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CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
CESSÃO DE CRÉDITO
Sumário
I- Instaurada uma ação nos tribunais estaduais e invocada a exceção de preterição de tribunal arbitral, só em casos de manifesta nulidade, ineficácia ou de inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a exceção. II- No caso de cessão de crédito, a cláusula compromissória aproveita e é oponível aos novos titulares da relação cedida, ao mesmo tempo que continua a aproveitar e a vincular as partes originais de tal relação, na medida em que os direitos substantivos que tal cláusula configurara na sua dimensão processual não tenham deixado de existir entre essas partes. III- O Tribunal da Relação não pode apreciar questão que não tenha sido suscitada no tribunal da primeira instância, na medida em que os recursos servem apenas para reexaminar as decisões tomadas pelas instâncias e não para apreciar questões novas.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:
Com a data de 19.12.2024, foi proferida a seguinte decisão:
“ EMP01... LTDA., CNPJ n.º 07.951.287/0001-84, com sede no Brasil, veio intentar ação comum contra a EMP02..., SAD, NIPC ...40, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), resultante do contrato de cessão de créditos celebrado com a EMP03... LTDA. e aceite aqui pela Ré, acrescida de juros comerciais vencidos até integral pagamento e que ascendiam, até 02 de setembro de 2024, à quantia de € 36.161,09. A Ré, antes de mais, invocou a incompetência dos Tribunais Portugueses, alegando que, ainda que tivesse existido cessão de créditos, nos termos invocados pela Autora – o que desconhece -, o crédito cedido seria decorrente do contrato base, neste caso, o contrato de cedência definitiva de direitos de inscrição desportiva de jogador de futebol profissional, que as partes primitivas sujeitaram à competência dos órgãos jurisdicionais da X e à interpretação de acordo com os regulamentos desta. Notificada a Autora, veio pugnar pela improcedência desta exceção, alegando que não se aplica tal pacto à Autora, por existir uma mera cedência de crédito e não de posição jurídica, pelo que, aplicando-se as regras de competência do Código de Processo Civil, nomeadamente o artigo 71.º, n.º 1, são competentes os Tribunais Portugueses. Cumpre decidir, uma vez que a infração das regras de competência internacional, nos termos dos artigos 96.º alínea a), 99.º, 278º, n.º 1 a), 576º, n.os 1 e 2 e 577.º a) do Código de Processo Civil, determina a incompetência absoluta do tribunal, o que implica a absolvição da Ré da instância.
De acordo com os documentos juntos e não impugnados, resultam provados os seguintes factos:
1. A EMP02..., SAD, aqui Ré, é uma sociedade anónima desportiva sediada em Portugal, que se dedica à prática e desenvolvimento da modalidade de futebol profissional. 2. No passado dia 10 de julho de 2018, a Ré celebrou contrato escrito com a EMP04..., SAD, no Brasil, de cedência definitiva de direitos de inscrição desportiva do jogador profissional de futebol AA nascido a ../../2000, nos termos do doc. 1 junto aos autos e que aqui se dá como reproduzido. 3. Pelos outorgantes foi expressamente prevista na cláusula oitava, que: - o contrato em causa deveria ser interpretado de acordo com o Regulamento X; - em caso de litígio quanto à validade, interpretação ou aplicação do contrato em causa, a Ré e a EMP03..., Ltda obrigaram-se a resolver qualquer questão nos termos que convencionaram, conferindo competência aos órgãos jurisdicionais da X e ao Y (Y), este último em grau de apelação, tendo renunciado a qualquer outro órgão jurisdicional, por mais privilegiado que fosse. 4. Como contrapartida da cedência a aqui Ré comprometeu-se a efetuar os seguintes pagamentos ao EMP03...: a) € 100.000,00 no prazo de 10 (dez) dias após a emissão do CTI do ATLETA via X ... em favor da EMP02... SAD. b) € 100.000,00 em 30 de junho de 2019. 5. O Atleta AA celebrou um contrato com a Ré. 6. Foi junto aos autos um contrato denominado de cedência de crédito celebrado entre o EMP03... e a aqui Autora, como cessionária, em que este se comprometia a ceder e transferir, com carácter definitivo, irrevogável e irretratável, o valor de 170.000 € dos créditos decorrentes da venda dos direitos económicos do atleta AA para a aqui Ré. 7. No dia 21 de agosto de 2018, a Autora, invocando a cedência de crédito emitida pelo EMP03... LTDA, solicitou o pagamento da quantia de € 85.000, tendo a Ré feito a transferência a 16/10/2018. 8. A Ré foi interpelada para pagar pela Autora a 09/08/2024.
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Dispõe o artigo 96.º do Código de Processo Civil que, “Determinam a incompetência absoluta do Tribunal: a) a infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; b) a preterição de tribunal arbitral”. Sob epígrafe “Regime de arguição – Legitimidade e oportunidade”, dispõe o artigo seguinte, no seu n.º 1 que, “a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.” A Ré veio arguir nestes autos a exceção de incompetência com base na preterição de uma cláusula de atribuição da competência, acordada entre as partes originais do contrato. O pacto de jurisdição é o acordo das partes sobre a jurisdição nacional competente, podendo as partes atribuir competência exclusiva, suprimindo a intervenção dos tribunais que seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal. Nos termos do artigo 94.º do Código de Processo Civil, “1 - As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica. 2 - A designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja exclusiva em caso de dúvida. 3 - A eleição do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis; b) Ser aceite pela lei do tribunal designado; c) Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra; d) Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; e) Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente. Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, edição de 2018, páginas 144 a 146, «Os critérios dos art.ºs 62 e 63 definem a competência internacional com origem legal dos tribunais portugueses. Mas, por vezes, tais critérios têm natureza supletiva, sendo permitido às partes convencionarem a competência de um ou mais tribunais para apreciação da causa. (…)». Na situação em apreço, antes de mais, e não sendo um caso de aplicação de direito europeu, há que atender, em princípio, ao convencionado no contrato quanto à competência jurisdicional. A questão levantada pela Ré prende-se com a impossibilidade de lhe ser oposta esta exceção, uma vez que é uma mera cessionária do crédito e não da posição jurídica. A cessão de créditos, prevista no artigo 577.º do Código Civil Português, consiste no contrato pelo qual o credor cede a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito. Por força do disposto no artigo 582.º do mesmo código, importa, na falta de convenção das partes, «a transmissão para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido», por seu turno, o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (artigo 585.º do Código Civil). Na cessão de créditos, o devedor vê alterada a identidade do credor, não podendo ver diminuída, por essa razão, a sua posição contratual, conservando todos os meios de defesa e exceções que podia opor ao credor cedente, não podendo ficar numa posição inferior à que se encontrava (A. Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, 7.ª ed., p. 327). Esta figura jurídica, de resto, também surge com os mesmos contornos no Código Civil Brasileiro, país em que foi celebrado o contrato (artigo 294.º) e no Código Civil Suíço (artigo 169.º do Código das Obrigações), lei subsidiariamente aplicável na X, associação com sede em .... Em Portugal, é largamente aceite pela jurisprudência e doutrina que a cessão de um crédito implica também a transmissão da convenção de arbitragem que exista na relação jurídica a que o crédito transmitido respeita (ver, entre outros, Ac. STJ de 23/04/2020, p. 1556/18.7T8PVZ, www.dgsi.pt). Neste caso, com a cessão parcial do crédito, transmitiu-se também à Autora cessionária as obrigações decorrentes do contrato original, em que se submeteram as questões à competência dos Tribunais da X. Atendendo à vontade das partes de submissão da questão aos Tribunais e regras da X, e atendendo à invocação desta exceção pela Ré, não restará outra opção que não a absolvição da instância. A convenção celebrada pelas partes é válida formal e substancialmente e pode ser oponível à Autora, configurando um misto de pacto de jurisdição e de convenção de arbitragem internacional, uma vez que não estamos perante um verdadeiro conflito de jurisdições entre Estados. Em princípio, cabe ao Tribunal de Futebol da X a decisão de sobre a validade da atribuição, e bem assim, sobre a admissibilidade do processo, não se podendo aqui e neste momento discutir da natureza extintiva ou meramente impeditiva (como defende a Autora) do prazo limite de dois anos previsto para a interposição da ação prevista no artigo 23.º, § 3 do Regulamento sobre o estatuto e a transferência de jogadores da X. Mais uma vez, se reforça que a posição do devedor não pode ser prejudicada pela cessão de créditos e que se a dívida tinha que ser cobrada com os limites acordados pela credora, também a terá de ser pela cessionária. Este facto não configura uma denegação de justiça tendo resultado do acordo das partes, que tem de ser respeitado. Nestes termos, haverá que concluir pela procedência da exceção dilatória invocada pela Ré, e consequentemente declarar a incompetência deste Tribunal, absolvendo a Ré da instância. Valor da ação: 121.161,09 €.- Custas pela Autora (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).”
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É desta decisão que vem interposto recurso pela A a qual terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
“1 – A recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que decidiu julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, tendo absolvido a R. da instância. 2 - Revertendo ao caso em discussão, há que realçar que a cedente apenas transmitiu, onerosamente, ao A.(cessionário),parte do crédito que tinha sobre a R, assim sendo, ocorreu uma cessão parcial do crédito, porquanto a cedente apenas transmitiu 170.000,00€, reservando para si 30.000,00€. 3 - Assim, tendo o cedente transmitido para o cessionário (aqui A.), apenas parte do conteúdo de crédito que tinha sobre o cedido (aqui R.), e não a sua globalidade, e nem sequer o conjunto das obrigações que contraíra face ao mesmo, não tendo transferido, consequentemente, a totalidade da posição contratual, a factualidade apurada não é subsumível à figura da cessão a posição contratual, mas antes ao instituto da cessão de créditos. 4 - O cedente transferiu apenas parte do seu crédito pecuniário para o A., mantendo, porém, os restantes direitos e obrigações constantes do contrato inicialmente subscrito com a R. 5 - A A. não está adstrita à convenção jurisdicional estabelecida no Contrato de Cedência Definitiva de Direitos de Inscrição Desportiva de Jogador de Futebol Profissional, celebrado entre a EMP03... e a R. 6 - No caso concreto, averiguamos que a R., enquanto devedora, invoca o meio de defesa concretizado no pacto convencional de jurisdição previsto no contrato celebrado com a EMP03... Ltda, só que tal meio de defesa, à luz do artigo 585º do CC, não poderá ser oponível à A. 7 - Os factos relativos ao cedente, que a R. invoca na sua contestação, nomeadamente a exceção de incompetência do Tribunal, não podem ser oponíveis à A., visto serem anteriores ao conhecimento da cessão de créditos. 8 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 577º e ss. do C.C. e 71º, nº 1 do C.P.C.. 9 - A eleição do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente, entre outros, os seguintes requisitos: - Ser aceite pela lei do tribunal designado;- Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra -Cfr. artigo 94º, nr. 3, b) e c) do C.P.C.. 10 - Acontece que, no caso dos autos, tais requisitos cumulativos não estão presentes. 11 - Na realidade, o foro eleito pela convenção dos autos não é aceite pela lei do tribunal designado. 12 - O litígio dos autos diz respeito a uma disputa entre um intermediário/agente de futebol do Brasil, a A., e um clube/sociedade desportiva de Portugal, a R.. 13 - Os Estatutos da X definem o Tribunal de Futebol da X no seu artigo 54: ... 14 - O Tribunal de Futebol da X emitirá decisões sobre matérias e disputas relacionadas com o futebol e, designadamente, é constituído pelo “Agents Chamber”/”Câmara dos Agentes” – artigo 54, 1.c) dos Estatutos da X. 15 - Por sua vez, o Regulamento dos Agentes de Futebol da X/X, estabelece no seu Artigo 20 a Jurisdição: ... 16 - Daqui decorre que a jurisdição do Agents Chamber se baseia, para além do mais, num Contrato de Representação com dimensão internacional. 17 - A este respeito, o artigo 2, nr. 2 do Regulamento dos Agentes de Futebol da X/X, estabelece as regras para o Contrato de Representação:... 18 - Por outras palavras, a X terá jurisdição para resolver litígios que envolvam Agentes de Futebol em relação a Acordos de Representação com dimensão internacional. 19 – Sendo que a Câmara de Agentes do Tribunal de Futebol ficou de tratar de quaisquer litígios a partir de 1 de outubro de 2023 e relativos a Contratos de Representação celebrados por um agente de futebol e Clientes a partir dessa data. 20 - Todas as outras disputas permanecerão com os órgãos de resolução de litígios relevantes das associações membros da X. 21 -Sucede, porém, que a 30 de Dezembro de 2023, a X emitiu a CIRCULAR NO. 1873 -... 22 - De cujo teor resulta que o Tribunal Distrital de Dortmund (Landgericht Dortmund) caso 8 O 1/23, em 24 de maio de 2023, decidiu uma injunção (a “Injunção”) contra certos aspetos do ... e impôs à X a suspensão da aplicação e execução de determinadas disposições do ..., a saber: a regra da submissão (artigo 4.º, n.º 2; artigo 16.º, n.º 2, alínea b); artigo 3.º parágrafos 2 c) e d); artigo 20.º; e artigo 21.º) 23 - Tendo em conta o exposto, em 30 de Dezembro de 2023, o Gabinete do Conselho aprovou o suspensão temporária mundial das regras ... afetadas pelo acima referida Decisão do tribunal alemão, até que o Tribunal de Justiça Europeu profira uma decisão final no procedimentos pendentes relativos ao .... 24 - Por conseguinte, o Agents Chamber do Tribunal de Futebol da X não pode decidir sobre a validade da atribuição da competência, assim como não pode decidir sobre a admissibilidade do processo, uma vez que não está em funcionamento, por estar suspenso em virtude de decisão da X comunicada pela Circular No. 1873. 25 - Por outro lado, a eleição do foro também não se justifica por nenhum interesse sério da R. envolve até inconveniente grave para ambas as partes. 26 - A matéria de facto e de direito em discussão nos autos é passível de ser analisada e decidida no Tribunal Português. 27 - Acresce que a R. tem a sua sede na Rua ..., ... ..., Portugal. 29 - Pelo que a discussão do caso no Tribunal fora do seu domicílio não é do seu interesse, por razões de economia de meios e logísticas. 30 - Sendo que, por força do supra exposto, o foro convencionado apresenta inconvenientes para ambas as partes, porquanto não está em funcionamento. 31 - O que representa uma denegação de justiça e uma violação da garantia de acesso aos Tribunais, com violação do disposto no artigo 3º do C.P.C. e artigo 20º da CdRP. 32 - Donde resulta que a posição da A. como credora fica claramente prejudicada com o foro convencionado, o qual, aliás, não lhe pode ser oponível, tanto assim que a dívida ficaria sem poder ser cobrada. 33 - A convenção celebrada não é válida formal nem substancialmente e não pode ser oponível à Autora. 34 - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, designadamente nas normas previstas no art.71º do CPC. 35 - Além disso, o R. realizou mesmo um pagamento à A. em razão do contrato de cessão de crédito em causa, (Cfr. Doc.6 da Petição Inicial). 36 - O que configura um facto que comprova a causa de pedir na ação, atinente ao contrato de cessão de créditos realizado. 37 - Assim, a R. procedeu ao pagamento da quantia peticionada pela A., reconhecendo, por consequência, a existência e validade do contrato de cessão de créditos. 38 - Razão pela qual os Tribunais portugueses são competentes, também ao abrigo da alínea b) do preceito legal supramencionado, o que determina a inevitável improcedência da exceção dilatória de incompetência do Tribunal invocada pela R. 39 - As circunstâncias factuais do caso concreto revelam que estamos perante uma causa de cariz transnacional, uma vez que o contrato que configura a causa de pedir foi celebrado no Brasil, mas versou sobre a cessão de crédito sobre uma dívida devida por uma entidade portuguesa. 40 - A legislação portuguesa, como as dos demais países, define os critérios em função dos quais reconhece aos tribunais portugueses competência internacional, os quais estão contidos, como já vimos, nos artigos 62.º, 63.º e 94º do Código de Processo Civil. 41 - No entanto, nos termos do artigo 59º do Código de Processo Civil, esses critérios não prejudicam o que “se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais”. 42 - Aqui chegados, cumpre desde logo referir que não existe qualquer instrumento internacional que vincule em simultâneo, e de forma recíproca Portugal e o Brasil sobre esta matéria. 43 - Contudo, ensina o Tribunal da Relação do Porto, de 1 de junho de 2017, no âmbito do processo n.º10310/16.0T8PRT-A.P, resulta evidente que tem aplicação, no âmbito do caso concreto, o Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, 44 - Pelo que, à luz do art.4º desse diploma legal, têm os tribunais portugueses competência para dirimir o presente litígio, em razão do facto de a demandada ser sediada em Portugal. 45 - Pelo que, por todas as razões acima aduzidas, deve a exceção de incompetência absoluta do Tribunal ser julgada improcedente. 46 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 71º, 94, nr. 3, b) e c) e 96º do C.P.C.. Sem prescindir, caso assim não se entenda: 47 - Nos presentes autos a R. em lado algum alega que pagou, quer à A., quer ao EMP03... LTDA., no entanto, a R. bem sabe que é devedora para com a A., assim como a R. bem sabe que a X não aceita a questão em mérito por impedimento legal. 48 - E, mesmo que a X aceitasse decidir a questão, então a R. sempre alegaria perante esta entidade desportiva o impedimento do crédito da A. por via da pretensa prescrição de dois anos. 49 - Na realidade, o gerente da A. e o administrador da R. eram amigos e este, agora percebe-se, de má-fé foi consecutivamente prometendo pagar, mas não cumpriu, de modo a deixar passar os alegados 2 anos. 50 - Note-se que a R. poderia ter anulado a cessão e o EMP03... LTDA pediria o dinheiro, sendo que, nesta sede, a R. mesmo não alegando que pagou, pretende beneficiar do regime primitivo que sabe não se aplicar aos autos. 51 - Pelo que a conduta da R. frustrou as legítimas expetativas da A. derivadas da confiança justificada da A. no comportamento da R., sendo que tal comportamento da R. contribuiu para fundar a confiança da A. e ela justifica-se igualmente face às circunstâncias do caso concreto. 52 - De tal maneira que a R. violou os princípios da boa fé de da confiança. 53 - Trata-se, no fundo, de acolher a ideia de que, em certos casos, deve relevar juridicamente a confiança justificada de alguém no comportamento de outrem, quando este tiver contribuído para fundar essa confiança e ela se justifique igualmente em face das circunstâncias do caso concreto. 54 - Por todo o supra exposto, deve a exceção de incompetência absoluta do Tribunal ser julgada improcedente. 55 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 71º, 94, nr. 3, b) e c) e 96º do C.P.C.. Sem prescindir, caso assim não se entenda: 56 - A procedência da exceção de incompetência absoluta do Tribunal para a presente questão jurídica implica a violação da garantia de acesso aos tribunais, designadamente consagrado no artigo 2º do C.P.C.. 57 - O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa(CRP)que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível. 58-Noutro segmento, o direito à ação está consagrado no artigo 47.ºda Carta dos Direitos Fundamentais da EU. 59 - Por todo o supra exposto, deve a exceção de incompetência absoluta do Tribunal ser julgada improcedente. 60 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 71º, 94, nr. 3, b) e c) e 96º do C.P.C.. 61 - A decisão judicial ser revogada e substituída por outra que determine julgar improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, e em consequência, ordene o prosseguimentos dos autos no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz .....”
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Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido, por despacho datado de 11-02-2025, como apelação, com subida em separado e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
II- FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com os documentos juntos e não impugnados, resultam provados os seguintes factos:
1. A EMP02..., SAD, aqui Ré, é uma sociedade anónima desportiva sediada em Portugal, que se dedica à prática e desenvolvimento da modalidade de futebol profissional.
2. No passado dia 10 de julho de 2018, a Ré celebrou contrato escrito com a EMP04..., SAD, no Brasil, de cedência definitiva de direitos de inscrição desportiva do jogador profissional de futebol AA nascido a ../../2000, nos termos do doc. 1 junto aos autos e que aqui se dá como reproduzido.
3. Pelos outorgantes foi expressamente prevista na cláusula oitava, que:
- o contrato em causa deveria ser interpretado de acordo com o Regulamento X;
- em caso de litígio quanto à validade, interpretação ou aplicação do contrato em causa, a Ré e a EMP03..., Ltda obrigaram-se a resolver qualquer questão nos termos que convencionaram, conferindo competência aos órgãos jurisdicionais da X e ao Y (Y), este último em grau de apelação, tendo renunciado a qualquer outro órgão jurisdicional, por mais privilegiado que fosse.
4. Como contrapartida da cedência a aqui Ré comprometeu-se a efetuar os seguintes pagamentos ao EMP03...:
a) € 100.000,00 no prazo de 10 (dez) dias após a emissão do CTI do ATLETA via X ... em favor da EMP02... SAD.
b) € 100.000,00 em 30 de junho de 2019.
5. O Atleta AA celebrou um contrato com a Ré.
6. Foi junto aos autos um contrato denominado de cedência de crédito celebrado entre o EMP03... e a aqui Autora, como cessionária, em que este se comprometia a ceder e transferir, com carácter definitivo, irrevogável e irretratável, o valor de 170.000 € dos créditos decorrentes da venda dos direitos económicos do atleta AA para a aqui Ré.
7. No dia 21 de agosto de 2018, a Autora, invocando a cedência de crédito emitida pelo EMP03... LTDA, solicitou o pagamento da quantia de € 85.000, tendo a Ré feito a transferência a 16/10/2018.
8. A Ré foi interpelada para pagar pela Autora a 09/08/2024
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A questão suscitada no presente recurso diz respeito à competência internacional dos tribunais portugueses ou procedência ou não procedência da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral.
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O tribunal a quo decidiu pela procedência da exceção dilatória invocada pela Ré, e consequentemente declarou a incompetência do Tribunal, absolvendo a Ré da instância, em síntese, porque “ com a cessão parcial do crédito, transmitiu-se também à Autora cessionária as obrigações decorrentes do contrato original, em que se submeteram as questões à competência dos Tribunais da X”, pelo que “ atendendo à vontade das partes de submissão da questão aos Tribunais e regras da X, e atendendo à invocação desta exceção pela Ré, não restará outra opção que não a absolvição da instância.”
Desde já, dir-se-á que, salvo o devido respeito, tendemos a concordar com a decisão recorrida.
Vejamos.
Conforme o princípio fixado no n.º1 do artigo 38.º da LOSJ (n.º62/2013, de 26.08) a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe. Podem ter lugar, antes, acordos em tal domínio, mas à míngua destes, assiste ao autor total liberdade até ao momento de instauração da ação.
Por outro lado, dispõe o art. 96º, do C.P.C. (Código de Processo Civil), que determina a incompetência absoluta do tribunal (b) a preterição de tribunal arbitral.
“ A preterição de Tribunal arbitral resulta da infração da competência de um tribunal arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado objeto. A preterição pode verificar-se quanto a um tribunal arbitral necessário, quando foi proposta num tribunal comum uma ação que pertence à competência de um tribunal arbitral imposto por lei (…) ou quanto a um tribunal arbitral voluntário, quando foi instaurada num tribunal comum uma ação que devia ter sido proposta num tribunal arbitral convencionado pelas partes ( cfr. art. 1º LAV)[1].
Trata-se de exceção dilatória prevista no art. 577º, al. a), do C.P.C., que é de conhecimento do Tribunal quando suscitada pelas partes (cf. art. 578º, do C.P.C.).
Assim fez o aqui Recorrido/Réu, aliás a coberto da norma do art. 5º, da L.A.V., onde se estabelece o efeito negativo da convenção da arbitragem e se prevê que “o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.”.
Diga-se a este propósito que não discutem as partes a interpretação a dar ao principio da “competência da competência”, quando é consabido que existem pelo menos três correntes[2] a respeito, das quais tem vindo a ser defendido de forma, cremos, uniforme pelos últimos arestos do STJ[3] a chamada corrente intermédia e que já no Ac. do STJ de 20/1/2011 ( in dgsi), e ainda que tendo por objecto o artº 21º da LAV à data em vigor [ Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto], se decidiu que “ Vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral. Com efeito, o artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.
Em suma, como se lê no AC do STJ de 10-03-2011 ( relator Lopes do Rego, in dgsi), e com o que concordamos plenamente, ao apreciar a exceção dilatória de preterição do tribunal arbitral, devem “(…) os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (…).” ( também neste sentido, AC STJ de 8-9-2011, relator João Bernardo, in dgsi).
Em síntese, “para que se verifique a exceção dilatória da preterição do tribunal arbitral basta que se alegue e prove ao tribunal judicial a existência de convenção de arbitragem que não seja manifestamente nula ou ineficaz e que seja apenas suscetível de vincular as partes no litígio e de conter tal litígio no seu objecto”[4], ficando, deste modo, subtraídas à jurisdição do juiz, as questões da validade, da eficácia e da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao tribunal judicial.
Só assim não será, como decorre da exceção contida na parte final do nº1 do citado art. 5º, se for manifesta – isto é, óbvia, evidente – a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, casos em que o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a exceção.
Apenas nestes casos, por razões de economia processual, deve o tribunal judicial, quando confrontado com uma questão abrangida por uma tal convenção arbitral, apreciar a respetiva inexistência ou invalidade ou inaplicabilidade.
Fora destas situações e mesmo quando se suscitem dúvidas sobre o âmbito de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral a que atribuíram competência para solucionar o litígio.
No caso sub judicio, entendemos estar perante uma convenção de arbitragem desportiva, tout court, seja pela previsão de submissão do litígio ao Y ( Tribunal Arbitral do Desporto, na ...), seja pela submissão ao Tribunal da X e, já não perante um qualquer pacto de atribuição ou privativo de jurisdição.
Com efeito, as partes convencionaram, em cláusula do contrato em causa, resolver as questões do mesmo conferindo “competência aos órgãos jurisdicionais da X e ao Y (Y ), este último em grau de apelação, tendo renunciado a qualquer outro órgão jurisdicional”, sendo certo que o tribunal da X mais não é do que uma instância arbitral institucionalizada.
Ou seja, convencionaram submeter a resolução dos litígios decorrentes daquele contrato a um sistema de justiça alternativo ao sistema judicial comum, i.e., aos tribunais judiciais estaduais.
Por conseguinte, concordamos com a sentença quando ali se lê “ antes de mais, e não sendo um caso de aplicação de direito europeu, há que atender, em princípio, ao convencionado no contrato quanto à competência jurisdicional.”, pelo que não faz qualquer sentido invocar as regras de competência do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2001, conforme jurisprudência que recorrente cita e que nada tem que ver com o caso vertente.
Mas verifica-se alguma razão para a (ina)aplicabilidade da cláusula arbitral ao caso sub judicio, conforme sustenta o recorrente, divergindo da decisão do tribunal a quo?
O recorrente argumenta e coloca a tónica na circunstância de o ora Autor ser cessionário e, nessa medida, ser alheio ao contrato em que foi convencionada a referida cláusula 8ª.
Ou seja, o apelante considera que o objeto da cessão é apenas o crédito (ou parte dele), não abrangendo a posição do cedente quanto à convenção de arbitragem, argumentando não se tratar de uma cessão de posição contratual, mas de cessão de créditos e, nessa medida, não lhe é oponível nos termos do art. 585º do CC aquela cláusula por ser anterior ao seu conhecimento da cessão.
O tribunal a quo e o recorrido entendem que com a cessão do crédito (ou de parte dele), transmite-se igualmente ao cessionário a posição do cedente quanto à cláusula compromissória.
Ora, é indubitável e cremos ser pacífico que estamos perante uma cessão de créditos.
Cremos que o recorrente pretende com aquela arguição apoiar-se no enquadramento clássico da figura jurídica, segundo o qual a cessão de créditos será apenas uma transferência de uma simples parte da relação obrigacional complexa.
Sem embargo, este enquadramento clássico tem vindo a ser questionado por alguns autores. Apoiando-se na doutrina geral sobre a complexidade das obrigações e no facto de na falta de convenção em contrário, a cessão de créditos importar também a transmissão das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (artigo 582.º, n.º 1, do Código Civil), têm estes autores defendido que a diferença entre a cessão de créditos e a cessão de posição contratual deverá aparecer «mais como uma diferença de grau relativamente ao conteúdo da posição contratual transmitida, que ocorre em ambos os casos, do que propriamente uma diferença de objeto» (LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, op. cit., páginas 314, 584 e 58).
Foquemo-nos, no entanto, nos «outros acessórios» a que alude o art. 582º do CC, integrando assim o negócio de cessão quaisquer posições jurídicas que assessorem o crédito principal.
Saber exatamente o que se considera abrangido nesta expressão não é tarefa fácil, tendo o tema sido já objeto de cuidada análise na doutrina (cfr., entre outros, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, op. cit., pág. 324 e ss. PINTO, Carlos Alberto da Mota, Cessão da Posição Contratual, 1970, Atlântida Editora, SARL, páginas 161 e seguintes e 225 e seguintes e VASCONCELOS, Luís Miguel D. P. Pestana de, «Dos Contratos de Cessão Financeira (Factoring)», Stvdia Ivridica, 43, 1999, Coimbra Editora, páginas 301 e seguintes).
A este respeito, tem-se considerado, de forma relativamente pacífica, que, entre os outros acessórios do crédito que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente, se incluem, entre outros, o compromisso arbitral.
Assim, se o crédito está garantido e tem na sua base a previsão de uma cláusula de arbitragem, também o cessionário dela se pode aproveitar. Mais genericamente, o cessionário poder-se-á servir de todas as posições jurídicas que se venham a constituir para defesa do crédito, ou seja, todas as posições jurídicas que nasçam na esfera daquele que, ao tempo da verificação das respetivas causas constitutivas, figure como titular do direito.
Relembre-se a noção de convenção arbitral impressivamente dada por Mariana França Gouveia, in “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, a páginas 125 a 126: “A convenção arbitral é o acordo das partes em submeter a arbitragem um litígio actual ou eventual. Tem natureza contratual, na medida em que é um negócio bilateral. É a convenção arbitral que determina a jurisdição do tribunal arbitral, isto é, o tribunal arbitral só tem competência quando o litígio que lhe é submetido está integrado na convenção de arbitragem. Por esta razão, o estudo da convenção arbitral tem na arbitragem um lugar central. É uma espécie de foco de luz que ilumina a área de competência. O que estiver na escuridão, mesmo que relacionado com o litígio inserido na convenção, não pode ser decidido pelo tribunal arbitral. Se houver decisão sobre matéria não incluída na convenção, essa decisão é anulável, por ser proferida por tribunal incompetente (artigo 46º, nº 3, alínea a), iii) LAV” ( sublinhado nosso).
“ O objeto da cláusula é, como acentuou Pierre Mayer no estudo anteriormente citado, o de precisar o regime processual dos direitos substantivos emergentes do contrato. Por conseguinte, quer no caso de cessão de crédito ( e de sub-rogação) quer no caso de cessão de posição contratual, a cláusula compromissória aproveita e é oponível aos novos titulares da relação cedida, ao mesmo tempo que continua a aproveitar e a vincular as partes originais de tal relação, na medida em que os direitos substantivos que tal cláusula configurara na sua dimensão processual não tenham deixado de existir entre essas partes”.[5] ( sublinhado nosso).[6]
Ora, cremos, desde logo, no caso dos autos, torna-se perfeitamente plausível que com a cessão do crédito resultante da futura alienação dos direitos económicos do jogador profissional de futebol em causa feita ( AA) pelo “EMP03...” à ré “ EMP02... SAD”, bem como a posterior cessão daquele mesmo crédito feita por aquela à ora autora, transmitiu-se a esta cessionária a posição daquela primitiva cedente quanto à cláusula compromissória constante do “Contrato de Cessão Definitiva de Direitos de Inscrição Desportiva de Jogador Profissional de Futebol ” e segundo a qual « em caso de litígio quanto à validade, interpretação ou aplicação do contrato em causa, a Ré e a EMP03..., Ltda obrigaram-se a resolver qualquer questão nos termos que convencionaram, conferindo competência aos órgãos jurisdicionais da X e ao Y (Y), este último em grau de apelação, tendo renunciado a qualquer outro órgão jurisdicional, por mais privilegiado que fosse. ».
E porque basta essa plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem estipulada na citada cláusula 8ª do “Contrato de Cessão Definitiva de Direitos de Inscrição Desportiva de Jogador Profissional de Futebol”, para que, nos termos do art. 18º, nº1 da LAV, se imponha devolver ao tribunal arbitral voluntário a prioritária apreciação da sua própria competência, procedendo, nessa medida e de harmonia com o disposto no at. 5º, nº1, parte final, da LAV, a exceção dilatória da preterição do tribunal arbitral invocada pela ré.
Por isso, concordamos com a decisão recorrida quando ali se lê “ cabe ao Tribunal de Futebol da X a decisão sobre a validade da atribuição, e bem assim, sobre a admissibilidade do processo, não se podendo aqui e neste momento discutir da natureza extintiva ou meramente impeditiva (como defende a Autora) do prazo limite de dois anos previsto para a interposição da ação prevista no artigo 23.º, § 3 do Regulamento sobre o estatuto e a transferência de jogadores da X. Mais uma vez, se reforça que a posição do devedor não pode ser prejudicada pela cessão de créditos e que se a dívida tinha que ser cobrada com os limites acordados pela credora, também a terá de ser pela cessionária. Este facto não configura uma denegação de justiça tendo resultado do acordo das partes, que tem de ser respeitado.”.
Mais se consigna que a respeito da questão suscitada nas conclusões 9º a 32º quanto a um alegado impedimento do tribunal da X para conhecer da presente ação, dir-se-á que se trata de questão nova invocada apenas em recurso e, nessa medida, insuscetível de ser conhecida.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação» ( No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13 e AC desta RG de 8-11-2018, Afonso Cabral de Andrade, in dgsi). Mutais mutandis, dir-se-á a respeito da questão invocada nas conclusões 47º a 53º- “de que a ré é devedora da autora a quem realizou um pagamento e a autora é conhecedora disso”-, questão essa não apreciada pelo tribunal a quo, não tendo o recurso por objeto qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Em verdade, neste particular, a título de exemplo, pode consultar-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre»,
Pelo exposto, a apelação improcede.
VI- Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam as Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente ( cfr.artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil)
[1] Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 133. [2] Ensina MARIANA FRANÇA GOUVEIA que são três as diferentes formas/tipos de abordagem da questão possíveis, maxime doutrinalmente, têm sido defendidas ( cfr. in MARIANA FRANÇA GOUVEIA, in “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, 2011, Almedina, Pág.118) . [3] Neste sentido e de entre muitos outros, vide v.g. os Acs. do STJ de 10/3/2011 [proferido no processo nº 5961/09.1TVLSB.L1.S1, sendo Relator Lopes do Rego ], de 14/5/2019 [ proferido no processo nº 2741/16.1T8PTM.L1.S, sendo Relator António Magalhães] e de 7/3/2023 [proferido no processo nº 3868/20.0T8PRT-A.L1.S1, sendo Relator Nuno Pinto Oliveira], todos eles acessíveis em www.dgsi.pt [4] Neste sentido, cfr. João Lopes dos Reis, “ A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral (voluntário) ”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 58, Dezembro 1998, págs. 1128 a 113 e citado no AC STJ de 23-04-2020 ( Rosa Tching) e citado na sentença recorrida. [5] António Sampaio Caramelo, in “ A Autonomia da cláusula compromissória e competência”, p. 363,364 [6] Neste sentido Antunes Varela ( n “ Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª ed., Coimbra, Almedina 1999, pág. 295), Raul Ventura ( In “Convenção de Arbitragem”, n Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, Setembro de 1986, págs. 397 e 398), Manuel Pereira Barrocas ( In “Manual de Arbitragem”, Almedina 2010, pág. 185), Armindo Ribeiro Mendes ( In “ “Introdução às Práticas Arbitrais”, pág. 74), Duarte Gorjão Henriques ( In “ A Extensão da Convenção de Arbitragem no Quadro dos Grupos de empresas e da Assunção de Dívidas: Um Vislumbre de Conectividade”, pág. 179 e 180), todos citados no AC do STJ de 23-04-2020 ( Rosa Tching).