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FACTOS PROVADOS
SITUAÇÃO FINANCEIRA DA PESSOA COLECTIVA
CRIME DE CORRUPÇÃO DE SUBSTÂNCIAS ALIMENTARES
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DEVER DE PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS MORAIS
Sumário
I. O resultado líquido do exercício de cada ano é relevante para avaliar a situação financeira de uma empresa – devendo constar dos factos provados se para tanto houver elementos documentais –, porque só assim se sopesa o volume de negócios e de rendimentos com os custos fixos e variáveis por ela suportados. II. Sabendo o arguido sabia que as alheiras (confeccionadas e vendidas pela empresa que representa) podiam estar corrompidas, pela forma como foram produzidas, acondicionadas e transportadas e, mesmo assim, não só as confeccionou como as comercializou, transportou e rotulou, aceitando a existência dessa possibilidade, agiu com dolo eventual, nos termos do art. 282.º, n.º 1, a) e b) do Código Penal. III. Relativamente à criação do perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, o arguido agiu com negligência consciente (n.º 2 do mesmo artigo): apesar de saber que as alheiras corrompidas poderiam causar aqueles perigos para quem as comesse, o arguido não antecipou tal resultado, ou seja, confiou que ele não se verificaria. IV. Não pode haver lugar à atenuação especial da pena do art. 72.º do Código Penal quando a ilicitude dos factos e a culpa do agente são elevadas, e o arguido mostra reduzido juízo crítico quando à sua conduta, mantendo-se na actividade da restauração. V. As finalidades da punição não se bastam com a suspensão, por cinco anos, da execução da pena única aplicada ao arguido (5 anos de prisão), justificando-se que aquela seja sujeita à obrigação de pagamento aos lesados: houve resultados graves para quatro vítimas (três das quais deduziram pedido de indemnização civil), cidadãos que confiaram na origem das alheiras e confiadamente as consumiram, o que acabou por lhes trazer, a todos, intoxicação alimentar, na forma de botulismo, uma doença grave e potencialmente mortal. VI. A situação pessoal do recorrente apurada nos autos, conjugada com os valores das indemnizações fixadas aos lesados, está longe de permitir a conclusão de que se verifica a restrição do art. 51.º, n.º 2, do Código Penal, tudo sem prejuízo da posterior modificação nos termos previstos no n.º 3 do mesmo artigo (que até pode ser em função de uma melhor fortuna do agente e, com ela, encurtamento do prazo de liquidação dos valores em dívida). VII. No que respeita à compensação dos danos morais sofridos pelos demandantes (€ 7.500,00 para dois deles e € 8.500,00 para o terceiro), face às consequências dos crimes para cada um deles, se alguma falha se poderia apontar ao Tribunal a quo na sua fixação seria a da parcimónia, e certamente não a do excesso (como pretendiam os recorrentes), tanto mais que todos recearam (e com razão) pela sua vida.
Texto Integral
Neste processo n.º 225/15.4EAPRT.G2, acordam em conferência os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - RELATÓRIO
No processo comum colectivo n.º 225/15...., a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal de ..., nessa Comarca, em que são arguidos “EMP01..., Unipessoal, Lda.” e AA, foi proferido acórdão[1] em que se decidiu[2]:
«a) Condenar o arguido AA pela prática de quatro crimes de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, p. e p. pelos 282º, nº 1, alínea a) e b), do Código Penal, agravados pelo resultado, nos termos do disposto nos artigos 285.º e 144.º, als. b), c) e d), do mesmo diploma, nas penas parcelares de 2 anos de prisão. b) Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido AA na pena única de 5 anos de prisão. c) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido AA, por igual período de cinco anos, acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social, tendente a fazer o arguido refletir para as consequências gravosas do seu comportamento, atuando no seu sentido autocrítico e que contemple, além da obrigação de comparência do arguido sempre que convocado pelo tribunal ou pelos técnicos da Direção de Reinserção Social, colaborando e aceitando o arguido as diretrizes que lhe forem sendo apontadas, recebendo visitas, colocando à disposição daquelas entidades documentos ou informações relativas aos seus meios e de informar os serviços Reinserção Social sobre quaisquer alterações na residência ou trabalho, justificando-as: - Frequência de ações de formação atinentes à problemática da saúde pública e da higiene e segurança alimentar, no ramo da restauração, impondo as condições que julgar proporcionais e adequadas para tanto; e - O pagamento aos demandantes cíveis das quantias que vão ser determinadas infra a título de indemnização, tudo no prazo da suspensão da execução pena. d) Condenar a arguida EMP01..., UNIPESSOAL LDA pela pratica de quatro crimes de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, p. e p. pelos artigos 11.º, n.º 2, al. a), 282º, nº 1, alínea a) e b), do Código Penal, agravados pelo resultado, nos termos do disposto nos artigos 285.º e 144.º, als. b), c) e d) e 90.ºdo mesmo diploma nas penas parcelares de 240 dias de multa, à taxa diária de € 100,00; e) Em cúmulo jurídico de penas condenar a arguida EMP01..., UNIPESSOAL LDA na pena única de 600 dias de multa, à taxa diária de € 100,00, perfazendo o montante global de € 60.000,00, que se substitui por prestação de caução de boa conduta no valor de 65.000,00 € (sessenta e cinco mil euros), pelo prazo de cinco anos, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança; f) Condenar o arguido AA E EMP01... LDA nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (duas) Unidades de Conta. g) Julgar total procedente, por totalmente provado, o pedido cível deduzido pela UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO ..., EPE - ULS..., EPE e, em consequência condenar os arguidos a pagarem a quantia por aquela unidade suportada, relativa às despesas com os cuidados de saúde prestados a BB no montante de € 3.658,90, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal devida para os juros civis, contados desde a citação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04; h) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido cível formulado nos autos pela assistente BB e, em consequência, condenar os arguidos a pagar-lhe a quantia de € 879,22 a título de danos patrimoniais acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal devida para os juros civis, contados desde a citação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04 e a quantia de € 7.500,00 a titulo de danos não patrimoniais, calculados à taxa legal devida para os juros civis, a contar da presente decisão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04; absolvendo os arguidos da demais quantia peticionada; i) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido cível formulado nos autos pelo assistente CC e, em consequência, condenar os arguidos a pagar-lhe a quantia de de € 729,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal devida para os juros civis, contados desde a citação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04 e a quantia de € 7.500,00 a titulo de danos não patrimoniais, calculados à taxa legal devida para os juros civis, a contar da presente decisão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04;, absolvendo os arguidos da demais quantia peticionada; j) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido cível formulado nos autos pelo assistente CC e, em consequência, condenar os arguidos a pagar-lhe a quantia de € € 2.879,99 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal devida para os juros civis, contados desde a citação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04 e a quantia de € 8.500,00 a titulo de danos não patrimoniais, calculados à taxa legal devida para os juros civis, a contar da presente decisão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1 e 2, 559.º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04, absolvendo os arguidos da demais quantia peticionada; k) Custas civis por demandantes e demandados na proporção do respetivo decaimento – artigo. 527.º do Código do Processo Civil, ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal.»
Inconformados, recorreram ambos os arguidos, sendo as conclusões:
«1ª) – A prova produzida em Audiência de Julgamento e gravada digitalmente, devidamente analisada, avaliada e sopesada, sem qualquer preconceito nem prejuízo, deve conduzir, manifestamente e com evidência bastante, com o devido e merecido respeito por posição contrária, à modificação da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, por ter ocorrido incorrecto julgamento dos factos discutidos nos presentes autos. 2ª) – Assim, deve considerar-se provado, conforme supra se demonstrou, no ponto III), que: A) - 3) o Arguido AA contratou a sociedade “EMP02..., Lda” para implementar na unidade de fabrico da ..., o Manual de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP), para cumprimento dos procedimentos baseados nos princípios de HACCP e delegou nos funcionários DD e EE as funções de adopção e implementação das medidas e procedimentos inerentes; B) - 12) a unidade de produção da ..., em junho de 2015, não se encontrava a laborar, mas apresentava, no dia 12, aquando da inspecção realizada pela DGAV, as desconformidades indicadas nas alíneas a- a q- do número 12); F) - 21) no dia 27.08.2015, na “Feira ... 2015”, sita em ..., no stand da sociedade arguida “EMP01..., Unipessoal Lda.”, destinado a promover a marca comercial “...” e a comercializar os respetivos produtos, por determinação do arguido AA, o funcionário da mencionada sociedade DD vendeu ao ofendido FF um pack de oito alheiras embaladas a vácuo; - 27) no dia 05.09.2015, no restaurante denominado “EMP03...”, sito na Rua ..., ..., em ..., explorado pelo arguido AA, a assistente BB ingeriu alheira que lhe foi aí servida; - 31) no dia 24.08.2015, na “Feira ... 2015”, sita em ..., no stand da sociedade arguida “EMP01..., Unipessoal Lda.”, destinado a promover a marca ...” e a comercializar os respetivos produtos, por determinação do arguido AA, o funcionário da mencionada sociedade DD vendeu a GG uma embalagem de seis a oito alheiras embaladas a vácuo; - 37) no dia 10.09.2020, ao almoço, no restaurante denominado “EMP03...”, explorado pelo arguido AA, o ofendido CC ingeriu alheira que lhe foi aí servida; H) - 23) no dia 06.09.2015, numa reunião familiar do ofendido FF, em ..., foram grelhadas três alheiras e ingeridas parte das mesmas, por aquele e por outros seus familiares; - 33) no dia 14.09.2015, num jantar de família em casa dos pais de GG, foram grelhadas as mencionadas alheiras e servidas ao jantar, sendo as mesmas ingeridas pelo assistente CC, seu cunhado, e outros familiares que se encontravam presentes. 3ª) – Deve, por outro lado, considerar-se não provado, conforme supra se demonstrou, no ponto III), que: A) - 3) no exercício das funções referidas em 2) cabia ao arguido AA a adopção e implementação de um manual de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (doravante HACCP), para cumprimento dos procedimentos baseados nos princípios de HACCP; B) - 12) a unidade de produção da ..., em junho de 2015, encontrava-se a laborar, conforme determinado pelo arguido AA; C) - 13) a aquisição das matérias primas e a produção e o acondicionamento das alheiras sem que estivesse implementado o sistema de rastreabilidade de produtos, bem como os procedimentos do sistema de HACCP necessários para que se encontrassem asseguradas as condições higiénico-sanitárias necessárias para esse efeito, determinou a contaminação das alheiras por microrganismos da bactéria clostridium botulinum e, consequente, produção da toxina botulínica; - 14) a produção e acondicionamento, das alheiras sem que estivessem assegurados o tratamento térmico e a utilização de temperaturas de refrigeração adequados, bem como a permanência em ambiente caracterizado por adequada percentagem de oxigénio capazes de inibir a multiplicação da bactéria clostridium botulinum, determinaram o seu desenvolvimento e multiplicação e, consequente, produção da toxina botulínica; - 15) tal contaminação teve origem num dos fatores de produção, transporte e acondicionamento – designadamente matérias primas, em condimentos utilizados, no contacto com superfícies mal higienizadas, na aquisição e transporte das matérias primas, na produção e no embalamento e acondicionamento das alheiras – ou numa combinação de todos ou parte destes, sendo que todos eles estavam sob a direção e controlo do arguido AA; D) - 18) na embalagem das alheiras acondicionadas a vácuo, nos termos referidos em 10, o prazo de validade de consumo aposto era de 4 (quatro) meses; E) - 20) pelo menos no período compreendido entre 21.08.2015 e o dia 05.09.2015, o arguido AA representou como possível que as alheiras produzidas, acondicionadas e transportadas nos termos supra referidos, de denominação reservada e associada à marca comercial “...”, não estivessem em condições de serem consumidas, estando anormais e corrompidas, em virtude de se encontrarem contaminadas pela toxina botulínica, tendo permitido a sua exposição para venda pela sociedade arguida nos termos infra referidos, bem como o seu consumo também nos termos infra referidos, no restaurante denominado “EMP03...”, situação com qual se conformou, bem sabendo que os alimentos produzidos nas condições descritas eram suscetíveis de criar perigo para a vida e integridade física de potenciais consumidores, resultado que todavia não antecipou e com o qual se não conformou; - 43) o arguido AA agiu nos sobreditos termos sempre por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, no intuito, concretizado, de confeccionar, fabricar, embalar, transportar e expor para venda e vender as alheiras referidas nos termos supra referidos, que se destinavam ao consumo alheio, para serem ingeridas, tendo-as colocado no mercado nacional e procedido à sua venda directa, bem sabendo que as mesmas poderiam estar corrompidas por terem sido produzidas, acondicionadas e transportadas nos termos referidos, resultado que previu como possível e com o qual se conformou; - 44) o arguido, também na qualidade de legal representante da sociedade arguida e na prossecução do seu escopo lucrativo e objeto social, conhecia todas as normas aplicáveis à produção, confecção, embalamento, acondicionamento, transporte, exposição para venda e venda, dos produtos alimentares em causa dos autos; contudo, e apesar de ser capaz da sua implementação e prever como possível que, ao não cumprir com as normas aplicáveis e com as regras de higiene e sanitárias destinadas à protecção dos consumidores, os meios de produção e de transporte usados eram aptos à contaminação e propagação de bactérias e, consequentemente, à produção de neurotoxinas que poderiam molestar o corpo, a saúde e a vida dos seus consumidores, conformou-se com tal realização; - 46) ao agir do modo descrito, o arguido, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, provocou, dessa forma, a intoxicação alimentar pela toxina botulínica nos assistentes BB, CC e CC e no ofendido FF criando, dessa forma, perigo para a vida e para a integridade física dos mesmos, bem como as mencionadas ofensas ao corpo e saúde dos mesmos, causando-lhes dor, sofrimento físico e as lesões supra descritas, afectando-lhes, de maneira grave, a capacidade de trabalho, a capacidade de fruição sexual, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, provocando-lhes doença particularmente dolorosa, bem como perigo para a vida, resultado que, tendo previsto como possível todavia não antecipou e com o qual se não conformou; F) - 21) as alheiras vendidas ao ofendido FF no dia 27.08.2015, na “Feira ... 2015”, em ..., tenham sido produzidas pela mencionada sociedade, nas instalações da antiga escola da ... e aí embaladas nas condições supramencionadas; - 27) a alheira servida e ingerida pela assistente BB no dia 05.09.2015, no restaurante denominado “EMP03...”, em ..., havia sido produzida e embalada pela sociedade arguida nas instalações da antiga escola da ... nas condições supramencionadas; - 31) as alheiras vendidas a GG no dia 24.08.2015, na “Feira ... 2015”, em ..., tenham sido produzidas pela mencionada sociedade, nas instalações da antiga escola da ... e embaladas no armazém sito na sede da sociedade arguida nas condições supra mencionadas; - 37) a alheira servida e ingerida pelo ofendido CC no dia 10.09.2020, no restaurante denominado “EMP03...”, havia sido produzida e embalada pela sociedade arguida nas instalações da antiga escola da ...; G) - 22) e 32) as alheiras vendidas na “Feira ... 2015”, em ..., por determinação do arguido AA, encontravam-se expostas para venda em expositor não refrigerado, tendo também sido transportadas para o local em veículo não refrigerado; H) - 23) no dia 06.09.2015, o ofendido FF tenha verificado a data de validade aposta na embalagem de alheiras referidas em 21. e tomado tal data como válida; - 33) no dia 14.09.2015, no jantar de família em casa dos pais de GG, este tenha verificado a data de validade aposta na embalagem de alheiras referidas em 35., tomado tal data como válida e grelhado as mencionadas alheiras, tendo-as ele servido ao jantar; I) - 25), 30), 36), 40), 63), 68), 80), 108) e 146) todas as lesões, ofensas no corpo e na saúde, doenças, sofrimento, perigo concreto para a vida dos ofendidos FF, BB, CC e CC, tratamentos que lhes foram prestados, impedimentos de prestar trabalho e demais efeitos, tenham sido consequência necessária e direta da conduta do arguido AA; - 48) o arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal; J) - 28) a alheira ingerida pela assistente BB foi servida por ordem do arguido AA; - 38) a alheira ingerida pelo assistente CC foi servida por ordem do arguido AA. 4ª) – O Tribunal recorrido considerou provado, nos números 57) a 61) dos Factos Provados, que nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, a sociedade Recorrente apresentou um total de rendimento, respectivamente, de € 142.302,37, € 163.155,41, € 249.479,15, € 226.808,11 e de € 200.546,30 e um volume de negócios, respectivamente, de € 125.318,19, € 157.017,68, € 179.474,10, € 142.521,72 e de € 166.978,29. 5ª) – Tal factualidade assentou nas declarações de IRC juntas aos autos em 30/01/2023 – cfr. Refª: ...51, no Histórico de Actos Processuais. 6ª) – Tais elementos de prova foram juntos ao processo sem que tivesse sido ordenada pelo Tribunal a sua junção, não se vislumbrando a que título a Secção de Processos efectuou a solicitação de tais documentos ao Serviço de Finanças ..., em 30/01/2023 – cfr. Refª: ...17, no Histórico de Actos Processuais. 7ª) – Além disso, tais documentos não foram notificados aos Arguidos Recorrentes, que assim, não tiveram qualquer hipótese de sobre os mesmos se pronunciarem. 8ª) – Tais elementos probatórios são, por isso, nulos, por violação dos princípios do dispositivo e da defesa e do contraditório. 9ª) – Caso assim se não entenda, devem então, considerar-se como provados, para além dos rendimentos e do volume de negócio, os Resultados Líquidos do Exercício de cada um daqueles anos, de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, que foram, respectivamente, de € 1.541,91, € 830,03, € 8.958,82, -4.917,97 e de € 414,11. 10ª) – Caso seja modificada, como deve e supra se expôs, a matéria de facto provada, é evidente que os Recorrentes devem ser absolvidos dos crimes pelos quais foram condenados no douto Acórdão recorrido e consequentemente, absolvidos igualmente, dos pedidos de indemnização deduzidos pelos Demandantes Civis. 11ª) – Sem conceder, caso se entenda que não devem ser absolvidos, os Arguidos devem então, ser condenados pela prática dos crimes de corrupção de substâncias alimentares a título de negligência, por, ainda que tivessem a possibilidade de prever a contaminação das alheiras fornecidas, terem actuado sem se conformarem com a verificação de tal resultado de os alimentos se encontrarem contaminados e impróprios para consumo. 12ª) – Tal integração dos factos será mais consentânea, no caso de o Tribunal de recurso excluir a absolvição dos Recorrentes, com a realidade provável dos factos e sobretudo, com a idoneidade, o carácter e a personalidade dos Arguidos. 13ª) – Ainda sem conceder, caso se considere que deve ser mantida a censura jurídico-penal da actuação dos Recorrentes, há-de ter-se então, em devida consideração, que os factos ocorreram já em 2015, a total ausência de antecedentes criminais de ambos os Arguidos e a completa inserção do Recorrente AA a nível social, familiar e profissional, tratando-se de profissional com mais de 30 anos de actividade profissional, sem qualquer outro antecedente em matéria de corrupção de substâncias alimentares. 14ª) – Considerou-se demonstrado que o Recorrente provém de uma família estruturada e de condição socio-económica estável, no seio da qual cresceu em ambiente afetuoso, beneficiando das condições necessárias para que a sua socialização tivesse decorrido de forma harmoniosa e normativa; que concluiu o ensino secundário e desde jovem revelou interesse para investir em actividades comerciais, privilegiando na última década a produção e comercialização de produtos e restauração; que nos últimos anos tem procurado focalizar-se mais em serviço gastronómico regional diferenciado; que usufrui no presente de um quadro familiar estruturado e apoiante, sendo a situação económica da família observada como condicionada, mas capaz de assegurar as necessidades prioritárias do agregado e da formação universitária das filhas; que comunitáriamente usufrui de um modo de vida integrado e quotidianamente focalizado na gestão e exploração de um restaurante na zona histórica da cidade ...; que sendo este o primeiro confronto com o sistema da administração da justiça penal, tem vivenciado esta fase da sua vida com preocupação, ansiedade e expectativa, acreditando num desfecho positivo; que reúne condições para a execução de uma medida na comunidade; que na comunidade e atividade onde está inserido, é retratado como empresário audaz, trabalhador, empreendedor e com iniciativa e que não tem antecedentes criminais registados (cfr. factualidade inserida nos números 49) a 56) dos factos provados). 15ª) – Além disso, todas as descritas circunstâncias anteriores e posteriores aos factos, ou contemporâneas deles, diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa dos Arguidos e a necessidade da pena. 16ª) – Assim, quanto ao Recorrente AA devem as respectivas penas parcelares ser especialmente atenuadas, considerando nomeadamente, o tempo decorrido sobre a ocorrência dos factos, mantendo o Arguido boa conduta. 17ª) – Por efeito da atenuação especial, o Arguido deve ser punido com pena nunca superior a 3 meses de prisão, substituída, em qualquer caso, por pena de multa. 18ª) – Caso não se considere adequada a atenuação especial da pena, deve então considerar-se que o Recorrente revelou em Julgamento uma consciência cívica e social em conformidade com a lei, está perfeitamente integrado em termos sociais, familiares e profissionais e não tem quaisquer antecedentes criminais; exerce actividade profissional na área da restauração há mais de 30 anos, sempre tendo actuado com responsabilidade e cumprimento dos seus deveres e obrigações legais e regulamentares e é considerado pessoa educada, honesta, trabalhadora, responsável, solidária, respeitadora e de fácil relacionamento. 19ª) – Finalmente, deverá atentar-se no período de tempo decorrido desde a prática dos factos e no bom comportamento e aceitação social que o Recorrente tem na comunidade em que se insere. 20ª) – Todas estas circunstâncias depõem a favor do Arguido e postulam necessariamente, a aplicação ao Recorrente, de penas de prisão parcelares em caso algum, superiores a 6 meses e, em cúmulo jurídico, de uma pena única de prisão não superior a 1 ano. 21ª) – Quanto à sociedade Arguida, deve o Tribunal limitar-se a proferir uma admoestação, uma vez que se deve concluir que a mesma realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 22ª) – Caso assim não se considere, deve à Recorrente serem aplicadas penas de multa parcelares em caso algum, superiores a 60 dias, e em cúmulo jurídico, a pena única de 120 dias. 23ª) – Mais deve ser reduzido o montante da pena única de multa ao valor global de € 12.000,00, mantendo-se a substituição da pena de multa por prestação de caução de boa conduta, mas no valor correspondente, de € 12.000,00, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança. 24.ª) – Maisdeve o prazo de manutenção da caução ser reduzido ao período de 2 anos, o qual se afigura como suficiente para assegurar as finalidades da caução, atento o tempo já decorrido desde a prática dos factos e a actual inactividade da sociedade Recorrente. 25ª) – A decisão recorrida de suspender a execução da pena aplicada ao Recorrente AA pelo período de 5 anos, subordinada à condição de pagamento, no prazo de suspensão da pena, aos Demandantes Civis, das importâncias que lhes forem arbitradas a título de indemnização, não encontra justificação legal, desde logo porque inexistem factos suficientes para validar o juízo de prognose de razoabilidade àcerca da possibilidade financeira do Recorrente satisfazer tal condição. 26ª) – Na verdade, o Tribunal não apurou as reais e efectivas condições económicas do Recorrente, sabendo-se apenas, que a situação económica da família do Arguido é tida como condicionada, mas que tem sido capaz de assegurar as necessidades prioritárias do agregado e a formação universitária das filhas. 27ª) – A condição estipulada para a suspensão da pena de prisão constitui assim, uma obrigação cujo cumprimento não é razoável exigir ou impôr ao Recorrente. 28ª) – Acresce que no caso dos autos, a suspensão da execução da pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sem necessidade de a condicionar à obrigação de reparação dos danos cíveis causados aos lesados, na medida em que a personalidade, o carácter e a conduta do Arguido, anterior e posterior aos factos e a ausência de antecedentes criminais, asseguram, por si só, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição. 29ª) – Deve por isso, manter-se a suspensão da pena de prisão que for aplicada ao Recorrente AA, pelo período correspondente à pena de prisão, mas sem condicionar tal suspensão ao pagamento de qualquer importância indemnizatória arbitrada aos Demandantes Civis. 30ª) – Sem prejuízo, a manter-se a censura jurídico-penal da conduta dos Recorrentes, afigura-se que os valores indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo a título de ressarcimento aos Ofendidos dos danos não patrimoniais, são exagerados e sobrevalorizados. 31ª) – Se se atentar nas decisões jurisprudenciais nacionais e nos padrões geralmente adotados em casos semelhantes e considerando a mediana gravidade dos danos físicos e psicológicos causados aos lesados, o grau de culpa dos Arguidos, a sua situação económica e a dos lesados e as demais circunstâncias concretas do caso sub judice, é razoável, justo, equilibrado e equitativo fixar as indemnizações peticionadas a título de danos não patrimoniais, nos valores de € 5.000,00 aos Demandantes BB e HH e de € 6.000,00 ao Demandante CC. 32ª) – Foram violados ou incorrectamente interpretados os artigos 41º, nº 1; 43º nº 1; 50º, nº 1 e nº 2; 60º, nº 2; 70º; 71º; 72º, nº 1 e nº 2, alínea d); 73º, nº 1, alínea b); 90º-C; 144º, alíneas b), c) e d); 282º, nº 1, alíneas a) e b), nº 2 e nº 3; e 285º, do Código Penal; os artigos 127º e 340º, nº 2 do CPP; e os artigos 494º; 562º; 563º e 566º do Cód. Civil.»
Pedem os recorrentes:
- a modificação do julgamento da matéria de facto e, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, com a absolvição dos recorrentes;
- caso se considere dever manter-se a censura penal da conduta dos arguidos, a condenação do recorrente AA em penas de prisão parcelares especialmente atenuadas, não superiores, cada qual, a 3 meses de prisão, substituídas por penas de multa, ou nas penas de prisão parcelares, sem atenuação especial, de 6 meses de prisão, e na pena única de 1 ano de prisão, mantendo-se a decretada suspensão da respectiva execução, pelo período de 1 ano;
- a revogação da condição de pagamento de qualquer importância indemnizatória arbitrada aos Demandantes Civis para suspensão da execução da pena de prisão;
- a condenação da sociedade arguida na pena de admoestação ou, se assim se não entender, a aplicação de penas de multa parcelares não superiores a 60 dias, e por força do cúmulo jurídico, na pena única de 120 dias, reduzindo-se o montante da pena única de multa ao valor global de € 12.000,00, e mantendo-se a substituição da pena de multa por prestação de caução de boa conduta no valor correspondente, pelo prazo de 2 anos, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança;
- a fixação das indemnizações arbitradas a título de danos não patrimoniais, nos valores de € 5.000,00 aos demandantes BB e HH e de € 6.000,00 ao demandante CC.
Na 1.ª instância, apenas o Ministério Público apresentou resposta, com as seguintes conclusões:
«1. A livre apreciação da prova, de acordo com a previsão do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, possibilita ao juiz uma certa discricionariedade na apreciação das provas que fundamentam a decisão, embora limitada pela racionalidade e as regras da experiência comum. 2. De harmonia com o citado artigo 127.º, do Código de Processo Penal, o recurso não serve, ou não deve servir, para que as teses nascidas de convicções interiores dos Recorrentes, não coincidentes com o que foi a convicção do Tribunal a quo, vençam (cf. Ac. STJ de 08-10-1997, proc. n.º 897/97, apud Simas Santos e Leal-Henriques in “Código de Processo Penal Anotado”, Vol. I, pág. 702), sendo certo que, formulada a convicção do julgador em juízos objectivos e motiváveis, nada se pode apontar à convicção do Tribunal recorrido. 3. O Colectivo a quo demonstrou a sua convicção de um modo objectivo, seguro, e por isso inatacável, tecendo a fundamentação com vista a expor analítica e criticamente aqueles elementos probatórios que na sua convicção levavam à condenação, tornando-a assim sindicável por via da razão. 4. Na verdade, perscrutado o Acórdão recorrido verificamos que fundamentou proficientemente as razões pelas quais atribuiu maior ou menor credibilidade às declarações prestadas pelo Recorrente quando em confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos, nomeadamente, as declarações prestadas pelo ofendido FF e pelos assistentes BB, CC e CC, assim como da demais prova testemunhal. 5. Valorou, igualmente, prova documental e pericial pré-constituída, mormente o parecer constante do anexo II, que permitiu estabelecer uma relação de causalidade entre as alheiras produzidas e vendidas pelos Recorrentes na feira ... e no restaurante “EMP03...”, em Agosto e Setembro de 2015, as alheiras que foram consumidas por cada um dos assistentes e a doença diagnosticada a cada um – Botulimo Alimentar causado pela intoxicação alimentar pela toxina botulinica – toxina tipo B. 6. Por conseguinte, não colhendo a argumentação da defesa, concluiu o Tribunal a quo, como não poderia deixar de ter feito, que as alheiras ingeridas pelos ofendidos e assistentes, das quais resultou a intoxicação alimentar causada pela bactéria clostridium botulinium, foram produzidas pelos ora Recorrentes na unidade de fabrico sita na escola primária da ... e, por conseguinte, decidiu pela sua condenação. 7. Mais concluiu o Tribunal a quo, com segurança, que o Recorrente AA, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sua sociedade Recorrente, promoveu a confecção, o embalamento, o transporte e a exposição para venda e a venda daquelas alheiras em desconformidade com as normas aplicáveis e as regras de higiene-sanitárias destinadas à protecção e segurança dos consumidores, representando como possível que os meios de produção e transporte usados eram aptos à contaminação e propagação de bactérias com isso se conformando e, consequentemente, de toxinas que poderiam molestar o corpo, a saúde e a vida dos seus consumidores, perigo esse que tendo previsto como possível, confiaram, não devendo confiar, se não produziria, actuando, pois, com dolo eventual. 8. A junção aos autos a junção das declarações de Imposto sobre o Rendimento de Pessoa Colectiva, submetidas à Autoridade Tributária pela sociedade Recorrente sem que exista nota de impugnação, eram e sempre foram documentos dos quais os Recorrentes tinha conhecimento directo, porquanto correspondem a declarações por si elaboradas. 9. Não pode, assim, a sociedade Recorrente invocar o seu desconhecimento ou, sequer, que não teve oportunidade de se pronunciar sobre tais elementos de prova, tanto mais que foi ouvida em declarações quanto às suas condições sócioeconómicas. 10. Por fim, cumpre assinalar que o Tribunal recorrido respeitou escrupulosamente os critérios de determinação da medida da pena, aplicando aos arguidos as penas ajustadas em função da culpa e das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, em obediência aos critérios previstos nos artigos 40.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. 11. Para o efeito, analisou de forma detalhada o grau de ilicitude, a culpa, a intensidade do dolo de cada um dos arguidos, ponderando na devida medida todos os factos que depõem em seu favor, com reflexo na fixação da dosimetria das penas aplicadas em patamar próximo do limite mínimo da moldura aplicável. 12. Não podemos, por isso, deixar de concordar in totum com a fundamentação da escolha e determinação da medida das penas aplicadas, que aqui secundamos, anotando-se que solução distinta seria sentida, quer pelos arguidos Recorrentes, quer pela comunidade, como injustificada indulgência.»
Termina defendendo a manutenção na íntegra do acórdão recorrido.
Nesta Relação, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta acompanha a resposta do Ministério Público na 1.ª instância, acrescentando:
- nem na motivação nem nas conclusões os recorrentes cumpriram os ónus do art. 412.º, nºs. 3 e 4, do Código de Processo Penal, apenas discordando da valoração da prova feita pelo tribunal recorrido e, quanto às declarações de IRS, não arguiram tempestivamente qualquer irregularidade relativa à sua junção, pelo que não há fundamento para alteração da matéria de facto;
- estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual os arguidos foram condenados, havendo apenas de corrigir o lapso de escrita no dispositivo, na parte em que não refere o n.º 2 do art. 282.º do Código Penal;
- não estão reunidos os pressupostos de aplicação da atenuação especial da pena do recorrente, nada havendo a censurar às penas fixadas em 1.ª instância; e
- deverá manter-se, como condição da suspensão da pena de prisão fixada ao arguido, a obrigação de pagamento aplicada.
Cumprido o contraditório, não houve resposta.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A. Delimitação do objecto do recurso
Nos termos do art. 412.º do Código de Processo Penal[3], e face às conclusões do recurso, são sete as questões a resolver:
- erro de julgamento (conclusões 2.ª e 3.ª);
- nulidade da junção aos autos, e respectiva valoração, das declarações de IRC da arguida (conclusões 4.ª a 8.ª);
- necessidade de aditamento aos factos provados 57 a 61 (conclusão 9.ª);
- imputação dos crimes aos arguidos a título de negligência (conclusão 11.ª);
- atenuação especial da pena aplicada ao arguido (conclusões 13.ª a 17.ª) ou sua diminuição (conclusões 18.ª a 20.ª), bem como a da arguida (conclusões 21.ª a 24.ª);
- revogação da condição de pagamento aos demandantes civis como condição de suspensão da execução da pena do arguido (conclusões 25.ª a 29.ª);
- alteração dos valores das compensações fixadas aos três demandantes a título de danos não patrimoniais (conclusões 30.ª e 31.ª).
B. Acórdão recorrido
1. Factos provados
«Da acusação pública 1) A sociedade arguida “EMP01..., Unipessoal Lda.” é uma sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ..., em ..., constituída em 04.02.2011, com o objeto social de produção, promoção e comércio por grosso e a retalho de produtos tradicionais e regionais, designadamente agrícolas, agroalimentares e de artesanato, hotelaria, restauração e serviços de âmbito de cariz regional, incluindo turismo rural; comércio e serviços conexos com a proteção, valorização e promoção de património gastronómico, ambiental e sociocultural da região de .... 2) O arguido AA desempenhou e assumiu as funções de gerente da referida sociedade arguida pelo menos desde ../../2012, e assim à data dos factos infra, e de sócio-gerente desde ../../2015, sendo desde a sua constituição responsável, além do mais, pelo cumprimento das obrigações da referida sociedade e pela sua representação perante terceiros e o Estado Português e, ainda, por tudo o que dissesse respeito ao exercício da sua atividade comercial. 3) No exercício das funções referidas em 2. o arguido AA, desde a constituição da sociedade arguida e à data dos factos infra, era responsável por todo o processo de produção de fumeiro na sociedade arguida, designadamente aquisição e transporte de matérias primas, fabricação do fumeiro, bem como respetivo embalamento e posterior transporte, acondicionamento e exposição para venda, cabendo ao mesmo a adoção e implementação de um manual de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (doravante HACCP), para cumprimento dos procedimentos baseados nos princípios de HACCP. 4) No exercício da sua atividade, a sociedade arguida tinha, à data dos factos infra descritos, um armazém sito na sua sede referida em 1., uma unidade de fabrico, sita na antiga escola primária de ..., em ..., e um restaurante denominado “EMP03...”, sito na Rua ..., ..., em .... 5) O arguido AA praticou os factos infra descritos sempre por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida. 6) Em data não concretamente apurada, mas situada no primeiro semestre do ano de 2015, o arguido AA ordenou e diligenciou pela compra das matérias primas necessárias à produção de das alheiras, entre as quais a aquisição da carne de porco, transportando-a, ou determinando o seu transporte, para a unidade de fabrico referida em 4. 7) Em data não concretamente apurada, mas situada no primeiro semestre do ano de 2015, o arguido AA ordenou às funcionárias II e JJ que procedessem à produção de um fumeiro parcial na unidade de fabrico referida em 4. 8) As referidas funcionárias obedeceram àquela instrução, tendo produzido um número não concretamente apurado de chouriças e alheiras. 9) Para a produção das alheiras mencionadas, de acordo com as instruções dadas pelo arguido AA, as funcionárias II e JJ colocaram água a ferver numa panela, juntamente com carne de porco e sal durante seis horas; entretanto, colocaram pão fatiado, alho triturado, pimentão e azeite num alguidar, misturando, aí, esses ingredientes; após retiraram a carne da cozedura, cortaram-na e misturaram-na com o resto dos ingredientes, juntando, ainda, a água da cozedura da carne até se obter a consistência desejada; depois, lavaram as tripas secas e colocaram a massa das alheiras nas tripas com recurso à máquina de encher a tripa, acabando por as atar nas pontas usando um fio de algodão; por último, as alheiras foram lavadas por fora e colocadas pelo arguido AA, ou alguém a seu mando, nas varas de secagem do fumeiro por período não concretamente apurado compreendido entre 6 (seis) a 8 (oito) dias. 10) Posteriormente, as mencionadas alheiras foram embaladas a vácuo na mesma unidade de fabrico pelo arguido ou pela funcionária EE, a seu mando e de acordo com as instruções dadas pelo mesmo e transportadas em veículo não refrigerado pelo arguido AA, ou alguém a seu mando, e de acordo com as instruções dadas pelo mesmo. 11) As alheiras foram produzidas sem a adição de nitritos e nitratos. 12) A mencionada unidade de produção, em junho de 2015, encontrava-se a laborar conforme determinado pelo arguido AA: a- Sem a implementação de um manual de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP) i. Sem que se encontrasse estabelecido um plano de manutenção de estruturas e equipamento; ii. Sem a realização de controlo de fornecedores; iii. Sem a implementação de um plano de controlo de pragas; iv. Sem que se encontrasse definido um plano de higienização, nem se encontrassem disponíveis as indicações de limpeza e desinfeção obrigatórias, em cada zona de trabalho; v. Sem que fossem realizadas, nem se encontrassem planeadas, análises à qualidade da água, nem existam registos de boletins de análises realizadas pela entidade fornecedora; vi. Sem que fosse ministrada a formação profissional necessária aos funcionários, nem existisse plano de formação; vii. Sem que se encontrasse assegurada a rastreabilidade das matérias-primas e do produto final; viii. Sem que se encontrassem estabelecidos os procedimentos de retirada dos produtos do mercado; ix. Sem que os instrumentos de medida utilizados se encontrassem calibrados, com a respetiva documentação comprovativa; x. Sem que se encontrasse definida uma equipa de HACCP nem o âmbito e politicas da empresa; xi. Sem que os produtos estivessem definidos com rigor, sendo as características descritas com recurso a generalizações; xii. Sem que existissem fluxogramas para o chouriço de pão/azedos, chouriço doce/mel e presunto; xiii. Sem que os fluxogramas fossem confirmados no local; xiv. Sem que se encontrassem definidos todos os processos e operações a realizar; xv. Sem que existissem fichas técnicas para os produtos produzidos; xvi. Sem que se encontrassem definidas medidas de controlo mensuráveis para controlo dos perigos; xvii. Sem um sistema de documentação e registo claro das atividades realizadas e que permita validar o sistema; xviii. Sem o preenchimento de tabelas para registo da higienização, controlo de temperaturas, identificação de fornecedores, controlo de receção de matérias primas e manutenção de equipamentos. b- Com fissuras e pequenos buracos no pavimento, em toda a unidade, permitindo a acumulação de detritos e bolores, apresentando-se, também a 12.06.2015, muito suja; c- No posto de venda, com a proteção da lâmpada do teto enferrujada e com a tela do insetocaçador suja; d- Com as portas do posto de entrada e da zona de fumagem, ambas de acesso ao exterior, a alguns centímetros do pavimento, permitindo a entrada de animais indesejáveis na sua parte inferior; e- Sem contentor de resíduos na cozinha e junto ao lava-mãos na zona do duche; f- Sem que a zona de armazenamento de detergentes e utensílios de limpeza estivesse identificada; g- Na zona de fumagem tradicional, sem rede protetora na chaminé e com uma porta em rede numa das paredes laterais, permitindo a entrada de pragas e contaminantes ambientais; h- Sem que estivessem instituídos os procedimentos adequados para controlo de pragas (o que deveria incluir planta de colocação de iscos, fichas técnicas/segurança dos produtos utilizados e relatórios das visitas); i- Sem rastreabilidade e identificação das matérias-primas e do produto final, não existindo fichas técnicas de produção ou qualquer outro registo quer das matérias primas, quer do produto final; j- Sem qualquer referência que permita identificar os lotes dos produtos fabricados e das matérias-primas; k- Apresentando um número de controlo veterinário na marca de identificação (...) que não correspondia ao atribuído à sociedade arguida pela autoridade competente; l- Sem que fossem realizadas análises destinadas a detetar a presença de agentes zoonóticos; m- Sem que se encontrasse definido qualquer plano de recolha, manuseamento, classificação, identificação, armazenagem, transporte e destino dos subprodutos, bem como de registo das quantidades dos mesmos que eram produzidas; n- Sem que fossem colhidas amostras das zonas de processamento e do equipamento utilizado na produção de alimentos; o- Sem que fossem efetuadas análises para pesquisa de L. monocytogenes nos produtos prontos para consumo, suscetíveis de permitir, ou não, o seu crescimento; p- Sem que fossem efetuadas análises para pesquisa de Salmonella nos produtos à base de carne em 25g destinados a serem consumidos crus, excluindo aqueles em que o processo de fabrico ou a composição do próprio produto eliminam o risco relativo à Salmonella, tendo em conta o n=5 com c=0; q- Em incumprimento com os procedimentos relativos à rotulagem dos produtos finais, designadamente: i. Por a referência à durabilidade mínima do produto não ser feita usando as expressões previstas “consumir de preferência antes de” e “consumir de preferência antes do fim de”, conforme a durabilidade fosse inferior ou superior a três meses; ii. Sem indicação da morada do produtor, das condições especiais de conservação, do modo de emprego; iii. Sem indicação do lote do produto, com uma aplicação que permita identificar o lote a que pertence o género alimentício pré-embalado, precedida da letra ..., salvo no caso em que se distinga claramente das outras menções da rotulagem; iv. Sem que a lista de ingredientes se encontrasse precedida de um cabeçalho adequado constituído ou que inclua o termo “ingredientes”, ou que o inclua; v. Sem que no rótulo relativo ao produto chouriço doce/mel se encontrasse indicado o ingrediente noz; vi. Sem indicação dos alergénicos (designadamente do trigo no pão de trigo utilizado na alheia); 13) A aquisição das matérias primas e a produção e o acondicionamento das alheiras sem que estivesse implementado o sistema de rastreabilidade de produtos, bem como os procedimentos do sistema de HACCP necessários para que se encontrassem asseguradas as condições higiénico-sanitárias necessárias para esse efeito, determinou a contaminação das alheiras por microrganismos da bactéria clostridium botulinum e, consequente, produção da toxina botulínica. 14) A produção e acondicionamento, das alheiras sem que estivessem assegurados o tratamento térmico e a utilização de temperaturas de refrigeração adequados, bem como a permanência em ambiente caracterizado por adequada percentagem de oxigénio capazes de inibir a multiplicação da bactéria clostridium botulinum, determinaram o seu desenvolvimento e multiplicação e, consequente, produção da toxina botulínica. 15) Tal contaminação teve origem num dos fatores de produção, transporte e acondicionamento – designadamente matérias primas, em condimentos utilizados, no contacto com superfícies mal higienizadas, na aquisição e transporte das matérias primas, na produção e no embalamento e acondicionamento das alheiras – ou numa combinação de todos ou parte destes, sendo que todos eles estavam sob a direção e controlo do arguido AA. 16) A unidade de fabrico localizada na antiga escola primária de ... encontrava-se licenciada/autorizada para a transformação de carnes frescas de porco EMP04... no período compreendido entre outubro e 31 de março de cada ano. 17) O armazém localizado na sede da sociedade arguida referida em 1. não se encontrava licenciado nem possuía número de controlo veterinário para o reacondicionamento e/ou embalamento de bens alimentares de origem cárnea, carecendo inclusivamente da “mera comunicação prévia” para o exercício da atividade armazenista, não reunindo as condições higiénico-sanitárias para esse efeito. 18) Na embalagem das alheiras acondicionadas a vácuo, nos termos referidos em 10, o prazo de validade de consumo aposto era de 4 (quatro) meses; 19) Na ficha técnica das alheiras produzidas na unidade de fabrico referida em 4., refere que o produto depois de produzido e acondicionado a vácuo deve ser consumido dentro de um período de 45 (quarenta e cinco) dias. 20) Pelo menos no período compreendido entre 21.08.2015 e o dia 05.09.2015, arguido AA representou como possível que as alheiras produzidas, acondicionadas e transportadas nos termos supra referidos, de denominação reservada e associada à marca comercial “...”, não estivessem em condições de serem consumidas, estando anormais e corrompidas, em virtude de se encontrarem contaminadas pela toxina botulínica, tendo permitido a sua exposição para venda pela sociedade arguida nos termos infra referidos bem como o seu consumo também nos termos infra referidos no restaurante denominado “EMP03...”, situação com qual se conformou, bem sabendo que os alimentos produzidos nas condições descritas eram suscetíveis de criar perigo para a vida e integridade física de potenciais consumidores, resultado que todavia não antecipou e com o qual se não conformou. 21) No dia 27.08.2015, na “Feira ... 2015”, sita em ..., no stand da sociedade arguida “EMP01..., Unipessoal Lda.”, destinado a promover a marca comercial “...” e a comercializar os respetivos produtos, por determinação do arguido AA, o funcionário da mencionada sociedade DD vendeu ao ofendido FF um pack de oito alheiras embaladas a vácuo, produzidas pela mencionada sociedade nas instalações da antiga escola da ... e aí embaladas nas condições supramencionadas. 22) As mencionadas alheiras, por determinação do arguido AA, encontravam-se expostas para venda em expositor não refrigerado, tendo também sido transportadas para o local em veículo não refrigerado. 23) No dia 06.09.2015, numa reunião familiar do ofendido FF, em ..., este, após ter verificado a data de validade aposta na embalagem de alheiras referidas em 21. e tendo-a como válida, grelhou três alheiras e ingeriu parte das mesmas, à semelhança de outros seus familiares. 24) Na sequência do consumo da mencionada alheira, no dia 07.09.2015, o ofendido FF sentiu náuseas, vómitos, diarreia, alterações visuais, disfagia e astenia, dificuldades de deglutinação, alterações do trânsito intestinal e dificuldade em iniciar a micção e mau estar geral, acabando por receber assistência médica e ser internado na Unidade Hospitalar ..., no dia 10.09.2015, com o diagnóstico final de butolismo no dia 18.09.2015. 25) Como consequência necessária e direta da conduta do arguido AA, o ofendido FF sofreu intoxicação alimentar por toxina botulínica em consequência da qual resultaram as seguintes lesões, que determinaram 115 (cento e quinze) dias para cura com a afetação do trabalho geral e profissional pelo mesmo período, as quais afetaram de maneira grave, a capacidade de trabalho, bem como a possibilidade de o mesmo utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem e das quais resultou perigo concreto para a vida e sofrimento particularmente doloroso para o mesmo: a. Na face: reflexo de acomodação pupilar (consensual e direto) preservado e simétrico bilateralmente, mobilização dos globos oculares preservada com diplopia no olhar inferior; b. Paresia dos III e VI pares cranianos, alterações pupilares, disfagia, disfonia, astenia e hepatomegalia esteatósica abdominal. 26) No dia 25.09.2015, na residência do ofendido FF encontrava-se uma alheira, que integrava o pack de alheiras mencionado em 21., contaminada pela toxina botulínica. 27) No dia 05.09.2015, no restaurante denominado “EMP03...”, sito na Rua ..., ..., em ..., explorado pelo arguido AA, a assistente BB ingeriu alheira que lhe foi aí servida e que havia sido produzida e embaladapela sociedade arguida nas instalações da antiga escola da ... nas condições supramencionadas. 28) A mencionada alheira foi servida à assistente pelo funcionário KK, por ordem do arguido AA. 29) Na sequência do consumo da mencionada alheira a assistente sentiu indisposição e cansaço geral e extremo, vomitou diversas vezes uma grande quantidade de líquido amarelo, sofreu retenção de líquidos, paragem do trânsito intestinal, ficou inchada e com dificuldades respiratórias, diplopia, disfagia e disfonia, acabando por receber assistência médica e ser internada no Hospital ... no dia 10.09.2015, com o diagnóstico final de butolismo, no dia 18.09.2015. 30) Como consequência necessária e direta da conduta do arguido AA, a assistente BB sofreu intoxicação alimentar por toxina botulínica em consequência da qual resultaram as seguintes lesões, que determinaram 181 (cento e oitenta e um dias) para cura com a afetação do trabalho geral e profissional de 60 (sessenta) dias, as quais afetaram de maneira grave, a capacidade de trabalho, bem como a possibilidade de a mesma utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem e das quais resultou perigo concreto para a vida e sofrimento particularmente doloroso para a mesma: a. Atingimento dos pares cranianos com diplopia, disfagia, disfonia, ptose à esquerda, dispneia, insuficiência respiratória e miastenia; b. Atingimento neurológico com miopatia de desuso, hepatita aguda, hipotensão, bexiga neurogénica, mialgia e cansaço muscular e tetraparesia de predomínio proximal. 31) No dia 24.08.2015, na “Feira ... 2015”, sita em ..., no stand da sociedade arguida “EMP01..., Unipessoal Lda.”, destinado a promover a marca ...” e a comercializar os respetivos produtos, por determinação do arguido AA, o funcionário da mencionada sociedade DD vendeu a GG uma embalagem de seis a oito alheiras embaladas a vácuo produzidas pela mencionada sociedade nas instalações da antiga escola da ... e embalada no armazém sito na sede da sociedade arguida nas condições supra mencionadas. 32) As mencionadas alheiras, por determinação do arguido AA, encontravam-se expostas para venda em expositor não refrigerado, tendo também sido transportadas para aí em veículo não refrigerado. 33) No dia 14.09.2015, num jantar de família em casa dos pais de GG, este, após ter verificado a data de validade aposta na embalagem de alheiras referidas em 35. e tendo-a como válida, grelhou as mencionadas alheiras e serviu-as ao jantar, sendo as mesmas ingeridas pelo assistente CC, seu cunhado, e outros familiares que se encontravam presentes. 34) Na sequência do consumo da mencionada alheira o assistente CC, a partir da madrugada do dia 16.09.2015, teve náuseas, vómitos, cólicas abdominais, distensão abdominal marcada, diarreia, mau estar geral, posteriormente perda de nitidez na visão, sensação de “boca seca” (xerostomia) e aparência “esbranquiçada” da língua, com dificuldade de deglutinação, acabando por receber assistência médica no dia 16.09.2015 e 21.09.2015 e ser internado no Centro Hospitalar ..., no dia ../../2015, com o diagnostico final de butolismo no dia 02.10.2015, altura em que se encontrava internado nos cuidados intermédios daquele Centro Hospitalar face ao risco de paragem respiratória por falência dos músculos associados à respiração e, consequente, morte. 35) Durante o internamento entre ../../2015 e ../../2015, o assistente CC sentiu fadiga extrema, grande instabilidade hemodinâmica, com hipotensão marcada e taquicardia, défice de produção de saliva, não apresentando reflexo de deglutinação para sólidos, sendo que oftalmologicamente os músculos ciliares encontravam-se paralisados, originando visão turva e diplopia (visão dupla), padecendo, ainda, de dispneia (falta de ar), requerendo, por isso, vigilância constante. 36) Como consequência necessária e direta da conduta do arguido AA, o assistente CC sofreu intoxicação alimentar por toxina botulínica em consequência da qual resultaram as seguintes lesões, que lhe determinaram 109 (cento e nove) dias, com afetação do trabalho geral e profissional pelo mesmo período, das quais resultou, de forma permanente, intolerância à atividade física e dificuldade em atingir e manter a ereção, bem como perigo para a vida e sofrimento particularmente doloroso e que afetaram, de maneira grave, a capacidade de trabalho, de fruição sexual e a possibilidade de o mesmo utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem: visão turva, paresias múltiplas, xerostomia, pupilas midriáticas e pouco fotorreativas, fotofobia, disfagia para sólidos, alterações do trânsito intestinal e cólicas intestinais. 37) No dia 10.09.2020, ao almoço, no restaurante denominado “EMP03...”, explorado pelo arguido AA, o ofendido CC ingeriu alheira que lhe foi aí servida e que havia sido produzida e embalada pela sociedade arguida nas instalações da antiga escola da .... 38) A mencionada alheira foi servida ao assistente por funcionário não concretamente identificado, por ordem do arguido AA, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida. 39) Na sequência do consumo da mencionada alheira, durante a noite do dia 10.09.2020, o ofendido CC começou a padecer de diarreia, problemas de deglutinação, visão turva com diplopia persistente, dores de estomago, vómitos, paralisia da acomodação visual com anisocoria/disturbo refrativo sem implante, pupila direita com baixa reatividade, hiperreflexia nos quatro membros, midríase bilateral arreativa e diplopia, fadiga muscular, acabando por receber assistência médica e ser internado no Hospital ... no dia 17.09.2015, com o diagnostico final de butolismo, no dia 22.09.2015. 40) Como consequência necessária e direta da conduta do arguido AA, o ofendido CC sofreu intoxicação alimentar por toxina botulínica em consequência da qual resultaram as seguintes lesões, que determinaram 74 (setenta e quatro) dias para cura com a afetação do trabalho geral e profissional pelo mesmo período, das quais resultou, de forma permanente, fadiga persistente e fraqueza muscular generalizada, bem como perigo para a vida e sofrimento particularmente doloroso e que afetaram, de maneira grave, a capacidade de trabalho e a possibilidade de o mesmo utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem: a. diarreia, problemas de deglutinação, visão turva com diplopia persistente, dores de estomago, vómitos, paralisia da acomodação visual com anisocoria/disturbo refrativo sem implante, pupila direita com baixa reatividade, midríase bilateral arreativa e diplopia; b. fadiga muscular e fraqueza muscular, hiperreflexia nos quatro membros, distúrbios de defecação e de micção. 41) No dia 11.09.2015 foi recolhida pela Unidade Local de Saúde do ..., no restaurante “EMP03...” uma alheira, que submetida a pesquisa de toxina botulinica, deu resultado positivo: toxina tipo B. 42) No dia 21.09.2015, foi recolhida pelos técnicos da ASAE no restaurante “EMP03...”, uma amostra de alheira e de chouriça de carne, que submetida a pesquisa de toxina botulinica, deu resultado positivo: toxina tipo B. 43) O arguido AA agiu nos sobreditos termos sempre por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, no intuito, concretizado, de confecionar, fabricar, embalar, transportar e expor para venda e vender as alheiras referidas nos termos supra referidos, que se destinavam ao consumo alheio, para serem ingeridas, tendo-as colocado no mercado nacional e procedido à sua venda direta, bem sabendo que as mesmas poderiam estar corrompidas por terem sido produzidas, acondicionadas e transportadas nos termos referidos, resultado que previu como possível e com o qual se conformou. 44) O arguido, também na qualidade de legal representante da sociedade arguida e na prossecução do seu escopo lucrativo e objeto social, conhecia todas as normas aplicáveis à produção, confeção, embalamento, acondicionamento, transporte, exposição para venda e venda, dos produtos alimentares em causa dos autos; contudo, e apesar de ser capaz da sua implementação e prever como possível que, ao não cumprir com as normas aplicáveis e com as regras de higiene e sanitárias destinadas à proteção dos consumidores, os meios de produção e de transporte usados eram aptos à contaminação e propagação de bactérias e, consequentemente, à produção de neurotoxinas que poderiam molestar o corpo, a saúde e a vida dos seus consumidores, conformou-se com tal realização. 45) Mais sabia o arguido, também por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, que o uso de rotulagem com aparência de cumprimento das normas legais aplicáveis, poderia induzir a crença nos consumidores e em particular nos ofendidos da fiabilidade da informação ali vertida, resultado que igualmente previu como possível e com o qual se conformou. 46) Ao agir do modo descrito, o arguido, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, provocou, dessa forma, a intoxicação alimentar pela toxina botulínica nos assistentes BB, CC e CC e no ofendido FF criando, dessa forma, perigo para a vida e para a integridade física dos mesmos, bem como as mencionadas ofensas ao corpo e saúde dos mesmos, causando-lhes dor, sofrimento físico e as lesões supra descritas, afetando-lhes, de maneira grave, a capacidade de trabalho, a capacidade de fruição sexual, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, provocando-lhes doença particularmente dolorosa, bem como perigo para a vida, resultado que, tendo previsto como possível todavia não antecipou e com o qual se não conformou. 47) Assim, apesar de ter admitido como possível que da sua conduta poderiam advir para os ofendidos as lesões supra descritas, o arguido atuou, confiando que esse resultado não se verificaria. 48) O arguido AA sabia, ainda, que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Mais se apurou quanto ao arguido (factualidade alegada na Contestação) 49) Que é proveniente de uma família estruturada e de condição socioeconómica estável, no seio da qual cresceu em ambiente afetuoso, beneficiando das condições necessárias para sua socialização tivesse decorrido de forma harmoniosa e normativa. 50) Concluindo o ensino o ensino secundário, AA desde jovem revelou interesse para investir em atividades comerciais, privilegiando na última década a produção e comercialização de produtos e restauração, que nos últimos anos tem procurado focalizar-se mais em serviço gastronómico regional diferenciado. 51) Usufrui no presente de um quadro familiar estruturado e apoiante, sendo a situação económica da família observada como condicionada, mas que tem vindo a ser capaz de assegurar as necessidades prioritárias do agregado e formação universitária das filhas. 52) Comunitariamente usufrui de um modo de vida integrado e quotidianamente focalizado na gestão e exploração do restaurante na zona histórica da cidade. 53) Sendo este o primeiro confronto com o sistema da administração da justiça penal, o arguido tem vivenciado esta fase da vida com preocupação, ansiedade e expectativa, acreditando num desfecho positivo. 54) Reúne condições para a execução de uma medida na comunidade. 55) Na comunidade e atividade onde está inserido, o arguido é retratado como empresário audaz, trabalhador, empreendedor e com iniciativa. 56) Não tem antecedentes criminais registados. Apurou-se ainda quanto à arguida EMP01... LDA: 57) No ano de 2017 apresentou um total de rendimento de € 142.302,37 e um volume de negócios de € 125.318,19. 58) No ano de 2018 apresentou um total de rendimento de € 163.155,41 e um volume de negócios de €157.017,68. 59) No ano de 2019 apresentou um total de rendimento de € 249.479,15 e um volume de negócios de € 179.474,10. 60) No ano de 2020 apresentou um total de rendimento de € 226.808,11 e um volume de negócios de 142.521,72. 61) No ano de 2021 apresentou um total de rendimento de € 200.546,30 e um volume de negócios de € 166.978,29. 62) Encontra-se com atividade cessada para efeitos de IVA.
DO PEDIDO CÍVEL DA UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO ..., EPE - ULS..., EPE – 63) Em decorrência da conduta dos arguidos, foram prestados tratamentos hospitalares à assistente BB, os quais visaram a realização de exames complementares de diagnóstico e exames bem como consultas de especialidade de medicina interna, neurologia, urologia e hepatologia, no período compreendido entre 14 de outubro de 2015 e 4 de maio de 2016.
Do PEDIDO CIVEL DA ASSISTENTE BB 64) Para além de ter estado internada cerca de um mês, estando alguns dias em cuidados intensivos, a assistente ficou sem poder movimentar-se, sem força muscular, sem poder falar, afetada na sua visão, durante algum tempo com visão dupla, dificuldades e sequelas graves que se mantiveram durante mais de 6 meses e que algumas das sequelas seguem-na até hoje, como é o caso da visão e a sua força que na totalidade não recuperou. 65) A ofendida passou por perigo concreto para a vida, muita angústia e sofrimento muito doloroso, para a mesma e seus familiares nomeadamente o seu marido. 66) O que a deixou física e psicologicamente debilitada, para além dos tratamentos recebidos no Centro de Saúde e Hospitais, Centro de Saúde ..., - Unidade Local de Saúde do ... EPE – Hospital ... E.P.E. em ... e na Unidade Local de Saúde Do ... E.P.E. Hospital de .... 67) A assistente contava à data dos factos com 48 anos de idade, gozava de perfeita saúde e bem-estar, pessoa alegre e de grande lida na vida, que cuidava e estimava a sua saúde. 68) Como consequência direta, da conduta dos arguidos, teve a sua própria vida em perigo, teve internamento Hospitalar por 29 dias, alguns dos quais em cuidados intensivos, 69) A intoxicação alimentar por toxina botulínica que a ofendida BB, sofreu, levou-a a internamento por um mês, ainda afetação para o trabalho por 60 dias, e causou-lhe doença por mais de 181 dias para cura, 70) A ofendida sentiu dores, sofrimento e angústia de ver perigar a própria vida, ter ficado sem visão, sem força física e muscular e ver-se algaliada. 71) Em consequência direta e necessária do referido, a ofendida BB despendeu as seguintes quantias: - € 15,45, no dia 9-9-2015, urgência Centro de Saúde ..., Unidade Local de Saúde do ..., EPE; - € 25,43, no dia 10-9- 2015, em consulta na urgência no Hospital ...; - € 20,60 no dia 10-09-2015 no serviço de urgências no C. H ... E.P.E. - ...; - € 24,40 no dia 10-09-2015, no serviço de urgências no C. H ... E.P.E. - ... em 10 -9- 2015; - € 48,35, no dia 1-10-2015, por exames médicos efetuados na Unidade Local de Saúde do ..., Epe; - € 19,55 no dia 12-10-2015 na consulta urgente no Hospital ..., em ...; - € 5,88 no dia 13-10-2015 em consulta de oftalmologia no Hospital ..., em ...; - € 7,75 no dia 14-10-2015, em consulta efetuada na Unidade Local de Saúde do ..., Epe; - € 7,75 no dia 23-10-2015, em consulta efetuada na Unidade Local de Saúde do ..., Epe; - € 14,20 no dia 19-10-2015, em exames/ analises efetuadas na Unidade Local de Saúde do ..., Epe; - € 7,75, no dia 24-11-2015, em exames efetuados na Unidade Local de Saúde do ..., Epe; - € 13,55, no dia 08-02-2016, em exames efetuados na Unidade Local de Saúde do ..., Epe; 72) Para as consultas e exames realizados no Hospital ..., em ..., teve a ofendida de se deslocar da sua residência, sita em ..., a ..., 3 vezes; 73) ... dista de ... 75.88 km; 74) Para as consultas e exames realizados na Unidade Local de Saúde do ..., Epe, teve a ofendida de se deslocar da sua residência, sita em ... a ..., 7 vezes; 75) ... dista de ... 80.99 km; 76) A ofendida teve ainda que se deslocar ao Hospital ..., onde foi internada, sendo que ... dista de ... cerca de 125.99 Km. 77) Em todas as deslocações, a ofendida teve que ser acompanhada pelo marido, despendendo quantia concretamente não apurada nas mesmas. 78) O marido da ofendida trabalha por conta própria, no ramo do aquecimento central.
Do Pedido Cível do assistente CC 79) O Demandante trata-se de cidadão português, emigrante na ..., mais precisamente em ..., local onde reside com a sua família há cerca de 30 anos. 80) Em consequência da conduta dos arguidos, no dia 11.09.2015, o demandante o Demandado começou a sentir náuseas, crise de vómitos incessantes e dores abdominais e de estômago muito fortes, 81) No dia 12 de setembro do mesmo ano, o Demandante e a sua família regressaram à ..., suportando durante a viagem os já referidos sintomas iniciais da doença. 82) No dia 13 de setembro de 2015, o Demandante apresentava problemas de deglutição, consumada no facto de ao ingerir os alimentos estes ficarem presos na garganta, apresentando os primeiros sintomas de paralisia que, mais tarde, comprometeram a fala, a mastigação, a capacidade de engolir e os movimentos da língua. 83) Enquanto sentia os primeiros sintomas, o Demandante recorreu a vários hospitais em ... até que se descobrisse a patologia de que pudesse padecer. 84) No dia 14 de setembro de 2015, desencadearam-se sintomas neurológicos, e passou a padecer de visão turva com diplopia persistente e consultando um oftalmologista, foi-lhe diagnosticado um distúrbio refrativo. 85) Em 17 de setembro deu entrada no Hospital ... padecendo de problemas de deglutição, visão turva com diplopia persistente, dores de estomago, vómitos, paralisia da acomodação visual com anisocoria/disturbo retractivo sem implante, pupila direita com baixa reatividade, midríase bilateral reativa e diplopia. 86) A paralisia alastrou-se aos braços e depois o abdômen e membros inferiores, levando à híper-reflexia nos quatro membros, bem como a uma desconcertante fadiga muscular. Aparalisia alastrou-se aos intestinos, provocando uma hipotensão e retenção urinária, tendo havido necessidade de se recorrer a uma sonda urinária, bem como a distúrbios de defecação. 87) Foi submetido a diversos exames médicos, como: ressonância magnética cerebral, Raio-x do tórax, tomografia computorizada abdominal, videofluroscopia da deglutição, punção lombar, eletroneuromiografia, coprocultura, também conhecida como cultura microbiológica das fezes, avaliação biológica e serológica e exame de pesquisa da toxina botulínica. 88) Ainda sem os resultados dos mencionados exames, os médicos suspeitaram que o Demandante podia padecer de síndrome de guillain. 89) Acrescente-se que, apesar da paralisia, não existiu um comprometimento da sensibilidade, tendo sentido todas as dores provocadas pela doença e pelos exames a que foi submetido. 90) Durante o internamento hospitalar que perdurou entre os dias 17 e 30 de setembro de 2015, o Demandante permaneceu consciente o tempo inteiro, desprovido de visão, sem conseguir movimentar os próprios músculos, impedido de utilizar o seu corpo, linguagem e sentidos, consumido por um medo aterrorizador de perigo de vida e dores insuportáveis. 91) No dia 24 de setembro, foi realizado um exame clínico oftalmológico que mostrou estabilidade clínica e foi implementada uma dieta para evitar a desnutrição. 92) No dia 25 de setembro de 2015, o Demandante foi transferido para o departamento de neurologia. 93) No dia 30 de setembro de 2015, o Demandante recebeu alta hospitalar, mantendo acompanhamento médico. 94) No seguimento da alta hospitalar o Demandante regressou a casa, porém, ainda com limitações. 95) Além das dores físicas, o Demandante sentia-se angustiado, atormentado pelo perigo de vida que correu, foi torturado noite após noite com pesadelos revivendo tudo o que a doença lhe provocou. 96) Não conseguia aproveitar o tempo com o seu filho e, à data com a sua ainda mulher, não tinha capacidade para desempenhar as funções de pai ou marido, o que lhe provocava ansiedade, medo e pânico. 97) Sentia-se mais irritado e intolerante. 98) Para além do fim da sua relação conjugal, e em consequência do divórcio, cumpre-se um regime de visitas que só o permite ver o filho durante fins de semana interpolados com um dia durante a semana, uma das mais rígidas repercussões que a doença e a sua recuperação teve na vida do Demandante. 99) Este regime afetou, de forma grave e irremediável, a relação do Demandante com o filho, o que lhe tem causado ansiedade, angústia e tristeza. 100) Não foi apenas a vida pessoal e familiar que ficou profundamente afetada com tal doença. 101) Profissionalmente o Demandante exercia, e ainda exerce, funções na polícia judiciária de ..., pertencendo a uma brigada que se dedica à extradição de cidadãos estrangeiros, acompanhando-os, quando necessário e através dos meios necessários, aos seus países de origem. 102) Sendo um trabalho extremamente físico, o Demandante ficou totalmente incapacitado de o exercer entre o dia ../../2015 a 11 de novembro do mesmo ano. 103) Quando o Demandante regressou ao trabalho, no dia 11 de novembro de 2015, passou a exercer funções administrativas, sensivelmente por um mês, uma vez que, ainda não estaria apto a desempenhar a sua normal função. 104) A fadiga persistente, que ainda hoje sente, impediu o Demandante de desempenhar as suas normais atividades físicas, perdeu cerca de 15 quilos com a doença e nunca mais conseguiu recuperar a sua forma física. 105) Antes da doença, o demandante frequentava restaurantes com amigos e família, o que, inevitavelmente, face ao sucedido, deixou de fazer, atento ao receio que a situação se repita novamente. 106) O demandante beneficia de seguro de saúde. 107) Pelas horas que prestava em regime noturno – heures de nuit – o demandante auferia o montante de 120.80 CHF, correspondente em euros € 111,84, pagos no mês mediante seguinte à prestação do trabalho; 108) Em consequência da conduta dos arguidos, o demandante esteve impedido de prestar esse trabalho nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2015; 109) O demandante recebe uma bonificação mensal pela função de risco que exerce, a qual foi coartada nos meses de dezembro de 2015 – em 240 CHF, a que corresponde em euros o montante de € 222,21 – e em janeiro de 2016 – em 185.20 CHF, a que corresponde em euros o montante de € 171,47.
DO PEDIDO CÍVEL DO ASSISTENTE CC 110) Na madrugada do dia 15 para 16 de setembro o assistente teve sintomas de indisposição, com náuseas, cólicas abdominais e distensão abdominal marcada. 111) Ao início da manhã de dia 16, nomeadamente por volta das 07:00h, vomitou de forma abundante, e teve dejeções diarreicas, situações que se foram repetindo várias vezes ao longo de todo o dia. 112) A intensidade das cólicas abdominais aumentou com o passar das horas e, portanto, nesse mesmo dia, sentiu necessidade de se dirigir ao Hospital ..., para fazer medicação e ser examinado. 113) Tendo ficado bastante desidratado dado o acima exposto, apenas foi possível voltar ao trabalho no dia 18 de setembro, mantendo um quadro de intolerância à atividade e náuseas, sem vómitos associados. 114) No dia 19 de setembro apareceram os primeiros sintomas oftalmológicos, com perda de nitidez na visão, dia em que também se tomou mais aguda a sensação de "boca seca" (xerostomia), e aparência "esbranquiçada" da língua; com dificuldade de deglutição. 115) Embora tendo feito desde sempre um esforço de hidratação oral e com soro, facto é que após o decurso de algum tempo não apresentava sinais de melhoria, o que motivou a deslocação do ora demandante, sempre Acompanhado de sua esposa, à Urgência do Hospital ..., no dia 21 de setembro. 116) Aquando daquela deslocação ao Hospital, no dia 21 de setembro, foi-lhe diagnosticada uma possível gastroenterite com sintomas oftalmológicos, embora lhe tenha sido sugerida a possibilidade remota de Botulismo, dado que no momento, ainda não apresentava todos os sintomas típicos daquela doença. 117) Nessa mesma semana o aqui demandante praticamente não foi trabalhar uma vez que todos os sintomas se agravaram, nomeadamente, a fadiga extrema, visão perturbada, tonturas frequentes, etc... 118) No dia 27 de setembro, por recomendação médica, dirigiu-se ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., em ..., momento em que já apresentava todos os sintomas-tipo epidemiológicos de um caso de Botulismo. 119) Detetada a hipótese de Botulismo, pois apenas aí o demandante "uniu os pontos" e se lembrou do consumo de alheiras no dia exatamente anterior ao aparecimento dos primeiros sintomas, tendo transmitido aos profissionais de saúde que o acompanhavam essa circunstância, 120) Razão pela qual foram de imediato efetuadas as colheitas necessárias para a identificação da toxina associada ao Botulismo. 121) O resultado positivo das análises acima indicadas foi comunicado uma semana depois, período durante o qual o demandante se manteve internado nos Cuidados Intermédios daquele Centro Hospitalar, dado o risco de paragem respiratória por falência dos músculos associados à respiração, e consequente morte. 122) Entretanto, já o Delegado de Saúde se havia dirigido a casa dos sogros do demandante, ao qual foi entregue por aqueles o cartão que identificava o local onde foram compradas as alheiras que havia consumido. 123) Durante todo o período de internamento, o demandante esteve em estado constante de fadiga extrema, saindo apenas da cama para efetuar, com ajuda, os cuidados de higiene, sendo que o mais simples dos movimentos (por exemplo, falar, tossir...) o deixava extenuado 124) Apresentou grande instabilidade hemodinâmica, com hipotensão marcada e taquicardia, o que provocava constantes e sucessivas tonturas aquando das tentativas de se verticalizar. 125) Oftalmologicamente, os músculos ciliares encontravam-se paralisados o que originava uma visão completamente turva e diplopia (visão dupla). 126) Ainda após o diagnóstico de Botulismo, o demandante, não produzia praticamente saliva, não apresentava reflexo de deglutição para alimentos sólidos, tendo feito uma dieta totalmente líquida. 127) O facto mais alarmante foi a condição de dispneia — falta de ar — associada à deficiente ventilação das bases pulmonares, o que requeria uma vigilância constante. 128) Durante o período de internamento, o denunciante tinha apenas duas visitas por dia, de apenas 10 minutos cada uma, o que enfatizou a sua sensação de solidão. 129) Por imposição das normas do serviço onde se encontrava internado, não lhe era sequer possível usar o telefone, além de que o simples ato de falar acentuava a fadiga de que padecia. 130) Durante 5 dias não conseguiu ver ou falar com o seu filho LL, de 4 anos de idade, que é uma criança com necessidades especiais pois padece de uma doença genética rara, 131) Que ficou a cargo da mãe, esposa do demandante, que sozinha carregou o peso de um marido doente e praticamente incapacitado, das suas próprias responsabilidades profissionais e de toda a assistência que o filho requeria e solicitava constantemente, nunca deixando de fazer visitas diárias ao Centro Hospitalar onde o demandante se encontrava internado. 132) Entretanto, dado a estabilização do seu estado, o não agravamento de sintomas, e manifestação de vontade junto do Centro Hospitalar em ver o seu filho LL, o demandante, foi transferido para o internamento de Medicina, onde tinha direito a mais visitas. 133) Lentamente foi recuperando um pouco da força física, mantendo sempre a deficiente produção de saliva, causadora das dificuldades de deglutição que o obrigavam a manter uma dieta líquida e pastosa, visão turva e intolerância à luz, assim como a hipotensão marcada que lhe provocava tonturas, tendo inclusive caído no quarto devido a uma dessas tonturas com perda de consciência. 134) Porém, embora com direito a mais visitas, apenas ao fim de 16 dias de internamento, viu o filho LL. 135) Embora houvesse a possibilidade de assinar um termo de responsabilidade que permitisse ao denunciante a visita do seu filho, o mesmo foi protelado por se tratar de uma criança com alterações psicomotoras e imaturidade do sistema imunológico, o que o leva a ter infeções respiratórias frequentes. 136) Apenas quando a situação se tornou insustentável dado que o filho não dormia, solicitava constantemente a presença do pai, tendo inclusive começado a gaguejar, situação que até hoje se mantém, apenas nesse quadro, foi proporcionada a visita do LL ao Hospital. 137) Esta foi, psicologicamente, a situação mais complexa de gerir, a par com o latente sentimento de impotência perante o cansaço da sua esposa na ausência do demandante. 138) Foi acordado pela equipa técnica que poderia ter alta hospitalar no dia 16 de outubro, com o compromisso de voltar ao Centro Hospitalar se sentisse agravamento de algum sintoma. 139) Aquando da alta, mantinha praticamente todos os sintomas da doença, à exceção de revelar melhorias a nível da visão — sensibilidade à luz — bem como alguma melhoria da força física, que permitia, pelo menos, o autocuidado no domicílio. 140) Atualmente, não sente que tenha recuperado a sua forma física dado que ainda se cansa com muita facilidade ou a desempenhar pequenas tarefas domésticas além de que continua com constante sensação de secura na boca. 141) Na decorrência do sucedido, esteve o demandante sem capacidade para comparecer ao trabalho desde meados de setembro de 2015 até janeiro de 2014 altura em que regressou ao trabalho, mas com algumas limitações físicas. 142) Determinando assim para o arguido e como consequência da atuação dos arguidos, 109 (cento e nove) dias com afetação do trabalho geral e profissional pelo mesmo período. 143) O demandante era e é Chefe de Enfermagem no Hospital ..., sendo que naturalmente esta situação pôs em causa parte das suas competências e responsabilidades profissionais na gestão de uma equipa de enfermeiros e auxiliares de ação médica, a seu cargo. 144) Toda esta situação pôs em causa a própria, vida do denunciante, e resultaram para a sua saúde intolerância à atividade física e dificuldade em atingir e manter a ereção, bem como perigo para a vida e sofrimento particularmente doloroso e que afetaram, de maneira grave, a capacidade de trabalho, de fruição sexual e a possibilidade de o mesmo utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem. 145) O demandante era um jovem, praticava desporto com os amigos, gostava de passear com a esposa, com o filho, era um homem e um marido realizado, um pai dedicado e um profissional de excelência e empreendedor. 146) A atuação dos arguidos além de pôr em causa a própria vida do demandante, abalou drasticamente toda a vida do mesmo, quer familiar, quer profissional. 147) E teve consequências marcantes para o demandante, ainda hoje não totalmente ultrapassadas pois sentiu que poderia ter perdido tudo o que tinha, a saúde, a família, uma carreira, a própria vida. 148) O demandante é enfermeiro numa unidade hospitalar e a sua formação é exatamente em microbiologia, de modo que esteve sempre ciente do possível evoluir da doença, que no limite, provoca a paragem cardiorrespiratória por falência/paralisia muscular. 149) É impossível esquecer o medo de ter sido diagnosticado com uma doença rara, altamente incapacitante e potencialmente fatal, a angústia e a impotência de estar preso dentro de um corpo que não respondia à mesma velocidade que o cérebro comandava e com a incerteza da evolução da situação e do pronóstico de melhoria, a saudade de ver a família (apenas viu o filho 16 dias após o internamento), o fardo que carregou a esposa que o visitava todos os dias, não obstante ter que cuidar do seu filho e de ainda manter a sua atividade profissional para suportar todas as despesas familiares, 150) O demandante liquidou pelo episódio de urgência no dia 21/09/2015, a quantia de € 91,12. 151) E no dia 22/09/2015 a quantia de 13,44 €, 152) Durante todo o período que esteve internado, a esposa do demandante deslocou-se todos os dias ao hospital ..., em ..., desde ..., despendendo quantia concretamente não apurada nessas deslocações. 153) Entre ... e ... distam 17 km. 154) O demandante esteve internado 20 dias. 155) O demandante é Chefe de Enfermagem no Hospital ... e auferia à data dos factos a remuneração líquida de 1.553,62 € de vencimento e 137,06 de subsídio de alimentação; 156) Durante o tempo em que durou a sua baixa médica, o demandante deveria ter auferido, a título de vencimento base e subsídio de alimentação, os seguintes montantes líquidos: - no mês de outubro de 2015: 1.690,06 € (1.553,62 € + 137,06) - no mês de novembro de 2015: 1.690,06 (1.551,62 + 137,06 €) - no mês de dezembro de 2015: 1.690,06 (1.553,62 + 137,06 €) 157) Ao invés, quanto ao mês de outubro ficou com débito a devolver de 137,13, quanto ao mês de novembro com a valor a receber 543,54 e quanto ao mês de dezembro com débito a devolver de € 30,24. 158) A título de subsidio de doença e de subsidio de internamento, a Segurança Social pagou ao demandante a quantia de 4.095,75 €. 159) Naquele período, o demandante deveria ter auferido em condições normais a quantia líquida de € 5.047,35 a título de remuneração base e subsidio de alimentação, e recebeu apenas a quantia de €4.471,92. 160) Tendo um prejuízo de € 575,43. 161) Acresce que, a sua entidade patronal tem instituído com as chefias de cada departamento um prémio anual de assiduidade, a liquidar todos os anos no mês de abril e por referência ao ano anterior. 162) A título de prémio de assiduidade, o demandante auferiu as seguintes quantias: 2.300,00 relativo ao ano de 2013 pago em abril de 2014; 2.150,00 relativo ao ano de 2014 pago em abril de 2015; 1.600,00 relativo ao ano de 2016 pago em abril de 2017; 2.200,00elativo ao ano de 2017 pago em abril de 2018 e 2.400,00 relativo ao ano de 2018 pago em abril de 2019. 163) Em abril de 2016, o demandante não o recebeu, em virtude de ter estado mais de 3 meses de baixa médica devidos aos fatos relatados na douta acusação pública. 164) O prémio era variável e quase sempre superior a 2.000 €.»
2. Factos não provados
«- Da Acusação Pública a) Que o embalamento do fumeiro produzido na unidade de fabrico referida em 4. ocorria no armazém localizado na sede da sociedade arguida referida em 1. b) Que na residência do ofendido FF encontravam-se duas alheiras, que integravam o pack de alheiras mencionado em 21., contaminadas pela toxina botulínica. c) Que no dia 11.09.2015 encontrava-se uma alheira nas instalações da sede/armazém da sociedade “EMP01..., Unipessoal, Lda.” d) O arguido AA agiu nos sobreditos termos sempre por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, de forma livre, deliberada e consciente, no intuito, concretizado, de confecionar, fabricar, embalar, transportar e expôr para venda e vender as alheiras referidas nos termos supra referidos, bem sabendo que as mesmas se encontravam corrompidas por terem sido produzidas, acondicionadas e transportadas nos termos referidos, que se destinavam ao consumo alheio, para serem ingeridas, tendo-as colocado no mercado nacional e procedido à sua venda direta. e) O arguido, também na qualidade de legal representante da sociedade arguida e na prossecução do seu escopo lucrativo e objeto social, conhecia todas as normas aplicáveis àprodução, confecção, embalamento, acondicionamento, transporte, exposição para venda e venda, dos produtos alimentares em causa dos autos; contudo, apesar de ser capaz da sua implementação, o arguido determinou-se a não cumprir com as normas aplicáveis e as regras higiene-sanitárias destinadas à proteção dos consumidores, de forma a encurtar o período de produção, prolongar – falsamente – o período durante o qual tais produtos ainda podiam ser vendidos e, assim, aumentar o seu lucro económico em prejuízo da saúde pública e dos ofendidos; bem sabendo que os meios de produção e transporte usados eram aptos à contaminação propagação de bactérias e, consequentemente, toxinas que poderiam molestar o corpo, a saúde e a vida dos seus consumidores. f) Mais sabia o arguido, também por si e no interesse e na qualidade de legal representante dasua sociedade arguida, que o uso de rotulagem com aparência de cumprimento das normas legais aplicáveis, induzia a crença nos consumidores e em particular nos ofendidos da fiabilidade da informação ali vertida, sabendo que, de forma a valorizar o seu produto e assim obter lucro, falseava informação legalmente imposta que se destina, precisamente, a afiançar da regularidade de produção e fiabilidade dos produtos alimentares comercializados g) Ao agir do modo descrito, o arguido, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sua sociedade arguida, provocou, dessa forma, a intoxicação alimentar pela toxina botulínica nos assistentes BB e CC e nos ofendidos FF e CC, criando, dessa forma, perigo para a vida e para a integridade física dos mesmos, bem como as mencionadas ofensas ao corpo e saúde dos mesmos, causando-lhes dor, sofrimento físico e as lesões supra descritas, afetando-lhes, de maneira grave, a capacidade de trabalho, acapacidade de fruição sexual, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, provocando-lhes doença particularmente dolorosa, bem como perigo para a vida, resultado que representou e com o qual se conformou.
Da Contestação h) Os Arguidos são pessoas de modestas condições sociais e económicas, debatendo-se atualmente, desde o início de 2020, com graves dificuldades económicas, essencialmente provocadas pela crise económica causada pelas restrições de funcionamento dos estabelecimentos de restauração, implementadas pelas autoridades públicas, no âmbito da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica causada pelo vírus SARS-CoV-2 e pela COVID -19.
Do Pedido Cível da Assistente BB: i) Que ficou com problemas a nível muscular e de visão; j) Que, em consequências da conduta dos arguidos, despendeu em medicamentos a quantia de € 62,30; k) Que, em consequência da conduta dos arguidos, teve que adquirir uns óculos com o que despendeu a quantia de € 141,00; l) Que, em consequência da conduta dos arguidos, teve que de ter uma terceira pessoa para dela cuidar durante 6 meses, no inicio para a ajudar a levantar-se e fazer a sua higiene pessoal, para lhe dar de comer, pois perdeu a mobilidade dos braços, depois para a ajudar a recuperar mobilidade a caminhar e a pouco e pouco para ir ganhando a autonomia que perdera, pois deixou de conduzir por falta de forças e de visão, para a acompanhar aos médicos e para lhe fazer as suas lides.
Do Pedido Cível do Assistente HH m) Que foi medicado para a doença de guillain-barré; n) Que, em consequência da medicação tomada, sofreu dolorosos efeitos secundários e febres muito altas. o) Que apresentava um transtorno depressivo, padecendo de todos os sintomas típicos de uma depressão. p) Que a recuperação do botulismo é frequentemente prolongada, os sintomas neurológicos, especialmente a deglutição, persistiram durante vários meses, obrigando-o a frequentar semanalmente o hospital e a realizar periodicamente exames médicos. q) Que de acordo com estudos medicinais, a recuperação muscular ventilatória ocorre invariavelmente, mas é lenta e variável. Embora a força muscular ventilatória retorne à normalidade no prazo de um ano, a capacidade de exercício costuma manter-se reduzida. Os pacientes podem-se queixar de fadiga acentuada, fraqueza geral, boca seca e falta de ar,sintomas que podem persistir por mais de um ano, especialmente se infetados com toxina botulínica tipo B. r) Toda esta situação de desgaste físico, emocional e psicológico culminou no divórcio do Demandante.
Do Pedido Cível do Assistente CC s) Decorriam na altura projetos que deixaram de ter o seu acompanhamento.»
3. Motivação[4]
«A convicção do Coletivo de Juízes que compõem este tribunal assentou na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, atendendo-se designadamente à prova pessoal, pericial e documental produzida, tudo sob o crivo das mais elementares regras da experiência comum, razoabilidade e normalidade da vida. Considerou-se, assim, todos os elementos documentais juntos aos autos, a saber: - Auto de notícia de fls. 2 e 3, Vol. I.; - Correio eletrónico de fls. 9, 10, 12 a 14, 67 a 69, 73 a 76, 135 a 136, Vol. I., 372/379, Vol. II. e 586-587, Vol. III; - Informação policial de fls. 15, Vol. I; - Cartão de fls. 23 e 166., Vol. I; - Certidão permanente de fls. 1588 a 1592, Vol. VI (595-III/599-III e 1232/1235-V); - Documentos relativos a licenciamento de fls. 38 e 39, 102 a 104, Vol. I; - Faturas e outros documentos contabilísticos de fls. 40 a 50, 80, 81, 83 a 101, Vol. I., 246, 254, 273, 293/297, 609-III/612-III; - Termos de entrega de fls. 176 e 177, Vol. I, 269, 274; - Lista de funcionários e respetivas fichas de fls. 188 a 195, Vol. I; - Comunicação da DGAV de fls. 197 a 201, Vol. I; - Folha de suporte de fls. 64 e 445; - Documentação da DGS/ULS de fls. 529/537, Vol. III; - Documentação da DGAV de fls. 571, Vol. III; - Comunicação da DGAV de fls. 590, Vol. III; - Auto de diligências de fls. 570, Vol. III; - Documentos de fls. 583-584, Vol. III; - Correio eletrónico de fls. 647-III e 655-III/658-III; - Auto de vistoria da DGAV de 28/10/2014 de fls. 707-IV; - Ficha de agente económico de fls. 791-IV/799-IV (850-IV/858-IV); - Informação da DGAV (NCV) de fls. 846-IV; - Manual de procedimentos na gestão do NVC de fls. 887 a 891, Vol. IV; - Documentação da Europesagem de fls. 877/879-IV, 919/920-IV; - Auto de entrega de fls. 926/927. - Parecer técnico da ASAE de fls. 859 a 862, Vol. IV; - Auto de destruição de fls. 942-V; - Processo de atribuição do NCV (Número de controlo veterinário) de fls. 957/974-V. - Auto de diligência de fls. 30-31, Vol. I - Inspecção do dia 21/9/2015 Auto de diligência de fls. 37, Vol. I – Inspecção no dia 21/9/2015; - Relatório de diligência externa de fls. 82, Vol. I; - Auto de diligência de fls. 570 (Livros), Vol. III. - Auto de diligência de fls. 235, Vol. II; - Auto de apreensão (objectos/documentos) de fls. 236 a 239, Vol. II. - Relatório final da ASAE, de fls. 1182 a 1204. Volume I; Volume II, designadamente: - Relação de clientes e Feiras da EMP01... de fls. 357 a 399 - Saco e selo de amostras de fls. 400 a 401 - Reportagem fotográfica “Escola ...” de fls. 413 a 427. Volume III, designadamente: - Elementos contabilísticos da “EMP01... Lda” de fls. 428 a 678. Volume IV, designadamente: - Informação clínica de fls. 687 a 703; - Relatórios de ensaio de pesquisa de toxina butolínica em pacientes de fls. 704 a 706; - Mensagens de correio electrónico de fls. 707 a 732; - Relatórios de ensaio de pesquisa de toxina butolínica em produto de fls. 734; - Mensagens de correio electrónico de fls. 736 a 745; - Informação clínica de fls. 746 a 749; - Mensagens de correio electrónico de fls. 761 a 762; - Relatórios de ensaio de pesquisa de toxina butolínica em produto de fls. 763 a 764; - Mensagens de correio electrónico de fls. 765 a 769 - Expositores ... de fls. 771; - Informações DGV, DGS, ARS ... e ... de fls. 773 a 798; Volume V: - Reportagem fotográfica cadernos “EMP01..., LDA” de fls. 799 a 854; - Processo de contra-ordenação ...... de fls. 855 a 868; - Documentos SHST da “EMP01..., LDA” de fls. 869 a 1046. Volume VI; Volume VII, designadamente: - Processo de licenciamento Câmara ... de fls. 1365 a 1447; - Alvará Utilização n.º 46/14 de fls. 1448 a 1449; - Vinhetas, notas de remessa, pedidos de exame pericial e boletins de análise de produtos, relatórios de ensaio de fls. 1450 a 1493; - Processo de contraordenação NUI/...03/15.3EAMDL de fls. 1494 a 1498; - Processo de contraordenação NUI/...70/15.3EAMDL de fls. 1499 a 1541; - Processo de contraordenação NUI/...94/13.8EAMDL de fls. 1542 a 1551; - Processo de contraordenação ...... de fls. 1552 a 1634. Volume VIII, designadamente: - Lista verificação para estabelecimentos de géneros alimentícios de fls. 1635 a 1652; - Informação DGAV de fls. 1653 a 1679; - Parecer DSAVRN de fls. 1680 a 1738. Todos estes documentos não foram postos em causa, quer quanto à sua existência, quer quanto ao respetivo conteúdo, por qualquer dos sujeitos processuais pelo que não coloca o Tribunal dúvidas quanto àquilo que objetivamente resulta demonstrado pelos mesmos. Assim e concretamente: Para prova do facto 1 a 3 e 5 considerou-se a certidão permanente da sociedade arguida. – referência ...30 Para prova do facto 4 considerou-se todo o processo de licenciamento da atividade de fls. 1365 a 1447 e o Alvará Utilização n.º 46/14 de fls. 1448 a 1449, do volume II (Anexo i) bem como a Reportagem fotográfica “Escola ...” de fls. 413 a 427, o auto de vistoria da DGAV de 28/10/2014 de fls. 707-IV e, igualmente, o processo de atribuição do NCV (Número de controlo veterinário) de fls. 957/974-V. Para prova do facto 11 atendeu-se aos relatórios de análise química de fls. 589, 670 a 673, 677, 679, 702, 703, 705, 1023 e 1024. Para prova do facto 12 considerou-se a Comunicação da DGAV de fls. 197 a 201, constando do volume I dos autos principais e a informação da DGAV (NCV) de fls. 846-IV Para prova dos factos 13, 14 e 15 considerou-se o parecer técnico realizado pela Dra. MM, constante do anexo II. Para prova do facto 16 e 17 considerou-se todo o processo de licenciamento da atividade de fls. 1365 a 1447 e o Alvará Utilização n.º 46/14 de fls. 1448 a 1449 constante do volume II (Anexo I) e ainda a Ficha de agente económico de fls. 791 bem como a inscrição no SIPACE junta com a referência ...03. Para prova do facto do 18 e 19 considerou-se o constante do Manual do HACCP elaborado para a sociedade arguida e igualmente a informação constante das etiquetas das embalagens a vácuo apreendidas na sede da sociedade arguida – auto de apreensão de fls. 235. – Volume II e fotografias de fls. 170 e 171. Para prova dos factos 21 e 33 considerou-se a relação de clientes e Feiras da EMP01... de fls. 357 a 399 listagem dos Expositores da feira ... de fls. 771 e cópia dos cartões de apresentação “...” entregue pelo vendedor dos arguidos ao ofendido FF e cunhado do assistente GG, junto a fls. 23 e fls. 374-376 respetivamente e o parecer técnico nº351/2015 de fls. 859/862. Para prova dos factos 27 e 37 considerou-se também o parecer técnico nº351/2015 de fls. 859/862. Considerou-se, igualmente, a prova pericial junta aos autos, qual seja, - Relatório de ensaio – Análise química - Amostra ...69 - de fls. 589-III; - Relatório de ensaio – Análise química - Amostra 454526-00... - de fls. 670 a 673-III e 703-IV (1022 a 1024-V); - Relatório de ensaio – Análise química - Amostra 454518-00... - de fls. 672-III e 702IV (1022 a 1024-V); - Relatório de ensaio – Análise química - Amostra ...69 - de fls. 705-IV. Unidade Local de Saúde ... – FF – 16/9/2015: - Relatório de ensaio POSITIVO (soro) - Amostra ...58 - de fls. 17-I (72-I e 538-III); - Relatório de ensaio POSITIVO (154 g de alheira congelada) - Amostra ...79 - de fls. 78-I (539-III); - Relatório de ensaio NEGATIVA (193 g de alheira congelada) - Amostra ...80 - fls. 540-III; - Relatório de ensaio NEGATIVA (219 g de chouriça congelada) - Amostra ...81 - fls. 541-III; - Relatório de ensaio NEGATIVA (240 g de salpicão congelado) - Amostra ...82 - fls. 542-III; - Relatório de ensaio NEGATIVA (87 g de salpicão congelado) - Amostra ...83 - de fls. 543-III; - Relatório de ensaio NEGATIVA (103 g de salpicão congelado) - Amostra ...84 - fls. 544-III. - Auto de apreensão (2 alheiras – Selo ...03) de fls. 164-I a 165-I (985/993-V); Auto de diligência (Selo ...98 e ...62) de fls. 404-II. - Unidade Local de Saúde do ..., EPE – BB – 14/9/2015: - Relatório de ensaio POSITIVO (soro e fezes) - Amostra ...08 e ...10 - de fls. 70-I e 71-I. Restaurante “EMP03...” a 11/09/2015, 21/09/2015 e 11/09/2015: - Auto de colheita de amostra (Chouriça) – 0014F3202P15 – Selo ...04 - de fls. 106-I/108 e 109-I; - Requisição para análise laboratorial de fls. 110-I; - Relatório de ensaio POSITIVO (alheira) - Amostra ...24 - de fls. 25-I (77-I); - Relatório de ensaio POSITIVO (chouriça) - Amostra ...49 “0014F3202P15” - 291-II e 682-III; - Relatório de ensaio POSITIVO (chouriça) - Amostra ...50 “0014F3202P15” - de fls. 683-III; - Relatório de ensaio POSITIVO (chouriça) - Amostra ...51 “0014F3202P15” - de fls. 684-III; - Relatório de ensaio POSITIVO (chouriça) - Amostra ...53 “0014F3202P15” - de fls. 686-III. - Selos – Amostra (Alheira) 0022F3202P15 | Amostra (Alheira) 0023F3202P15 | Amostra (Alheira) 0024F3202P15 | Amostra (Alheira) 0025F3202P15 | Amostra (Alheira) 0026F3202P15 | Amostra (Alheira) 0027F3202P15 - de fls. 491/496, Vol. III. Requisição para análise laboratorial – Amostra (Alheira) 0022F3202P15 – ... (Alheira) 0023F3202P15 – ... (Alheira) 0024F3202P15 – Selo ...48 | Amostra (Alheira) 0025F3202P15 – Selo ...11 | Amostra 0026F3202P15 – Selo 0878964Amostra (Alheira) 0027F3202P15 – Selo ...35 - de fls. 491/496 e 500/507, Vol. III. Bem como os relatórios periciais de avaliação de dano corporal, relativos a todos os assistentes e ofendido, fls. 731 a 733, 1045 a 1047, 1171 a 1173 e 1338 todas do Anexo IV; de fls. 1133 a 1357 do Anexo III; de fls. 1145 a 1148, 1389 a 1392 e 1574-1575, do Anexo V e de fls. 1345 a 1371, 1434 a 1460, 1471 a 1497 do Anexo VI. E finalmente considerou-se o Parecer técnico elaborado pela Dra. MM, constante do Anexo II. (…) Para prova dos factos 24 e 25 teve-se em conta o teor dos relatórios de ensaio POSITIVO (soro) - Amostra ...58 - de fls. 17-I (72-I e 538-III) e, bem assim, o teor do relatório pericial de avaliação de dano corporal de fls. 1133 a 1357 e toda a informação e documentação clínica de fls. 18 a 20, 692 a 698 e 1325 a 1354 constante do Anexo III. Para prova do facto 26 teve-se em conta o teor do relatório de ensaio POSITIVO (154 g de alheira congelada) - Amostra ...79 - de fls. 78-I (539-III); de ensaio NEGATIVO (193 g de alheira congelada) - Amostra ...80 - fls. 540-III e de ensaio NEGATIVO (219 g de chouriça congelada) - Amostra ...81 - fls. 541-III; de ensaio NEGATIVO (240 g de salpicão congelado) - Amostra ...82 - fls. 542-III; de ensaio NEGATIVO (87 g de salpicão congelado) - Amostra ...83 - de fls. 543-III; de ensaio NEGATIVO (103 g de salpicão congelado) - Amostra ...84 - fls. 544-III e bem assim, o auto de apreensão (2 alheiras – Selo ...03) de fls. 164-I a 165-I (985/993-V) e auto de auto de diligência (Selo ...98 e ...62) de fls. 404-II. Para prova do facto 29 e 30 atendeu-se ao relatório de ensaio POSITIVO (soro e fezes) - Amostra ...08 e ...10 - de fls. 70-I e 71-I e, bem assim, ao relatório pericial de avaliação dano corporal de fls. 731 a a 733, 1045 a 1047, 1171 a 1173 e 1338 e toda a informação e documentação clínica de fls. 1250 a 1304, 1310 a 1312, 1322 a 1324 e 214 a 234 constante do Anexo IV. Para prova do facto 34, 35 e 36 teve-se em conta a informação de fls. 374-376, de fls. 478, bem como toda a informação e documentação clínica constante do Anexo V onde, também, consta o relatório pericial de avaliação de dano corporal de fls. 1145 a 1148, 1389 a 1392 e 1574-1575. Para prova do facto 39 e 40 teve-se em conta toda a informação e documentação clínica e o relatório pericial de avaliação de dano corporal de fls. 1345 a 1371, 1434 a 1460, 1471 a 1497 constante do Anexo VI. Para prova do facto 41 atendeu-se ao relatório de ensaio POSITIVO (alheira) - Amostra ...24 - de fls. 25 e 77. Para prova do facto 42 atendeu aos relatórios de análises efetuadas à chouriça de carnes, constantes de fls. 106-109, 291, 682, 683, 684 e 686. Para prova dos factos 17, 18, 24, 26, 32, 36, 38 e 45 teve-se ainda, e também, em consideração Parecer técnico elaborado pela Dra. MM. Para prova dos factos 57 a 63 atendeu-se aos documentos juntos com as referências ...51 e ...43. De outro passo, para prova do facto 63 considerou-se o documento junto a fls. 1719 dos autos principais. Para prova do facto 71 considerou-se os documentos juntos a fls. 1676 a 1679, 1684 a 1690 e 1693 a 1699 dos autos principais Para prova dos factos 72 a 76 e 152 e 153 consultou-se o site .../ do qual consta distância entre as localidades mencionadas. Para prova do facto 107 a 109 considerou-se os documentos juntos a fls. 1789 a 1825 dos autos principais. Para prova do facto 150 e 151 atendeu-se ao teor dos documentos de fls. 1860 e 1860 verso dos autos principais. Para prova dos factos 155 e 156 atendeu-se ao teor dos documentos de fls. 1861 a 1862 verso dos autos principais. Para prova do facto 157 considerou-se o documento de fls. 1882 a 1885 dos autos principais. Para prova do facto 158 atendeu-se ao documento de fls. 1894 dos autos principais. Para prova dos factos 162 a 164 considerou-se os documentos de fls. 1889 a 1893 dos autos principais. No mais, concretamente quanto aos factos provados 6 a 11, 22, 23, 27, 28, 31, 32, 37 e 38 atendeu-se ao conjunto de depoimentos pessoais prestados em sede de audiência final. Concretamente, O arguido, no exercício de um direito constitucionalmente garantido, não prestou declarações no início da audiência, exceto quanto à sua identificação, relegando tal faculdade para o final da produção de prova, tendo, igualmente declarado ser o gerente e legal representante da sociedade EMP01..., UNIPESSOAL LDA. Por sua vez, o ofendido FF e os assistentes BB, CC e CC, prestaram declarações, as quais se apresentaram serenas, escorreitas, objetivas e claras, tendo cada um descrito de forma circunstanciada e pormenorizada o contexto que precedeu e sucedeu o consumo dos produtos de fumeiro – concretamente as alheiras - e, bem assim, os sintomas após sentidos, bem como o estado de doença que experimentaram, os períodos de internamento, exames médicos e as lesões e sequelas que daí decorreram. Tais depoimentos, claros, precisos, ajuizados, circunstanciados e, no essencial, coincidentes entre si, narrando cada um a sucessão e sequência de acontecimentos e consequências com um pormenor e uma cadência típicos de quem diz a verdade, ainda que com algumas incongruências ( o que quanto a nós se julga verificado quer face ao estado de doença que cada um deles vivenciou quer ainda ao tempo entretanto decorrido) desprovidos de qualquer sentimento de rancor ou raiva para com o arguido, contribuíram para a formação da convicção do Tribunal, quer quanto ao às circunstancias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos quer igualmente quanto aos factos descritos, por cada um no pedido cível, nos termos que se deixaram exarados na matéria julgada provada, sendo que os diferentes depoimentos não refletiram qualquer interesse em prejudicar o arguido, em benefício da versão de cada um. - factos provados 21, 23, 26, 27, 28, 33, 37, 38 e 64 a 164. Da conjugação da referida prova, com a já mencionada prova documental e também pericial, aliada, ainda e também, aos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento – NN e OO, técnicos da DGAV-Norte;- PP, QQ e de RR, respetivamente técnica de saúde ambiental, a prestar serviço na Unidade de Saúde ..., engenheira civil da Câmara Municipal ... e médica veterinária a exercer funções na Câmara Municipal ..., técnicas que intervieram, e elaboraram, o auto de vistoria realizado à unidade fabril identificada na acusação; - SS, médico veterinário que prestava serviço na Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária da Região Norte, que interveio e elaborou o auto de vistoria da DGAV de fls. 707 – IV e TT, Inspetor da ASAE, que elaborou o relatório final que consta de fls. 1182 a 1204, - os quais confirmaram as diligências em que tiveram intervenção bem como os autos que, em sequência, elaboraram, permitiram ao Tribunal ter uma noção cristalina da atividade que os arguidos pretendiam desenvolver na escola primária da .... - factos provados 1 a 5 e 16 e 17 Destes elementos probatórios, retirou também o Tribunal as características e particularidades das instalações e condições da escola primária da ... quando iniciaram a atividade, o necessário para laborar em conformidade e ainda as diferentes inspeções de que os arguidos foram alvo, as incidências detetadas e as comunicações arguidos. – factos provados 12 Prestaram também depoimento UU, VV e WW - respetivamente médico da Unidade de Saúde Pública do agrupamento dos Centros de Saúde de ..., à data dos factos, na USP de ..., delegado de saúde coordenador da ULS... - ... e médica a prestar serviço na Unidade de Saúde ... – que explicaram os procedimentos quando surge um caso de saúde pública e os inquéritos epidemiológicos a realizar. Concretamente a testemunha UU colheu amostras de alheira e chouriça no restaurante e sede da sociedade arguida, que posteriormente enviou para análise e que deu positivo para toxina botulinica tipo B. Esta testemunha esteve também presente na inspeção realizada ao restaurante, à sede da sociedade arguida e à empresa EMP04..., tendo constatado também a forma de embalamento utilizada por esta empresa, e designadamente que essa forma de acondicionar não correspondia com a forma como estava acondicionado o pack de alheiras de onde o arguido retirou a amostra que entregou para análise. – factos provados 17, 26, 41 e 42 Apurou-se também o resultado dos exames efetuados aos produtos apreendidos aos arguidos – alheira e chouriça - e igualmente as substâncias utilizadas na sua confeção. – factos provados 11, 26, 41 e 42 Apurou-se, por fim, e em relação a cada um dos assistentes, e ofendido, o diagnóstico de intoxicação alimentar, por toxina botulínica tipo B e os sintomas e efeitos no corpo e saúde por estes experimentados. – factos provados 24 e 25, 29 e 30, 34 e 35 e 39 e 40. Todas estas testemunhas prestaram depoimentos claros, objetivos, isentos e pormenorizados, justificando cada um, e validamente, a sua razão de ciência, face designadamente aos conhecimentos técnicos de cada um e à factualidade a que depuseram, sendo que, e ademais, das suas declarações não sobressaiu qualquer comprometimento com o processo, com os assistentes ou com os arguidos, pelo que deles se serviu o Tribunal para formar a sua convicção quanto à factualidade acima referida. Por outro lado, os referidos elementos de prova conjugados ainda, e criticamente, com o parecer constante do anexo II, elaborado pela perita Dra. MM, que prestou declarações em audiência de julgamento, permitiram também ao Tribunal estabelecer uma relação de causalidade entre as alheiras produzidas e vendidas pelos arguidos, na feira ... e no restaurante “EMP03...”, em agosto e setembro de 2015, as alheiras que foram consumidas por cada um dos assistentes e a doença diagnosticada a cada um – Botulimo Alimentar causado pela intoxicação alimentar pela toxina botulinica – toxina tipo B - contaminação pela bactéria Clostridium Botulinum. – facto 26, 30, 36 e 40. Considerou ainda o Tribunal o depoimento das testemunhas II e JJ, colaboradoras dos arguidos e XX, EE e DD, a primeira, técnica de HACCP na empresa EMP02..., os segundos respetivamente com funções de administrativa e responsável pela qualidade, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação. Destes depoimentos, que de alguma forma se revelaram comprometidos com a desculpação ou eventual desresponsabilização dos arguidos nos factos submetidos a juízo, colheu o Tribunal o processo de fabrico do fumeiro, na unidade fabril dos arguidos, concretamente das alheiras, desde que recebiam a carne até que o fumeiro se encontrava seco e pronto para embalar. Explicaram também, aquelas colaboradoras como, quem e em que condições se adquiria a matéria prima – a carne – para produção do fumeiro, quem a recebia, quem determinava a forma de produzir, e que substancias utilizar, como conservar e embalar o fumeiro e respetiva etiquetagem bem como o destino dado à produção e respetivo transporte. Esclareceram, também, quais os procedimentos adotados com a limpeza do estabelecimento e quando e quem a fazia. Esclareceram ainda que não se efetuava qualquer análise laboratorial, quer às matérias primas recebidas, quer ao produto final. – factos provados 6 a 11 e 18 e 19 De igual forma, se convenceu o Tribunal que a produção, aqui se englobando, também, o embalamento e transporte, decorreu nos espaços, termos e condições determinados pelo arguido AA e sempre na escola primária, e que tal produção se destinava à preparação e venda sob a marca ...” no restaurante do arguido AA – a EMP03... – e igualmente em feiras nacionais e internacionais de produtos da especialidade, em que participavam, bem como as condições em que as mesmas decorriam ou como transportavam os produtos. – factos provados 2, 3 e 5, 22 e 32 Por fim, colheu ainda o Tribunal a forma como funcionava a empresa do arguido AA bem como o que cabia a cada funcionário em termos de distribuição de funções e tarefas. – factos provados 1 a 5 De outro passo, quanto ao funcionamento do restaurante e dos produtos aí cozinhados e vendidos, considerou o tribunal os depoimentos das testemunhas KK e YY, que ali laboraram à data dos factos como empregados de mesa, os quais nada acrescentando quanto aos concretos factos em apreciação, referiram, contudo, terem noção do restaurante servir fumeiro caseiro, desconhecendo, contudo, a unidade de fabrico da ... e ZZ, à data dos factos ajudante de cozinha, que referiu que quem tratava das compras era o Chef AA, mas que serviam alheira e fumeiro da marca ...” e que as mesmas vinham embaladas a vácuo e que as guardavam no frio. – factos provados 27 e 28, 37 e 38 Por outro lado, ponderou-se o depoimento das testemunhas AAA, BBB e CCC, respetivamente empregada de escritório e vendedores da empresa EMP05... Lda., fornecedora de produtos alimentares aos arguidos, que confirmaram que era o arguido quem recolhia os produtos que ali adquiria e os transportava. Foi ainda inquirida a testemunha DDD, o qual referiu ter frequentado a feira ... em 2015, onde adquiriu alheiras num stand do arguido, das quais veio a reclamar por não lhe ter agradado o sabor, tendo-lhe sido dito para deitar aquelas ao lixo, não tendo, contudo, revelado qualquer conhecimento com pertinência sobre os factos trazidos a juízo. De outro passo, e no final da produção de prova, o arguido prestou declarações apresentando a sua versão dos factos, indo ao encontro das declarações já prestadas em sede de interrogatório de arguido. – fls. 452-461 Pois bem, Pese embora, o arguido AA, na versão que relatou ao Tribunal, tenha negado que a contaminação pela neurotoxina botulínica tenha ocorrido nas atividades transformadoras de carne ou embalamento, transporte e venda, desenvolvidas pelos arguidos, ou com a suacomplacência e conhecimento, admitiu, no mais, todo o contexto e circunstancialismo narrado na acusação, designadamente o objeto social e atividade levadas a efeito e prosseguidas pelos arguidos, bem como as demais funções por si exercidas e as atribuídas a funcionários e colaboradores, concretamente na sociedade, na escola primária da ... e no restaurante “EMP03...”; a forma de laboração na escola ... e as colaboradoras escolhidas para o efeito; que era o próprio quem escolhia e contactava fornecedores de matéria prima, quem os recebia, quem orientava a maneira de produzir o fumeiro e as substâncias a adicionar; quem atribuía o prazo de validade, embalava, etiquetava e transportava o fumeiro produzido, para o armazém, restaurante e feiras. Mais esclareceu que estavam em implementação os princípios de “HACCP”, matéria que estava a cargo do DD. De igual forma, admitiu que no restaurante, o fumeiro vendido era maioritariamente da produção da ..., todavia, como não produzia o suficiente para as vendas tinha sempre necessidade de comprar, o que fazia, à data, à empresa EMP04.... Explicou também que foi o grande dinamizador da marca ...”, sobre a qual vendia diversos produtos da região, entre os quais, as alheiras, e todo o tipo de fumeiro, produzida na escola ... e de outros produtores, que depois vendia sob esta marca ... - que designava de marca chapéu. Quanto à escola ..., confirmou que iniciou, no final de 2014 o processo de licenciamento para transformação de carnes para participação na feira de fumeiro de ..., que ocorreu no mês de fevereiro de 2015; que, foi vistoriado, pela equipa de técnicos do Município, em outubro de 2014, tendo sido detetadas deficiências – constantes do auto de vistoria mas não impeditivas de produzir, tendo a produção iniciado em janeiro de 2015, tendo então seguido as normas da feira de fumeiro de ..., tendo os responsáveis por esta feira visitado a produção e as instalações durante a produção; que para essa produção, e outras, comprou carne a produtores certificados, pela feira de ...; que contratou uma empresa para implementar um plano de HACCP, para o que existia um manual na unidade de fabrico e igualmente uma ficha técnica para cada produto; que nunca fez análises quer às matérias primas recebidas, quer ao produto final mas que se estava a estudar um protocolo com o IPB; confirmando igualmente, e por fim, todas as vistorias e inspeções de que foram alvo e incidências posteriores daí decorrentes. Aqui chegados, e sendo indesmentível que o ofendido e os assistentes foram vítimas de uma intoxicação alimentar, causada pela toxina botulinica (produzida pela bactéria clostridium botulinium), com as consequências plasmadas nos factos provados, em consequência da ingestão de alheiras, resta apurar se os factos julgados provados consentem a conclusão de que as ditas alheiras, ingeridas pelo ofendido e assistentes, eram da marca ...”, o que, de resto, o arguido não nega e, sendo, se foram produzidas pelos arguidos na unidade de fabrico sita na escola primária da .... E, julgamos nós, que, de tudo quanto se apurou, outra não pode ser a conclusão. Desde logo, é o próprio arguido quem reconhece que é o detentor e dinamizador da marca ...”, sobre a qual vendia diversos produtos regionais, entre os quais fumeiro, e concretamente, alheiras, de fabrico próprio, na ..., e de outros produtores. Reconheceu também que servia esses produtos no restaurante e os vendia nas feiras em que participava. Por outro lado, do ponto de vista dos ofendidos, estamos em presença de 4 pessoas – 1 ofendido e 4 assistentes – totalmente estranhos entre si, residentes em localidades diferentes e que nunca se tinham cruzado, sendo que, no concreto período temporal descrito na acusação - entre1.08.2015 e o dia 05.09.2015 – o único “contacto” em comum que tiveram, resultante, dos inquéritos epidemiológicos, constantes dos autos, foi a ingestão de alheiras. Relativamente ao ofendido FF e ao assistente CC foram recolhidos pelos Técnicos de Saúde Pública, que fizeram os referidos inquéritos cópias dos cartões de apresentação, entregues pelo vendedor do stand da feira ..., onde, de acordo com os familiares dos próprios, haviam adquirido as alheiras. – v. fls. fls. 23 e fls. 374-376 Por outro lado, quanto à ofendida BB e HH, fizeram, ambos, refeições no restaurante do arguido, de cuja refeição fez parte alheira. Foi, igualmente, confirmado pelo empregado de mesa que o restaurante era conhecido pelos produtos caseiros e pelo ajudante de cozinha que serviam produtos da marca .... Concluiu-se, assim, que as alheiras, ingeridas pelos quatro ofendidos, consumida, por uns no restaurante e adquirida por outros na feira ..., e cujo consumo lhes causou uma intoxicação alimentar, causada pela bactéria clostridium botulinium, eram da marca ..., detida, dinamizada e vendida pelos arguidos. Resta, pois, agora, apurar, se, e de igual forma, os factos consignados como provado consentes a conclusão de que as alheiras, consumidas pelos ofendidos, das quais resultou a intoxicação alimentar causada pela bactéria clostridium botulinium, foram produzidas pelos arguidos na unidade de fabrico sita na escola primária da ... nas condições apuradas nos factos provados. E assim porque, e apesar de o arguido ter tentado sempre trazer para a discussão, a empresa EMP04... como sua principal fornecedora de fumeiro e, nessa medida, lançar a dúvida sobre qual a verdadeira origem – produção/fabrico - das alheiras ingeridas pelos ofendidos, e fonte do surto de botulismo - uma vez que, na sua tese, não produzia fumeiro em quantidade suficiente e vendia fumeiro de outros produtores sob a marca chapéu “...” - tal versão, não só não colheu respaldo em qualquer outro meio probatório, vindo de enunciar, como também, e ademais, foi frontalmente contrariada pela prova que se produziu, e acima se escrutinou. Desde logo, da análise comparativa, de fls. 859/862 levada a efeito entre as alheiras da marca ... e da marca ..., resultou a conclusão de que as mesmas não só a diferença entre as mesmas é visível a olho nu, como tal diferença resulta, quer analisando o fecho utilizado, sendo aquela em agrafo metálico e esta em cordel branco, quer a forma de embalamento, sendo aquela opaca, com orifício para pendurar e selada na parte oposta ao topo e esta transparente sem orifício para pendurar e selada no mesmo topo. Por outro lado, das inspeções (e apreensões) levadas a efeito, pela equipa da Unidade de Saúde Pública (USP) de ..., que se deslocou quer ao restaurante quer à sede da sociedade arguida quer às instalações produtivas da empresa EMP04..., foi verificado que a máquina de acondicionamento/embalamento a vácuo por esta utilizada não permitia (sequer) o embalamento verificado pelos técnicos no lote de alheiras da qual foi retirada a amostra recolhida para análise na sede da sociedade arguida, como sendo parte de um lote adquirido à EMP04.... De igual forma, da inspeção por aquelas entidades às instalações da empresa EMP04... foi possível (ainda) excluir o seu processo produtivo como fonte provável de contaminação pela bactéria Clostridium Botulinium, tendo sido verificado, pelos Técnicos da USP, a implementação e execução de critérios de controlo, segurança e qualidade na produção, desde o rastreamento de matérias primas até ao embalamento do produto final. É certo que esta análise comparativa das alheiras apenas se pôde efetuar quanto ao pack de alheiras adquiridas pelo ofendido FF, na feira ..., e que, nessa medida se pode concluir não ter origem na EMP04.... De todo o modo, e pese embora não tenha sido possível comparar as demais alheiras dos packs adquiridos e ou consumidos pelos outros assistentes, não fica vedado ao Tribunal, dos elementos objetivos constantes dos autos, extrair as suas conclusões. Desde logo, porque sendo o arguido um grande dinamizador dos produtos da terra, de produção caseira e artesanal, e sendo o próprio produtor de fumeiro, com cozinha regional, é legítimo concluir que o mesmo desse preferência, nas vendas, quer no restaurante quer nas feiras, ao fumeiro, por si, produzido na .... Por outro lado, resultou da inspeção levada a efeito pela ASAE e pela USP de ..., à sede da sociedade arguida que nesse espaço se efetuava embalamento e reembalamento/reacondicionamento de produtos cárneos, em condições higiénico-sanitárias deficitárias – v. fls-.855-868 vol. V - tendo-se igualmente apurado, em sede de análise comparativa realizada às alheiras, que as alheiras da marca ... – amostras colhidas na área de serviço de ... – amostra 0027F320P15 – e amostras colhidas na casa do ofendido FF – amostra 0023F3202P15 – provavelmente teriam origem diferente. Ora, se é certo, e o arguido assim o admite, que vendia diversos produtos de fumeiro, de diferentes produtores, entre os quais alheiras, sob a marca ..., e se se apurou também que fazia, na sede da sociedade arguida, reacondicionamento de produtos de outros produtores, podemos concluir que o arguido desembalava produtos, os reembalava novamente, de tal sorte que num mesmo pack de alheiras, agora sob a marca ..., poderiam coexistir alheiras produzidas na ..., eventualmente na EMP04... e, também, em outros produtores. É certo também que, nos autos, se não logrou apurar, ao longo de todo o processo produtivo, qual foi a fonte de contaminação pela bactéria clostridium botulinium. Neste mesmo sentido concluiu a perícia realizada nos autos, a qual, e não tendo apurado a concreta fonte de contaminação, quer pela própria natureza da bactéria em questão – ubiquitária - isto é, com existência natural na natureza e até em alimentos, pôde, contudo, determinar, prováveis fontes de contaminação, concretamente no processo de transformação de carnes e, por via disso, meios preventivos para evitar a multiplicação da bactéria, a produção da toxina botulinica e a ocorrência da intoxicação botulinica.
No parecer elaborado pela Dra. MM, diz-se, e entre o mais, que: “(…) C. botulinium está largamente distribuído na natureza (…)
(…) é uma bactéria gram positiva anaeróbica obrigatória, que sob condições desfavoráveis forma esporos que têm a capacidade de sobreviver largos períodos de tempo em condições consideradas adversas (Jay, 2000). A partir do momento em que as condições se tornam favoráveis, os esporos sofrem um processo de germinação, transformam-se na forma vegetativa que se multiplica e produz neurotoxinas capazes de causar intoxicação alimentar.
Tendo como base as características deste microrganismo, destacamos como formas de prevenir a intoxicação botulinica, e particularmente o desenvolvimento da bactéria e produção da toxina botulinica:
· Primariamente, prevenir a contaminação dos alimentos, o que se consegue (ou é minimizado) através da utilização de boas práticas de higiene, boas práticas de fabrico e controlo de matérias primas, quando se trata de alimentos transformados;
· Após contaminação, a utilização de um tratamento térmico capaz de inativar esporos de Clostridium é talvez uma forma eficaz de controlo desta intoxicação. É importante referir que C botulinum do grupo I é mais resistente ao calor que o do grupo II. O tratamento térmico adotado como standard proposto por Stumbo e colaboradores (1975 citado por Peck, 2010), para inativar esporos de C. botulinum Grupo I em conservas, consiste num tratamento térmico de 121,10C durante 3 minutos. Este é, por conseguinte, um procedimento seguro no controlo de botulismo alimentar. Refira-se que um tratamento térmico é considerado seguro desde que assegure uma diminuição da população inicial de esporos equivalente a 12D (Dodds e Austin, 1997) (trabalho realizado em conservas com baixa acidez);
· A utilização de temperaturas de refrigeração capazes inibir a multiplicação e produção de neurotoxinas durante o período de conservação é uma ferramenta interessante quando lidamos com contaminações de C. botulinum do grupo l, visto que temperaturas entre 10120C, são suficientes para inibir a multiplicação deste microrganismo (Peck e Stringer,200S citado por Peck, 2010). Como já anteriormente foi referido, esta estratégia deixa de ser interessante quando se trata de uma contaminação do alimento por C. botulinum do grupo II. Foi demonstrado por autores citados por Peck (2010) não apenas a multiplicação como a produção de neurotoxinas à temperatura de 3,00C -3,30C por C. botulinum do Grupo II;
· Uma outra forma de controlo consiste em condicionar as características intrínsecas dos alimentos de forma a que estas sejam inadequadas para a multiplicação dos microrganismos e para a produção da toxina. Assim, a obtenção de alimentos com valores de atividade da água ou de pH determinados (aW inferiores a 0,94 ou pH inferiores a 4,6 unidades, Tabela 1) ou determinadas combinações destas características, podem constituir obstáculos à multiplicação e produção de neurotoxinas de C. botulinum. Na mesma linha, uma concentração superior a 10 % de em sal (NaCl) no alimento também inibe a multiplicação destes microrganismos (Tabela l);
· A utilização de nitrito e de nitrato como aditivos na indústria alimentar é uma estratégia t: adicionalmente utilizada no controlo de C. botulinum. O uso deste tipo de aditivos tem sido, contudo, sujeito a uma pressão clara no sentido da diminuição da sua utilização, devido à existência de provas de estar associado à formação de nitrosaminas, substâncias tidas como carcinogénicas. Apesar de muitos estudos (…) ainda não foi encontrada uma alternativa válida à utilização destes aditivos nos produtos cárneos. Por isso, segundo Hospital e colaboradores (2015), a adição de nitrito e nitrato, apesar da pressão e elevado nível de controlo, não deve ser negligenciada, particularmente em produtos cárneos nos quais não é possível alcançar uma combinação de características intrínsecas capazes de inibir a multiplicação de C. botulinum (Hospital et al, 2015).
· Entre outras estratégias mencionadas na bibliografia, refira-se que o fumo natural ou liquido é apontado como tendo um efeito inibitório sobre C. botulinum em trabalhos elaborados com pescado, contudo é também referido um efeito insignificante quando utilizado em carnes. A acidificação dos produtos (como o bacon) através de culturas bacterianas de interesse tecnológico (starters), assim como a presença de bacteriocinas (como a nisina) produzidas por estas, tem sido aludida como forma de diminuir a concentração de nitrito necessária para manter níveis de segurança de C. botulinum (Dodds e Austin, 1997).
A utilização destas medidas, de forma isolada ou de forma sinérgica, constitui a forma de minimizar a probabilidade de ocorrência de intoxicação alimentar botulinica.
Finalmente, como estratégias de controlo da ocorrência de intoxicação botulinica, não podemos deixar de referir:
· Tratamento térmico dos alimentos antes do seu consumo. Seja qual for o tipo de C. botulinum envolvido, as neurotoxinas botulinicas são sensíveis ao tratamento pelo calor. Segundo Jay (2000), 800C durante 10 minutos, ou um tratamento à temperatura de ebulição durante alguns minutos, é suficiente para inativar neurotoxinas existentes. O tratamento térmico dos alimentos imediatamente antes do consumo faz com que os alimentos se tornem seguros relativamente à toxina botulinica.
A título de conclusão, parece-nos importante reportar aqueles que são os fatores referidos como predisponentes à ocorrência de botulismo alimentar:
Após contaminação, são fatores que aumentam o risco de alimentos específicos estarem associados a botulismo alimentar:
- A ausência de tratamento térmico suficiente para destruir os esporos de C. botulinum;
- A utilização de baixas concentrações ou ausência de nitrito, aditivo alimentar tradicionalmente utilizado no controlo de C. botulinum.
- O acondicionamento em ambiente caracterizado por reduzida percentagem ou ausência de oxigénio, que favorece seletivamente a multiplicação de C. botulinum, assim como o armazenamento durante largos períodos de tempo a temperatura de refrigeração (refira-se que a conjugação destes dois fatores extrínsecos aos alimentos ocorre frequentemente em combinação);
- A ausência ou deficiente tratamento térmico dos alimentos antes do seu consumo, capa: de inativar toxina botulínica previamente formada.
Isoladamente ou em associação, estes fatores são determinantes na probabilidade de determinado alimento se transformar em fonte de botulismo alimentar. (…)” Pois bem, Perlustrados os autos, e tendo em conta, designadamente os meios preventivos considerados necessários, e acima transcritos, constatamos que, e contrariamente ao que o arguido pretende fazer crer, os mesmos eram inexistentes na cadeia de produção levada a cabo pelos arguidos. Com efeito, à data da inspeção da DGAVE, em junho de 2015, a unidade de fabrico não se encontrava em condições de laboração para a transformação de carnes – fls. 197 a 201, volume I dos autos principais e a informação da DGAV (NCV) de fls. 846 volume IV e tanto que em outubro de 2015, e pela inércia dos arguidos, a atividade eia ser suspensa. – fls. 1653 a 1679 vol. VIII. Por outro lado, os técnicos dos DGAVE, que inspecionaram a unidade de fabrico da ... e elaboraram o referido auto, ouvidos em audiência adiantaram que, na data da visita inspetiva – junho de 2015 – pese embora não houvesse produtos de fumeiro, havia sinais de laboração. Por outro lado, em outubro e novembro de 2014, data da primeira e segunda vistoria, efetuada pela Câmara Municipal – v. fls. 1365-1447 vol. VII - foi detetada, igualmente, a existência de inconformidades na mesma unidade de fabrico – v. auto de vistoria - pese embora, para esta edilidade, não impeditiva do inicio da laboração. De todo o modo, nada existe nos autos que permita a conclusão de que entre uma e outra data – isto é, entre outubro de 2014 e junho de 2015, e até em setembro de 2015, data da inspeção efetuada pela ASAE e USP-ULSN - v. auto de fls. 30-31 e 37 vol. I - as condições das instalações, concretamente ao nível das inconformidades assinaladas pela DGAVE em junho de 2015, na escola ... e na sede da sociedade arguida - fossem diferentes, pelo que não se pode se não concluir que produzir e/ou transformar carnes e embalar e/ou reembalar produtos cárneos, concretamente alheiras e chouriças, nestes locais, tornou-os uma fonte provável de contaminação pela bactéria clostridium botulinium, concluindo, com a Perita, que “(…) estão conjugados os requisitos que propiciam a multiplicação e por conseguinte a produção de toxinas pelo microorganismo C. Botulinium. (…) Por outro lado, e abstraindo das condições logísticas das instalações onde ocorria o processo produtivo – escola ..., - temos que o próprio processo de produção do fumeiro, acarreta em si um perigo de contaminação pela bactéria clostridium botulinium o que, também, e de per si, exige dos seus produtores cuidados acrescidos na sua manipulação. Como efeito, e como bem explicaram as colaboradoras dos arguidos- II, JJ e EE – praticamente todo o processo é feito à mão – a carte é recebida e é cortada e temperada à mão, é certo que depois é cozida e se nessa cozedura o tratamento térmico for o adequado, como resulta da perícia, os esporos de c. botulinium podem ser destruídos. Todavia, após a cozedura, as carnes são novamente desfiadas à mão e, bem assim, colocadas na tripa também de forma manual, podendo existir nova contaminação ou recontaminação. Daí a necessidade, exigência, aliás, de haver rastreabilidade às matérias primas e seguir-se todo um rigoroso plano de higiene para aniquilar possíveis formas de contaminação. Segue-se a utilização dos conservantes que, na indústria alimentar, e pese embora as suas contraindicações, são ainda uma forma eficaz de inibir a multiplicação de c. botulinium, conservantes esses que, e pese embora a recomendação da técnica de HACCP contratada pelos próprios arguidos, de forma deliberada, os arguidos não utilizaram nas suas produções. É certo que existia na empresa, e o arguido e os funcionários ouvidos o confirmaram, um manual de HACCP, com recomendações, concretamente sobre o processo produtivo da alheira e os riscos inerentes à sua produção. Todavia, não basta ter um manual de HACCP, é necessário que o mesmo seja executado, aplicado e cumprido por todos. Note-se aqui o depoimento da testemunha EEE, arrolada pelo arguido, gerente da empresa EMP06.... LDA, a quem o arguido ora compra o fumeiro que vende no restaurante, ter referido que utiliza, na sua produção de fumeiro utilizam conservantes, quer para conservarem o fumeiro, que por uma questão de segurança. Referiu também que nas matérias primas que compra que verifica a ficha técnica desses produtos e que faz análises aos produtos que produz na sua empresa e, bem assim, aos utilizados na produção. Permitimo-nos pela rigor, clareza e simplicidade de raciocínio reproduzir aqui as conclusões a que, igualmente, chegou a Perita, para responder à questão que lhe foi colocada, qual seja:
Determinar na cadeira de produção e distribuição das alheiras e chouriços apreendidos, nas quais foi detetada toxina botulinica, o momento e local onde ocorreu a contaminação bacteriana e desenvolvimento (produção) da toxina botulínica. Referiu, a este propósito, a Sra. Perita, que “(…) é importante reforçar a ideia de que esta contaminação poderá ter a sua origem em matérias-primas ou em condimentos utilizados na confeção destes produtos, no contacto com superfícies ou equipamentos mal higienizados, assim como no contacto com superfícies contaminadas no ato do acondicionamento. Também convém salientar que a partir do momento em que o produto é acondicionado a vácuo, desde que este procedimento seja corretamente efetuado, deixa de existir probabilidade de nova contaminação. Assim, a ocorrência de uma intoxicação botulinica a partir desta fase é fortemente condicionada pela existência de condições intrínsecas e extrínsecas ao alimento que propiciem a multiplicação de C. botulinum previamente existente e a produção de toxina botulinica.
Relativamente ao "modo de fabrico" das alheiras (…) Durante o processo de elaboração da massa da alheira, seja a fase de amolecimento do pão, mistura com as carnes previamente desfiadas, e inclusivamente o enchimento em tripa são outros momentos possíveis de contaminação do produto por C. botulinum. As formas de prevenir por conseguinte a contaminação deste produto consistem num escrupuloso cumprimento de um bom plano de higiene, de um código de boas práticas e ainda pelas garantias dadas pelos fornecedores de matérias prima'(o que exige uma correta seleção de entre outras coisas boletins analíticos relativos às matérias primas). Sabemos que a indústria alimentar detém ferramentas que utiliza legalmente como obstáculos ao desenvolvimento deste microrganismo, como o são alguns aditivos alimentares como o nitrito e nitrato. Em termos de modo de fabrico das alheiras produzidas pela "..." (…) não permitia a inclusão na formulação das alheiras de aditivos alimentares como o nitrito e o nitrato. Desta forma, os produtos provenientes da "EMP01..." apresentavam comparativamente com outros nos quais estes aditivos são utilizados um risco acrescido no que se refere à multiplicação de C. botulinum, assim como à produção de toxinas. Também a opção por um acondicionamento dos produtos a vácuo por um período de quatro meses apesar de existir arecomendação da manutenção da temperatura de refrigeração, constituem condicionantes extrínsecas ao alimento que favorecem a intoxicação botulinica. (…)” E assim, tudo sopesado, só nos resta concluir que carecem de consistência, as declarações do arguido, que de todo se mostram suportadas em qualquer elemento probatório, resultando, assim, e quanto a nós, manifestamente da prova que se produziu, que as alheiras ingeridas pelos ofendidos, das quais resultou a intoxicação alimentar causada pela bactéria clostridium botulinium, foram produzidas pelos arguidos na unidade de fabrico sita na escola primária da .... De outro passo, as testemunhas, FFF, GGG, HHH, III, EEE, JJJ, KKK, amigos e colegas do arguido, e nada acrescentando ou conhecendo quantos aos factos em apreciação, prestaram depoimento em abono da personalidade daquele, tendo, por isso, contribuído para a formação da convicção do Tribunal quanto aos factos que se deixaram provados em 49 a 55. Por outro lado, no que se refere ao juízo formulado acerca da factualidade atinente ao fim com que o arguido agiu, ao conhecimento e vontade com que atuou bem como quanto à consciência quanto à ilicitude da conduta levada a cabo – factos provados 20 e 43 a 48 - foi aquele extraído dos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as circunstâncias do caso e, concretamente, a conduta objetiva encetada pelo arguido, que era dono do restaurante, sócio e gerente da empresa e titular da marca em questão – ... - e que assumiu a condução e destinos de tal negócio. Na verdade, sendo o arguido o responsável quer pela empresa quer pela marca cabia-lhe, entre o mais, e desde logo, diligenciar pelo efetivo cumprimento de todas as regras e normas legais em vigor, para a proteção e segurança dos consumidores e, no limite, da saúde pública. No entanto, cremos nós que não se pode imputar a conduta acima descrita aos arguidos a título de dolo direto. No entanto, o arguido é proprietário e sócio-gerente da sociedade arguida e é ele quem comanda a atividade do restaurante e das feiras em que participa, contratando o pessoal necessário e decidindo os rumos e estratégias a adotar, cabendo-lhe zelar pela produção, armazenamento, conservação e confeção dos géneros alimentares nele existentes e pela limpeza dos utensílios e respetivas instalações. É ele, em última análise, o responsável por tudo o que acontece, já que tem na sua mão o poder e dever de controlar, vigiar e dar ordens a todos os que aí trabalham e, como tal, lhe é imputada a conduta descrita nos factos provados. Acresce que sendo, ademais, o arguido AA “Chef”, e de renome, é inegável a conclusão de que previu como possível de que, naquelas condições, produziam, eles arguidos, concretamente fumeiro, em desconformidade com as normas legais em vigor, e que, nessa medida, vendia ao público os referidos alimentos que não se encontravam em condições de consumo e utilização, com tal se conformando, não se inibindo de proceder à respetiva comercialização de forma deliberada e cientes da proibição e punibilidade da sua conduta, bem sabendo que a sua conduta era suscetível de colocar em causa a vida e a integridade física dos consumidores, como efetivamente colocou, perigo que todavia não anteciparam e com o qual se não conformaram. Por fim, quanto à condição económica e situação de vida do arguido e bem assim à sua personalidade – factos provados 49 a 55 - o tribunal teve em consideração o relatório social junto aos autos e quanto aos antecedentes criminais do arguido – facto provado 56 - valorou-se o CRC junto aos autos. – referência ...92 Quanto à situação económica da sociedade arguida valorou-se as declarações modelo 22 e de IVA juntas com as referências ...51 e ...43.
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Quanto aos factos integradores dos PIC formulados nos autos, pelos assistentes BB, CC e CC, o tribunal valorou, desde logo, as suas próprias declarações bem como a prova pelos mesmos arrolada – respetivamente LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT e UUU – e igualmente à extensa prova documental constante dos autos, de cuja conjugação pôde o Tribunal retirar a concretização , no seu dia-a-dia, de cada um dos assistentes, quer em termos pessoais, quer em termos profissionais, do resultado das lesões sofridas por cada um. – factos provados 64 a 164 Com efeito, das declarações dos assistentes, cujos depoimentos, e como acima se referiu, se mostraram escorreitos, sinceros, ajuizados e desprovidos de qualquer animosidade ou desejo de revanche para com o arguido, conjugada com a prova documental e pericial, e às referidas testemunhas, pôde o Tribunal formar a sua convicção, quanto à confirmação do diagnóstico de intoxicação de botulismo alimentar em cada um e as lesões e sequelas daí decorrentes sofridas por cada assistente, bem como as dores sofridas, a necessidade de internamento em cuidados intensivos, a incapacidade absoluta temporária, os esforços acrescidos para as mesmas tarefas, a angustia da imobilização forçada, a não obediência do corpo e perda de visão, a menorização dasfunções, e todos os incómodos sofridos. Sendo também certo que os danos invocados se mostraram proporcionais aos factos individualmente alegados e provados e são absolutamente consentâneos, razoáveis e compatíveis com as regras da experiência comum com a situação descrita nos autos. Tais elementos probatórios, valorados à luz das regras da experiência e do normal acontecer, e conjugados entre si, levam-nos a concluir, num raciocínio lógico-dedutivo, pela veracidade da versão trazida a juízo pelos assistentes, a qual, dissemos já, também não foi infirmada por qualquer elemento probatório objetivo.
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Por fim, quanto à factualidade consignada como não provada, assim resultou: Quanto à acusação pública, por ter sido feita prova do seu contrário – facto não provado elencado em a) – v. facto provado 10) ou em manifesta contradição com a mesma – facto não provado elencado em b) – v. facto provado 26) ou ainda por ter resultado prova diferente – facto não provado elencado em c) – v. factos provados 41) e 42). Quanto à Contestação e aos Pedidos Cíveis, foi assim considerada uma vez que não foi abordada nas declarações dos assistentes – factos não provados elencados em i) a m) - ou, tendo sido, não resultou de outros elementos de prova, fosse testemunhal ou documental, que permitisse concluir por valoração distinta, mostrando-se, neste particular, as declarações dos assistentes, pessoas naturalmente com interesse na causa, insuficientes para sustentar um juízo de certeza sobre os factos alegados, sendo ainda que dos demais elementos probatórios apreciados tampouco sobressai tal factualidade – factos não provados elencados em d) a h) e n) e o). Com efeito, e quanto aos primeiros - factos não provados elencados em i) a m) – e tratando-se de matéria de foro médico tal prova não se mostrou efetuada nos autos, e não ressumando de igual forma da documentação junta pelo assistente, sendo que, e quanto a esta, note-se que a mesma foi elaborada por declarações do próprio, pelo que não pôde o Tribunal concluir no mesmo sentido. No mais - factos não provados elencados em d) a h) e n) e o) – e pese embora tenham sido referidos pelas partes interessadas, tal referência, na economia dos autos, revelou-se insuficiente para a prova do facto. Desde logo, e quanto aos primeiros - factos não provados elencados em d) a h) - tal não resulta do relatório pericial, do qual, felizmente diga-se, resulta a não existência de quaisquer consequências permanentes. Por outro lado, e concretamente quanto aos montantes peticionados pela assistente quer para medicamentos quer para óculos – e exceção feita à data da sua aquisição, nada mais alegado se acha que permita estabelecer um nexo causal entre o motivo da sua aquisição a necessidade da sua aquisição e relação de causa entre uma coisa e outra. Ou seja, não basta à assistente ter adquirido medicação e óculos naquele período temporal – outubro 2015 – para sem mais se imputar tal despesa aos arguidos, necessário seria, ainda, a nosso ver, a alegação e prova de que os segundos, os arguidos, deram causa, de forma ilícita e culposa, aos primeiros. Pelo que, e assim não acontecendo, mais não resta ao Tribunal que levar tal matéria aos factos não provados. (…) Repare-se que, no caso dos autos, são três as situações, muito similares em danos e consequências, submetidas a juízo, sendo que apenas a assistente alega e peticiona, como causa do facto que imputa aos arguidos, despesas com medicação e com necessidade de óculos. Depois porque ensinam-nos as regras da lógica e da experiência comum que, a partir de uma determinada idade, comummente situada por volta dos 40 anos, todas as pessoas, saudáveis ou não, apresentarão, invariavelmente, problemas de visão e, consequente necessidade de óculos. E assim, a circunstancia de a assistente, naquele período temporal, ter despendido aquela concreta despesa, e a mesma se achar devidamente alegada e comprovada é, só por sim, quanto a nós, insuficiente para se determinar uma conexão causal que confira consistente concordância entre a factualidade demonstrada por via de prova direta – a despesa - e a factualidade que indiretamente se pretendia demonstrar – quer a medicação quer a necessidade de óculos foram consequência direta, causal e necessária da doença por clostridium botulinium. De igual forma, não pode o Tribunal dar como provado o facto elencado em n) e o). Na verdade, e sem prejuízo do carácter mais conclusivo que factual dessa concreta afirmação, o que é certo é que a circunstância de algumas testemunhas e concretamente o assistente produzir, determinadas afirmações, de teor genérico, sobre determinado facto, como foi o caso, não basta para firmar uma convicção segura do tribunal de que os factos da vida tenham ocorrido como relatados ou percecionados. De igual forma, não bastará o recurso às regras da experiência comum e da normalidade do acontecer para com base em tais alegações genéricas se concluir como pretende o assistente. E sobretudo neste caso, de intoxicação alimentar por uma toxina tao específica como o Botulismo e que afetou 4 pessoas, concretamente 3 casais de forma muito semelhante. E assim, e à míngua de outros elementos de prova, os produzidos em audiência de Julgamento não foram suficientes para convencer o Tribunal da sua ocorrência nos temos em que vinham descritos.» 4. Fundamentação de Direito
«a. Da Responsabilidade da Pessoa Coletiva Dispõe o artigo 11.º CP que “1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal.2 - As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 144.º-B, 150.º, 152.º-A, 152.º-B, 156.º, 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 177.º, 203.º a 206.º, 209.º a 223.º, 225.º, 226.º, 231.º, 232.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 359.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 377.º, quando cometidos: a) Em seu nome ou por sua conta e no seu interesse direto ou indireto por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja em seu nome ou por sua conta e no seu interesse direto ou indireto, sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. 3 - (Revogado.) 4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade, incluindo os membros não executivos do órgão de administração e os membros do órgão de fiscalização. 5 – Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas coletivas as sociedades civis e as associações de facto. 6 - A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. 7 - A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes nem depende da responsabilização destes. 8 – A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa coletiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime: a) A pessoa coletiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efetivado; e b) As pessoas coletivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão. 9 - Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa coletiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa; b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respetivo pagamento; ou c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.10 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade. 11 - Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados.” Nos autos, vem imputado aos arguidos quatro crimes de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, p. e p. pelos artigos 11.º, n.º 2, al. a), 282º, nº 1, alínea a) e b), do Código Penal, agravados pelo resultado, nos termos do disposto nos artigos 285.º e 144.º, als. b), c) e d), do mesmo diploma, assim se preenchendo a previsão constante do citado nº2. Por outro lado, deve entender-se que ocupa uma posição de liderança para efeito de imputação dos seus atos à pessoa coletiva, além dos representantes e mandatários, quem exercer o controlo da atividade da sociedade, aqui se incluindo as pessoas a quem a administração da pessoa coletiva delega funções de autoridade, conferindo-lhe poderes de domínio sobre a atividade da pessoa coletiva. Trata-se, em regra, da prática de atos dirigidos por pessoas a quem a lei ou a administração confiam a sua direção e controlo (v.g. o encarregado de uma linha de fabrico, o responsável por um estabelecimento, o revisor oficial de contas etc.). – v. Germano Marques da Silva, Responsabilidade Penal das Pessoas Coletivas, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8, Almedina, p. 70-97 - englobando mesmo, não só os representantes legais, mandatários, mas os trabalhadores ou quem de algum modo represente o ente coletivo e tenha agido no seu interesse e por sua conta. – v, Mário Pedro Meireles, A Responsabilidade Coletiva das Pessoas Coletivas ou Entidades Equiparadas, Julgar nº 5, Almedina, 2008 p. 130 A palavra gerente tem o significado comum de “aquele que gere ou administra, aquele que tem sobre si a responsabilidade da gestão ou administração, dando instruções ou mesmo executando-as, no interesse da sociedade” Por seu turno, o conceito de interesse não é pacífico, mas entendemos que o que se pretende aqui é que o ato não seja praticado em benefício do agente ou de terceiros alheios à pessoa coletiva, ou seja, que o ato seja praticado em razão da prossecução dos fins sociais da pessoa coletiva, na realização desse objeto. Manuel Lopes Rocha in “Responsabilidade penal das pessoas coletivas – novas perspetivas” (Direito Penal Económico, CEJ, 1985, p.p. 162 a 165), reconhece uma consagração do princípio da responsabilidade penal das pessoas coletivas, mas para o que não basta que o agente tenha atuado na qualidade de órgão ou representante, como não basta que tenha agido no interesse coletivo, pois que os dois requisitos são cumulativos, exigindo-se assim que o facto seja praticado por quem atua em termos de exprimir ou vincular a vontade da sociedade, procurando a satisfação de interesses, embora ilícitos, dessa sociedade. Com efeito, incumbe à administração da pessoa coletiva organizar e dirigir a actividade da empresa e, por isso, o que nela se passa é, em princípio, da responsabilidade da sua administração que deve organizar a atividade da pessoa coletiva para que os seus colaboradores não cometam crimes na prossecução do interesse coletivo, criando mecanismos de prevenção, nomeadamente através de ordens e instruções concretas sobre o modo de atuar para evitar a prática de atos ilícitos e de fiscalização de tais modos de atuação. Volvendo aos autos, resulta a existência, na empresam, e concretamente na unidade de fabrico da ..., de um Manual de Boas Práticas e Higiene Alimentar – HACCP, confirmado por todos os funcionários da empresa arguida e pelo arguido, o qual recomenda, de forme clara e pormenoriza, regras na higiene, produção e embalamento e conservação dos produtos. Porém, cremos nós, que não basta a existência de um, ainda que perfeito e completíssimo, caderno de regras e instruções a serem observados ou de um rigoroso manual de boas práticas para dar cumprimento às regras e normas de saúde e segurança alimentar e, nessa medida, exonerar a sociedade de responsabilidade pelos atos dos seus agentes, sendo, por isso, e também, estes atos imputáveis à catividade da empresa. Sabe-se que a pessoa coletiva apenas pode atuar através dos seus agentes os representantes, e apenas é responsável se estes tiverem atuado no âmbito do círculo de interesses desta. E quando se lê atos praticados “no interesse“ desta não pode interpretar-se este interesse apenas no sentido de atos que interessem à sociedade ou que forem realizados em seu proveito, mas sim como os atos integradores da esfera da sua atividade comercial normal e estatutariamente consagrada, ou seja no sentido de “atos praticados em razão da prossecução dos fins sociais da pessoa coletiva, na realização desse objeto.”, com os inerentes riscos que decorrem para a empresa que, tendo o presumível benefício da atividade, também está onerada com os respetivos riscos e encargos. É certo que estes conceitos são conclusivos mas decorre tal circunstância de se tratarem de abstrações da lei que optou por usar expressões deste teor como “em representação e no interesse de…”, circunstância que não pode beneficiar a pessoa coletiva já que sendo os atos praticados pelos seus representantes e administradores, atos que estes não praticam em seu nome próprio nem no seu interesse pessoal, mas em nome, representação e no interesse da sociedade, há que concluir que tais atos – não sendo atos próprios do gerente – são atos em nome e no interesse social, a menos como resulta da lei que se demonstre que foram praticados contra ordens e instruções expressas da sociedade, entendendo-se estas como ordens e instruções concretas e não meramente genéricas ou programáticas da sociedade. No presente caso, não existe qualquer indicação de que o gerente, o arguido AA, tenha atuado contra ordens ou indicações expressas da empresa, não bastando para tal que a empresa divulgue um manual de condutas, de âmbito genérico. O âmbito das instruções ou ordens, que se deverão ter por contrariadas, para se poder concluir pela exclusão de responsabilidade à pessoa coletiva, deverá ser o que considere tais ordens e instruções como concretas, não bastando o conceito de ordens genéricas e abstratas. Estaria facilmente encontrado um mecanismo de exclusão de tal responsabilidade sempre que uma empresa, muitas das vezes detentoras de elaborados e sofisticados dispositivos de gestão, nomeadamente ao nível da gestão de pessoal e de meios, divulgasse um caderno de condutas que previsse de forma completa e detalhada todo o funcionamento empresarial, para que, sem cuidados e sem uma responsabilidade concretizada e dirigida a cada ramo e momento da atividade, se pudesse afastar do domínio da responsabilidade de tal gestão e direção. As pessoas coletivas ou equiparadas, atenta a sua natureza, necessariamente têm de agir através dos seus órgãos ou dos seus representantes, pelo que os factos ilícitos praticados por estes, em nome e no interesse daquelas, são tratadas pelo direito como factos das mesmas, nomeadamente quando deles advenham responsabilidade criminal, contraordenacional ou civil. Por esse motivo, sendo os atos destes atos da sociedade, só uma averiguação concretizada e objetiva de cada ato do agente, devidamente orientado e fiscalizado no seu cumprimento, de acordo com o dito caderno de condutas e de boas práticas, poderá garantir que o agente está a cumprir de acordo com a vontade e ação da própria pessoa coletiva. E assim a responsabilidade penal do arguido decorre, também, da circunstância de lhe serem imputáveis os factos, já que ele agiu voluntariamente em representação da sociedade e, desse modo, devia controlar a atividade por esta exercida e atuar de modo a que a situação detetada, que dele deveria ser conhecida, não tivesse ocorrido, pois era sob a sua efetiva direcção que era explorado o estabelecimento comercial em que foram encontrados, por aí se destinarem à venda, os produtos anormais e corruptos. Na verdade, sobre o arguido AA enquanto gerente e legal representante da sociedade arguida, recaá a missão de controle sobre a receção de matéria prima, as análises a efetuar, a produção, o armazenamento, o embalamento e a conservação dos géneros alimentícios nele produzidos e existentes, bem como sobre a limpeza dos objetos e das instalações. É evidente que não lhe caberá fazer tudo, mas o certo é que nada poderá ser feito sem as suas ordens e instruções, assim como não poderá deixar de se manter atento e vigilante quanto ao processo de produção, armazenamento e conservação dos géneros alimentares bem como à limpeza dos objetos ou instalações. É que não é concebível à luz da experiência comum que um gerente vire costas ao estado e à forma como a coisas se desenrolam no estabelecimento de que é responsável. Por fim, não podemos deixar de referir que as pessoas coletivas ou equiparadas necessariamente têm de agir através dos seus órgãos ou dos seus representantes, pelo que os factos ilícitos praticados por estes, em nome e no interesse daquelas, devem ser, e são, tratados pelo direito como factos das mesmas, nomeadamente quando deles advenham responsabilidade criminal, contraordenacional ou civil·. Assim agindo, ademais, o gerente AA, no interesse da sociedade arguida, concluímos estarem reunidos os requisitos que justificam a condenação da referida sociedade pela prática do crime por que foi condenado o seu representante, nos termos prevenidos no citado artigo 11.º CP.
b. Do Tipo de Crime Aos arguidos vem imputada a prática de quatro crimes de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, p. e p. pelos artigos 11.º, n.º 2, al. a), 282º, nº 1, alínea a) e b), do Código Penal, agravados pelo resultado, nos termos do disposto nos artigos 285.º e 144.º, als. b), c) e d), do mesmo diploma. Dispõe o artigo 282.º CP que “ 1 - Quem: a) No aproveitamento, produção, confeção, fabrico, embalagem, transporte, tratamento, ou outra atividade que sobre elas incida, de substâncias destinadas a consumo alheio, para serem comidas, mastigadas, bebidas, para fins medicinais ou cirúrgicos, as corromper, falsificar, alterar, reduzir o seu valor nutritivo ou terapêutico ou lhes juntar ingredientes; ou b) Importar, dissimular, vender, expuser à venda, tiver em depósito para venda ou, por qualquer forma, entregar ao consumo alheio substâncias que forem objeto de atividades referidas na alínea anterior ou que forem utilizadas depois do prazo da sua validade ou estiverem avariadas, corruptas ou alteradas por ação do tempo ou dos agentes a cuja ação estão expostas; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos. 3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.” Pois bem, Os bens jurídicos protegidos com a incriminação são a vida ou a integridade física de outrem, assumindo-se como um crime de perigo concreto, quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos e um crime de resultado quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação. – v.Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem Como é sabido, crimes de perigo são aqueles em que a atuação típica consiste em agir de modo a criar perigo de lesão de determinados bens jurídicos, não dependendo o preenchimento do tipo de ocorrência da lesão, (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Coimbra, Almedina, 1996, reimpressão da edição de 1963, págs.287-289). O perigo, nos crimes de perigo, consiste, em geral, numa situação que faz aparecer como possível a realização de um dano contrário a interesses juridicamente protegidos; trata-se da possibilidade de produção de um resultado danoso, (cfr. Escriva Gregori, La Puesta en Peligro de Bienes Jurídicos en Derecho Penal, Barcelona, Bosch, 1976, págs.18 e ss.). O que significa que, tal como sucede nos crimes de empreendimento, os bens jurídicos são aqui tutelados por antecipação, através da procura da salvaguarda das suas condições de subsistência ou de um certo ambiente em seu redor. Por oposição aos crimes de perigo abstrato (que são aqueles crimes de perigo em que o perigo resultante da ação do agente não está individualizado em qualquer vítima ou em qualquer bem, não sendo a produção ou verificação do perigo elemento do tipo), os crimes de perigo concreto são aqueles em que o perigo resultante da ação do agente se encontra individualizado numa vítima ou num bem (ou mais) sendo a produção ou verificação do perigo elemento do tipo, (cfr. Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 2º vol., págs.127 e ss.). Nas palavras de Faria Costa, os crimes de perigo concreto correspondem a um ilícito penal típico em que o perigo é elemento desse mesmo ilícito-típico, enquanto que os crimes de perigo abstrato correspondem a um ilícito-típico em que o perigo não é seu elemento (típico), tão-só motivação do legislador, (O Perigo em Direito Penal cit., págs.620-621), havendo apenas que referenciar (por não ser esta a sede própria para o tratamento de tal questão) as diversas teorias desenvolvidas quanto á questão de se saber a partir de que momento estão criadas as circunstâncias para que se possa qualificar a situação como concretamente perigosa: teoria extensiva do risco do perigo, teoria restritiva do risco de perigo, teoria normativa modificada do resultado de perigo, teoria científica do resultado de perigo, (cfr., a este propósito, Rui Pereira, Ob. e loc. cits.). Por outro lado, o tipo objetivo consiste no aproveitamento, produção, confeção, fabrico, embalagem, transporte e tratamento de certas substancias alimentares ou medicinais bem como na importação, dissimulação, venda, exposição para venda, detenção em depósito para venda ou entrega por qualquer forma ao consumo alheio, tendo a ação típica a consequência adequada de criar uma situação de perigo para a vida ou integridade física de outrem. (ob. Cit) Sendo que objetos da ação típica serão as substancias destinadas à alimentação alheia ou fins medicinais ou cirúrgicos sujeitas a um processo de corrupção, falsificação, alteração, redução do valor nutritivo ou terapêutico ou na junção de ingredientes. (ob. Cit) São ainda objetos da ação típica as substancias utilizadas depois do prazo da sua validade ou que estiverem avariadas, corruptas ou alteradas por ação do tempo ou dos agentes a cuja ação estão expostos. (ob.cit) De acordo com Miguez Garcia e Castela Rio em anotação ao preceito, o propósito do legislador, com a criação do tipo, foi o de incluir todo o processo produtivo e de distribuição das referidas substâncias, independentemente de o agente ter sido o responsável pela corrupção das mesmas, desde que ele tenha conhecimento do seu estado. O elemento objetivo fundamental é, pois, o da atividade do agente incidir, por qualquer modo físico possível, sobre a coisa. Do que vem exposto, são, assim, requisitos do crime de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, tal qual p. e p. pelo artigo 282.º CP: a) - a ação (corrupção, falsificação, alteração, redução do valor nutritivo ou terapêutico ou adição de ingredientes) sobre substâncias destinadas ao consumo alheio (digeríveis ou mastigáveis) ou a fins medicinais ou cirúrgicos; b) - de que resulte perigo para a saúde, a vida ou a integridade física do consumidor; c) - que o agente tenha conhecimento de que da ação cometida resulta perigo para a saúde, a vida ou a integridade física do consumidor. Por sua vez, quanto ao tipo subjetivo, o tipo incriminador positiva três situações distintas: a) ação dolosa e perigo doloso (n. º1), admitindo-se aqui - e nos dois segmentos - qualquer uma das modalidades de dolo (direto, necessário e eventual) - ou seja, a ação do agente e a criação de perigo são intencionais; b) ação dolosa e perigo negligente (n. º2), aqui o dolo do agente não compreende o perigo concreto criado, afirmando-se, quanto a este, a negligência; e c) ação e perigo negligentes (n. º3), aqui o agente sabe e tem plena consciência da sua conduta, mas não representa (negligência inconsciente) ou representa e afasta a possibilidade (negligência consciente) da criação de um perigo para os bens jurídicos em apreço. Dito de outra forma, o perigo, enquanto elemento típico, não só terá de existir objetivamente, como tem que ser abrangido pelo dolo do agente, nos casos do n. º1 (dolo de perigo), ou não ter sido tomado em conta pelo agente, nos casos dos n.ºs 2 e 3 (negligência). Interessa aqui, por relevante para a questão, face à positivação tripartida do tipo incriminador, tecer algumas considerações sobre o dolo e a negligência. Nos termos do artigo 13.º CP, “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.” Dispõe o artigo 14.º CP que “1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar. 2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização.” Como se vê, estamos perante formas de atuar com dolo e, como tal, qualquer conduta que, sob o ponto de vista subjetivo, se subsuma numa das modalidades previstas no artigo 14.º, será sempre dolosa. E isto é assim porque o dolo direto, necessário ou eventual, não são, para o que agora importa, coisas diferentes, mas antes distintos graus de intensidade da mesma realidade – de representação e de vontade de realizar um facto típico –, sendo certo que o dolo necessário constitui um grau menos intenso de vontade (representação do facto como consequência necessária da conduta) do que aquele que está presente no dolo direto (intenção de realização do facto) e o eventual um grau menos intenso face aos anteriores. Segundo o Professor Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, vol. II, pág. 162, pode definir-se o dolo como a vontade consciente de praticar um facto que preenche um tipo de crime, constando a vontade dolosa de dois momentos: i. a representação ou visão antecipada do facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual); e ii. a resolução, seguida de um esforço do querer dirigido à realização do facto representado (elemento volitivo). O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável. O elemento volitivo, por sua vez, consiste na especial direção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo: o dolo direto – a intenção de realizar o facto – o dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta – e o dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta. Assim, age com dolo direto quem prevê e pretende intencionalmente a realização do facto criminoso; com dolo necessário quando o agente sabe que, como consequência de uma conduta que resolve empreender, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo, apesar disso, de empreender tal conduta e, por fim, no dolo eventual cabem os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta e, apesar disso, leva a cabo tal conduta, conformando-se com o respetivo resultado. Para Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, I, - Editorial Verbo, 1987, págs. 210-212, o dolo eventual é nos termos da lei a fixação do limite inferior do dolo para o demarcar da negligência, mas, e ainda assim, dolo. Quanto à «representação», o agente no dolo direto e no dolo necessário (n.ºs 1 e 2 do artigo 14º do Cód. Penal) faz em princípio uma prognose, uma previsão de certeza, da realização do crime; no dolo eventual faz uma prognose, uma previsão dubitativa dessa realização. De outro passo, prescreve o artigo 15.º CP que “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com a sua realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.” A negligência é um tipo especial de punibilidade que oferece uma estrutura própria quer ao nível do ilícito quer ao nível da culpa. O tipo objetivo de ilícito dos crimes materiais negligentes é constituído por três elementos: a violação de um dever objetivo de cuidado; a possibilidade objetiva de prever o preenchimento do tipo; e a produção do resultado típico quando este surja como consequência da criação ou potenciação pelo agente, de um risco proibido de ocorrência do resultado. A violação pelo agente do cuidado objetivamente devido é concretizada com apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio”. A não observância do cuidado objetivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo de ilícito negligente, antes importa que ela conduza a uma representação imperfeita ou a uma não representação da realização do tipo. Para que exista culpa negligente, com preenchimento do tipo-de-culpa, necessário é ainda que o agente possa, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado. Enquanto na negligência consciente o agente representou como possível o resultado ocorrido, mas confiou, não devendo confiar, que ele não se verificaria, na negligência inconsciente o agente infringe o dever de cuidado imposto pelas circunstâncias, não pensando sequer na possibilidade do preenchimento do tipo pela sua conduta. Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Tomo I, pág.656, “Na negligência consciente o tipo subjetivo residirá na deficiente ponderação do risco de produção do facto, na inconsciente ausência de pulsão para a representação do facto.” É esta a fronteira ténue que separa o dolo eventual da negligência consciente, pois que, reconhecendo-se, embora a proximidade das duas figuras, não se pode decidir a existência de dolo eventual, sem o delimitar de forma inequívoca da negligência consciente. Com efeito, tanto no dolo eventual como na negligencia consciente, o agente aceita como possível a realização do tipo legal, isto e, o resultado. Só que, enquanto, no primeiro caso, o autor decide aceitar a realização do tipo e assumir o estado de incerteza existente no momento da ação, conformando-se, assim, com o resultado, na negligencia consciente, o autor confia antinormativamente que o resultado não se produzirá e, portanto, não se conforma com este. Dito de outra forma, o dolo só se excluirá, afirmando-se a negligência consciente, quando o agente só atuou porque confiou em que o resultado se não produziria. Sempre, pois, que ele, representando o resultado, não tomou posição perante este, deverá ser punido a título de dolo eventual. Por outro lado, e sendo certo que se trata de uma realidade do puro foro psicológico, ainda assim, o seu apuramento não deixa de pertencer ao âmbito da matéria de facto. – v. neste sentido Ac. do STJ de 20-12-90 BMJ 402/558 e de 21-4-94, citado por Maia Gonçalves em anotação ao artigo 14 do CPP. Finalmente, as penas previstas são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo quando do crime resultar a morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa (artigo 285º, do C. Penal). A propósito prescreve o artigo 144.º CP que “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: (…) b) Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou d) Provocar-lhe perigo para a vida; é punido com pena de prisão de dois a dez anos.” A alínea b) contempla as chamadas lesões funcionais. Quanto à incapacidade para o trabalho, trata-se da interrupção da atividade do ofendido relacionada com o exercício da sua força laboral, podendo afetar a possibilidade de desenvolver qualquer trabalho, como um trabalho específico, e pode ser permanente ou temporária, parcial ou total. Para que haja impossibilidade de utilizar o corpo é necessário que ocorra o sacrifício de uma função biológica, ou seja, que tenha lugar uma séria lesão da capacidade de movimentação de uma parte do corpo que afeta todo o organismo. Podemos ler, a seu propósito, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, na página 228: «(…) em causa tanto poderá estar a perda completa dessas faculdades, como parece indicar a expressão “tirar-lhe”, como a sua diminuição, ou seja, perdas da ordem de percentagem, de capacidade de visão, auditiva, de trabalho, etc. Quer a perda quer a diminuição terão que ser graves, ou seja, não poderão ser insignificantes, transitórias, muito embora não se exija a permanência das lesões (…) «Há a perda de um sentido quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido. (…).” A par da impossibilidade da utilização de um sentido surgem as diminuições funcionais. “Aqui se devem incluir as lesões que conduzem à perda de um dos olhos da vítima, sem que, todavia, e compreensivelmente, se possa falar de cegueira total, ou a diminuições da capacidade visual de ambos os olhos. O mesmo vale em relação ao órgão auditivo que pode ser afetado (reduções percentuais da capacidade auditiva) sem que possa falar-se de perda completa de audição” Por seu turno, sobre o conceito “doença particularmente dolorosa ou permanente” – alínea c) - escreve Paula Ribeiro de Faria no “Comentário Conimbrincence do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, arts. 131º a 201º, Coimbra Editora, pp. 231, que a alínea c) do art. 144º “contempla, como fundamento da agravação, casos de doença particularmente dolorosa ou permanente ou anomalia psíquica grave ou incurável. Quando o legislador penal se refere a doença ou anomalia psíquica permanente ou incurável não está tanto em apreciar a gravidade para a saúde de que se reveste a lesão, antes e sobretudo, a duração dos efeitos nocivos sobre a mesma, e a impossibilidade de os evitar (mesmo que seja medicamente possível atenuar ou aliviar os sintomas da doença nem por isso esta deixa de ser incurável (...) ”O carácter doloroso da doença, se bem que não haja indicadores precisos que permitam determinar com rigor níveis de dor (e esta varia de paciente para paciente) far-se-á depender do tipo de medicamentos e tratamentos necessários, e, ao mesmo tempo da duração desses tratamentos: se os tratamentos são penosos difíceis e prolongados poderemos concluir que o ofendido suportou dores elevadas”. Já o conceito de doença permanente contido no art. 144º, al. c), do Cód. Penal, não exige que a doença seja incurável e perpétua, mas tão só que seja duradoura, doença que se instala no corpo de forma prolongada, deixando a vítima durante longo tempo sob o seu efeito e sujeita às consequências que dela emergem. Por fim, quanto ao perigo para a vida – alínea d) - como o define NÉLSON HUNGRIA, «é a probabilidade concreta e presente do resultado letal» - [cf. Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 2000, 2.º Volume, Editora Rei dos Livros, pág. 247] Poi bem, Compulsada factualidade que se julgou adquirida, verifica-se que no estabelecimento comercial dos arguidos e igualmente nas feiras de produtos regionais em que os mesmos participavam – ... - o arguido AA, por si e também no âmbito das suas funções, em representação da sociedade arguida, de acordo com as suas instruções e no interesse da mesma, permitiu que fossem consumidas e estivessem exposto para venda no respetivo expositor e vendidas, alheiras infetadas com a bactéria c. botulinium. Os referidos géneros alimentícios foram produzidos, embalados e transportados pelos arguidos e colocados à venda no restaurante ou nos expositores das feiras, com a supervisão do arguido AA e destinavam-se a ser vendidos ao público para consumo, o que efectivamente aconteceu. Estão, assim, verificados os elementos objetivos do tipo do ilícito em apreço. Todavia, e como acima já o dissemos, cremos nós que não se pode imputar a conduta acima descrita aos arguidos a título de dolo direto. Na verdade, não se apurou, em momento algum, que houvesse, qualquer intenção por parte dos arguidos neste desfecho infeliz, ou que pretendem que a intoxicação ocorresse. Provou-se, sim, e quanto a nós, que sabiam os arguidos que detinham produtos alimentares – alheiras - naquele seu estabelecimento comercial e feiras, que produziam e embalavam nas condições que se deixaram consignadas na matéria de facto provada e, não obstante, preverem como possível que, por isso, tais produtos poderiam estar ou se encontravam impróprios para consumo, por contaminação toxina botúlinica, utilizaram-nos nesse estado, destinando-os à venda ao público, conformando-se com isso. Provou-se também que sabiam os arguidos que os mesmos por não estarem em condições de serem consumidos, podendo alguns deles, nomeadamente as alheiras, causar risco para a saúde e/ou a integridade física de terceiros, caso fossem consumidos, resultado que, contudo, confiaram que não ocorresse e com o qual se não conformaram. Por outro lado, provou-se também o estado de doença vivido pelos ofendidos resultou causalmente da ingestão e consumo de alheiras contaminadas com a toxina botulínica e que tal ingestão provocou disfunção nos órgãos, doença particularmente dolorosa e até perigo de vida. Com efeito, face às lesões que nos autos se apuraram, em relação a cada um dos ofendidos, as mesmas abarcaram não só uma diminuição funcional de algum órgão – factos provados – como uma doença prolongada e dolorosa, como também perigo para a vida de cada um, não podendo, por isso, tais lesões deixar de ser consideradas graves. Contudo, importa ainda notar que não basta existir a nocividade dos alimentos em causa, com o consequente perigo para a vida ou para a saúde e integridade físicas alheias, sendo ainda necessário que essa nocividade advenha como resultado da ação do agente. E a este respeito provou-se igualmente que o arguido AA, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sua sociedade arguida, promoveu a confeção, o embalamento, o transporte e a exposição para venda e a venda de produtos de fumeiro – alheiras – em desconformidade com as normas aplicáveis e as regras de higiene-sanitárias destinadas à proteção e segurança dos consumidores, representando como possível que os meios de produção e transporte usados eram aptos à contaminação e propagação de bactérias com isso se conformando e, consequentemente, de toxinas que poderiam molestar o corpo, a saúde e a vida dos seus consumidores, perigo esse que tendo previsto como possível, confiaram, não devendo confiar, se não produziria. Provou-se, ademais, que os arguidos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei. E não emergindo da factualidade considerada provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, considera-se que a conduta dos arguidos tem a virtualidade de preencher a conduta típica prevista no artigo 282.º nº1 e 2 CP, assim se mostrando preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de corrupção de substancias alimentares ou medicinais. Tutelando a incriminação em apreço bens iminentemente pessoais – vida ou a integridade física - a ofensa (o injusto de ação, de resultado e a culpa) dirige-se a cada ato concreto que afete o bem jurídico individualizado na pessoa de cada titular, cometem os arguidos tantos crimes quantas as pessoas ofendidas – quatro.»
5. Determinação da medida da pena
«Pela prática do crime de corrupção de substancias alimentares ou medicinais incorrem os arguidos numa pena de prisão até 5 anos – artigo 281.º nº1 e 2, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo – artigo 285.º - ou seja, de 40 dias a 6 anos e 8 meses. – artigo 41.º CP A moldura penal apenas prevê a possibilidade de aplicar pena de prisão, o que significa que não terá que se efetuar a opção entre a aplicação de pena de multa ou pena de prisão, nos termos do artigo 70.º CP. Assim, passar-se-á de imediato à determinação da medida concreta da pena a aplicar. Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 C.P. “A determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” Quanto a esta determinação, regem os critérios contidos nos artigos 40.º e 71.º C.P. Assim, na determinação da medida concreta da pena atender-se-á também às finalidades de prevenção geral e especial, previstas no artigo 40.º C.P., funcionando estas dentro da medida da culpa, moldura de topo da pena, atendendo-se, nos termos do artigo 71.º, n.º 2 C.P. “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.” Diremos ainda, a este respeito, que o Código Penal, ao referir no número 2 do seu artigo 71.º que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” proíbe a dupla valoração dos factos, vedando “que um facto que foi determinante para a subsunção típica funcione também, após essa operação, como circunstância relevante para a fixação da pena, quer em sentido agravativo, quer em sentido atenuativo.” Trata-se de um afloramento do princípio constitucional do princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.º/5 da Constituição da República Portuguesa. A proibição da dupla valoração não impede, todavia, que, em sede de determinação da medida da pena, seja valorada a intensidade da ilicitude ínsita na circunstância agravante ou atenuante, de modo “a que a medida da pena seja aumentada ou diminuída em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso”, quando estas ultrapassarem, ou ficarem aquém “de um «grau médio» de ilicitude pressuposto pelo legislador na fixação da moldura abstrata. – v. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011, processo número 1909/10.9JAPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt Assim, cotejando os factos do caso concreto, e tendo em conta os princípios acima referidos, importa determinar as circunstâncias que concorrem para a determinação da pena a aplicar. Assim, no caso sub judice cabe ponderar globalmente: d. O modo de execução do crime em causa que não se revelou elaborado; e. A gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera muito significativa, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista emocional, atendendo às comprovadas lesões sofridas, ao período de doença vivido por cada ofendido e ao tempo de recuperação; f. A ilicitude que, no caso concreto, se considera de grau elevado considerando, a imponderação e ligeireza com os arguidos praticaram os factos, atendendo apenas ao seu ponto de vista pessoal, e ao seu louvável amor à terra, mas sem consideraram os riscos ou medirem consequências; g. A intensidade do dolo do arguido, que é mediana, porquanto agiu com dolo eventual, mas à culpa, que se afigura elevada, pois, nas concretas circunstâncias em que estava inserido, era-lhe exigível a adoção de outra conduta, não lesiva dos bens jurídicos tutelados por este tipo de crime, merecendo, nessa medida, a emissão de um elevado juízo de censura penal. h. As necessidades de prevenção geral, que se têm por elevadas considerando a ainda frequência com que estes tipos de crimes são praticados, a natureza dos bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa e o alarme social e o sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na população e que exigem a reposição da confiança na validade e eficácia das normas violadas; e, por fim, i. As necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas considerando, por um lado, a ausência de antecedentes criminais e o facto de o arguido se encontrar profissional, familiar e socialmente inserido, mas, por outro, o facto de o mesmo possuir um reduzido, quase inexistente, juízo crítico quanto à ilicitude da sua conduta, face à postura assumida em julgamento e, por outro, considerando que o arguido se mantém na atividade de restauração. Assim, por se mostrarem devidamente asseguradas as finalidades de punição que ao caso se impõem, temos por adequado graduar, em concreto, a pena de prisão a aplicar ao arguido por cada um dos crimes, de que se acha acusado, em 2 (dois) anos de prisão. Por sua vez, e quanto à arguida EMP01..., LDA. e por cada um dos crimes, a pena de 240 dias de multa. – artigo 90.º B CP
d. Do Cúmulo Jurídico Dispõe o artigo 77.º, n.º 1 C.P que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. “ Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Para que haja cúmulo jurídico, é essencial que as penas em concurso sejam da mesma espécie, o que acontece nos presentes autos, em que, nos diversos tipos de crimes, praticados foi aplicada pena de prisão. Assim, encontradas as penas concretas aplicáveis ao arguido pela prática dos crimes que lhe vêm imputados, há que proceder à determinação da pena única, correspondente ao concurso real e efetivo de infrações que se verifica no presente caso. Nos termos do n.º 2 deste mesmo artigo, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes (no caso 8 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (no caso, 2 anos de prisão). Dentro desta moldura, cumpre também atender aos factos e à personalidade do agente, apreciados conjuntamente. Não significa isto que se valorarão novamente os fatores anteriormente ponderados aquando da determinação das penas concretas, procurando-se, pelo contrário, realizar uma análise genérica de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto. Numa visão global dos comportamentos do arguido AA – sem olvidar que os seus antecedentes criminais não permitem concluir pela existência de uma tendência criminosa da sua parte, tendo tido sempre um comportamento conforme com o Direito, o que leva a crer que esta situação foi um caso pontual, atendendo ainda a que todos os crimes imputados foram praticados no mesmo contexto factual, de forma simultânea e não sucessiva, entende-se ser justo, adequado e proporcional fixar a pena única do concurso em 5 anos de prisão. Já quanto à sociedade arguida EMP07..., LDA, pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes (no caso 960 dias de multa) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (no caso, 240 dias de multa) entende-se ser justo, adequado e proporcional fixar a pena única do concurso em 600 dias de multa. Dispõe o nº5 do artigo 90.º -B CP que “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 100 e (euro) 10 000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores, sendo aplicável o disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 47.º” Face ao que se apurou quanto à situação económica da arguida, fixa-se a taxa diária, da pena de multa, no seu mínimo legal, € 100,00, perfazendo o montante global de € 60.000,00.
e. Da Suspensão Da Pena de Prisão Nos termos do disposto no artigo 50.º/1 CP, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Aduz o nº 5 do referido preceito legal, aplicável à data da prática dos factos, «o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão, determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão». A suspensão da execução da pena “deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime” (Acórdão do S.T.J de 27/03/2008, processo n.º 411/08 da 5.ª secção). Para além da medida concreta da pena de prisão aplicada (que não pode ser superior a 5 anos), é pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de, quanto a ele, a simples censura do facto e ameaça da prisão se mostrarem adequadas a dissuadi-lo da prática de futuros crimes, ou seja, parte-se da fundada expectativa de que o arguido, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir. No caso concreto, não se desconsideram as elevadas exigências de prevenção geral neste tipo de ilícitos, a que oportunamente se aludiu. Contudo, o arguido tem 53 anos de idade e denotou ser um indivíduo ativo e empreendedor, inserido laboralmente, responsável e com adequada capacidade para socializar, pelo que existe a possibilidade de o arguido ultrapassar a sua condição atual e recuperar estas características da sua personalidade. A situação é assim de um caso limite, em que, atendendo ao que a lei dispõe sobre a preferência que deve dar-se à ameaça da pena, se julga poder ainda optar por esta. A favor desta opção e no sentido de precaver a prática de futuros crimes, está o facto de tal suspensão ser necessariamente acompanhada de regime de prova (nº 3 do artigo 53º do Código Penal). Pelo exposto, julga-se ser de suspender a execução da pena aplicada ao arguido pelo período de cinco anos – art.º 50º, n.º 5 do Código Penal.
f. Do Regime de Prova O tribunal pode, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição – subordinar a suspensão da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou até mesmo determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova – artigos. 50.º a 57.º CP e 492.º a 495.º CPC. O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão. – cfr. artigo 494 CPP. Quanto ao regime de prova que necessariamente acompanhará a suspensão da execução da pena, este incluirá a obrigação de comparência do arguido sempre que convocado pelo tribunal ou pelos técnicos da Direção de Reinserção Social, colaborando e aceitando o arguido as diretrizes que lhe forem sendo apontadas, recebendo visitas, colocando à disposição daquelas entidades documentos ou informações relativas aos seus meios; e de informar os serviços Reinserção Social sobre quaisquer alterações na residência ou trabalho, justificando-as. Deverão ainda os serviços de Reintegração Social, na elaboração do Plano de Reinserção Social e de acordo com a personalidade, condições familiares e sociais do arguido, providenciar pela assistência do arguido a ações de formação, tendentes a fazê-lo refletir para as consequências gravosas do seu comportamento, atuando no seu sentido autocrítico e bem assim para a problemática da saúde pública e da higiene e segurança alimentar, no ramo da restauração, impondo as condições que julgar proporcionais e adequadas para tanto. De outro passo, e sendo certo que em caso algum ao condenado se podem impor obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, como o estatui o nº 2, do artigo 51.º CP, entendo, todavia, este Tribunal Coletivo que em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, quando acompanhada da condição de reparar os danos causados ao lesado, traduzindo-se esta no dever a que alude a alínea a) do nº1, do artigo 51º, do Código Penal, qual seja, o pagamento, em certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, da indemnização devida ao lesado, ou garantia do seu pagamento por caução idónea. E assim porque, como se citou no Ac. S.T.J. do acórdão de 13-12-2006, proferido no processo 06P3116 “Uma pena, qualquer pena, para ser eficaz, deve ser sentida pelo agente e no caso de pena suspensa muitas vezes a única coisa que o agente sente é, precisamente, a condição fixada». Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão, condicionada ao pagamento do valor da indemnização devida aos lesados, reclama, um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura (artigo 51º, nº 2, do Código Penal). Ora, perante os anteriores considerandos, este tribunal entende que a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da indemnização devida aos assistentes se enquadra, ainda, na disponibilidade financeira do arguido, atendendo à atividade que continua a desenvolver e à situação económica do mesmo e ao período temporal em que o arguido poderá cumprir tal condição (5 anos). Neste sentido, e nos termos do artigo51º, n.º 1, a) do Código Penal, a suspensão da execução da pena vai também subordinada ao pagamento aos demandantes cíveis das quantias que vão ser determinadas infra a título de indemnização, no prazo da suspensão da pena – cinco anos. A DGRSP deverá apoiar e fiscalizar o condenado no cumprimento de tais regras de conduta, nos termos do disposto nos artigos 51.º, n.º 4 e 52.º, do Código Penal.
g. Da Penas de Substituição – Pessoa Coletiva Dispõe o artigo 90º- A do Código Penal: “1 - Pelos crimes previstos no nº 2 do artigo 11º, são aplicáveis às pessoas coletivas e entidades equiparadas as penas principais de multa ou de dissolução. 2 - Pelos mesmos crimes podem ser aplicadas às pessoas coletivas e entidades equiparadas as seguintes penas acessórias: a) Injunção judiciária; b) Interdição do exercício de atividade; c) Proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinadas entidades; d) Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos; e) Encerramento de estabelecimento; f) Publicidade da decisão condenatória”. Por sua vez, estabelecem os artigos 90º-C a 90º-E (nos seus nºs 1) do Código Penal: Artigo 90º-C:“Admoestação 1 - Se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação, aplicando-se correspondentemente o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 60º”. O Artigo 90º-D “Caução de boa conduta 1 - Se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias, pode o tribunal substituí-la por caução de boa conduta, entre (euro) 1000 e (euro) 1000 000, pelo prazo de um a cinco anos”. O Artigo 90º-E “Vigilância judiciária 1 - Se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias, pode o tribunal limitar-se a determinar o seu acompanhamento por um representante judicial, pelo prazo de um a cinco anos, de modo que este proceda à fiscalização da atividade que determinou a condenação”. A propósito dos transcritos preceitos legais, e como bem esclarece Nuno Brandão (in “O Regime Sancionatório das Pessoas Coletivas na Revisão do Código Penal”, Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 8 - Especial -, págs. 43 e 44, “à semelhança da estrutura sancionatória estabelecida para as pessoas físicas no Código Penal e na linha do regime contido no Decreto-Lei nº 28/84, também no artigo 90º-A e segs. do Código Penal se preveem três categorias de penas aplicáveis às pessoas coletivas, as principais, as acessórias e as de substituição. As penas principais são, por definição, aquelas aplicadas pelo juiz na sentença condenatória independentemente de quaisquer outras. Quando se trata da responsabilidade penal das pessoas individuais, a pena, para definir-se como principal, deverá em regra encontrar-se tipificada no próprio tipo legal de crime. Já na disciplina sancionatória das pessoas coletivas o legislador optou pela introdução de uma cláusula geral, no artigo 90º-A, nº 1, de acordo com a qual “pelos crimes previstos no nº 2 do artigo 11º, são aplicáveis às pessoas coletivas e entidades equiparadas as penas principais de multa ou de dissolução”. São previstas como penas de substituição, designadamente da pena de multa, a admoestação (artigo 90º-C), a caução de boa conduta (artigo 90º-D) e a vigilância judiciária (artigo 90º-E). Diferentemente do que sucede no Decreto-Lei nº 28/84, a admoestação não figura aqui como pena principal, mas antes e tão-só como pena de substituição da pena de multa. Esta degradação do estatuto da pena de admoestação face àquele diploma constitui uma decisão acertada, atenta a sua baixa eficácia preventiva, tanto sob o ponto de vista da prevenção geral, como da prevenção especial”. Ora, à luz do exposto, as penas de substituição, tal como estão previstas nos artigos 90º-C, 90º-D e 90º-E do Código Penal, para serem decretadas, em substituição da pena de multa, implicam a formulação de um juízo segundo o qual as mesmas realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. E cremos nós que este é o caso dos autos. Desde logo, à arguida vem aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias – artigo 90.º D nº1. Por outro lado, olhando ao grau de ilicitude dos factos, ao grau de culpa aqui implicado, e ponderando as exigências de prevenção, verificamos que a aplicação concretamente da caução de boa conduta realiza, de forma cabal e suficiente, as finalidades da punição. E assim, substitui-se a pena de multa a aplicar à arguida EMP01... LDA, por prestação de caução de boa conduta no valor de 65.000,00 € (sessenta e cinco mil euros), pelo prazo de cinco anos, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança. – artigo 90.º - D nº1 e 3 CP» 6. Do pedido cível[5]
«(…) a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados –artigo 494º, n. º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar. Assim, o dano não patrimonial é ressarcível desde que a gravidade do mesmo justifique a respetiva tutela - artigo 496º, nº 1 do mesmo Código) ficando excluídos os danos insignificantes ou as chamadas bagatelas. Ou seja, os danos não patrimoniais (dores, sofrimento, angústia) só são indemnizáveis quando atinjam um limite mínimo de gravidade, apreciado objetivamente, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando fatores de sensibilidade exacerbada. “É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.04.2009, consultável em www.dgsi.pt). A gravidade do dano deve ser avaliada através de um critério objetivo, tendo em consideração as circunstâncias de cada caso, à margem de fatores subjetivos. Por seu turno, o artigo 496º, nº 4 do Código Civil manda fixar equitativamente o valor dos danos não patrimoniais, tendo em consideração as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil: grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. (…) Quanto ao pedido cível deduzido pela assistente BB, (…) no que concerne aos danos não patrimoniais, peticiona a assistente o montante de € 22.500,00 Neste particular, resultou da factualidade adquirida, que, em decorrência da conduta dos arguidos, a assistente, e entre o mais, sofreu intoxicação alimentar por toxina botulínica em consequência da qual resultaram lesões, que determinaram 181 (cento e oitenta e um dias) para curacom a afetação do trabalho geral e profissional de 60 (sessenta) dias, as quais afetaram de maneira grave, a capacidade de trabalho, bem como a possibilidade de a mesma utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem e das quais resultou perigo concreto para a vida e sofrimento particularmente doloroso para a mesma, bem como dores, sofrimento e angústia pela mesma sentidos e seu marido que a acompanhava. – factos provados 64 a 78. Mostra-se, assim, evidente, face à matéria de facto provada, que os danos causados, e sofridos pela assistente, apresentam gravidade que justificam a tutela do direito e a atribuição de uma indemnização, nos termos preceituados pelo artigo 496º, nº 1, do Código Civil. Por sua vez, o montante da indemnização de tais danos deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.º 4 do art. 496º, ao remeter para o art. 494º, ambos do Código Civil). Todavia, é consabida a dificuldade que a quantificação destes danos acarreta, pelo que, para além da equidade, como guia do julgador, deverão ter-se em conta os padrões geralmente adotados pela jurisprudência sendo que esta tem vindo repetidamente a afirmar que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico ou miserabilista” – cfr. Ac. STJ de 28/06/2007, proc. 07B1543, www.dgsi.pt. Pese embora, e sem qualquer desconsideração ou ofensa a situação vivida por cada ofendido, não pode este Coletivo de Juízes deixar de ter em consideração a prática jurisprudencial em situações semelhantes sem esquecer as circunstâncias concretas do caso. Assim, • No acórdão da Relação de Lisboa de 10-04-2018, proferido no processo nº2424/12.1TAALM.L1-5disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se “(…) e de que resultou a perda do olho esquerdo do ofendido, com consequências inevitáveis e sofrimento para a sua vida, num momento em que tudo levava a pensar que tinham terminado as agressões e o arguido o vem agredir, nos termos apurados. Acrescem as dores, o internamento, todos os tratamentos médicos, as cirurgias a que foi sujeito o recorrente, as angústias e as sequelas permanentes da lesão, além da parte estética e psicológica, relacionadas sempre com este tipo de lesões de perda de visão. Temos, assim, que os danos não patrimoniais foram e são de acentuada gravidade, pelo que a compensação que é devida, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada em € 20.000,00. (…) • No acórdão da Relação do Porto de 08-03-2017, proferido no processo nº324/14.0PAGDM.P2. P1 decidiu-se “No presente caso, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, consideramos adequada e justa arbitrar ao ofendido uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €20.000,00 (vinte mil euros).” • No acórdão da Relação do Porto de 11-02-2015, proferido no processo nº 6432/12.4TAVNG-P1, disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se “foi considerada equitativa uma indemnização no valor de 25.000,00 euros, num caso em que ao ofendido foi também removido o baço. “ • No acórdão desta Relação, de 14/10/2008, proferido no processo 6521/07.2, considerou-se adequado o montante de 35.000,00 euros, num caso em que o ofendido perdeu o baço e o rim, tendo ficado com uma IPP de 30% e perdido o 3º ano da Licenciatura em Matemática. Perante este quadro factual e jurisprudencial comparativo, a que este Tribunal não pode fugir, e como referido, sem qualquer desconsideração, ou menosprezo, pelas consequências de vária ordem sofridas pela assistente, afigura-se-nos como justa, equilibrada e adequada, a fixação de uma compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de 7.500,00 €
(…) quanto pedido Cível deduzido pelo assistente CC, peticionou (…) uma indemnização, pelos danos não patrimonias sofridos, deduzindo, nesta sede, um pedido no montante de € 22.000,00. Valem aqui todas as considerações acima expendidas, quanto ao ressarcimento deste tipo de danos e, sobretudo, quanto à fixação do seu quantum. Neste particular, e face a tudo quanto se apurou – factos 79 a 100 – concretamente diarreia, problemas de deglutinação, visão turva com diplopia persistente, dores de estomago,vómitos, paralisia da acomodação visual com anisocoria/disturbo refrativo sem implante, pupila direita com baixa reatividade, hiperreflexia nos quatro membros, midríase bilateral arreativa e diplopia, fadiga muscular - é manifesto que a lesão sofrida e os danos causados e, bem assim, as dores, angustias, medos e toda ansiedade, apresentam gravidade que justifica a atribuição de uma indemnização, nos termos preceituados pelo artigo 496º, nº 1, do Código Civil. Porém, como acima já apontado, não pode este Tribunal fugir ao quadro jurisprudencial existente e aos padrões geralmente adotados em casos semelhantes, sendo ainda que, e felizmente, em sede de ofensas graves, os casos em estudo, e sem nunca desconsiderar a sua gravidade e sofrimento, estão, repete-se felizmente, longe de ser dos mais graves que infelizmente assolam todos os dias os nossos Tribunais. E por ser assim, e atendendo-se, no mais, ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente à sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado, afigura-se-nos como justa, equilibrada e adequada, a fixação de uma compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de 7.500,00 €.
(…) quanto pedido Cível deduzido pelo assistente CC,peticiona também o assistente uma indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos uma indemnização no montante € 10.000,00. Vale aqui tudo quanto acima se disse, quanto ao ressarcimento deste tipo de danos e, sobretudo, quanto à fixação do seu quantum. Neste particular, e face a tudo quanto se apurou – factos 110 a 149 – é manifesto que a lesão sofrida e os danos causados e, bem assim, as dores, angústias, medos e todo o sofrimento sofrido pelo assistente, apresentam gravidade que justifica a atribuição de uma indemnização, nos termos preceituados pelo artigo 496º, nº 1, do Código Civil. Acresce ainda, quanto ao assistente CC, a circunstancia de ter um filho, à data dos factos com 4 anos de idade, que padece de uma doença genética rara que, face à ao estado clinico vivido pelo assistente sofreu uma regressão na sua evolução e desenvolvimento da sua autonomia e a natural sentimento de dor e angústia que isso acrescentou no assistente. De igual forma, a dificuldade que, face ao estado de fraqueza geral, provocado pela intoxicação alimentar de que foi vitima, em atingir e manter a ereção, num homem jovem com o assistente, provocou angustia e sentimentos de frustração, também dignos de ser acautelados. Por fim, e como também comprovadamente resultou dos autos quanto a este assistente, é enfermeiro numa unidade hospitalar, com formação em microbiologia, de modo que, e em relação às demais vítimas, esteve sempre (mais) ciente do possível evoluir da doença, das possíveis consequências e cenários e, no limite, do seu pior desfecho, uma paragem cardiorrespiratória por falência/paralisia muscular. Porém, como acima já apontado, não pode este Tribunal fugir ao quadro jurisprudencial existente e aos padrões geralmente adotados em casos semelhantes, sendo ainda que, e felizmente, em sede de ofensas graves, os casos em estudo, e sem nunca desconsiderar a sua gravidade e sofrimento, estão, repete-se felizmente, longe de ser dos mais graves que infelizmente assolam todos os dias os nossos Tribunais. E por ser assim, e atendendo-se, no mais, ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado, afigura-se-nos como justa, equilibrada e adequada, a fixação de uma compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 8.500,00.» C. Apreciação do recurso
1.Erro de julgamento
É pretensão dos recorrentes a modificação da decisão da matéria de facto em alguns dos seus pontos, porque entendem «ter ocorrido incorrecto julgamento dos factos discutidos nos presentes autos» (conclusão 1.ª).
A decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, nos termos do art. 431.º, b), “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”.
Prevê esta última disposição legal: “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”
Deixando de lado esta última alínea, já que os recorrentes não pretendem qualquer renovação da prova, restam as duas primeiras.
Entendem os recorrentes que este erro ocorreu:
- em parte dos factos provados 3, 12, 21, 23, 27, 31, 33 e 37, para as quais propõem diferente redacção (conclusão 2.ª)
- nos factos provados 3, 12, 21, 23, 27, 31, 33, 37 (noutros excertos), 13, 14, 15, 18, 20, 22, 25, 28, 30, 32, 36, 38, 40, 43, 44, 46, 48, 63, 68, 80, 108 e 146, que pretendem sejam considerados não provados (conclusão 3.ª).
Os recorrentes observaram o requisito da alínea a), porque especificaram os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, bem como o destino que se lhes afigura que deviam ter tido (nuns casos propondo nova redacção, noutros pretendendo que sejam considerados não provados).
Já quanto ao da alínea b), os recorrentes limitam-se a indicar, na motivação e a propósito de vários factos que colocam em crise, os meios de prova testemunhal, por declarações (do arguido) e prestação de esclarecimentos (da perita) que, na sua perspectiva, deviam ter determinado sorte diversa àqueles; porém, esquecem-se de que é requisito essencial de aplicação dessa alínea o previsto no art. 412.º, n.º 4: “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, (…) devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” São essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal, sem prejuízo de outras que considere relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Porém, em vez de indicar essas passagens, os recorrentes limitaram-se, em sede de motivação, a referir as horas, minutos e segundos da gravação em que cada um deles (depoimentos, declarações e esclarecimentos) começa e acaba: tal significa que os invocam no seu todo, sem que tenham feito aquelas especificações exigidas pela lei. Em alguns dos depoimentos, citam frases descontextualizadas, sem que sequer refiram em que momento foram proferidas.
Ora, só com a indicação dos excertos relevantes – e susceptíveis de impor a este Tribunal decisão diversa da recorrida relativamente a cada um dos factos supra referido – é que ficaria preenchido o requisito da invocação das “concretas provas”, exigido pelo art. 412.º, n.º 3, b) como pressuposto essencial para que o Tribunal de recurso aprecie a existência de erro de julgamento.
Devendo as conclusões do recurso ser o resumo das razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, in fine), como é próprio da definição etimológica mais adequada nesta circunstância – “parte final de um texto, raciocínio, discurso, etc., em que se apresenta uma síntese das principais ideias anteriormente desenvolvidas”[6] –, não podem os recorrentes nelas omitir o principal alicerce da sua pretensão: a indicação expressa dos excertos da prova produzida susceptíveis de fundamentar uma alteração da matéria de facto provada que pretendem pôr em causa.
Face à omissão dos recorrentes, também no texto da motivação, de tais especificações, não há lugar “ao convite para correcção, uma vez que tal se traduziria na ultrapassagem do limite que o texto da motivação consiste”[7], limite que é absoluto[8].
Assim, tem este Tribunal de considerar que o recurso, tal como foi interposto, carece das exigências legais necessárias para constituir impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto na 1.ª instância.
É que, ao indicar as provas em causa na sua totalidade, o que verdadeiramente pretendem os recorrentes – e não se permite no âmbito dos recursos no nosso sistema jurídico – é que este Tribunal avalie ex novo essa prova, fazendo tábua rasa da circunstância de já ter havido um órgão jurisdicional – o Tribunal de 1.ª instância – a proceder a essa apreciação.
Lembre-se o óbvio: “a Relação não vai fazer um segundo julgamento da matéria de facto. O seu âmbito de cognição circunscreve-se aos pontos concretos e precisos dessa matéria que sejam contestados e identificados pelo recorrente, a partir das provas específicas por ele indicadas. Só se essas provas impuserem, o que significa determinarem necessariamente, inequivocamente, uma decisão diferente sobre aquele específico ponto, a Relação poderá modificar a matéria de facto (nesse ponto preciso).”[9]
O momento por excelência para apreciação desta matéria decorre na 1.ª instância: “É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.”[10]
Feitas estas breves notas e em suma, do que claramente os recorrentes discordam é da apreciação, por parte do Tribunal a quo, da prova produzida em julgamento, tentando impor a sua própria avaliação; ora, como escreveu o Tribunal Constitucional[11], “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.”
A este propósito, diga-se ainda que, no caso, a motivação do acórdão (conforme B.3. supra) é não só de um grande detalhe – remetendo até para cada um dos factos provados e não provados no seu decurso –, mas também se mostra coerente, respeitando os limites do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º: a cada passo são explicados os fundamentos da convicção do Tribunal, com um raciocínio claro e cristalino, que assenta em passos seguros e devidamente encadeados, respeitando em absoluto as regras da experiência comum e, quando foi o caso, aplicando de forma correcta o princípio in dubio pro reo, ao dar como não provados factos para os quais se considerou não haver suficientes elementos demonstrativos.
Isto posto, e por falta de cumprimento dos requisitos legais da invocação do erro de julgamento, deve o recurso improceder nesta parte.
2.Nulidade da junção aos autos das declarações de IRC da arguida
Vêm os recorrentes invocar tal nulidade, alegando que estes elementos foram juntos aos autos sem prévio despacho, não lhes tendo sido notificados, pelo que houve «violação dos princípios do dispositivo e da defesa e do contraditório.» (conclusões 4.ª a 8.ª).
Em causa estão as declarações de IRC da recorrente, relativas aos anos entre 2017 e 2021 (ref.ª ...51), que serviram para a prova dos factos 57 a 61.
Importa perceber como e porquê chegaram tais documentos aos autos.
Ora, perscrutadas as actas das oito sessões da audiência de julgamento em que houve produção de prova (entre ../../2022 e ../../2023), em nenhuma delas – nem, aliás, em qualquer despacho anterior – foi ordenada pelo Tribunal a quo, oficiosamente ou a requerimento, a averiguação da situação fiscal da arguida.
A leitura do acórdão[12] foi designada para 1 de Fevereiro seguinte (ref.ª ...52).
Só após o encerramento da discussão, e com data de 30 de Janeiro de 2023, consta dos autos um ofício (ref.ª ...17), assinado pela Mm.ª Juiz titular do processo e com nota de muito urgente, dirigido ao Serviço de Finanças ..., solicitando informação sobre se a arguida apresentara declaração de IRS/IRC nos últimos 5 anos, e na afirmativa, o envio das cópias de tais rendimentos e suas notas de liquidação.
Estas declarações foram remetidas ao processo pela Autoridade Tributária por ofício do mesmo dia (ref.ª ...51).
Seguiu-se a leitura do acórdão, a 1 de Fevereiro, na presença do arguido (ref.ª ...27), e seu depósito dois dias depois (ref.ª ...93).
O acto subsequente dos arguidos foi a interposição de recurso (ref.ª ...78).
Nos termos do art. 165.º, n.º 1, o documento “deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”, devendo ficar assegurada, “emqualquer caso, a possibilidade de contraditório, para realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.” (n.º 2 do mesmo artigo).
No mesmo sentido vai o art. 340.º, n.º 2, relativo aos meios de prova ordenados pelo Tribunal, oficiosamente ou por requerimento: “Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.”
No caso, as citadas declarações de IRC da recorrente foram juntas por iniciativa do Tribunal a quo – conforme o citado ofício –, mas após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, sem que fosse dado conhecimento aos sujeitos processuais e estando ausente o exercício do contraditório.
É evidente que o princípio do contraditório é basilar em processo penal: o arguido deve ter conhecimento de todas as provas que são juntas aos autos, para em relação às mesmas assumir a posição que entender (podendo até nada dizer).
Porém, não deixa de ser verdade, como lembra o Ministério Público em 1.ª instância, que os documentos em causa estão longe de ser novos para os arguidos: sendo declarações de IRC, foram por eles elaborados (ou a seu mando, por contabilista) e as informações deles constantes são da sua inteira responsabilidade. Qualquer contribuinte sabe o decisivo papel que desempenham essas declarações, quer para a sua tributação, quer para uma eventual inspecção de que venha a ser objecto pela Autoridade Tributária.
Tal significa que, mesmo não lhe tendo sido dada a possibilidade de exercer o contraditório (que deveria ter existido, de acordo com as normas supra citadas), não são estas declarações um elemento de prova que possa constituir uma total surpresa ou que contenham dados que são alheios aos recorrentes.
Terá o Tribunal a quo cometido alguma nulidade com aquela (tardia) junção?
A “violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” (art. 118.º, n.º 1, com a epígrafe “princípio da legalidade”); nos casos “em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” (n.º 2 do mesmo artigo).
Lido o art. 119.º, é evidente não se estar perante o caso de qualquer nulidade insanável, única que tem de ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo; estes vícios dizem respeito à violação de disposições essenciais do nosso processo penal – constituição do Tribunal, papel do Ministério Público, ausência de arguido ou defensor em acto processual, falta de inquérito, violação das regras de competência do Tribunal e emprego de forma de processo especial –, de tal forma que inquinam decisivamente todo o seu decurso e validade.
Quanto às nulidades dependentes de arguição, previstas no art. 120.º, n.º 2, também em nenhuma delas se enquadra a situação dos autos: a não ser o caso da primeira, que se refere à forma de processo, as demais reportam-se a ausências e falta de diligências, o que não é aqui o caso.
Há, assim, que considerar a válvula de segurança que constitui a irregularidade (art. 118.º, n.º 2); a seu propósito, prevê o art. 123.º, n.º 1: “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.”
No caso, não podiam os arguidos ter invocado este vício antes da leitura do acórdão, uma vez que as declarações de IRC foram juntas aos autos dois dias antes deste, como se viu, e sem que os sujeitos processuais disso tivessem conhecimento; porém, a partir, ao menos, do depósito do acórdão – a 3 de Fevereiro de 2023 –, tomaram certamente os arguidos conhecimento de que aqueles documentos não só se encontravam nos autos mas também que tinham servido para alicerçar a convicção do Tribunal.
Por isso, tinham a possibilidade de, nos três dias seguintes, arguirem a irregularidade junto do Tribunal a quo.
Não o tendo feito, está a irregularidade sanada.
Isto posto, deve este segmento do recurso improceder, uma vez que inexiste a nulidade invocada.
3. Aditamento aos factos provados 57 a 61
Na improcedência da arguição da nulidade, vêm os recorrentes requerer que, com base nos mesmos documentos – declarações de IRC – se deverão aditar àqueles factos os resultados líquidos do exercício de cada um dos anos (conclusão 9.ª).
Para apreciar esta pretensão, relembre-se o que retirou das declarações o Tribunal a quo, relativamente à arguida.
«57) No ano de 2017 apresentou um total de rendimento de € 142.302,37 e um volume de negócios de € 125.318,19. 58) No ano de 2018 apresentou um total de rendimento de € 163.155,41 e um volume de negócios de €157.017,68. 59) No ano de 2019 apresentou um total de rendimento de € 249.479,15 e um volume de negócios de € 179.474,10. 60) No ano de 2020 apresentou um total de rendimento de € 226.808,11 e um volume de negócios de 142.521,72. 61) No ano de 2021 apresentou um total de rendimento de € 200.546,30 e um volume de negócios de € 166.978,29.»
Estes valores estão inscritos no campo 11 (“Outras informações”) das cinco declarações de impostos; porém, mais importante e decisivo para a saúde financeira da empresa – e para o cumprimento das suas obrigações fiscais – é a análise dessas declarações no que respeita ao resultado líquido do período em causa.
É que uma sociedade pode ter um grande volume de negócios, e até de rendimentos, mas também há custos a considerar, fixos e variáveis: só sopesando ambos os factores se poderá apreciar se o resultado da actividade é ou não compensador para a empresa.
Ora, esse resultado líquido – constante do campo 7 da declaração modelo 22, e um dos elementos do apuramento do lucro tributável –, que tem por base os elementos da obtidos na contabilidade da empresa (e é demonstrado na declaração anual de informação contabilística e fiscal, IES, a que se referem os arts. 117.º, n.º 1, c), e 121.º, do Código do IRC), não foi tido em conta pelo Tribunal a quo, embora conste das cinco declarações de impostos.
Há, por isso, que acrescentar nos factos provados 57 a 61, ao abrigo do disposto no art. 431.º, a), demonstrada a sua pertinência, face ao requerido e tendo por base as declarações de IRC da recorrente relativas aos anos de 2017 a 2021 (ref.ª ...51), a menção ao resultado líquido de cada um deles, ficando aqueles factos com a seguinte redacção:
«57) No ano de 2017 apresentou um total de rendimento de € 142.302,37, um volume de negócios de € 125.318,19 e um resultado líquido do período de € 1.541,91. 58) No ano de 2018 apresentou um total de rendimento de € 163.155,41, um volume de negócios de €157.017,68 e um resultado líquido do período de € 830,03. 59) No ano de 2019 apresentou um total de rendimento de € 249.479,15, um volume de negócios de € 179.474,10 e um resultado líquido do período de € 8.958,82. 60) No ano de 2020 apresentou um total de rendimento de € 226.808,11, um volume de negócios de 142.521,72 e um resultado líquido do período de - € 4.917,97. 61) No ano de 2021 apresentou um total de rendimento de € 200.546,30, um volume de negócios de € 166.978,29 e um resultado líquido do período de € 414,11.»
Assim, nesta parte deve proceder o recurso, com a aditada redacção destes factos provados.
4. Imputação dos crimes aos arguidos a título de negligência
Uma vez que, à excepção dos aditamentos referidos, a matéria de facto decidida na 1.ª instância não sofreu alteração, fica necessariamente prejudicada a pretensão dos recorrentes no sentido da sua absolvição, quer na parte crime quer quanto aos pedidos de indemnização civil (conclusão 10.ª), já que pressupunha a falta de prova dos elementos objectivos e subjectivos do crime em causa.
Porém, os recorrentes defendem que, a manter-se a matéria provada, devem ser condenados «a título de negligência, por, ainda que tivessem a possibilidade de prever a contaminação das alheiras fornecidas, terem actuado sem se conformarem com a verificação de tal resultado de os alimentos se encontrarem contaminados e impróprios para consumo.» (conclusão 11.ª).
Acrescentam, de forma claramente opinativa, que esta integração dos factos é mais consentânea «com a realidade provável dos factos e sobretudo, com a idoneidade, o carácter e a personalidade dos Arguidos» (conclusão 12.ª), argumento que, pela sua irrelevância jurídica, nem sequer pode ser considerado nesta sede.
Diga-se que, a respeito da incriminação da conduta dos recorrentes, o acórdão recorrido é bastante detalhado e rigoroso, explicando a complexidade do tipo de crime que está em causa, de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais (art. 282.º do Código Penal):
“1-Quem: a) No aproveitamento, produção, confecção, fabrico, embalagem, transporte, tratamento, ou outra actividade que sobre elas incida, de substâncias destinadas a consumo alheio, para serem comidas, mastigadas, bebidas, para fins medicinais ou cirúrgicos, as corromper, falsificar, alterar, reduzir o seu valor nutritivo ou terapêutico ou lhes juntar ingredientes; ou b) Importar, dissimular, vender, expuser à venda, tiver em depósito para venda ou, por qualquer forma, entregar ao consumo alheio substâncias que forem objecto de actividades referidas na alínea anterior ou que forem utilizadas depois do prazo da sua validade ou estiverem avariadas, corruptas ou alteradas por acção do tempo ou dos agentes a cuja acção estão expostas; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos. 3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
É evidente – e nem sequer posta em causa neste segmento do recurso – a verificação dos elementos objectivos do crime por parte dos recorrentes (a arguida, como empresa em que se confeccionam e comercializam produtos alimentares, e o arguido como seu gerente e único responsável): aquela, com a supervisão deste, produziu alheiras em deficientes condições higiénico-sanitárias, que depois comercializou, acondicionando-as ainda sem respeitar as temperaturas de refrigeração adequadas, o que era susceptível de criar perigo para a vida ou a integridade física de quem viesse a consumir tais produtos; esse perigo verificou-se, uma vez que, depois de comidas por quatro pessoas, essas alheiras causaram a cada uma delas intoxicação alimentar por toxina botulínica.
Relativamente ao tipo subjectivo deste crime, desdobra-se em três possibilidades, à semelhança, por exemplo, do crime de incêndio florestal (art. 274.º do Código Penal):
- a conduta reveste um duplo dolo, na actividade (a forma como fabrica e/ou conserva o produto) e na criação do perigo (n.º 1 do art. 282.º);
- há apenas dolo na acção, mas negligência na criação do perigo (n.º 2 do mesmo artigo); e
- quer a acção quer a criação do perigo são apenas imputáveis ao agente a título de negligência (n.º 3).
A cada uma destas três hipóteses aplica-se, naturalmente, diferente pena, por ordem decrescente de gravidade.
Ora, os factos provados nos autos não deixam quaisquer dúvidas quanto à subsunção da conduta dos arguidos no n.º 2 do art. 282.º (por referência ao n.º 1, a) e b), quanto à sua descrição concreta)[13]:
- «43) O arguido AA agiu nos sobreditos termos sempre por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, no intuito, concretizado, de confecionar, fabricar, embalar, transportar e expor para venda e vender as alheiras referidas nos termos supra referidos, que se destinavam ao consumo alheio, para serem ingeridas, tendo-as colocado no mercado nacional e procedido à sua venda direta, bem sabendo que as mesmas poderiam estar corrompidas por terem sido produzidas, acondicionadas e transportadas nos termos referidos, resultado que previu como possível e com o qual se conformou. 44) O arguido, também na qualidade de legal representante da sociedade arguida e na prossecução do seu escopo lucrativo e objeto social, conhecia todas as normas aplicáveis à produção, confeção, embalamento, acondicionamento, transporte, exposição para venda e venda, dos produtos alimentares em causa dos autos; contudo, e apesar de ser capaz da sua implementação e prever como possível que, ao não cumprir com as normas aplicáveis e com as regras de higiene e sanitárias destinadas à proteção dos consumidores, os meios de produção e de transporte usados eram aptos à contaminação e propagação de bactérias e, consequentemente, à produção de neurotoxinas que poderiam molestar o corpo, a saúde e a vida dos seus consumidores, conformou-se com tal realização. 45) Mais sabia o arguido, também por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, que o uso de rotulagem com aparência de cumprimento das normas legais aplicáveis, poderia induzir a crença nos consumidores e em particular nos ofendidos da fiabilidade da informação ali vertida, resultado que igualmente previu como possível e com o qual se conformou. 46) Ao agir do modo descrito, o arguido, por si e no interesse e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, provocou, dessa forma, a intoxicação alimentar pela toxina botulínica nos assistentes BB, CC e CC e no ofendido FF criando, dessa forma, perigo para a vida e para a integridade física dos mesmos, bem como as mencionadas ofensas ao corpo e saúde dos mesmos, causando-lhes dor, sofrimento físico e as lesões supra descritas, afetando-lhes, de maneira grave, a capacidade de trabalho, a capacidade de fruição sexual, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, provocando-lhes doença particularmente dolorosa, bem como perigo para a vida, resultado que, tendo previsto como possível todavia não antecipou e com o qual se não conformou. 47) Assim, apesar de ter admitido como possível que da sua conduta poderiam advir para os ofendidos as lesões supra descritas, o arguido atuou, confiando que esse resultado não se verificaria.»
Nos termos do art. 14.º, n.º 3, do Código Penal, “Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.”.
É o chamado dolo eventual, a sua forma menos grave mas, ainda assim, não confundível com a negligência, em que não há essa conformação (se for consciente) ou o agente nem sequer representa a possibilidade de estar a realizar um facto que preenche um tipo de crime (negligência inconsciente) – art. 15.º do Código Penal.
As definições e fronteiras destes dois conceitos estão amplamente descritas no acórdão recorrido (supra, B.4.), com citações oportunas de doutrina e jurisprudência, a que não se vislumbra necessidade de acrescentar outras.
Assim, quanto à actividade do arguido descrita nos autos (por si e em representação da arguida), de confecção e acondicionamento das alheiras, apenas se provou, precisamente, a existência de dolo eventual: o arguido sabia que tais produtos podiam estar corrompidos, pela forma como foram produzidos, acondicionados e transportados – é isso que significa “prever como possível” – e, mesmo assim, não só os confeccionou daquela forma como os comercializou, transportou e rotulou, aceitando a existência dessa possibilidade (a aludida “conformação”).
Portanto, nesta parte – a da actividade –, não restam dúvidas de que o arguido agiu com dolo eventual, e não com negligência, como alega em sede de recurso.
Já quanto à criação do perigo para a vida ou a integridade física de outrem, a conduta do arguido, por si e como representante da arguida, é de negligência consciente (alínea a) do art. 15.º): apesar de saber que as alheiras corrompidas poderiam causar aqueles perigos para quem as comesse, o arguido não antecipou tal resultado, ou seja, confiou que ele não se verificaria.
Daí que os quatro crimes – agravados pelo resultado nos termos dos arts. 285.º e 144.º, b), c) e d), do Código Penal – cometidos pelos arguidos sejam de enquadrar no n.º 2 do art. 282.º do mesmo Código, tal como o tinha já feito o Tribunal a quo.
A este respeito, e como bem faz notar o Ministério Público no parecer dos autos, importa apenas, nos termos do art. 380.º, n.º 1, b) e n.º 2, corrigir o lapso de escrita no dispositivo do acórdão, nele se acrescentando, relativamente a ambos os arguidos, a referência ao n.º 2 daquele art. 282.º, uma vez que o Tribunal a quo a omitiu.
No mais, nada há a alterar à qualificação jurídica da conduta dos recorrentes feita no acórdão recorrido.
5. Atenuação especial da pena do arguido/diminuição da pena de ambos os arguidos
Relativamente à primeira pretensão, invocam os recorrentes a circunstância de os factos datarem de 2015, não terem antecedentes criminais e estar o arguido inserido social, familiar e profissionalmente (neste caso, há mais de 30 anos e sem antecedente semelhante), chamando à colação o que a esse respeito se provou, bem como a boa conduta posterior, para afirmar estarem diminuídas «de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa dos Arguidos e a necessidade da pena»; apontam, por isso, para a aplicação ao recorrente de uma pena nunca superior a 3 meses de prisão, a substituir por multa (conclusões 13.ª a 17.ª).
Nos termos do art. 72.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal “atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”.
Como o próprio uso do adjectivo “especial” indica, esta atenuação só deve ser aplicada em casos excepcionais – “em situação em que seja de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura penal abstracta prevista para o tipo legal em causa”[14] –, e é uma faculdade do Tribunal, a analisar perante os condicionalismos do caso concreto.
O n.º 2 fornece exemplos de circunstâncias que devem ser consideradas para aplicação deste instituto, podendo desde já dizer-se que nenhuma das três primeiras se verifica: inexistem rastos de o recorrente ter actuado sob ameaça ou sob ascendente de pessoa de quem dependa – alínea a) –, de haver motivo honroso para a conduta, forte solicitação ou tentação das vítimas, provocação injusta ou ofensa imerecida – alínea b) –, nem de ter havido actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, “nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados” – alínea c).
Nesta última, não está em causa a simples contrição do arguido, ou sequer a sua manifestação, mas acções que contrariem a anterior prática do crime, nas quais avulta o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelas vítimas. É evidente não ter sido o caso dos autos, uma vez que está ainda pendente o pagamento da indemnização civil aos lesados, sem que se tenha demonstrado que os recorrentes adiantaram algum valor a estes.
Relativamente à alínea d) do art. 72.º, n.º 2 – ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta –, é verdade que não há registo nos autos de qualquer actuação ilícita posterior à dos autos, e que o recorrente está bem integrado, familiar e profissionalmente.
Porém, além dessa boa conduta ser o que se espera de todos os cidadãos – e por isso não especialmente digno de nota –, a lei não define (como não poderia) o que considera ser “muito tempo”.
Os factos datam do 2.º semestre de 2015, tendo-se iniciado o inquérito logo a 17 de Setembro, durante o qual foi necessária a realização de perícia aos produtos alimentares, com vários ensaios, e exames médicos aos ofendidos, além da inquirição de 35 testemunhas, interrogatório do arguido e diligências várias das autoridades de saúde.
A acusação data de 6 de Janeiro de 2021, foi recebida a 27 de Julho seguinte e, embora a primeira data prevista para a realização do julgamento fosse de 29 de Novembro desse ano, acabou por apenas se iniciar apenas 10 meses depois, por impedimento de constituição do Tribunal e pela pendência de outros processos de carácter mais urgente. Como já se referiu, a audiência de julgamento teve oito sessões, sendo o acórdão da 1.ª instância de 1 de Fevereiro de 2023 (ou seja, 7 anos e meio depois dos factos).
Muito se escreve e debate sobre o tempo da justiça, esquecendo que cada processo tem as suas particularidades e exigências, não só quanto ao apuramento dos factos mas também relativas às garantias de defesa quer dos arguidos quer das vítimas. Por outro lado, o tempo é sentido de forma diferente por cada interveniente: para os lesados – ou seja, as vítimas do crime –, não será intolerável ter tido de esperar quase dez anos por um desfecho? Para o arguido, cujo primacial desejo era a absolvição, o tempo que invoca a seu favor também foi necessário para exercer o seu direito de defesa, quer na 1.ª instância quer neste Tribunal.
Não se pode, por isso, dizer que tenha decorrido muito tempo sobre a prática do crime, para os efeitos da aplicação do art. 72.º, n.º 2, d).
Mas, mais importante, nada há nos autos donde seja possível retirar a existência de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto – que, como bem se assinala no acórdão recorrido, é elevada, tendo em conta «a imponderação e ligeireza com os arguidos praticaram os factos, atendendo apenas ao seu ponto de vista pessoal, e ao seu louvável amor à terra, mas sem consideraram os riscos ou medirem consequências», não se podendo aqui esquecer que se trata de crimes que atingiram bens de natureza pessoal, com perigo para a vida – da culpa do agente (também elevada porque, precisamente pela sua ligação ao comércio alimentar ter já uma década – facto provado 50 –, lhe era exigível outra diligência na sua conduta) ou sequer da necessidade da pena, uma vez que o arguido mostra, como se diz no acórdão recorrido, «possuir um reduzido, quase inexistente, juízo crítico quanto à ilicitude da sua conduta, (…) e se mantém na atividade de restauração.»
Ou seja, não havendo sequer elementos susceptíveis de preencher os requisitos do art. 72.º, n.º 1, está fora de causa aplicar ao recorrente a atenuação especial das penas.
Com argumentos semelhantes aos esgrimidos na questão anterior, pretende o recorrente ver diminuída cada pena parcelar de prisão para uma não superior a 6 meses e, em cúmulo jurídico, não superior a 1 ano (conclusões 18.ª a 20.ª), e à recorrente aplicada uma pena de admoestação, multa parcelar de não mais de 60 dias e, em cúmulo jurídico, de 120 dias de multa, redução do montante da pena única de multa, bem como do prazo de manutenção da caução, para 2 anos (conclusões 21.ª a 24.ª).
No que respeita ao recorrente, nada sendo trazido de novo pelo recurso – a não ser a afirmação, por outras palavras e com mais adjectivos, do que já se mostrava provado nos autos (factos 49 a 56) – deve este Tribunal analisar de forma breve o acórdão recorrido na forma como fundamentou a medida das penas.
Ora, além de aí terem sido invocadas as normas relevantes – arts. 40.º e 71.º do Código Penal, pilares fundamentais de qualquer operação de escolha e medida da pena –e jurisprudência a seu propósito, verifica-se (conforme B.5. supra) que o Tribunal a quo se centrou de forma ajustada e incisiva no caso concreto.
Assinalou:
- a significativa gravidade das consequências, com danos físicos e psicológicos para os lesados, bem como os períodos de doença e recuperação de cada um;
- a gravidade da ilicitude e da culpa, nos termos já supra referidos a propósito da atenuação especial, mas não se esquecendo de mencionar o dolo eventual na actividade;
- as elevadas necessidades de prevenção geral, por causa da natureza dos bens jurídicos protegidos e do sentimento de insegurança que crimes deste tipo causam na população, exigindo a reacção do sistema judicial (sublinhe-se que a falta de confiança da comunidade neste tipo de produtos é susceptível de afectar gravemente o tecido social, uma vez que a alimentação é uma das necessidades básicas);
- as medianas necessidades de prevenção especial, valorizando a favor do arguido a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção laboral, familiar e social, e contra o já supra aludido escasso juízo crítico do arguido relativamente à sua conduta, apesar de continuar no ramo da restauração;
- não se esqueceu de que o modo de execução do crime não se mostrou elaborado.
Todas estas considerações encontram pleno acolhimento nos factos provados, sendo adequadas ao caso concreto.
E foram todos aqueles factores – aos quais não se vislumbra pertinente acrescentar qualquer outro – que levaram o Tribunal a quo a encontrar as penas:
- no caso do recorrente, entre o mínimo de 40 dias e o máximo de 6 anos e 8 meses de prisão (arts. 282.º, n.º 1, a) e b), e n.º 2, 285.º e 144.º, b), c) e d), todos do Código Penal), uma pena de 2 anos de prisão por cada um dos quatro crimes;
- no caso da arguida, entre o mínimo de 10 dias e o máximo de 800 dias (art. 90.º-B, nºs. 1 e 2, do Código Penal), a pena de 240 dias por cada crime.
Como se vê, foram particularmente relevantes as exigências de prevenção, sobretudo geral (art. 71.º, n.º 1, parte final, do Código Penal), perante as quais importa encontrar “dentro da moldura penal prevista na lei (…) uma sub moldura adequada ao caso e aferida pelas necessidades de prevenção geral positiva. O limite inferior dessa sub moldura corresponderá então ao mínimo de pena suportável pela comunidade, em face do facto, e o limite superior à medida óptima de defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime. Dentro desta sub moldura, configurada pelas exigências de prevenção geral de integração haverá que encontrar então, um “quantum” certo de pena, ditado pelas necessidades de prevenção especial.”[15]
Ora, face ao elenco de circunstâncias invocadas a este respeito pelo Tribunal a quo e supra referida, que se subscrevem, entende-se que o mínimo desta sub moldura penal nunca poderia ser inferior, para o recorrente, aos 2 anos de prisão (que se situa em menos de 1/3 do máximo da pena e mais de 1 ano e 3 meses abaixo do termo médio); o mesmo se diga para a recorrente, porquanto este termo se situa nos 395 dias de multa e a pena fixada é bem inferior a 1/3 do respectivo máximo.
Diga-se que, além de todas as outras circunstâncias já consideradas, bastaria a existência de dolo na actividade e as consequências dos crimes para afastar liminarmente a possibilidade de aplicação da pena de 6 meses de prisão preconizada pelo recorrente – bem como a de 60 dias para a recorrente –, porque se afigurariam, pela sua proximidade do mínimo legal, como prémios para as condutas em apreço, em vez de traduzirem a censura penal que estas merecem.
Assim, nenhum fundamento existe para alterar as penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido, que se mostram perfeitamente adequadas, por não ultrapassarem a medida da culpa do art. 40.º, n.º 2, do Código Penal, e serem exigíveis pelas necessidades de prevenção no caso concreto.
Aliás, só em caso de manifesta desadequação (o que aqui não se verifica) haverá fundamentos para alterar as penas fixadas em 1.ª instância, dada a imediação de que o Tribunal a quo beneficia: “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos critérios legalmente apontados”[16].
Quanto ao cúmulo jurídico, também questionado pelos recorrentes, cabe lembrar que, tendo os arguidos sido condenados em várias penas parcelares, e nos termos do art. 77.º, n.º 1, e n.º 2, do Código Penal, deve o agente ser condenado numa única pena, cujo limite mínimo é a pena parcelar mais alta – no caso, 2 anos de prisão para o recorrente e 240 dias de multa para a recorrente – e o limite máximo é da soma material das penas (8 anos de prisão para o arguido e 960 dias de multa para a sociedade).
Conforme a primeira dessas normas, os elementos a considerar para a medida da pena são, em conjunto, “os factos e a personalidade do agente”, sendo que, no caso de se tratar de uma pessoa colectiva, a personalidade que importa é a de quem agiu no respectivo interesse.
Ora, é desde logo evidente que, não tendo sido atendidas as pretensões dos recorrentes quanto às penas parcelares, é inviável que as penas únicas por eles defendidas – respectivamente, 1 ano de prisão e 120 dias de multa – lhes sejam fixadas nesta sede, porque ambas são inferiores aos citados limites mínimos.
Também aqui não se encontram (novos ou antigos) fundamentos para alterar o juízo feito pelo Tribunal a quo, no que respeita ao recorrente: aí foram considerados a falta de antecedentes criminais e excluída a existência de uma tendência para o crime, bem como a circunstância de os quatro crimes terem sido praticados «no mesmo contexto factual, de forma simultânea e não sucessiva», fundamentos para a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão; tal pena não se afigura desproporcionada (embora esteja acima do termo médio da soma material das quatro penas), sobretudo tendo em conta as consequências dos factos para a saúde e integridade física das quatro vítimas.
Relativamente à sociedade arguida, considerando estas consequências e uma vez que a sua culpa é proporcional à do recorrente, que agiu também em nome dela, mostra-se adequado que também a pena aplicada seja superior ao respectivo termo médio, ou seja, em 600 dias de multa (à taxa diária de € 100,00, já a mínima legal – art. 90.º-B, n.º 5, do Código Penal). Esta pena única afasta liminarmente a possibilidade de aplicar uma admoestação, porquanto o respectivo pressuposto material é que a pena de multa a aplicar não seja superior a 240 dias (art. 90.º-C, n.º 1, do Código Penal).
Finalmente, e no que respeita à substituição da multa aplicada à recorrente por prestação de caução, no valor de € 65.000,00, a recorrente apenas questiona o prazo de manutenção da caução, pedindo que seja diminuído para 2 anos, face ao tempo decorrido desde os factos e à actual inactividade da empresa. Fica prejudicada a pretensão do valor da caução, condicionado que estava, nos termos do recurso, à peticionada redução da multa, sem êxito.
Nos termos do art. 90.º-D, n.º 1, o prazo da caução de boa conduta a prestar pela pessoa colectiva pode ir de um a cinco anos, sendo o valor perdido a favor do Estado “se a pessoa colectiva (…) praticar novo crime pelo qual venha a ser condenada no decurso do prazo, sendo-lhe restituída no caso contrário” (n.º 2 do mesmo artigo).
A lei é, portanto, omissa nos pressupostos a ter em conta para a escolha, pelo julgador, do prazo mais adequado de manutenção da caução, tal como acontece noutra pena de substituição, mas para as pessoas singulares (a suspensão da execução da pena de prisão, conforme art. 50.º, n.º 5, do Código Penal); valem, por isso, os fins das penas (art. 40.º, n.º 1), a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Ora, resulta da (nova) redacção dos factos provados 57 a 61 que, à excepção de um pico de sucesso em 2019, os lucros da recorrente nos dois anos anteriores não tinham sido elevados, tendo a empresa registado prejuízo em 2020 (natural, face ao contexto da pandemia de Covid-19) e escassos proventos no ano seguinte, ainda limitado pelo mesmo motivo.
À data do acórdão da 1.ª instância (Fevereiro de 2023), a recorrente encontrava-se com actividade cessada para efeitos de IVA (facto provado 62), prática a que se recorre quando se tenciona deixar de exercer actividade por um período prolongado.
Embora tal cessação não impeça a sociedade de retomar a actividade a qualquer momento, bastando para isso que informe a AT, não deixa de ser sinal de que a arguida goza de pouca saúde financeira, além de ser difícil vislumbrar que se possa reerguer em prazo curto e voltar ao circuito comercial.
Sendo o prazo da caução de boa conduta um meio dissuasor da prática de novos crimes – perante a perspectiva da perda do respectivo valor –, afigura-se que a situação concreta da recorrente justifica a diminuição pretendida daquele prazo: carece de fundamento que uma empresa sem actividade presente e com uma condenação como a dos autos corra maiores riscos de reincidir na prática de crimes pela circunstância de o prazo da caução ser o máximo previsto na lei.
Assim, terá o recurso provimento, no que respeita às penas, tão só na redução do prazo da prestação de caução de boa conduta (no valor de € 65.000,00, por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança), de 5 anos para 2 anos.
No mais, são de manter as penas fixadas pelo Tribunal a quo, não logrando o recurso provimento nesta parte. 6. Revogação da condição de pagamento aos demandantes civis
Entendem os recorrentes que o estabelecimento da condição de pagamento para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente não tem base legal, porque «inexistem factos suficientes para validar o juízo de prognose de razoabilidade àcerca da possibilidade financeira do Recorrente satisfazer tal condição» e porque não se apuraram as suas condições económicas reais, assegurando a simples suspensão as finalidades da punição (conclusões 25.ª a 29.ª).
Nos termos do art. 50.º, n.º 2, do Código Penal, “se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição”, o tribunal subordina a suspensão da execução da pena de prisão, “nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres” – na parte que aqui interessa, já que o art. 51.º, n.º 1, a), versa precisamente o dever de pagamento “dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado”.
Portanto, é evidente que há base legal para fazer acompanhar a suspensão da execução da pena ao citado dever de pagamento.
Por outro lado, acompanha-se inteiramente o acórdão recorrido quando considera que, nesta situação concreta, as finalidades da punição não se bastam com a simples suspensão da execução da pena, mas devem incluir a obrigação de pagamento aos lesados.
É que, embora os ilícitos dos autos configurem crime de perigo comum (daí a sua inclusão no Capítulo III, com essa epígrafe, do Título IV – crimes contra a vida em sociedade – do Livro II do Código Penal), não se pode esquecer que houve resultados graves para quatro vítimas, três das quais deduziram pedido de indemnização civil contra os arguidos. Tratam-se de cidadãos que confiaram na origem das alheiras e confiadamente as consumiram, o que acabou por lhes trazer, a todos, intoxicação alimentar, na forma de botulismo, uma doença grave e potencialmente mortal.
No caso dos três demandantes cíveis/assistentes, e só para referir o mais relevante, o botulismo causou-lhes longos períodos de doença (181 dias para BB, 109 dias para CC e 74 dias para CC), todos com internamento hospitalar, sequelas permanentes para o segundo e uma grave afectação da vida pessoal do último (factos provados 80 a 105), além de muitas dores para todos eles.
Por outro lado, o escasso juízo crítico do recorrente face à sua conduta criminosa reforça a necessidade de imposição deste dever, como mais uma forma de assegurar as finalidades da punição a que alude a parte final do art. 50.º, n.º 1.
Isto posto, esclarece o art. 51.º, n.º 2, que os deveres impostos ao arguido “não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
Vejamos se é esse o caso.
Somadas as indemnizações fixadas em 1.ª instância aos três demandantes, totalizam o capital de € 27.988,21, e o prazo de pagamento é de 5 anos; tal significa que o recorrente só no fim do prazo precisa de ter reunido o valor suficiente para liquidar as indemnizações, embora nada o impeça de o fazer antes.
Mas, se quiser ser previdente e usufruir dos cinco anos, bastará ao recorrente amealhar cerca de € 500,00 por mês para, no fim do prazo, estar habilitado a cumprir a sua obrigação.
Ora, tendo o recorrente 54 anos, mostrado iniciativa empresarial desde cedo (facto provado 50), integrando um agregado que assegura as necessidades básicas e ainda a formação universitária das filhas, é absolutamente razoável – ainda que possa implicar algum sacrifício, aliás inerente a este tipo de dever e aos fins das penas – a exigibilidade daquele pagamento. É que o recorrente tem uma vida activa expectável de pelo menos uma década, está socialmente inserido e é reconhecido pela sua audácia e capacidade de trabalho, tendo por isso condições para obter lucros em actividade comercial, além de as suas dependentes estarem já no caminho de deixarem de o ser, face à fase dos respectivos estudos.
Portanto, o que se apurou nos autos quanto à situação pessoal do recorrente está longe de permitir a conclusão de que se verifica a restrição do art. 51.º, n.º 2, do Código Penal, tudo sem prejuízo da posterior modificação nos termos previstos no n.º 3 do mesmo artigo (que até pode ser em função de uma melhor fortuna do agente e, com ela, encurtamento do prazo de liquidação dos valores em dívida).
Entende-se, por isso, nada haver a censurar ao acórdão recorrido relativamente à imposição da condição de pagamento, o que destina ao malogro esta parte do recurso.
7. Alterações das indemnizações fixadas aos três demandantes
A este propósito, afiguram-se exagerados, aos recorrentes, os valores das compensações fixadas aos três demandantes a título de danos não patrimoniais, tendo em conta as decisões jurisprudenciais, «a mediana gravidade dos danos físicos e psicológicos causados aos lesados, o grau de culpa dos Arguidos, a sua situação económica e a dos lesados», pugnando por uma redução para € 5.000,00 no caso dos demandantes BB e HH e € 6.000,00 para o demandante CC (conclusões 30.ª e 31.ª).
A 1.ª instância fixou tais indemnizações em € 7.500,00 para os dois primeiros e em € 8.500,00 para o terceiro; para tanto, invocou a norma pertinente (art. 496.º do Código Civil), enumerou as consequências do crime para cada um dos demandados e até citou jurisprudência para justificar a opção por compensações mais baixas do que as peticionadas (€ 22.500,00 pela demandante, € 22.000,00 pelo demandante CC e € 10.000,00 por CC).
Sendo tais compensações fixadas equitativamente pelo Tribunal, levando-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado “e as demais circunstâncias do caso” (art. 494.º, por remissão do art. 496.º, n.º 4, ambos do Código Civil), e lida toda a fundamentação do acórdão recorrido sobre tal matéria (supra B.6.), não se descortina qualquer fundamento (pré-existente ou trazido pelo recorrente) para diminuir os valores encontrados pela 1.ª instância.
Já se viu, noutra passagem deste acórdão, que o grau de culpa do agente foi doloso na actividade e negligente na criação do perigo; também a situação económica do arguido foi analisada na questão anterior, não justificando qualquer redução das compensações.
Quanto à situação económica dos lesados, não há traços na matéria provada que permita concluir de forma segura pelo respectivo trem de vida.
O mais relevante é, porém, o que se pode enquadrar no conceito de “demais circunstâncias do caso”, e que o acórdão recorrido escalpeliza: para os três demandantes, a intoxicação alimentar por botulismo foi altamente disruptiva do seu dia-a-dia. Todos eram pessoas em idade activa e, além das dores, dos internamentos e do inimaginável calvário da recuperação (bem como a imprevisibilidade da doença e a dificuldade em descobrir a sua causa), ficaram ainda com várias sequelas – a demandante BB relativas à visão e à força, o demandante CC na fadiga persistente e perda de peso, e o demandante CC intolerância à actividade física e dificuldade em atingir e manter a erecção (certamente por estas circunstâncias se justificando a atribuição de uma maior compensação a este, por comparação com os dois restantes).
Ora, face às consequências dos crimes para os demandantes, se alguma falha se poderia apontar ao Tribunal a quo seria a da parcimónia, e certamente não a do excesso, tanto mais que todos recearam (e com razão) pela sua vida.
A compensação por danos morais nunca pode reparar o que se sofreu, já que o sofrimento e as sequelas não são quantificáveis; mas, à falta de se poder voltar atrás, à fase anterior às consequências do crime – o que certamente os lesados prefeririam, em vez de qualquer valor em dinheiro –, importa que os Tribunais atribuam montantes condignos às vítimas de crime.
E, se tivermos em conta os preços dos telemóveis – que, no topo de gama, ultrapassam os € 1.000,00 –, bem de uso corrente por quase todos, ou a remuneração bruta mensal média[17] em Junho de 2024, de € 1.640,00, é evidente carecerem os recorrentes de razão para fundamentar a redução das compensações fixadas aos demandantes pelo Tribunal a quo, não merecendo o recurso acolhimento nesta parte.
III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- aditar aos factos provados 57 a 61 as referências ao resultado líquido do período, nos termos descritos em II-C.3. deste acórdão;
- acrescentar, nas alínea a) d) do dispositivo do acórdão recorrido, a seguir a «e b)», a referência «e n.º 2»;
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida “EMP01..., Unipessoal, Lda.”, alterando para dois anos o prazo de prestação de caução de boa conduta no valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), confirmando no mais o acórdão recorrido;
- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando, quanto a este, o acórdão recorrido.
Custas do recurso do recorrente a seu cargo, com 3 UC de taxa de justiça.
Sem custas, no caso do recurso da recorrente.
Guimarães, 11 de Fevereiro de 2025
(Processado em computador e revisto pela relatora)
Os Juízes Desembargadores
Cristina Xavier da Fonseca Carlos da Cunha Coutinho Bráulio Martins