I. Porque a acção cível, por motivo da pretendida igualação de recorrentes em recursos cíveis e em recursos penais, se autonomiza da acção penal, é hoje entendimento pacífico que, face ao disposto no nº 3 do art. 400º do C. Processo Penal (redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto), são aplicáveis, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, os casos de inadmissibilidade de recurso previstos no art. 671º do C. Processo Civil, ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal.
II. No caso de dupla conforme, isto é, no caso de o acórdão da Relação confirmar, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1ª instância quanto ao pedido de indemnização civil deduzido, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
III. Considerando a moldura penal abstracta aplicável ao crime de homicídio agravado, p. e p. pelos arts. 131º do C. Penal e 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro – pena de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses de prisão – sobrepondo-se, de algum modo, as circunstâncias agravantes à circunstâncias atenuantes, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, mas sendo baixas as exigências de prevenção especial, a pena de 14 anos de prisão, fixada pela 1ª instância e confirmada pela Relação, mostra-se necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente.
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo Central Criminal de ..., o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal do júri, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, 131º e 132º, nº 2, e) e j) do C. Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Por acórdão de 14 de Maio de 2024, foi o arguido absolvido da prática do imputado crime de homicídio qualificado, e condenado, pela prática de um crime de homicídio agravado, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1 e 131º do C. Penal e 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 14 anos de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 6, perfazendo a multa global de € 1500.
Mais foi o arguido condenado no pagamento às assistentes e demandantes civis BB e CC, da quantia de € 2290 por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento, e no pagamento da quantia de € 92500 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da decisão e até integral pagamento.
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Inconformados com a decisão, recorreram, arguido e Ministério Público, para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 24 de Setembro de 2024, decidiu:
“(…).
Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
1) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público;
2) Alterar o julgamento da matéria de facto provada e não provada nos termos acima referidos (Vide II : B : 3.2.1 : 3.2.2); e,
3) Em virtude da irrelevância desta alteração, julgar igualmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
(…)”.
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Novamente inconformado, recorre o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1.ª - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que julgou improcedente o recurso do arguido AA e o condenou pelo crime de homicídio agravado p.p. pelo art.º131.º do CP e o art.º86.º, n.º3 da Lei 5/2006, de 23/02, na pena de 14 anos prisão, e julgou improcedente o recurso quanto ao PIC, mantendo a condenação do pagamento da quantia de 94.890,00€ de danos morais/patrimoniais, acrescidos de juros de mora.
2.ª - O recorrente discorda da decisão por entender que a medida da pena aplicada é excessiva, e, na sua modesta opinião, acredita que, face às atenuantes e fatores previstos no art.º 71.º do CP, a pena de 12 de anos de prisão é mais adequada e justa à sua culpa e necessidades de prevenção geral e especial.
3.ª- O arguido/recorrente também considera, salvo melhor entendimento, que o valor da indemnização é desajustado, por demasiado elevado, do qual também se recorre, defendendo que a indemnização deveria ser fixada na quantia de 50.000,00 € é mais adequada a compensar os danos sofridos pelas demandantes.
4.ª - O recurso versa sobre a matéria de direito, sendo que, embora o Acórdão recorrido tenha alterado determinados pontos da matéria de facto, como pedido pelo recorrente no seu recurso da matéria de facto, o certo é que não houve repercussão na decisão final, mormente na pena aplicada, que foi mantida, em prejuízo do recorrente/arguido, pelo que, em termos de organização do recurso:
a) Se aborda em primeiro lugar a questão das alterações da matéria de facto e do reconhecimento da dupla agravação pela utilização da arma e as suas consequências;
b) Em segundo lugar, a questão da medida concreta da pena fixada tendo em conta os diversos factores, incluindo as alterações da matéria de facto e correção da dupla valoração da arma reconhecida.
I) QUANTO ÀS CONSEQUÊNCIAS DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DO RECONHECIMENTO DA DUPLA AGRAVAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA ARMA QUE FOI EFETUADA/RECONHECIDA NO ACORDÃO RECORRIDO
5.ª- Na sequência do recurso do arguido, o acórdão recorrido elevou a TAS de álcool 0,79 g/l para 1,319 g/l que o arguido teria no momento da prática dos factos, alterando o facto provado 53 (note-se que, apesar de ter elevado a TAS substancialmente, o acórdão recorrido seguiu um critério de ter descontado o máximo de todas as variáveis possíveis, e caso não tivesse sido seguido um critério de desconto máximo tão radical (e não mediano), a TAS do arguido seria corretamente fixada próxima de 1,80 g/l).
6.ª – Não obstante, o Tribunal concluiu que não tinha relevância aquela alteração da TAS do arguido no momento da prática dos factos, e seria indiferente estar com uma TAS de álcool 0,79 g/l ou de 1,319 g/l para efeitos de apurar a conduta do arguido, especialmente o seu estado emocional, impulsividade, agressividade, controlo e capacidade de avaliação plena.
7.ª - Por outro lado, o Tribunal recorrido afirmou e julgou que o recorrente pretendeu a alteração da TAS e suas consequências com vista à aplicação da “inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída não expressamente assumida pelo recorrente e “afastamento da responsabilidade criminal”, Cfr. fls.94 do Acórdão, quando tal jamais foi almejado ou pedido, pois pretendeu-se a alteração da matéria de facto nesse tema apenas e só para mostrar a diminuição da culpa do arguido (e não a desresponsabilização), face às suas limitações provinda do forte estado de embriaguez em que se encontrava (em consonância com os estudos científicos e regras da experiência, para colmatar a lacuna da investigação).
8.º - Salvo o devido respeito, não é indiferente para efeitos de avaliação da culpa e condições do agente ter cometido um crime em que no momento o estivesse com uma TAS de álcool de 0,79 g/l ou de 1,319 g/l ou de cerca de 1,80 g/l (se não fossem feitos todos os descontos possíveis nas escalas máximas).
9.ª - O Tribunal recorrido devia ter retirado as consequências desta alteração substancial da TAS de álcool do arguido no momento da prática dos factos, reconhecendo, no mínimo, que a elevação da TAS álcool 0,79 g/l para 1,319 g/l fez com que o arguido, mantendo-se imputável e consciente em todo o momento, estivesse num estado emocional fortemente alterado, com agressividade e impulsividade acrescidas, com o juízo e controlo mais diminuídos, como sucede com qualquer atividade praticada sob a influência de álcool com essa TAS tão elevada – ou seja, existe um diminuição da sua culpa no momento da prática do homicídio, o que reclama uma pena mais leve.
10.ª - Por outro lado, também na sequência do recurso do arguido, o acórdão recorrido alterou a matéria de facto provada quanto ao ponto 6 dos factos provados, da seguinte forma (a fls.87):
“Em acto contínuo, o arguido abeirou-se da vítima – que entretanto se aproximara da viatura daquele – e encostou os canos da caçadeira à sua barriga e efectuou um disparo.”
Por seu turno, o facto dado como não provado sob a al. j) passa a apresentar a seguinte redacção: “Nas circunstâncias descritas em 4 e 5, a aproximação da vítima ao arguido ocorreu após o avistar munido da caçadeira.
§ 5. Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem qualquer alteração da redacção dos factos dados como provados para além da menção à deslocação do ofendido.”
11.ª – A posição da vítima neste quadro não é indiferente para efeitos de avaliação da culpa/dolo do arguido, e o Tribunal recorrido também devia ter retirado as consequências desta alteração essencial da aproximação da vítima ao arguido no momento da prática dos factos, por via do caminhar na sua direção, pois as regras da experiência e lógica mostram que, naquele conflito, a aproximação ao vê-lo chegar, ao invés de se afastar (ou manter-se no lugar), no mínimo, é vista como um desafio, provocação (e até para se envolverem em pancada), pois não era credível que fosse dialogar com o arguido, que o tinha acabado de ameaçar e com quem não falava, ou seja, existe um diminuição da culpa, o que reclama a aplicação de pena mais leve.
13.ª - Por último, também na sequência do recurso do arguido, o acórdão recorrido reconheceu que o arguido/recorrente foi penalizado no acórdão da 1.ª instância com a soma da agravante dupla por via da utilização da arma.
O uso de arma serviu para elevar o homicídio de simples para agravado, e contribuiu também para agravar a pena aplicável (pela agravação da culpa e da ilicitude), “atento o meio utilizado”, levando a uma punição e agravação dupla.
Cfr. Ac. recorrido a fls.134:
“Na verdade, o princípio da proibição da dupla valoração – expressamente previsto no n.º 2 do art.º71.º, do Código Penal – obsta a que o uso da arma de fogo em si mesmo possa relevar simultaneamente para efeito de circunstância agravante e de determinação da medida concreta da pena.
A decisão recorrida incorreu nesta dupla valoração, o que não significa que a medida da pena aplicada não seja adequada ao caso concreto.”
14.ª - No entanto, uma vez mais, o Ac. recorrido não retirou as devidas consequências desta alteração e reconhecimento da dupla agravação por parte do Tribunal da 1.ª instância (fazendo a diminuição da culpa e da ilicitude), mantendo a pena aplicada, apesar de alterar e reconhecer a dupla agravante aplicada antes, dado que referiu a fls. 134:
“Na verdade, não obstante esta desatenção, importa constatar que a medida da pena de prisão aplicada – fixada junto ao limite superior do terço inferior da moldura penal – não viola as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada.”
15.ª - Assim, com base nestas três alterações, temos que:
A) O Ac. recorrido manteve a pena de 14 anos de prisão aplicada ao arguido pela 1.ª instância, reconhecendo a pena como justa face aos factos provados e valorações efetuados por aquela;
B) Não obstante, o Ac. recorrido reconheceu razão ao recorrente e alterou as três situações supra, alterando a matéria de facto e reconhecendo que existiu uma injusta dupla agravação pela utilização da arma – que são três alterações fundamentais que tocam o cerne em termos de avaliação dos critérios de aplicação das penas – culpa, ilicitude e necessidades de prevenção (art.º40.º e 71.º CP), e não são meros factos instrumentais.
C) Salvo melhor opinião, em termos de fixação da medida de pena, este raciocínio é inaceitável e contraditório, pois se a pena estava bem fixada e foi justa naquele quadro fatual e de agravação dupla pela utilização da arma (1.ª instância), não pode continuar a estar bem e a ser ajustada depois das três alterações substanciais efetuadas pelo Tribunal da Relação, isto é (em termos de avaliação da culpa, da ilicitude e das necessidades de prevenção):
1.º- É completamente distinto em termos orgânicos, químicos e psíquicos (pois afeta o Sistema Nervoso Central), o arguido ter atuado com uma TAS de álcool 0,79 g/l ou de 1,319 g/l no momento crucial dos factos;
2.º- É bem diferente a alteração essencial da aproximação da vítima ao arguido no momento da prática dos factos, por via do caminhar na sua direção, ao invés do afastamento/manutenção no lugar, pois, no mínimo, foi interpretada como um ato de desafio, de provocação, de enfrentamento (segundo as regras da experiência, lógica e instintos primários animalescos perante um conflito);
3.º- E também é fundamental o reconhecimento e retirada da agravação dupla pela utilização da arma em termos de fixação da medida da pena.
16.ª - Pelo que, estas alterações deverão repercutir-se necessariamente na medida da pena de prisão a fixar ao arguido de forma justa e equilibrada com os novos factos e reconhecimento da falha da dupla agravação da 1.ª instância, o que abaixo se peticiona em conformidade, permitindo que o recorrente não possa beneficiar destas alterações essenciais.
II) DA MEDIDA DA PENA (com as alterações supra referidas)
17.ª - Com base nas três alterações supra operadas pelo Tribunal recorrido e segundo os factos provados, salvo melhor entendimento, a pena de 14 anos de prisão aplicada é desadequada face às circunstâncias do caso, à culpa do recorrente e às exigências de prevenção geral e especial, apelando-se à ponderação do Tribunal para a série de atenuantes de que o arguido beneficia (e não existem agravantes in casu).
18.ª - Tendo em conta estes factos provados, e seguindo os critérios a ponderar para determinar a pena (art.º71.º CP):
A) Quanto ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente:
1. O recorrente defende que o grau de ilicitude é mediano, sendo que já está a ter a pena abstrata substancialmente agravada (em um terço nos limites mínimos e máximos!), por força da agravação da ilicitude fixada segundo o art.º 86.º, n.º3 da Lei 5/2006– pois, caso contrário, estaríamos a falar de uma pena entre 8 e 16 anos de prisão, situando-se os 14 anos quase no seu máximo.
2. Por outro lado, o uso de arma foi o elemento que serviu para elevar o homicídio de simples para homicídio agravado por via da alteração feita em audiência à luz do art.º86.º, n.º3, e serviu também para agravar a pena aplicável (pela agravação da ilicitude), Cfr. Ac. recorrido da 1.ª instância afirmou que: “O grau de ilicitude é o mais elevado atento o meio utilizado” (Ac. a fls.56).
3. Esta dupla agravação com base na utilização da arma foram reconhecidas pelo Ac. recorrido a fls.134, mas entendeu que não havia alteração da pena, o que é desadequado, pois não pode manter a pena quando os critérios foram tão distintos da 1.ª instância nesta matéria – isto é: a soma das partes tem de ser diferente depois de reconhecer que houve uma injustiça com o duplo agravamento da arma, e na sequência da correção da injustiça com o desagravamento (sem tirar consequências).
4. Não deve ser considerada a ilicitude no grau mais elevado, por já ter sido agravada pela arma a moldura abstrata em 1/3, considerando-se, no máximo, uma ilicitude mediana, o que se peticiona para a diminuição da pena, e note-se que (facto provado 6), foi a vítima que se dirigiu ao arguido, quando podia permanecer no mesmo lugar ou afastar-se da situação grave eminente, quebrando aquele ciclo (sem tirar que o arguido é o culpado), mas escolheu enfrentá-lo e ir na sua direção.
19.ª - B) Quanto ao grau de culpa: A intensidade do dolo:
C) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
1. O dolo direto é o normal neste tipo de crime e com arma de fogo.
2. Ao contrário do referido pelo Tribunal, o dolo não é especialmente intenso, mas antes moderado, desde logo porque a conduta errada é contrabalançada por o arguido estar fortemente alcoolizado e influenciado por esse fator determinante; por estar revoltado com a conduta sistemática de afronta da vítima, que tinha acabado de o ofender de novo (na fruição da propriedade e apelidando-o de invejoso publicamente); por a vítima vir ao seu encontro; e porque tinha a arma municiada com 2 tiros, e apenas disparou um tiro, e entrou de imediato em choque com o sucedido, sem que tenha manifestado uma firme vontade de matar.
3. Acresce que, não houve escolha da arma ou o tipo de munição, pois, sendo caçador de javali, era a única arma e única munição que tinha, reagiu pela mistura explosiva da embriaguez e da raiva da situação de discussão e antecedentes;
4. E não pode servir como agravante da culpa o facto de serem irmãos, porque apenas eram irmãos de nome, sem laços fraternos, pois davam-se pessimamente, desde crianças; a vítima agredia, injuriava e envergonhava o arguido frequentemente – o referido bullying – o uso do poder desequilibrado da idade e da força (10 anos de diferença) para abusar, agredir, dominar, até se deixarem de falar há 5 anos.
5. Também diminui a sua culpa a ameaça de morte bem vincada proferida pela vítima contra o arguido, quando mandou parar o arguido que seguia no trator, e os subsequentes abusos e gozo e do domínio da vítima sobre o arguido através do abuso de outro lameiro ao lado, por ali meter sucessivamente o seu gado a pastar.
6. A conduta da vítima causou um sofrimento acumulado durante anos, gerando animosidade do arguido para com a vítima, que tinha uma personalidade quezilenta e explosiva, de quem o arguido sempre se afastou, e, vivendo porta com porta, agudizava esse sofrimento, levando-o à explosão pela acumulação.
7. Também diminui a sua culpa a discussão, provocação, a ofensa e tentação da vítima ao arguido imediatamente antes do crime, quando, uma vez mais, a vítima estava a invadir o lameiro do arguido com o seu gado, e, perante a chamada de atenção do arguido: “sois sempre os mesmos”, a vítima, ao invés de se desculpar, calar ou admitir o erro (etc.), riposta e maltrata-o publicamente de invejoso.
8. E a afronta, tentação e a provocação continuou no facto de, 10 minutos depois, e apesar da ameaça do arguido de que iria a casa e já vinha, a vítima ter caminhado em direção ao arguido, vista como desafio/provocação, pois nem sequer se falavam, no mínimo para lhe dar pancada, tendo percorrido cerca de 15 metros, até junto dele.
9. O facto do arguido estar muito embriagado no momento dos factos diminui fortemente a sua culpa, a tal ponto que, sem o álcool, não teria praticado o crime, pois, no mínimo, com todos os descontos máximos, estava com uma TAS de 1,319 g/l), que tem como efeitos um aumento da agressividade, impulsividade, instabilidade e prejuízo de julgamento e controle, sobretudo quando inserida numa discussão ou ambiente de conflito com pessoa com a qual tem más relações.
10. Assim, face a todas as circunstâncias supra, não deve ser considerada a culpa elevada – dolo intenso, considerando-se, no máximo, moderado, o que se peticiona para a diminuição da pena a aplicar ao arguido.
20.ª - D) Quanto às condições pessoais do agente e a sua situação económica
1. FACTOS PROVADOS 27 a 41: Das Condições sociais e económicas do arguido no relatório da DGRSP e da ausência de antecedentes criminais:
2. Salvo o devido respeito, o Ac. recorrido não valorou adequadamente estes fatores, desde logo porque nada consta no texto sobre a sua ponderação, e estes inúmeros fatores atenuantes devem ser tidos em conta na consideração do Tribunal para que a medida da pena seja reduzida.
21.ª - E) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
F) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
1. Resulta do Acórdão da 1.ª instância, a fls. 57, um resumo da pessoa do arguido no âmbito social, o que deve ser ponderado em seu favor com o devido peso:
«Em termos sociais, o arguido encontra-se plenamente inserido. Provou-se que no meio local o arguido beneficia de uma imagem positiva, sendo considerado trabalhador, educado, respeitador, disponível a ajudar os outros, pacífico e sensível relativamente ao qual não existe qualquer sentimento de rejeição, tendo sido recentemente organizada uma missa de manifestação de apoio ao arguido e a um outro prisioneiro, ambas com adesão da comunidade em geral. A comunidade local sempre teve e continua a ter o arguido como pessoa pacífica, não o receando e não o vendo como perigoso, o que continua a verificar-se depois dos factos descritos na acusação, tendo organizado um abaixo assinado com adesão da maioria das pessoas dessa freguesia.»
2. Quanto às tentativas de reparação dos danos, afirmou o Ac. recorrido que: “são completamente inócuas para efeito atenuação especial da pena” e “que tais declarações não têm interesse para a decisão” e “tais declarações de vontade não assumem qualquer relevância, nomeadamente não poderão relevar para efeito de diminuição acentuada da necessidade da pena.”, Cfr. fls.65 Ac. recorrido.
3. Não se concorda com esta visão completamente desvalorizadora do Acórdão quanto aos diversos esforços de reparação pelo arguido, sendo que, se não serviam como atenuação especial da pena, pelo menos deviam ser valorizados quanto à medida concreta da pena, ajudando a avaliar a personalidade do arguido.
4. Recorde-se que o arguido é pobre, e, como consta das atas das sessões de julgamento, durante o julgamento tentou reparar os danos na medida do possível, tendo oferecido às assistentes, filhas da vítima todos os seus bens como forma de tentativa de compensação monetária pelos danos causados, mormente o seu quinhão hereditário por óbito dos seus pais, de que faz parte a sua própria casa de habitação, e ofereceu o pagamento imediato da quantia de 20.000 €, a obter de empréstimo das suas irmãs, para reparação parcial dos danos peticionados.
5. E, apesar dos esforços do Tribunal no sentido de se tentar um acordo relativo ao PIC (que não implicava sequer a discussão do valor peticionado, mas antes o pagamento em prestações), que seria repercutido na pena a aplicar, as assistentes tudo recusaram para fazer com que o arguido fosse condenado pelo máximo, mesmo contra o próprio interesse do PIC, Cfr. atas de julgamento.
6. Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido não valorizou devidamente esta atenuante a favor do arguido, tendo havido efetivos esforços e tentativas de reparação pelo arguido, que é pobre e não tem meios suficientes de reparação, mas ofereceu a sua própria casa de habitação como pagamento parcial, e ofereceu a quantia imediata de 20.000€ através de um empréstimo aos seus familiares.
7. E não se tratou de manifestações de vontade inócuas, como entendeu o Tribunal recorrido, pois está escrito no requerimento de 17/04/2024 e consta da ata de julgamento e gravações transcritas no anterior recurso, que o pagamento seria feito de imediato, antes da decisão proferida, sem condições de reduzir o PIC, num acordo de pagamento parcial por conta do valor a fixar depois na sentença.
No mínimo, esta vontade e esforço deve ser repercutida na medida da pena, em favor do arguido.
22.ª - Por outro lado, o arguido declarou estar arrependido e existiu um quadro de arrependimento sincero e tentativa de reparação dos danos por parte do arguido, até onde lhe era possível, visto que:
1.º – O arrependimento foi bem visível logo no ato pela queda (Cfr. reconstituição de fato de fls. 262 e segs dos autos), o choque e a consciência que tinha realizado um ato de que lamentava profundamente;
2.º - O arguido expressou com sinceridade, que estava arrependido dos factos cometidos, considerando-se culpado pelo mal que fez à vítima – a ser valorizado;
3.º - Pediu desculpas sentidas às filhas em plena audiência de julgamento – expressando vergonha e remorsos pelo crime cometido;
4.º - O arguido ofereceu todos os seus bens e a quantia de 20.000 €, de imediato, sem condições, como reparação parcial dos danos.
23.ª - Não se concorda com o Tribunal recorrido quando refere que “desabona contra o arguido ter ensaiado no início do julgamento um cenário de vitimização e de quase legítima defesa na ocasião do disparo mortal”.
Salvo o devido respeito, sendo o arguido uma pessoa simples, apenas com 6 anos de escolaridade, com acentuadas limitações de audição e de expressão oral, intimidado pela imponência de um Tribunal de Júri e três juízes, que estava extremamente nervoso, confessou os factos e manifestou o seu arrependimento, embora inicialmente de forma atribulada e confusa, o que deve ser encarado pela intimidação de toda a situação, e do modo de o arguido se expressar, como já foi entendido pela jurisprudência em situação muito similar.
24.ª - Tanto mais que o arguido confessou a morte, a intenção de matar e acentuou várias vezes em todo o julgamento que a culpa era sua, o que não é de somenos, pois é difícil confessar sem causas de exclusão ou acidentes – o que deve ser valorizado em seu favor – foi um ato nobre nesta tragédia horrível, que deve ser valorizada como atenuante, e também representa a assunção do acto e a correspondente atitude de arrependimento do arguido.
25.ª - Quanto à prevenção especial do arguido:
1. Refere o acórdão recorrido que “são algo reduzidas”, enquanto a 1.ª Instância foi assertiva ao ter referido que as necessidade de prevenção especial “são reduzidas”, tendo explanado as condições do arguido, como supra referido.
2. Salvo mais douto opinião, o Ac. recorrido não valorou fundadamente este critério essencial e não lhe deu o devido peso no apuramento da pena mais ajustada ao arguido, o que é bem demonstrado pela adição da expressão “algo”.
3. Na verdade, dos imensos factos provados (Cfr. factos provados 27 a 41, 55 a 58), resulta que as necessidades de prevenção são muito reduzidas.
4. Quanto à personalidade do arguido, não estamos perante alguém com inclinação para o crime, mas antes um homem de 49 anos com um passado criminal limpo, isento da prática de qualquer ilícito criminal, tratou-se de um acto isolado.
5. Que se encontra bem inserido no seu meio social e familiar, que, logo após o facto, esperou pelas Autoridades e tem vivido muito abalado desde a data da ocorrência, tudo apontando para que foram circunstâncias exógenas à sua personalidade a determinar a conduta delituosa.
6. Salvo o devido respeito, atendendo aos inúmeros e diversificados factos supra elencados provados, defende-se que são reduzidíssimas ou mesmo nulas.
7. O que também deve ser tido em conta como atenuante na ponderação do Tribunal para que a medida da pena seja devidamente diminuída.
26.ª - Quanto à prevenção geral:
1. Perante a constatação rara e inequívoca de que a comunidade local, sem deixar de censurar o ato do arguido, apoia-o e compreende-o (e a imagem positiva do mesmo não foi afetada, factos provados 55 a 59, 38), refere o douto Ac. recorrido que:
“As exigências de prevenção geral relativas ao crime de homicídio são elevadas independentemente dos abaixo-assinados comunitários obtidos a favor do arguido, pois as decisões penais têm destinatários e um alcance mais vasto do que o da mera freguesia ou o bairro onde reside o arguido.”
2. Salvo melhor opinião, ao contrário do Acórdão recorrido, entende-se que as exigências de prevenção geral positiva são médias, considerando as exigências normais nos crimes contra a vida, e como foi encarado este crime pela comunidade.
3. A comunidade mais próxima (freguesia e concelho), que deve ser muito valorizada, pois é o espelho de melhor conhecimento do geral, porque é aquela que convive com o arguido (e para onde vai um dia regressar) e teve conhecimento integral dos factos e vê isto como uma situação extraordinária e excecional.
4. Este julgamento é uma raridade, “inaudito” como disse a testemunha neste processo, Sr. Desembargador do T. Relação de Guimarães Braúlio Martins, que julga há cerca de 30 anos, pois o arguido é a boa pessoa que suscita piedade e tem o apoio avassalador da família, amigos, aldeia, freguesia, concelho e representantes locais, ao invés da vítima, que era pessoa quezilenta e problemática quanto a todos.
27.ª - A pena aplicada é injusta, sobretudo se tivermos em conta em conta, a título comparativo e exemplificativo, a seguinte jurisprudência do STJ:
a) Ac. de 19-04-2019 - relator Carlos R. Almeida, Proc.º4258/17.8JAPRTS1.G1.S1, pena de 12 anos de prisão, num caso em que o arguido vai a casa buscar a caçadeira, dispara junto à cabeça da vítima, matando-a junto ao seu filho menor;
b) Ac. de 24-05-2007 - relator PEREIRA MADEIRA, publicado in www.dgsi.pt, pena de 11 anos de prisão, tendo matado a própria mulher, disparou um primeiro tiro de caçadeira que a atingiu na cabeça fazendo-a cair e depois desfere um segundo tiro que também a atinge na cabeça, causando-lhe a morte.
28.ª - É nossa modesta opinião que, quanto à prevenção geral, a necessidade de transmitir à comunidade um sinal de reprovação, através da condenação em pena de prisão de 12 anos assegura com eficácia as expectativas da comunidade e será mais adequada à culpa e às necessidades de prevenção do arguido.
29.ª - Com o devido respeito, cremos que o douto acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação do direito, violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71.º, nº 1 e 2, do Código Penal, e o art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
III) DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
30.ª - O Tribunal recorrido manteve os valores de indemnização fixados pela 1.ª instância, tendo condenado o arguido no pagamento da quantia total de 94.890,00€ de danos morais/patrimoniais, acrescidos de juros de mora, e, salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” violou as normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 483.º, 496.º e 566.º do Código Civil.
31.ª - Defende-se que o Tribunal recorrido não teve em devida conta a situação económica do aqui recorrente, em violação do art.º496.º, nº 3 do CC.
Recorde-se os factos provados 31, 34, 35.
O arguido é pobre, com a escolaridade mínima (6.º ano), sendo que a sua capacidade económica situava-se nos limites mínimos da sobrevivência, agora anulados pela pena de prisão aplicada, que terá consequência ao nível económico durante muitos anos, o que deve diminuir o valor da indemnização.
32.ª - Por outro lado, para os efeitos de cálculo do valor a fixar, deve atender-se a que tem sido muito discutida a questão, e o que parece seguro é que a indemnização tem essencialmente uma função reparadora e não punitiva – cfr. Prof. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I Vol., pág.. 509, AAFDL, 1975/1976. O dano não patrimonial dos familiares traduz-se nos desgostos, angústias, mal-estar, noites por dormir, dores de cabeça, por exemplo, que a morte de um ente querido causou aos familiares.
33.ª - Sem qualquer desvalor do sofrimento das demandantes, atendendo às circunstâncias do caso, salvo o devido respeito, a fixação da quantia de 50.000 € é mais adequada e equitativa a compensar tais danos, contemplando todos os danos, inclusive o seu sofrimento derivado da ausência e fruição da pessoa do seu pai (o referido no Ac. recorrido “perda do direito à vida”), pois segundo um juízo equitativo, a pretensão indemnizatória deveria ser no valor global de 50.000,00 €, devendo ser alterada em conformidade.
Nestes termos, nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de V. Exas., deve o recurso ser julgado procedente, substituindo-se a douta decisão por outra, nos termos supra expostos.
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O recurso foi admitido por despacho de 30 de Outubro de 2024.
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Respondeu ao recurso a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação de Guimarães, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1) A alteração da matéria de facto nos termos efetuados pelo tribunal recorrido, pelo seu caráter inócuo, não foi de molde a convencer o julgador da diminuição da culpa do recorrente e a impor a alteração da medida da pena fixada;
2) Com efeito, nem a deslocação do ofendido na direção do arguido pode sustentar a tese do recorrente de que o ofendido avançou na sua direção com uma postura violenta e para o afrontar, nem a taxa de alcoolemia que o arguido tinha no sangue era de molde a fundamentar uma eventual imputabilidade diminuída sugerida pelo recorrente;
3) O mesmo se diga da correção da dupla valoração quanto ao uso de arma de fogo feita pelo tribunal recorrido;
4) O que ocorreu foi, simplesmente, que tal desatenção da 1.ª instância não contendeu com os critérios para determinação da medida da pena pois não implicou, nem impôs, no caso, face à restante matéria provada e àqueles critérios, um abrandamento da reação penal.
5) No caso em estudo, o arguido matou o irmão com um tiro à queima roupa, depois de ter ido a casa buscar a arma e já depois disso ainda resistiu ao desapossamento da arma, tendo desferido um tiro para o chão.
6) A confissão feita em julgamento não foi decisiva para a descoberta da verdade porque os factos foram presenciados, total ou parcialmente, e nem sequer constituiu uma confissão integral e sem reservas na medida em que o arguido só admitiu a intenção de matar porque, segundo ele (embora sem apoio probatório), ou matava o irmão ou este o desarmava e o matava.
7) A reparação possível também não ocorreu. O pedido de desculpas em sede de julgamento e a promessa incerta de reparação económica futura, sem mais, não evidenciam uma assunção clara e evidente das responsabilidades.
8) Acresce que as circunstâncias pessoais e económicas do arguido foram devidamente ponderadas em sede própria, abonando em seu favor a sua idade, inserção familiar, social e laboral, ausência de antecedentes criminais, algum arrependimento e confissão parcial dos factos quando da determinação da pena.
9) Nos crimes de homicídio as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas, porque a violação do bem jurídico fundamental (a vida) é fortemente repudiada pela comunidade em geral (e não só na perspetiva da localidade onde o arguido reside), razão pela qual a estabilização das expetativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reação forte do sistema de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito.
10) Tudo ponderado – o resultado típico, o desvalor da ação, o dolo direto e intenso e as exigências preventivas (gerais e especiais) – a pena aplicada mostra-se intocável, afigurando-se justa e adequada à tutela do bem jurídico violado e às exigências preventivas sentidas no caso.
Nestes termos, entendemos que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmado o douto Acórdão recorrido.
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Também a assistente BB respondeu ao recurso, pretendendo que, face às concretas circunstâncias da sua actuação, o arguido seja condenado pela prática do acusado crime de homicídio qualificado, numa pena entre 18 e 20 anos de prisão, e concluiu pelo não provimento do recurso.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, no termo do qual concluiu como segue:
“(…).
III Em síntese:
Não é excessiva a pena de 14 anos de prisão aplicada ao agente da prática do crime de “homicídio”, agravado, que, aplica à vítima, seu irmão, de forma que inusitada e súbita, um disparo na barriga, à queima-roupa (encostando-lhe, mesmo, os canos), com uma de uma espingarda municiada com cartuchos de calibre 12mm;
Fazendo-o na sequência de o seu irmão ter apascentado umas vacas num seu lameiro, e, chamado por si à atenção, lhe ter dito que era invejoso.
IV Em conclusão:
Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, manteando-se os termos da decisão recorrida.
(…)”
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Cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, o arguido respondeu ao parecer, reafirmando as circunstâncias em que actuou, reafirmando o seu arrependimento sincero, reafirmando a justeza do abrandamento da pena pretendido, e concluiu pela procedência do recurso.
Também a assistente BB respondeu ao parecer, resposta que não foi admitida, por extemporânea, por despacho do relator de 16 de Janeiro de 2025.
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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.
Cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos provados
A matéria de facto provada proveniente das instâncias, indo a negrito a alterada pela Relação, é a seguinte:
“(…).
1. O arguido é irmão da vítima DD e estava com o mesmo desavindo por diversas questões, entre as quais terrenos e gado.
2. No dia 26 de Fevereiro de 2023, pelas 17 horas e 30 minutos, no Lugar ..., na localidade de ..., freguesia de ..., concelho de ..., o arguido, que se fazia transportar no veículo de marca Daihatsu, modelo Rocky Se, com a matricula ..-..-LA, na sequência de uma discussão mantida com a vítima por o segundo andar a pastorear vacas da sua pertença num lameiro do primeiro, abordou a vítima e expressou-lhe “é sempre o mesmo” ao que o ofendido chamou “invejoso” ao arguido.
3. Logo após, o arguido retorquiu para o ofendido “pera aí que vou a casa e venho já”.
4. O arguido deslocou-se então até à sua residência, situada na Rua ..., onde aí se muniu de uma arma de fogo longa, de tipo espingarda, de calibre 12, de tiro unitário múltiplo com canos basculantes sobrepostos de alma lisa, de mecanismo de duplo gatilho, de marca Chapuis, modelo Odegaard, com o número de série ...43, municiando-a com dois cartuchos, de calibre 12, de marca Hornady.
5. Passados cerca de dez minutos, voltando ao local onde se encontrava a vítima, o arguido parou o veículo que conduzia, e dele saiu, munindo-se posteriormente da referida caçadeira que tinha previamente colocado no lugar do passageiro, empunhando-a.
6. Em acto contínuo, o arguido abeirou-se da vítima – que entretanto se aproximara da viatura daquele – e encostou os canos da caçadeira à sua barriga e efectuou um disparo.
7. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, a vítima sofreu lesões que se traduziram:
- Na face anterior do tronco, ao nível da transição entre o hemitórax direito e o hipocôndrio direito: um complexo lesional com 14 por 12 cm de maiores dimensões, composto por um orifício central, de bordos irregulares e escoriados, de coloração enegrecida, com área circundante de coloração enegrecida, compatível com orla de contusão e de impregnação de resíduos de disparo respetivamente, com presença de eventração exterior de tecido celular subcutâneo a partir deste orifício, do qual surgem quatro áreas retangulares, em forma de cruz, com o orifício na sua interseção, a superior com 2,5 por 1,7 cm de maiores dimensões, uma inferior com 4,3 por 1,7 cm de maiores dimensões, uma medial com 2,5 por 2 cm de maiores dimensões e uma lateral com 2,3 por 1,8 cm de maiores dimensões; e equimose circundante, de coloração arroxeada, irregular, com 12 por 9 cm de maiores dimensões, com múltiplas áreas de queimadura puntiformes, de coloração avermelhada, dispersas à volta do complexo, sugestivas de queimadura resultante da combustão dos resíduos de disparo;
- Na face posterior do flanco do abdómen: uma solução de continuidade de bordos evertidos, irregulares, infiltrados de sangue, com 3 por 1,6 cm de maiores dimensões, com equimose circundante, de coloração arroxeada, irregular, com 10 por 8,5 cm de maiores dimensões, localizada a 15 cm da espinha ilíaca antero-superior esquerda, 13,8 cm da linha média da coluna lombar e 48,5 cm do processo espinhoso da vértebra C7;
- Nas paredes do abdómen: presença de solução de continuidade de bordos irregulares, infiltrados de sangue, com 4 por 2,5 cm de maiores dimensões, com infiltração sanguínea circundante, envolvendo o tecido celular subcutâneo e o músculo reto abdominal direito, compatível com orifício de entrada de disparo de projéteis de arma de cano comprido; e presença de solução de continuidade de bordos irregulares, infiltrados de sangue, com infiltração sanguínea circundante, envolvendo o músculo transverso esquerdo, oblíquo interno esquerdo, oblíquo externo esquerdo, latissimus dorsal esquerdo e o tecido celular subcutâneo, compatível com orifício de saída de disparo de projéteis de arma de cano comprido;
- No peritoneu e cavidade peritoneal: presença de duas soluções de continuidade, ao nível do peritoneu subjacente às soluções de continuidade das paredes do abdómen, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, compatível com o orifício de entrada e de saída de disparo de projéteis de arma de cano comprido; presença de áreas de infiltração sanguínea no peritoneu adjacentes às soluções de continuidade descritas; presença de 500 cc de líquido de coloração avermelhada e de 210 g de coágulo, aspeto compatível com hemoperitoneu, e de fragmentos alimentares dispersos; presença de corpo estranho, de plástico de coloração avermelhada, com cabeça ogival e base cilíndrica, localizado na cavidade peritoneal, no quadrante superior direito, com 1,2 por 0,6 por 0,6 cm de maiores dimensões, aspeto compatível com projétil; presença de corpo estranho, de plástico, circular, localizado na cavidade peritoneal, no quadrante superior direito, com 2 por 2 por 0,5 cm, aspeto compatível com bucha;
- No epíplon: presença de uma solução de continuidade subjacente à solução de continuidade das paredes do abdómen, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea; e presença de áreas de infiltração sanguínea no epíplon adjacentes à solução de continuidade descrita;
- No fígado: superfície externa com uma área com múltiplas soluções de continuidade de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, com 9 por 7 cm de maiores dimensões; e na superfície das diferentes secções de corte, parênquima de coloração acastanhada, com perda da integridade do parênquima do lobo direito e esquerdo;
- No estômago: presença de solução de continuidade de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, com perda da integridade do antro;
- Nos intestinos: presença de apêndice ileo-cecal; presença de área de extensa perda de integridade do colon transverso localizada a 66 cm de distância da válvula ileo-cecal; presença de solução de continuidade de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, com 3 por 2 cm de maiores dimensões, no cólon descendente, localizada a 180 cm de distância da válvula ileo-cecal;
- No pâncreas: presença de solução de continuidade, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, com destruição da transição da cabeça para o corpo (secção completa);
- No rim esquerdo: presença de solução de continuidade de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, com perda de integridade do polo inferior, com 8 por 8 cm de maiores dimensões;
- No membro superior direito: área de infiltração sanguínea na fossa cubital, com 0,9 x 0,9 cm de maiores dimensões; escoriação de fundo avermelhado, linear, com 1,9 cm de comprimento na face posterior do terço inferior do antebraço; e escoriação de fundo avermelhado, punctiforme, com 0,4 por 0,3 cm de maiores dimensões na face posterior da mão, ao nível do 2º metacarpo;
- Na clavícula, cartilagens e costelas direitas: presença de fratura do 10º arco costal médio, com infiltração sanguínea dos topos ósseos e tecidos adjacentes;
Lesões traumáticas abdominais essas que determinaram a sua morte.
8. O arguido actuou com o propósito concretizado de atingir a vítima com o projéctil que disparou através da caçadeira que empunhava e de lhe causar lesões corporais para lhe retirar a vida, o que quis e conseguiu.
9. O arguido sabia que actuava contra o seu irmão.
10. O arguido sabia que ao disparar com uma caçadeira colocava a vítima na impossibilidade de resistir e de se defender.
11. Desde data não concretamente apurada e até ao dia 26 de Fevereiro de 2023, o arguido guardava no interior da sua habitação, para além da caçadeira supra identificada, vinte e dois cartuchos de calibre 12, sendo dezasseis da marca Fiocchi, três da marca Baschieri & Pellagri, uma da marca Solognac e duas da marca Hornady.
12. O arguido não era à data dos factos titular de qualquer licença de uso e porte de armas ou de detenção de armas no domicílio nem de qualquer autorização de aquisição para o efeito, e assim de qualquer dos seus componentes e munições, emitida pela autoridade competente.
13. O arguido tão-pouco possuía ou possui armas registadas em seu nome, nem a arma que trazia consigo havia sido por si manifestada.
14. O arguido sabia que não podia adquirir, deter nem guardar na sua habitação qualquer arma de fogo, seus componentes e munições, sem se encontrar legalmente autorizado por licença para esse efeito emitida pela autoridade competente.
15. O arguido agiu de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, estando ciente que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
[Do pedido de indemnização civil]
16. O ofendido nasceu em .../.../1964.
17. O falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicas herdeiras, as suas duas filhas, BB e CC
18. O ofendido DD era um homem com alegria e vontade de viver, amava a vida, amava trabalhar, estar com os amigos e familiares e tinha um grande afecto e amor pelas suas filhas, ora demandantes.
19. O DD era um homem saudável, regrado, forte, dedicando-se a actividade agro-pecuária, adorando cultivar as suas propriedades e criar e tratar dos animais que possuía, o que fazia diariamente.
20. DD, antes de morrer e ainda que por breves instantes, teve intensas dores e sofrimento, assim como teve consciência da natureza letal das lesões de que foi vítima e sofreu a agonia da morte e o espectro desta, o que lhe causou dor, consternação e agonia.
21. As demandantes com a morte do seu pai padeceram e padecem de um grande sofrimento, dor e angústia.
22. As demandantes são as únicas filhas da vítima, DD e mantinham com este uma relação de proximidade e laços de afecto e amor paternal.
23. Apesar de as demandantes viveram na Suíça e o pai, DD, viver na localidade de ..., freguesia de ..., concelho de ..., falavam com muita regularidade uns com os outros, procuravam inteirar-se dos problemas uns dos outros, ajudando-se mutuamente e quando as demandantes vinham a Portugal, várias vezes por ano, visitavam o pai, almoçavam juntos, passeavam juntos, conversavam e o mesmo ocorria quando o pai, DD, se deslocava à Suíça.
24. As demandantes em face do sofrimento causado pela morte do seu pai, alteraram, inclusive, rotinas de vida e desde o funeral do pai que ainda não conseguiram deslocar-se à casa do mesmo, a qual lhe pertence por direito sucessório, por sentiram um profundo sofrimento, tristeza e angústia.
25. As demandantes sofreram grande abalo moral e psicológico, chorando frequentemente a morte do seu pai sempre que lhes vêm à memoria as recordações que deste têm.
26. Com o funeral do pai das demandantes, estas despenderam o montante de € 2290,00 (dois mil duzentos e noventa euros).
[Das Condições sociais e económicas do arguido evidenciadas no relatório da DGRSP e da ausência de antecedentes criminais:]
27. O arguido nasceu em .../.../1975.
28. É oriundo de um núcleo familiar com recursos económicos provenientes da exploração de agricultura/lavoura, tratando-se de um agregado familiar funcional, cuja socialização primária teve por base normas e valores constantes dos padrões pró sociais.
29. O arguido concluiu a quarta classe, em idade própria, e mais tarde, quando tinha 14 anos, terminou o 6º ano de escolaridade, em ..., acabando nessa altura o percurso escolar.
30. Desde tenra idade colaborou com os progenitores nas tarefas agrícolas/criação de gado até ter 18 anos de idade, autonomizando-se e emigrando durante três meses para a Suíça, com o intuito de procurar outras oportunidades de trabalho.
31. Tendo regressado a Portugal por não ter gostado da experiência, o arguido exibe um percurso profissional essencialmente associado à distribuição/venda de pão, embora refira, paralelamente, o recurso a exploração de agricultura de subsistência/criação de gado, e a realização de alguns biscates na área da lavoura, como forma de aumentar os rendimentos do agregado, exibindo um percurso profissional regular.
32. AA reporta duas relações de tipo conjugal, tendo a primeira durado cerca de 10 anos, da qual nasceu um filho de 26 anos de idade, profissionalmente autónomo, residente na Suíça, com quem o arguido refere manter ligações afectivas gratificantes.
33. Posteriormente, há cerca de 15 anos, constituiu nova relação de tipo conjugal, que ainda hoje perdura, integrando agregado familiar composto pela actual companheira, e duas filhas desta, com 20 e 21 anos de idade, respectivamente, mantendo com todos os elementos relações gratificantes e de estreita colaboração.
34. O agregado vive em casa própria proveniente de herança advinda dos progenitores do arguido, com entendidas condições habitacionais.
35. Antes da reclusão, o arguido possuía uma situação profissional consolidada, contexto em que assumia o papel principal na angariação do suporte económico do agregado, pese embora, com a colaboração da companheira no que diz respeito aos trabalhos relacionados com a exploração agrícola/criação de gado.
36. Ambas as enteadas são economicamente autónomas, laborando em dois cafés da zona residencial.
37. AA não reporta ter experienciado estupefacientes, e, embora refira consumir bebidas de teor alcoólico, menciona apenas fazê-lo em contexto social, ao fim do dia e de forma ponderada.
38. No contexto sociocomunitário não se verificou impacto negativa na imagem do arguido, porém os factos que deram origem ao actual processo, causaram consternação.
39. O arguido mantém comportamento adequado no Estabelecimento Prisional de ....
40. Dispõe de retaguarda familiar, consubstanciada no apoio da actual companheira, enteadas e filho.
41. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
[Dos factos alegados pelo arguido no seu requerimento de 15/03/2024 com a refª ...35:]
42. Existiam más relações e conflitos entre a vítima e o arguido desde crianças.
43. Por vezes, em datas não concretamente apuradas, a vítima apelidava o arguido AA de palhaço, calhordas, filho da puta, lambão e outros nomes semelhantes o que fazia em privado e por vezes também na presença de outras pessoas, o que envergonhava o arguido.
44. Cerca de dois meses antes dos factos relatados na acusação, a vítima mandou parar o tractor conduzido pelo arguido, e, em tom de ameaça, disse-lhe “que já tinha um pé na cadeia e se continuasse assim ia lá pôr o outro”.
45. O arguido usufruía de um lameiro há cerca de 20 anos, o qual lhe foi facultado pelos proprietários para cultivar e dele usufruir como entendesse.
46. Naquele lameiro o arguido tinha instalada uma barraca e construção para convívios e festas com família e amigos.
47. O arguido e a vítima deixaram de falar cerca de cinco anos antes dos factos descritos na acusação uma vez que o arguido estava convencido de que havia perdido a fruição desse lameiro por ter sido a vítima a actuar junto do seu proprietário nesse sentido.
48. Há cerca de dois anos, o arguido começou a usufruir de um outro lameiro ao lado do primeiro, onde a vítima começou a meter o seu gado contra a vontade do arguido e apesar das diversas chamadas de atenção deste.
49. O arguido e a vítima viviam lado a lado.
50. Todas as condutas descritas em 42 a 44, 47 e 48 deixaram o arguido magoado, sem nunca reagir, afastando-se da vítima.
51. O arguido é caçador e tinha arma há cerca de 25 anos.
52. No dia dos factos descritos na acusação o arguido não falava com a sua companheira, na sequência de uma discussão ocorrida no dia anterior por motivos não concretamente apurados.
53. No dia dos factos descritos na acusação, o arguido participou numa caçada de javali e num convívio de caçadores, tendo consumido álcool ao longo desse dia e estando embriagado no momento dos factos, com uma TAS de, pelo menos, 1,319 g/l, sendo que pelas 00h09m apresentava uma TAS de 0,77g/l.
54. Nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas em 2 e 3, o arguido dirigia-se no seu veículo em direcção a ..., para tratar da preparação de um javali quando encontrou a vítima naquele local.
55. O arguido é uma pessoa de bem, plenamente inserido, trabalhador, que sempre foi querido pela família e toda a população.
56. No meio local o arguido beneficia de uma imagem positiva, sendo considerado trabalhador e pessoa idónea, relativamente ao qual não existe qualquer sentimento de rejeição, tendo sido recentemente organizada uma missa de manifestação de apoio ao arguido e a um outro prisioneiro, ambas com adesão da comunidade em geral.
57. O arguido é tido como um homem educado, respeitador, disponível a ajudar os outros, pacífico e sensível, tendo criado duas crianças como suas filhas.
58. Mesmo depois dos factos descritos na acusação, a comunidade local não receia o arguido e não o vê como sendo perigoso, tendo organizado um abaixo assinado com a adesão da maioria das pessoas dessa freguesia.
59. A vítima era uma pessoa de feitio difícil, geradora de conflitos constantes com a família e vizinhos e tinha uma imagem pública negativa.
60. Em 28/10/2011, a vitima foi condenada no âmbito do processo nº 57/09.9..., pela prática contra EE de um crime de ofensa à integridade física simples e em 14/07/2020, foi condenada no âmbito do processo nº 33/19.3..., pela prática de um crime de injúria contra FF.
61. O arguido e a sua companheira vivem na casa da herança dos falecidos pais do arguido, tendo este direito a uma quota parte da herança por óbito dos pais (1/7).
62. O arguido não é proprietário de qualquer bem imóvel e os seus rendimentos eram o salário pela profissão de venda de pão, subsídios de gado e as actividades referidas em 31.
[Mais se provou que:]
63. Após o disparo descrito em 6 a vítima caiu prostrada no chão, tendo então a companheira do ofendido, GG, vindo em seu auxílio, tendo entrado em confronto físico com o arguido, tentado retirar-lhe a arma da mão.
64. Após GG ter gritado por socorro, interveio HH que também ali se encontrava, sendo que quando aquele tentava retirar a arma das mãos do arguido, este efectuou um outro disparo para o chão.
65. Foi então que HH conseguiu retirar a arma ao arguido e a guardou no interior da carrinha daquele até à chegada das entidades policiais ao local.
66. No momento dos factos, o arguido actuou essencialmente motivado pela forte convicção de que havia sido o irmão a tirar-lhe a fruição do lameiro como referido em 45 a 47 e bem assim pelo facto de aquele insistir em pastorear as vacas no seu lameiro tal como referido em 48, a que acresceram também os factos descritos em 42 a 44 embora estes últimos com menor intensidade.
67. Pelos factos descritos em 42 a 44 o arguido nunca apresentou queixa criminal contra a vítima.
68. Em audiência de julgamento o arguido confessou parcialmente os factos pelos quais se mostra acusado e declarou-se arrependido.
(…)”.
B) Factos não provados
A matéria de facto não provada proveniente das instâncias, indo a negrito a alterada pela Relação, é a seguinte:
“(…).
a) O arguido sabia que a sua investida, previamente congeminada, era determinada por um pretexto insignificante.
b) O arguido agiu de forma calculista e insensível.
c) O arguido estava ciente que a sua conduta era especialmente censurável e perversa.
d) A vítima fazia pouco da pobreza do arguido, em contraponto com a sua vida abastada.
e) A vítima incendiou um lameiro ao lado do lameiro do arguido, para afastar o arguido da fruição daquele lameiro.
f) Actuando junto do seu proprietário, a vítima fez com que o arguido perdesse a fruição do lameiro referido em 45 e 46.
g) O arguido vivia em alerta quando queria sair de casa e em sofrimento com o ambiente de má vizinhança pelas condutas da vítima, nomeadamente os gritos constantes da vítima a maltratar a sua companheira.
h) No dia dos factos, cerca das 17h, a vítima agarrou o arguido pelo pescoço.
i) No momento do disparo sobre a vítima, o arguido agiu impulsionado por uma elevada taxa de álcool que lhe causou um estado de agressividade e pico de raiva, dominado por violência incontrolável e assunção de riscos sem consciência dos limites.
j) Nas circunstancias descritas em 4 e 5, a aproximação da vítima ao arguido ocorreu após o avistar munido da caçadeira.
k) Enquanto a vítima fazia esse trajecto em direcção ao arguido, caminhava com postura violenta, proferindo impropérios contra o arguido e dizendo que lhe faria engolir a arma.
l) O arguido nunca colocou a vítima numa situação de impossibilidade de se defender, pois a vítima sempre teve outras oportunidades, dado que se encontrava acompanhado de várias pessoas e a mais de 10 metros de distância do arguido, tendo escolhido ir na sua direcção para enfrentá-lo.
“(…).
C) Fundamentação quanto à determinação da medida concreta da pena:
“(…).
7. Medida concreta da pena
7.1. Conforme referido, o arguido foi condenado na pena de 14 anos de prisão.
O recorrente Ministério Público insurge-se contra a medida desta pena que reputa como “levíssima” e “um estímulo à justiça privada numa região onde haverá alguma tendência natural para tais comportamento inapropriados e violentos”.
Este recorrente pugna pela aplicação de uma pena de prisão superior a 18 anos e, para tanto, alega que o tribunal a quo não ponderou devidamente as circunstâncias previstas no art. 71.º do Código Penal, nem salvaguardou os imperativos elevadíssimos de prevenção geral e especial decorrentes da prova de um fratricídio à queima-roupa.
Por seu turno, o recorrente arguido também se insurge contra a medida desta pena, desta feita porque a reputa como “exagerada, tendo em atenção as exigências de prevenção geral e especial, e desajustada face à culpa do recorrente e à série de atenuantes de que o arguido beneficia.
Este recorrente pugna pela aplicação de uma pena próxima do limite mínimo e, para tanto, alega, em síntese, que:
a) O grau de ilicitude é mediano (estando vedada a dupla valoração do uso de arma para este efeito):
b) O dolo é moderado;
c) A culpa é reduzida;
d) As necessidades de prevenção geral são medianas (atenta a excepcionalidade do facto e a pacificação da comunidade);
e) O arguido encontra-se socialmente integrado e não tem antecedentes criminais;
f) O arguido está arrependido, tendo confessado os factos e tentado reparar os danos causados pelo crime.
7.2. Sem perder de vista os elementos relevantes emergentes dos factos dados como provados e da motivação acima transcritos, vejamos, igualmente, o que se exarou no acórdão recorrido a respeito da pena aplicada (transcrição):
«(…)
Determinada então a espécie das penas a aplicar a cada um dos crimes, importa agora proceder à determinação da concreta medida das penas de prisão e de multa a aplicar ao arguido.
E aqui regem uma vez mais os critérios contidos nos artigos 47º e 71º, ambos do Código Penal.
Nos termos do artigo 71º, n.º1, do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Assim, na determinação da medida concreta da pena, é preciso atender às finalidades próprias das penas, previstas no artigo 40º do Código Penal.
Assim, o julgador deve atender às finalidades de prevenção geral (sobretudo positiva), mas deve também orientar-se por finalidades de prevenção especial, já que a pena visa também a reintegração ou ressocialização do agente do crime, de forma a que ele adopte, no futuro, condutas conformes com os valores e bens tutelados pelo direito.
O n.º 2 do artigo 40º do Código Penal dispõe ainda que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” O nosso sistema penal assenta no princípio unilateral da culpa, nos termos do qual, não pode haver pena sem culpa, ainda que possa haver culpa sem pena. Além disso, a culpa enquanto juízo de censura inevitavelmente decorrente da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) funciona, não como pressuposto mas como fundamento e limite inultrapassável da medida da pena.
Assim, a culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub-molduras da prevenção, prevalecendo a geral sobre a especial. Para tanto, atender-se-á, nos termos do artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
A prevenção geral atinge as suas exigências mais prementes ou mais elevadas, o seu expoente máximo de maior intensidade dissuasora na punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana.
Por sua vez as exigências de prevenção especial são reduzidas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, nunca tendo sido antes condenado pela prática de qualquer crime. Por outro lado, mostra-se plenamente inserido na Sociedade, no mundo do trabalho e conta com o apoio da família e dos amigos.
Quanto ao grau de culpa, é inquestionável o dolo directo e intenso, traduzindo pelo desvalor da acção que quis empreender e do desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir. Serve para agravar a culpa do arguido o facto da vítima ser seu irmão, não obstante estar de relações cortadas com aquele.
O grau de ilicitude é o mais elevado, atento o meio utilizado, o modo como apontou a arma junto à barriga da vítima, sendo caso para dizer que o uso da arma e o tipo de munições usadas colocou o arguido em grande superioridade de meios sobre a vítima. Mesmo depois do disparo e da vítima cair, de imediato, prostrada no solo, o arguido não largou a arma, tendo-se envolvido em confronto físico com a companheira do ofendido, só o tendo feito por a mesma lhe ter sido retirada à força por terceiros. Não atingiu mais ninguém por mero acaso.
A gravidade das consequências atinentes à quantidade, natureza e características das lesões que directa e necessariamente produziram a morte do ofendido.
Todavia, o comportamento da vítima anterior aos factos, considerando nomeadamente os factos provados e descritos em 42 a 48 e 50 não sendo suficiente para conduzir a uma atenuação especial da pena nos termos do artigo 72º, n.º 2, alínea b) do CP, deverá funcionar como atenuante geral nos termos do disposto no artigo 71º nº 2 alínea c) do referido Código. Note-se, também, que o arguido estava embriagado no momento dos factos, ainda que se desconheça a concreta taxa de álcool de que era portador.
São irrelevantes os factos descritos em 52. A eventual discussão do arguido com a companheira por motivos não concretamente apurados não pode servir para atenuar a medida da pena do arguido, porquanto tal situação se reporta à vida privada daquele e nada tem a ver com a vítima, não se tendo provado que tal tenha contribuído para a motivação do arguido para o crime.
São também irrelevantes os factos descritos em 59 e 60 porquanto o facto de a vítima ter antecedentes criminais ou ter comportamentos conflituosos com terceiros que não o arguido, não fazem do ofendido um cidadão menos válido que os outros e nem a sua vida tem menor valor para o Direito. Como já se disse, o arguido actuou com motivação própria, não agiu em legítima defesa de terceiros e nem se provou que tal tenha contribuído para a motivação do arguido para o crime.
Quanto às condições pessoais e à situação económica do arguido, provou-se que aquele tem actualmente 49 anos. Possui um filho maior, profissionalmente autónomo, fruto de uma anterior relação conjugal, com quem mantém ligações afectivas gratificantes. Actualmente e há cerca de 15 anos, o arguido reside com uma companheira e com as suas duas filhas já maiores, as quais criou como se suas fossem.
Desde muito jovem o arguido regista hábitos de trabalho e exibe um percurso profissional essencialmente associado à distribuição/venda de pão, exploração de agricultura de subsistência/criação de gado, assim como a realização de alguns biscates na área da lavoura, como forma de aumentar os rendimentos do agregado, exibindo um percurso profissional regular.
Em termos sociais, o arguido encontra-se plenamente inserido. Provou-se que no meio local o arguido beneficia de uma imagem positiva, sendo considerado trabalhador, educado, respeitador, disponível a ajudar os outros, pacífico e sensível, relativamente ao qual não existe qualquer sentimento de rejeição, tendo sido recentemente organizada uma missa de manifestação de apoio ao arguido e a um outro prisioneiro, ambas com adesão da comunidade em geral. A comunidade local sempre teve e continua a ter o arguido como pessoa pacífica, não o receando e não o vendo como perigoso, o que continua a verificar-se depois dos factos descritos na acusação, tendo organizado um abaixo assinado com adesão da maioria das pessoas dessa freguesia.
Provou-se também que o arguido mantém comportamento adequado no Estabelecimento Prisional de ... e que dispõe de retaguarda familiar, consubstanciada no apoio da actual companheira, enteadas e filho.
Não regista antecedentes criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal.
Abona a favor do arguido a atitude assumida por aquele em sede de audiência de julgamento, o qual confessou os factos apesar de o ter feito apenas parcialmente. Evidenciou algum arrependimento e capacidade de autocensura pelo mal cometido.
Tudo ponderado, entende-se justa e adequada a pena de 14 (catorze) anos de prisão, pois é a que melhor corresponde à necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto, às exigências de prevenção especial e às expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.
(…)»
7.3. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1). Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Na síntese do Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2007 (proc.º n.º 28/07-5): «A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor - a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade).»
Esta posição do STJ perfilha claramente a teoria penal defendida pelo Prof. Figueiredo Dias e por ele resumida pela forma seguinte: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” (Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111).
Mais especificamente sobre a função da culpa, o Prof. Figueiredo Dias esclarece: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas (…) A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar” (op. cit., págs. 109-110)
Dando concretização aos vectores enunciados no n.º 1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Conforme decorre da lição da melhor doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e constitui jurisprudência uniforme do STJ (cfr., v.g. os Acs. do STJ de 9-11-2000, in Sumários STJ de 29-1-2004, proc.º n.º 03P1874, e de 27-5-2009, proc.º n.º09P0484, disponíveis in www.dgsi.pt), aplicável à segunda instância (cfr. v.g. Ac. da Rel. de Lisboa de 31-10-2019, proc.º n.º 989/17.0PZLSB.L1-9, da Rel. do Porto de 2-10-2013, proc. n.º 180/11.0GAVLP.P1, e da Rel. de Guimarães de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada
Nesta linha de orientação refere o Ac. da Rel. do Porto de 6-1-2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1: «Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada».
Tendo em consideração estes parâmetros, analisemos a pretensão recursória.
7.4. Interessa aqui sindicar apenas a pena parcelar de 14 anos de prisão aplicada ao arguido por referência ao crime de homicídio agravado punível com pena de prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses.
Lida a decisão recorrida, antecipa-se que o tribunal a quo teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, tendo sido avaliada a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, os quais foram – com uma única excepção – quase integralmente respeitados.
Na verdade, o princípio da proibição da dupla valoração – expressamente previsto no n.º 2 do art. 71.º, do Código Penal – obsta a que o uso da arma de fogo em si mesmo possa relevar simultaneamente para efeito de circunstância agravante e de determinação da medida concreta da pena.
A decisão recorrida incorreu nesta dupla valoração, o que não significa que a medida da pena aplicada não seja adequada ao caso concreto.
Na verdade, não obstante esta desatenção, importa constatar que a medida da pena de prisão aplicada – fixada junto ao limite superior do terço inferior da moldura penal – não viola as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada.
Dito isto, vejamos os fundamentos dos recorrentes.
7.5. O Ministério Público pugna pela aplicação de uma pena superior a 18 anos de prisão, ou seja, uma pena de prisão fixada no quarto superior da moldura penal aplicável.
Ora, salvo o devido respeito, é manifesta a falta de razão nesta parte.
O arguido tinha 47 anos de idade à data da prática dos factos, admitiu parcialmente a respectiva prática – ainda que numa situação em que actuou na via pública à vista de terceiros –, está socialmente inserido e não apresenta quaisquer antecedentes criminais.
É que certo que o arguido matou um dos seus irmãos, mas a verdade é que arguido e ofendido estavam de relações cortadas entre si há meia década e mantinham acesso um diferendo em matéria de utilização de terrenos para a criação de gado.
Nestes condições, a relação de fratria continua a ser relevante no plano do desvalor de acção, mas já não apresenta todo o seu potencial de contramotivação à intenção de matar.
Também é verdade que o arguido disparou contra a vítima à queima-roupa na respectiva região abdominal, mas tal disparo assim realizado com uma arma de cano longo não deve impressionar quando cotejado com outros homicídios cometidos com arma de fogo e tem apenas a virtualidade de revelar à saciedade a intenção de matar do arguido.
Finalmente, mal se compreende que se possa entender – conforme avançado pelo Ministério Público – que uma reclusão com a duração de catorze anos (cerca de 5000 dias) aplicada a um autor de homicídio doloso possa constituir um incentivo à justiça privada em qualquer região de Portugal, incluindo a região de Trás-os-Montes.
7.6. Por seu turno, o arguido pugna pela aplicação de uma pena fixada junto ao limite mínimo da moldura penal aplicável, sem se comprometer e oferecer um valor concreto.
Dir-se-á que o arguido pretende a aplicação de uma pena não superior a 11 anos de prisão.
Ora, salvo o devido respeito, também é manifesta a falta de razão nesta parte.
Deixando expressamente de lado o resultado típico, o desvalor de acção é elevado, pois a qualidade de irmão do ofendido – independentemente de estarem de relações cortadas – não serviu de contramotivação suficiente para bloquear o impulso homicida numa situação em que se discutiam apenas interesses puramente económicos e em que o ofendido não representava qualquer perigo ou ameaça para o arguido.
O dolo foi directo e especialmente intenso, pois o arguido teve energia criminosa suficiente para se deslocar na viatura a sua casa para recolher uma arma de fogo municiada e regressar armado para junto do ofendido com a intenção de o matar.
Aliás, depois de realizar o disparo mortal e ver o irmão prostrado no solo, o arguido resistiu a ser desarmado enquanto ainda tinha uma munição na câmara e efectuou mais um disparo para o chão.
Não obstante, a culpa do arguido é mediana em virtude da embriaguez (TAS de 1,319 g/l) e da reacção jocosa da vítima à interpelação daquele a respeito da utilização abusiva de um terreno.
As exigências de prevenção geral relativas ao crime de homicídio são elevadas independentemente dos abaixo-assinados comunitários obtidos a favor do arguido, pois as decisões penais têm destinatários e um alcance mais vasto do que o da mera freguesia ou o bairro onde reside o arguido.
Por seu turno, as razões de prevenção especial são algo reduzidas pois o arguido tinha 47 anos de idade à data da prática dos factos, não tem quaisquer antecedentes criminais, declarou estar arrependido, pediu desculpas à filha do ofendido na audiência e encontra-se social e familiarmente inserido.
Contudo, não deixa de desabonar contra o arguido a circunstância de ter ensaiado no início do julgamento um cenário de vitimização e de quase legítima defesa na ocasião do disparo mortal que não resistiu ao crivo da demais prova produzida.
Tudo ponderado, não merece qualquer censura e entende-se efectivamente como necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena de 14 anos de prisão pela prática do crime de homicídio agravado dos autos.
À luz das considerações precedentes seria completamente inadequada e desproporcional a aplicação ao arguido da impetrada pena de 11 anos e prisão, muito próxima do limite mínimo da moldura legal e reservada para situações de muito fracas exigências de prevenção e de ilicitude e culpa muito reduzidas, o que não sucede no caso concreto.
7.7. Concluindo, não se justifica qualquer alteração ao decidido em matéria de pena parcelar aplicada ao crime de crime de homicídio agravado.
(…)”.
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Âmbito do recurso
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são, por ordem de precedência lógica:
- A excessiva medida da pena de prisão;
- O excessivo quantitativo da indemnização fixada por danos não patrimoniais.
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Questão prévia
Da irrecorribilidade parcial do acórdão da Relação de Guimarães [pedido de indemnização]
1. O princípio geral no processo penal é o da recorribilidade das decisões judiciais, estabelecendo o art. 399º do C. Processo Penal que, [é] permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Excepções a este princípio encontramos, desde logo, no art. 400º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Decisões que não admitem recurso», que dispõe, na parte em que agora releva:
1 – Não é admissível recurso:
(…);
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, excepto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coacção ou de garantia patrimonial, quando em 1ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196º;
(…);
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1ª instância;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
(…).
2 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
3 – Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
Por sua vez, estabelece o art. o art. 432º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», na parte em que agora releva:
1 – Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.
(…).
O regime do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça [redacção da Lei nº 94/2021, de 21 de Dezembro, entrada em vigor em 21 de Março de 2022, dada ao art. 432º do C. Processo Penal] estatui que os vícios da decisão e as nulidades que não devam considerar-se sanadas, previstos nos nºs 2 e 3 do art. 410º do C. Processo Penal, só lhe podem servir de fundamento, relativamente a acórdão da relação proferido em 1ª instância (alínea a) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal), ou a acórdão, em recurso per saltum, do tribunal de júri ou do tribunal colectivo que tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos (alínea c) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal).
Já não assim, nos casos subsumíveis à previsão da alínea b) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal. Aqui, estabelece-se a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400º do C. Processo Penal, não se contemplando, como fundamento do recurso, os vícios e as nulidades previstas nos nºs 2 e 3 do art. 410º do mesmo código.
Concordantemente, o art. 434º do C. Processo Penal [igualmente na redacção da Lei nº 94/2021, de 21 de Dezembro], restringe o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça ao reexame da matéria de direito, apenas excepcionando da restrição, o disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 432º.
Este entendimento – no sentido de que as nulidades e os vícios previstos nos nºs 2 e 3 do art. 410º do C. Processo Penal, não podem, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 432º, nº 1, b) e 434º, do mesmo código, fundamentar recurso de acórdãos da relação, tirados em recurso – vem sendo uniforme e pacificamente seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se evidencia, entre outros, nos acórdãos de 24 de Abril de 2024, processo nº 2634/17.5T9LSB.L1.S1, de 29 de Fevereiro de 2024, processo nº 9153/21.3T8LSB.L1.S1, de 29 de Fevereiro de 2024, processo nº 864/20.1JABRG.G1.S1, de 15 de Fevereiro de 2024, processo nº 135/22.9JAFUN.L1.S1, de 7 de Dezembro de 2023, processo nº 356/20.9PHLRS.L1.S1, de 8 de Novembro de 2023, processo nº 651/18.7PAMGR.C3.S1, de 1 de Março de 2023, processo nº 589/15.0JABRG.G2.S1 e de 23 de Março de 2022, processo nº 4/17.4SFPRT.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.
O presente recurso, que só versa matéria de direito, foi interposto para este Supremo Tribunal, de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em recurso, que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido e ora recorrente, do acórdão da 1ª instância que o condenou, pela prática de crime de homicídio agravado, na pena de 14 anos de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 6, perfazendo a multa global de € 1500.
Assim, não se verificando qualquer das excepções previstas nas alíneas c), e) e f) do nº 1 do art. 400º do C. Processo Penal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 399º e 432º, nº 1, b) do mesmo código, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à matéria penal.
Vejamos se o é, também, quanto à matéria civil.
2. As demandantes civis BB e CC deduziram pedido de indemnização civil contra o recorrente, visando a sua condenação no pagamento da quantia de € 102290 por danos patrimoniais [€ 2290] e não patrimoniais [€ 100000] sofridos, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido.
O recorrente foi condenado pela 1ª instância no pagamento às demandantes civis da quantia de € 92500 [€ 70000 pelo dano morte, € 2500 pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima antes do decesso, e € 10000 pelo dano não patrimonial próprio, sofrido por cada uma], acrescida de juros de mora desde a data da decisão condenatória.
Aceitando a existência de danos e a sua qualidade de sujeito passivo da obrigação de indemnizar, mas discordando do montante fixado para a indemnização, o recorrente recorreu para a relação, pretendendo a redução da mesma para o montante global de € 50000.
O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, acompanhando integralmente a fundamentação da decisão recorrida nesta matéria relativa ao arbitramento dos danos não patrimoniais causados pelo crime dos autos, concluiu que os montantes das indemnizações por danos não patrimoniais fixados pelo tribunal da 1ª instância com base na equidade não se revelam, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adoptados, para assegurar a igualdade e, consequentemente não se justifica a intervenção deste tribunal superior e, em consequência, julgou improcedente o recurso do arguido, confirmando, portanto, a decisão condenatória da 1ª instância quanto ao pedido de indemnização civil.
Assegurando a igualdade entre todos os recorrentes, independentemente da qualidade de partes em processo civil, ou da qualidade de sujeitos processuais, em processo penal, no que ao pedido de indemnização civil fundado na prática de crime deduzido no processo penal respetivo respeita, a lei afastou-se do princípio geral previsto no art. 399º do C. Processo Penal, fazendo, desde logo, depender a admissibilidade do recurso da verificação de um duplo requisito cumulativo: deve o valor do pedido exceder a alçada do tribunal recorrido, e; deve a decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido (art. 400º, nº 2 do C. Processo Penal).
Em matéria cível, a alçada dos tribunais da relação é de € 30000 e a dos tribunais de 1ª instância é de € 5000 (art. 44º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Considerando o valor do pedido formulado, o valor da condenação em 1ª instância e o valor da condenação na relação [confirmando a condenação da 1ª instância], é evidente que se verifica, in casu, o duplo requisito.
Porém, a recorribilidade da parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil não depende apenas da verificação do referido duplo requisito.
Com efeito, porque a acção cível, por motivo da pretendida igualação de recorrentes em recursos cíveis e em recursos penais, se autonomiza da acção penal, é hoje entendimento pacífico que, face ao disposto no nº 3 do art. 400º do C. Processo Penal (redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto), são aplicáveis, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, os casos de inadmissibilidade de recurso previstos no art. 671º do C. Processo Civil, ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal (Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1255, António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo V, 2024, Almedina, págs. 82-83, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2024, processo nº 64/17.8JALRA.C2.S1, de 4 de Julho de 2024, processo nº 432/20.8JAVRL.G1.S1 e de 9 de Maio de 2024, processo nº 161/22.8PAENT.E1.S1 e de 12 de Novembro de 2020, processo nº 163/18.9GACDV.C1.S2, todos in www.dgsi.pt).
Dispõe o nº 3 do art. 671º do C. Processo Civil que, [s]em prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1ª instância, salvos nos casos previstos no artigo seguinte.
A ressalva feita na parte final da disposição transcrita, relativa ao art. 672º do C. Processo Civil, que disciplina a revista excepcional, não é, in casu, aplicável.
Por outro lado, não estamos perante uma situação em que o recurso é sempre admissível (art. 629º, nº 2 do C. Processo Civil).
Assim, em caso de dupla conforme, isto é, no caso de o acórdão da Relação confirmar, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1ª instância, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Como vimos, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente [bem pelo contrário, acompanhou integralmente a fundamentação da decisão recorrida nesta matéria relativa ao arbitramento dos danos não patrimoniais causados pelo crime dos autos], confirmou integralmente a decisão da 1ª instância, relativamente ao pedido de indemnização civil, não sendo pois, nos termos das disposições conjugadas do art. 4º do C. Processo Penal e 671º, nº 3 do C. Processo Civil, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
A circunstância de o despacho do Tribunal da Relação de Guimarães ter admitido, sem qualquer restrição, o recurso, não vincula o Supremo Tribunal de Justiça (art. 414º, nº 3 do C. Processo Penal).
Deste modo, não sendo, pelas sobreditas razões, recorrível o acórdão da Relação na parte relativa à matéria civil, deve, nesta parte, ser rejeitado o recurso, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b), ambos do C. Processo Penal.
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Da excessiva medida da pena de prisão
3. Alega o arguido que – conclusão 2ª – a pena de prisão aplicada é excessiva devendo, face às atenuantes verificadas, ser fixada em 12 anos de prisão, quantum este mais adequado às exigências de prevenção e à medida da culpa, que – conclusões 6ª a 9ª – embora a Relação tenha aumentado a taxa de álcool no sangue de que era portador, no momento dos factos, de 0,79 g/l para 1,319 g/l, considerou irrelevante a alteração, no que respeita à avaliação do seu estado emocional, que – conclusões 10ª e 11ª – embora tenha alterado a redacção do ponto 6 dos factos provados, dele passando a constar que a vítima, no contexto do conflito em curso, se aproximou da viatura onde se encontrava [numa atitude de desafio e provocação], que – conclusões 13ª e 14ª – embora o acórdão recorrido tenha reconhecido que a 1ª instância o penalizou duplamente pelo uso da arma, pois sendo o crime de homicídio agravado por esta circunstância na moldura penal abstracta, foi a mesma considerada na determinação da medida concreta da pena por ter elevado o grau de ilicitude e de culpa e, contudo – conclusão 16ª – nenhuma destas alterações conduziu a um abrandamento da pena de 14 anos de prisão fixada pela 1ª instância, que – conclusões 18ª e 19ª – face aos factos provados e ao critério previsto no art. 71º do C. Penal, o grau de ilicitude do facto é mediano porque foi a vítima que se dirigiu a si quando, face à gravidade da situação, podia ter-se mantido afastada, o dolo directo é o normal neste tipo de crime com uso de arma de fogo, mas não foi especialmente intenso, dado estar fortemente alcoolizado e revoltado pela conduta de permanente afronta da vítima, por ter ido esta ao seu encontro, por ter a arma municiada com dois projécteis e ter efectuado apenas um disparo, por não ter escolhido a arma e as munições, por não ter manifestado uma firme vontade de matar, a sua culpa não pode ser agravada pela relação familiar com a vítima, pois davam-se mal desde crianças, sendo agredido, injuriado e envergonhado pela vítima, que usava o poder desequilibrador resultante de ser mais velho 10 anos, não se falando, aliás, há 5 anos, diminuindo a sua culpa a ameaça de morte feita pela vítima quando o mandou parar, e o abuso do uso, por ela, do lameiro, bem como, a taxa de álcool no sangue de que era portador, que prejudicou a sua capacidade de controlo, incrementando a sua impulsividade e agressividade, razões estas determinantes de deverem ser consideradas moderadas a intensidade do dolo e a medida da culpa, que – conclusão 20ª – não foram devidamente valoradas as suas condições pessoais e económicas e a inexistência de antecedentes criminais, que nem sequer se mostram ponderadas na determinação da pena, que – conclusão 21ª – deve ser ponderado com o devido relevo o que do acórdão consta quanto à pessoa em relação à sociedade, onde beneficia de imagem positiva, como trabalhador, respeitador, solidário, pacífico, não existindo, quanto a si, sentimentos de rejeição social, e que, contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, quanto à desvalorização dos seus esforços para reparar o dano causado que, se não podiam atenuar especialmente a pena, sempre deveriam ser considerados na determinação da sua medida concreta, tendo as assistentes recusado chegar a um acordo parcial de um pagamento a prestações, por conta do que viesse a ser fixado, que – conclusão 22ª – esta arrependido, num quadro de arrependimento sincero, dada a tentativa de reparação dos danos até onde lhe era possível, arrependimento visível no acto de reconstituição do facto, pelo choque e consciência do acto praticado, expressando com sinceridade a culpa que sentia, o que repetiu na audiência de julgamento com o pedido de desculpa sentida às filhas da vítima e expressando vergonha e remorsos pela sua conduta, que – conclusões 23ª e 24ª – discorda da consideração da Relação no sentido de que constituir circunstância não abonatória ter ensaiado no início do julgamento um cenário de vitimização e de quase legítima defesa, pois o que aconteceu foi que, sendo uma pessoa simples e com pouca escolaridade, com acentuadas limitações auditivas e dificuldades de expressão oral, intimidado pela solenidade do local e da ocasião, e estando muito nervoso, confessou os factos e mostrou arrependimento, embora de forma inicialmente atribulada e confusa, tanto mais que confessou a intenção de matar e várias vezes assumiu a culpa do sucedido, que – conclusão 25ª – as necessidade de prevenção especial, consideradas algo reduzidas pela Relação, não se mostram devidamente valoradas, pois a sua personalidade não revela uma inclinação para a prática de crimes, mas antes um acto isolado, num homem com passado limpo, a chegar ao meio século de idade, bem inserido a nível familiar e social, o que demonstra, conjugadamente com os diversificados factos provados, serem muito reduzidas ou mesmo, nulas, tais necessidade, que – conclusão 26ª – as necessidades de prevenção geral, contrariamente ao entendimento expresso no acórdão recorrido, são médias, considerando as exigências normais nos crimes contra a vida e a forma como o acontecimento foi visto pela comunidade local, que o qualificou de extraordinário e excepcional e, que – conclusões 27ª e 28ª – a pena aplicada é injusta, até por comparação com algumas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que uma pena de 12 anos de prisão, transmitiria à comunidade o sinal de reprovação e asseguraria as suas expectativas e seria mais adequada à medida da culpa.
Relativamente à medida concreta da pena imposta pela 1ª instância, disse o acórdão recorrido:
7.6. Por seu turno, o arguido pugna pela aplicação de uma pena fixada junto ao limite mínimo da moldura penal aplicável, sem se comprometer e oferecer um valor concreto.
Dir-se-á que o arguido pretende a aplicação de uma pena não superior a 11 anos de prisão.
Ora, salvo o devido respeito, também é manifesta a falta de razão nesta parte.
Deixando expressamente de lado o resultado típico, o desvalor de acção é elevado, pois a qualidade de irmão do ofendido – independentemente de estarem de relações cortadas – não serviu de contramotivação suficiente para bloquear o impulso homicida numa situação em que se discutiam apenas interesses puramente económicos e em que o ofendido não representava qualquer perigo ou ameaça para o arguido.
O dolo foi directo e especialmente intenso, pois o arguido teve energia criminosa suficiente para se deslocar na viatura a sua casa para recolher uma arma de fogo municiada e regressar armado para junto do ofendido com a intenção de o matar.
Aliás, depois de realizar o disparo mortal e ver o irmão prostrado no solo, o arguido resistiu a ser desarmado enquanto ainda tinha uma munição na câmara e efectuou mais um disparo para o chão.
Não obstante, a culpa do arguido é mediana em virtude da embriaguez (TAS de 1,319 g/l) e da reacção jocosa da vítima à interpelação daquele a respeito da utilização abusiva de um terreno.
As exigências de prevenção geral relativas ao crime de homicídio são elevadas independentemente dos abaixo-assinados comunitários obtidos a favor do arguido, pois as decisões penais têm destinatários e um alcance mais vasto do que o da mera freguesia ou o bairro onde reside o arguido.
Por seu turno, as razões de prevenção especial são algo reduzidas pois o arguido tinha 47 anos de idade à data da prática dos factos, não tem quaisquer antecedentes criminais, declarou estar arrependido, pediu desculpas à filha do ofendido na audiência e encontra-se social e familiarmente inserido.
Contudo, não deixa de desabonar contra o arguido a circunstância de ter ensaiado no início do julgamento um cenário de vitimização e de quase legítima defesa na ocasião do disparo mortal que não resistiu ao crivo da demais prova produzida.
Tudo ponderado, não merece qualquer censura e entende-se efectivamente como necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena de 14 anos de prisão pela prática do crime de homicídio agravado dos autos.
À luz das considerações precedentes seria completamente inadequada e desproporcional a aplicação ao arguido da impetrada pena de 11 anos e prisão, muito próxima do limite mínimo da moldura legal e reservada para situações de muito fracas exigências de prevenção e de ilicitude e culpa muito reduzidas, o que não sucede no caso concreto.
7.7. Concluindo, não se justifica qualquer alteração ao decidido em matéria de pena parcelar aplicada ao crime de crime de homicídio agravado.
Vejamos, então.
a. Dispõe o art. 40º do C. Penal, com a epígrafe «Finalidades das penas e das medidas de segurança», no seu nº 1 que, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estabelece, por sua vez, o seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, exprimindo esta a responsabilidade individual do agente pelo facto, sendo, assim, o fundamento ético da pena. Prevenção geral – protecção dos bens jurídicos – e prevenção especial – reintegração do agente na sociedade – constituem, pois, as finalidades da pena, através delas se reflectindo a necessidade comunitária da punição do caso concreto.
É neste quadro que vai funcionar o critério legal de determinação da medida concreta da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.
Dispõe o seu nº 1 que a determinação dessa medida é feita, dentro dos limites definidos pela moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, e estabelece o seu nº 2 que, para este efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número.
Diremos, então, com Figueiredo Dias, que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
A medida concreta da pena resultará do grau de necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem que possa ser ultrapassada a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime,1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 227 e seguintes e 238 e seguintes, e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014 (processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Seguindo a mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues entende que, «[e]m primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, Nº 2, Abril-Junho, 2002, págs. 181-182).
Para terminar, cumpre sublinhar que à tarefa de determinação da medida concreta da pena pelo juiz, não corresponde o exercício de um poder discricionário e da sua arte de julgar, mas o uso de um critério legal, constituindo a pena concreta o resultado de um procedimento juridicamente vinculado.
Em todo o caso, o controlo desta operação pela via do recurso, podendo incidir sobre a questão do limite ou da moldura da culpa e sobre a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não pode ter por objecto, o quantum exacto da pena, salvo se se mostrarem violadas as regras da experiência ou se a medida concreta fixada se mostrar desproporcionada (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 197).
b. Revertendo para o caso concreto, dentro da escala de ilicitude pressuposta, abstractamente, pela moldura penal cabida ao crime de homicídio agravado, consideramos que o grau de ilicitude do facto praticado pelo recorrente é médio/elevado, atendendo a que o recorrente, pelo modo como actuou, não deixou à vítima a menor possibilidade de defesa, e considerando também que era seu irmão, reconhecendo-se, embora, que décadas de mau relacionamento entre ambos, enfraqueceram o laço fraterno, reduzindo a barreira que constituiria para o recorrente contramotivação para não actuar como actuou.
O dolo com que o recorrente actuou foi directo e intenso, tal como entendeu a Relação, revelador de elevada energia criminosa.
Com efeito, e como resulta dos factos provados, na sequência da discussão inicial entre recorrente e vítima, por esta ter vacas suas a pastarem num lameiro daquele, o recorrente disse para o irmão esperar enquanto ia a casa e que voltava, foi efectivamente a casa onde se muniu da sua espingarda calibre 12 mm, com dois canos sobrepostos, basculantes, que carregou com dois cartuchos, regressou ao local da discussão onde se encontrava o irmão, saiu do veículo que conduzia, retirou, depois, a espingarda que havia colocado no lugar do ‘pendura’, empunhou-a e de imediato, aproximou-se da vítima, encostou os canos da espingarda à barriga desta e efectuou um disparo, deste modo lhe causando lesões traumáticas abdominais que foram causa directa e necessária da sua morte (pontos 2 a 7 dos factos provados), sendo, pois, evidente, o propósito irrevogável do recorrente em causar a morte do irmão.
Por outro lado, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a circunstância de se encontrar alcoolizado e de ter agido motivado pela convicção de que havia sido o irmão o causador de lhe ter sido retirada a fruição de 20 anos de um lameiro que lhe havia sido cedido e que determinou que deixassem de falar um com o outro, e por persistir a vítima em pastorear o gado no seu [do recorrente] lameiro, (pontos 2, 45 a 48 e 66 dos factos provados), não diminui a intensidade do dolo [entendido este, como conhecimento e vontade de praticar o facto].
Acresce que a circunstância de a espingarda estar municiada com dois cartucho e de ter sido efetuado apenas um disparo, em nada afecta a conclusão de ter o recorrente agido com dolo intenso, uma vez que é caçador, incluindo, de caça grossa, e possuía arma há cerca de 25 anos (pontos 51 53 dos factos provados), sabendo, por isso, que o disparo que efectuou, com os canos da espingarda encostados à barriga da vítima, seria, necessariamente, fatal. E também a afirmação de que não escolheu, nem arma, nem munições, é irrelevante, desde logo porque, quando se deslocou a casa, no circunstancialismo referido no ponto 4 dos factos provados, aí teria, seguramente, à disposição, uma variedade de instrumentos que não, armas de fogo, aptos a serem usados como armas, v.g., armas brancas e utensílios agrícolas, não estando, por outro lado, provado, que a espingarda e as munições usadas fossem as únicas que detinha.
A circunstância de ter agido sob a influência de álcool, mais concretamente, com uma taxa de álcool no sangue de 1,319 g/l (ponto 53 dos factos provados), não pode deixar de ser relevada, na medida em que a embriaguez provoca na pessoa influenciada alteração do estado emocional, baixando o nível dos factores contramotivacionais, e aumentando os níveis de desinibição, deste modo ‘facilitando’ o cometimento do crime. Também o mau relacionamento de décadas, entre recorrente e vítima, apesar de serem irmãos, com questões relacionadas com terras e gado a separá-los também, questões que estiveram na base da discussão que entre ambos ocorreu, antes do disparo mortal, são circunstâncias a relevar. Concordamos pois, com o acórdão recorrido, no sentido de ser médio, o grau de culpa do recorrente.
Já a circunstância de a vítima se ter aproximado da viatura do recorrente, depois de este ter chegado ao local da primitiva discussão (ponto 5 dos factos provados), até porque não se provou que ela se tenha apercebido de que o recorrente trazia consigo a espingarda (ponto j) dos factos não provados), não pode ser entendida, per se, como desafio ou provocação, pelo que, em nada atenua a culpa do recorrente. E o mesmo se diga relativamente ao que o recorrente denomina de “ameaça de morte bem vincada”, ocorrida cerca de dois meses antes dos factos, que consta do ponto 44 dos factos provados [“que já tinha um pé na cadeia e se continuasse assim ia lá pôr o outro”], quer pela falta de clareza da ameaça, quer porque, muitas causas existem, para além dos crimes de morte, para que alguém seja condenado a pena de prisão.
Não assiste razão ao recorrente quando diz que as suas condições pessoais e económicas e a inexistência de antecedentes criminais não foram ponderadas na determinação da medida concreta da pena.
Com efeito, quando a Relação conheceu do pedido formulado no recurso interposto pelo Ministério Público, relativamente ao agravamento da pena, referiu, como razões conducentes à sua improcedência, além do mais, a idade do recorrente, a confissão parcial dos factos, a sua inserção social e a inexistência de antecedentes criminais. Ainda que pudesse ter procedido à repetição destas circunstâncias, quando imediatamente a seguir, conheceu da questão da diminuição da pena, invocada no recurso do recorrente, não o fez, devendo, no entanto considerar-se a referência feita de forma implícita, uma vez que a Relação se limitou a acentuar as circunstâncias que, em seu entender, não permitiriam o pretendido abrandamento da sanção.
Em todo o caso, é evidente que a sua boa inserção familiar, social e laboral devem merecer a devida valoração para efeitos de determinação da medida concreta da pena.
Também não assiste razão ao recorrente quando diz estar sinceramente arrependido, como resulta da tentativa de reparação dos danos até onde lhe era possível, bem como, das desculpas sinceras que expressou em audiência às filhas da vítima e às manifestações de vergonha e remorsos pelo acto praticado. Isto porque, o que resulta dos factos provados é apenas que o recorrente confessou parcialmente os factos e se declarou arrependido (ponto 68 dos factos provados).
Quanto a ter a Relação considerado não abonatória a circunstância de ter ensaiado no início do julgamento um cenário de vitimização e de quase legítima defesa, cumpre notar que do acórdão recorrido consta o segmento da motivação de facto do acórdão da 1ª instância, que suporta a consideração feita [«Por outro lado, a confissão foi parcial, já que o arguido tendo confessado que disparou sobre o ofendido, veio alegar circunstâncias que alegadamente teriam ocorrido imediatamente antes, durante e depois do crime que não se provaram minimamente, dando uma coloração completamente diferente à acusação. Por outro lado, o arguido só confessou efectivamente a intenção de matar quando o seu advogado o levou a isso, alegando que aquele estava a “enrolar a conversa toda” porque insistiu perante o Tribunal e os demais sujeitos processuais que se não fosse o irmão a vir para ele para lhe tirar a arma, a provocá-lo, não o teria matado. Referiu que ou fazia aquilo ou era o irmão a tirar-lhe a arma e fazê-lo a si!»]. Ora, ainda que esteja provado que o recorrente tem apenas o 6º ano como habilitações literárias (ponto 29 dos factos provados), tal não significa, necessariamente, que tenha dificuldades de expressão oral, sendo certo que, a natural intimidação causada pela solenidade do local e do acto em curso, e o expectável nervosismo para quem, se encontra em circunstâncias idênticas, quando, como é o caso do recorrente, com elas não está familiarizado, justificaria declarações confusas e incongruentes, o que, contudo, não terá sido o caso, como decorre da imediação feita pelos Mmos. Juízes que integraram o colectivo da 1ª instância.
Concordamos com o acórdão recorrido quanto a serem elevadas, diríamos mesmo, muito elevadas, as exigências de prevenção geral no que respeita ao crime de homicídio, quer pela grande frequência com que se verifica, quer pelo importante alarme social que causa na comunidade – e quando falamos de comunidade, não nos referimos apenas ao círculo da freguesia ou mesmo, do concelho –, exigindo, por isso, uma resposta firme, mas sempre proporcional, dos tribunais de modo a, na fórmula de Jakobs, ser alcançada a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
No que respeita às exigências de prevenção especial, a plena inserção familiar, laboral e social do recorrente, a inexistência de antecedentes criminais, quando está prestes a completar 50 anos de idade (nasceu a 1 de Março de 1975, conforme ponto 27 dos factos provados), e a confissão parcial, revelando alguma interiorização do desvalor da conduta, apontam para uma personalidade conforme ao Direito e aos valores por ele tutelados, que só agora, nas descritas circunstâncias, e no que pode considerar-se um momento atípico da sua vida, inverteu o rumo, devendo, pois, ser entendidas como baixas as referidas exigências.
Uma nota final para deixar claro que a circunstância de a Relação ter reconhecido a violação pela 1ª instância, do princípio da proibição da dupla valoração quanto ao uso de arma de fogo, de modo algum imporia, por si só e automaticamente, a diminuição da pena de prisão, pois que, convocando o que supra se deixou dito sobre o critério de determinação da medida concreta da pena, a pena concreta não é o resultado aritmético de parcelas previamente quantificadas, mas o resultado da valoração de cada elemento concorrente, individual e globalmente, considerados, com a limitação da medida da culpa.
Assim, tudo ponderado, considerando a moldura penal abstracta aplicável ao crime de homicídio agravado, p. e p. pelos arts. 131º do C. Penal e 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro – pena de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses de prisão – sobrepondo-se, de algum modo, as circunstâncias agravantes à circunstâncias atenuantes, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, mas sendo baixas as exigências de prevenção especial, entendemos que a pena de 14 anos de prisão, fixada pela 1ª instância e confirmada pela Relação, porque situada 8 meses acima do primeiro quarto daquela moldura penal, se mostra necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, estando, aliás, em linha, com a jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdãos de 12 de janeiro de 2017, processo nº 94/15.4JASTB.S1 e de 14 de Outubro de 2010, processo nº 494/09.9GDTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt).
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em:
A) Rejeitar, parcialmente, o recurso, na parte relativa ao pedido de indemnização civil, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b), ambos do C. Processo Penal.
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B) Julgar improcedente o recurso, na parte restante e, em consequência, confirmam, nesta parte, o acórdão recorrido.
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C) 1. Custas pelo recorrente, quanto à parte criminal, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).
2. Custas da parte civil pelo recorrente (arts. 523º do C. Processo Penal e 527º, nº 2 do C. Processo Civil).
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).
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Lisboa, 27 de Fevereiro de 2025
Vasques Osório (Relator)
António Latas (1º Adjunto)
Jorge Reis Bravo (2º Adjunto)