da perda de chance processual, pode existir uma dano não patrimonial decorrente da ansiedade que o incumprimento dos deveres pelo mandatário possa ter causado - devendo, todavia, reconhecer-se a dificuldade da prova do montante do dano da perda de chance, a dificuldade em quantificar a exata probabilidade de sucesso da chance/oportunidade de ganho do processo, o que por certo levará a que, em muitos casos, haja lugar à fixação equitativa, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil, dum montante indemnizatório pelo dano da perda de chance; reparação por recurso à equidade que, no seguimento de tudo o que se referiu, só poderá acontecer - enfatiza-se especialmente, uma vez que é exatamente neste ponto que está o fulcro da divergência e contradição jurisprudenciais - após, no seguimento/termo do incidental "julgamento dentro do julgamento", se ter concluído pela consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, após ter-se considerado provada a probabilidade suficiente (no referido limiar mínimo) de existência dum dano de chance indemnizável (sabido que a indemnização equitativa dum dano pressupõe que o dano está provado, ou seja, no caso, que a consistência e seriedade do dano da perda de chance está previamente provada, apenas se desconhecendo o valor exato do mesmo).
Probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável que se perdeu (a tal chance consistente e séria), que há de extrair-se da factualidade alegada e provada pelo lesado, pelo que, sem tal factualidade, fica o tribunal (que julga o pedido de indemnização com base na perda de chance) sem elementos para poder concluir pela existência do dano da perda de chance, não podendo/devendo sequer passar ao momento seguinte respeitante à quantificação da indemnização.
Como refere Patrícia Cordeiro da Costa (28), "a chance indemnizável não é [...] uma chance abstrata e filosófica, no campo das possibilidades gerais, mas uma chance séria, concreta e consistente, apoiada numa probabilidade igualmente séria e consistente de ocorrência da vantagem perdida não fora o facto ilícito. Sob pena de se transformar a perda de chance num mecanismo de atribuição irrestrita de indemnizações, bastando a presença de uma mera suspeita de probabilidade, a ação de indemnização deve ser preparada, em termos de alegação de facto e de produção de prova, de forma a que o tribunal, na decisão a tomar, tenha dados de facto suficientes para, desde logo, concluir pela existência duma chance séria. [...] A indemnização pela chance perdida depende da prova efetiva da existência de uma chance séria [...]"
"A intervenção do art. 566.º/3 do C. C. só pode operar num momento em que o tribunal já estabeleceu a existência de uma chance séria e consistente, ainda que num intervalo de probabilidade mínima e máxima, mas permitindo o limite mínimo desse intervalo afirmar a existência de uma chance séria, faltando apenas quantificar a indemnização. Se persiste a dúvida quanto à existência de uma chance e à seriedade da mesma, o art. 566.º/3 não pode ser convocado para, com recurso à equidade, resolver um problema de falta de prova, nomeadamente em termos salomónicos. Esta norma destina-se a estabelecer um critério de quantificação da indemnização, não da prova dos factos."
Assim, em casos como o do Acórdão fundamento, após o incidental "julgamento dentro do julgamento", concluindo-se que "se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusivé, a sua improcedência", a conclusão imediata e "automática" será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano (29), à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil).(destaques nossos)
Ainda a respeito desta temática, julgamos oportuno chamar à colação a jurisprudência emanada do Acórdão do STJ, de 10 de dezembro de 2024, na medida em que reportado a um concurso público, decidiu que “a probabilidade consistente e séria de vencer um concurso público tem que ser aferida em concreto, ou seja, perante os termos e condições do concurso e valia da proposta em falta e, confronto com as demais.”(Proc. 87/20.0T8BGC.G1.S1, in www.dgsi.pt).  
Assim, procuremos aplicar os ensinamentos do STJ ao caso em análise.
Resulta da factualidade apurada que a Ré, com o seu comportamento, obstou a que a Autora tivesse a oportunidade de concorrer ao concurso do ML.
Pois que o referido concurso, além do “serviço” requeria “material” para proceder à manutenção objeto daquele, sendo que, entre esse havia o material “IFE”.
Porém, como vimos, e disso dá conta o Tribunal a quo, não só não se mostra provado que a Autora teria ganho o concurso, como também não resultou demonstrado que reunisse as condições necessárias para preencher os requisitos/ condições daquele e, ainda, que por força dessas ficasse com probabilidade de sucesso.
Naturalmente, que não concorrendo é certa a impossibilidade e que concorrendo sempre existiria/ haveria “alguma” ou, dito de outra forma, sempre haveria a sua expectativa.
No entanto, seguramente não é isso que está em causa, está antes, recorrendo aos ensinamentos do STJ, aquilatar a existência de condições concretas que permitam formular um juízo sobre a consistência e seriedade da sua proposta e da possibilidade de sucesso.
A resposta positiva às questões suscitadas, depara-se, desde logo, com uma dificuldade acrescida, pois que, como se apurou, a Autora não apresentou os elementos necessários para concorrer, em particular, aqueles que não dependiam da ação omitida pela Ré, ou seja, do valor dos materiais “IFE”.
A este respeito, sendo justificável a não apresentação daqueles que importavam o preço/ valor dos materiais “IFE”, pois que se mostrou impedida pela omissão da Ré, a verdade é que relativamente aos demais inexiste justificação.
Aliás, tendo presente a versão apresentada, que tinha tudo preparado e que apenas faltavam os elementos “IFE”, não deixa de ser relevante a circunstância de não se ter provado o respetivo facto (cfr. facto não provado d).
Esta circunstância, sem mais, obsta a que se lograsse estabelecer, no âmbito do “julgamento dentro do julgamento” a que se refere o citado Acórdão do STJ, um juízo seguro sobre a seriedade da proposta e, em particular, sobre a possibilidade de sucesso da Autora naquele, pois que, em tese, permitiria comparar as propostas e, face aos parâmetros estabelecidos pelo concurso, aferir da sua efetiva viabilidade e possibilidade de sucesso.
Ainda assim, admitimos, como admitiu o Tribunal a quo, que existisse outro caminho a trilhar para se lograr obter o mesmo efeito, ou seja, a demonstração de condições técnicas, logísticas, financeiras e orçamentais, reportadas ao “caderno de encargos do concurso”, que despoletassem aquele juízo.
Naturalmente que este caminho se afigurava mais difícil de trilhar, por, desde logo, ser mais difícil de objetivar.
Admitimos até a existência de factos provados que indiciam que a Autora tinha possibilidade de concorrer ao concurso do ML, e, como referimos supra, esse facto já permitia acalentar (mais) esperança.
Porém, já não se nos afigura que os mesmos factos sejam de molde a se “extrair” a verificação da chance séria, concreta e consistente, apoiada numa probabilidade igualmente séria e consistente de ocorrência da vantagem perdida não fora o facto ilícito.
Dito de outra forma, a factualidade apurada não permite estabelecer um juízo de prognose que a Autora tinha consistentes chances de apresentar uma proposta (válida/ capaz) e de a mesma obter vencimento.
Efetivamente, temos para nós que a demonstração dessa possibilidade se teria que fazer reportada ao caso concreto, ou seja, reportada às competências da Autora para a obra em causa, à respetiva parte financeira e técnica, nomeadamente à sua viabilidade tendo em conta o caderno de encargos e/ ou às premissas do concurso, pois que esta última representava 40% para efeitos da decisão do concurso, e ainda a comparação com a proposta vencedora.
Para isso, salvo o devido respeito, admitindo dificuldades acrescidas, seja em termos factuais, seja probatórios, importava desbravar as concretas regras do concurso, as competências mútuas de forma a se lograr estabelecer comparações, por forma a sairmos das abstrações e entrarmos no concreto, efetuando-se ou permitindo-se, por referência a este, chegar à formulação válida e exigente a que nos vimos referindo e assim concluir pela verificação do “dano de chance”.
Aliás, a respeito da necessidade de entrarmos no concreto, por evidentes semelhanças como caso sub judice, chamamos novamente à colação o Acórdão do STJ, de 10 de dezembro de 2024, nomeadamente quando refere que:
Só caso esse valor mais baixo fosse o único requisito de êxito da candidatura é que autora demonstraria que as probabilidades de ganhar o concurso público seriam sérias e reais.
“Da matéria de facto provada resulta apenas a convicção da autora quanto à vitória do concurso – de que iria ser a sua proposta a vencedora do concurso, baseada apenas no facto de serem três candidatas e terem sido duas excluídas, sendo ela a apresentar ao concurso o valor mais baixo. Ora, apenas com base nesses dois fatores, não podemos considerar que haja uma forte probabilidade de êxito na adjudicação do serviço à autora”.
Não basta pois, a convicção da autora de que a sua proposta seria a vencedora do concurso por ter apresentado a proposta de valor mais baixo, para dar como verificada a probabilidade de êxito no concurso público, pois as propostas apresentadas a concurso são avaliadas por diversos fatores e, não só pelo fator “preço”.
É certo que ainda que estivessem bem definidos os termos do concurso e os critérios de adjudicação, sempre estaria dependente da avaliação e opinião dos vários jurados que compunham o júri do concurso.
Porém, a recorrente não alegou quais os fatores a ponderar pelo júri do concurso, não se sabendo assim, se a sua proposta seria a vencedora só por ter apresentado o valor mais baixo ou, quais as probabilidades de êxito em face do regulamento do concurso com a proposta por si apresentada.
Tal falta de alegação impede que se faça um «juízo dentro do juízo» para se poder determinar da existência de uma “chance” séria de vitória no processo.
O facto de as outras duas propostas terem sido excluídas do concurso, não legitima a convicção, desde logo, de que a proposta da autora seria a vencedora, pois poderia não reunir os requisitos substanciais exigidos pelo regulamento do concurso para o vencer.
É certo que pelo facto de duas das propostas terem sido excluídas do concurso, aumentariam as probabilidades de vencer o concurso, mas era preciso a prova, mesmo com a ausência destas, de reunir os requisitos substanciais para o vencer, isto é, que teria probabilidades de o ganhar.
Não basta, pois, a convicção da autora de que a sua proposta seria a vencedora por ser a de valor mais baixo, mas ainda teria de alegar e provar que comparando a sua proposta com o regulamento do concurso tinha sérias probabilidades de o ganhar (probabilidade aferida em concreto perante os termos e condições do concurso).
Concluindo, a autora não fez a prova do dano da perda de chance que lhe competia, fundamento da obrigação de indemnizar, isto é, da probabilidade consistente e séria de vencer o concurso público, pelo menos em maior grau de vencer do que de o perder, caso a proposta tivesse sido submetida pelo réu com os documentos devidos.”(destaques nossos)  
Nessa medida, reconhecendo, repita-se, a dita esperança, materializada na possibilidade de se lograr concorrer, não podemos esquecer que a responsabilização que se procura, tem que respeitar, “sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados.”
Dito isto, entendemos que a “chance” demonstrada se fica pela abstração ou no campo das possibilidades gerais que, como disso se deu conta no Acórdão do STJ, não permite concluir nos termos pugnados pela Autora.
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A Recorrente dá ainda conta que se verifica, a este respeito, uma contradição, remetendo para os pontos 220 e 221 da sentença em crise.
Relativamente ao pugnado erro de julgamento, ou seja, que a sentença é contraditória nos pontos 220 e 221, importa referir que a mesma se fica pela aparência.
Efetivamente, no âmbito da análise dos prejuízos, que identifica no ponto 218, ou seja, aquisição de selos, valores que despendeu com a deslocação e alimentos, afetação de trabalhadores ao procedimento em causa e que, por isso, não pode alocar a outros tipos de funções, dando conta do facto ilícito praticado pela Ré, estabelecido o nexo causal e afastada a concorrência de culpa da Autora, concluiu que a Ré incorre no dever de indemnizar a Autora pelos prejuízo sofridos.
Acresce referir que, tendo consignado que não decorre dos factos provados nenhum facto que permita concluir que a própria Autora concorreu culposamente para a produção dos danos referidos, nomeadamente porque não dispunha de recursos, capacidade, oportunidade ou tempo para apresentar uma proposta admissível e viável, prova essa que, neste plano (em que está demonstrado o dano e o nexo de causalidade de acordo com a teoria da causalidade adequada) e nos termos e para os efeitos dos artigos 570.º, n.º 1, e 572.º, ambos do CC, cabia à Ré.
Resulta assim, salvo o devido respeito, que a diferença a que chegou o Tribunal decorre da inexistência desses factos provados e repercutidos ao respetivo dano, ou seja, no caso destes, cabendo o ónus de prova da concorrência de culpa da Autora à Ré, não o tendo logrado e porque se verificam os requisitos positivos da responsabilidade, concluiu naqueles termos.
Porém, no caso da perda de chance, que, como vimos, o ónus da prova recai sobre a Autora, entendeu o tribunal a quo que reportado ao pugnado dano da perda de chance, porque aquela não logrou demonstrar a sua verificação, não se verifica o dano.  
Dito isto, concluímos que a contradição é apenas aparente.
Nessa medida, julgamos improcedente o pedido formulado pela Autora.
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Prosseguindo.
Vejamos então se a indemnização deve ser fixada, equitativamente, em montante inferior.
A Recorrente (Ré), como vimos, pugna que a indemnização fixada deve ser em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, uma vez que a responsabilidade se funda na mera culpa.
O Tribunal a quo, no âmbito da fixação da indemnização, nada refere relativamente a esta possibilidade.
Efetivamente, o artigo 494.º do CC, sob a epígrafe “limitação da indemnização no caso de mera culpa”, prevê a hipótese pugnada pela Recorrente (Ré).
Porém, o mesmo prevê essa possibilidade quando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e das demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Ora, como é bom de ver, a situação em análise em circunstância alguma justifica a sua aplicação, pois que as demais circunstâncias do caso absolutamente o desaconselham.
Aliás, apesar de se desconhecer a situação económica das partes, não podemos deixar de ter em conta o valor do concurso público que “venceu”, assim como entre as demais circunstâncias destacamos o facto de ter persistido no facto ilícito em períodos distintos e de, no primeiro caso, ter mantido, quase até ao fim do prazo, a agora Autora numa incerteza de todo injustificada.
Dito isto, também improcede a pretensão da Recorrente (Ré).
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Pelo exposto, indeferimos o recurso apresentado pela A. e o recurso subordinado apresentado pela R..
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos interpostos pela A. e pela R., mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelas Recorrentes (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Lisboa, 12 de março de 2025
Bernardino Tavares
Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora Viegas