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TRIBUNAL SUPERIOR
DEVER DE OBEDIÊNCIA
NULIDADE INSANÁVEL
Sumário
I – A indiscutível consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função judicante, é feita com a expressa salvaguarda do seu dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejam proferidas por Tribunais superiores. II – A violação desse dever constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida. III – Em consequência, tendo o tribunal da Relação, conhecendo do recurso anterior, decidido a revogação da “decisão proferida, que deve ser substituída por outra que não considere não terem sido alegados todos os factos necessários à verificação dos requisitos do procedimento cautelar de restituição provisória da posse e, assim, dado prosseguimento aos autos”, temos que, todos os actos praticados pelo tribunal a quo, dependentes e na sequência daquele despacho de 09-09-2024, que foi revogado pelo tribunal da Relação, devem ser anulados, impondo-se a total observação da tramitação em conformidade com a lei e, como tal, desconsiderados os actos entretanto praticados, audiência final e decisão final incluídos.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO
Nos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse[1] nos termos do disposto nos arts. 377º e 378º do CPC, requeridos no decurso da acção, que constituem o apenso A, figura como requerente EMP01.... Ldª e requeridos AA e BB, pedindo aquela a restituição provisória de um imóvel.
Após despacho liminar em que mandou juntar alguns documentos[2], a Srª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/05/2020 (proferido no Processo n.º 1988/17.8T8PTM-A.E2.S1, relatado por Henrique Araújo), admitindo-se que a violência tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre coisas, acrescenta-se que “a violência contra as coisas não implic[a] necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Mas também não basta que ela se traduza numa actuação constritiva, equivalente à privação não consentida da posse. É preciso mais: é preciso que, pela forma como essa constrição é efectuada, o possuidor se mostre coagido a permitir o desapossamento, ficando colocado numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento.”
«Na economia do acórdão, tal comportamento do esbulhador, realizado na ausência do possuidor, não configura coação (nem física nem moral), pelo que não pode qualificar-se como esbulho violento. Acrescenta-se a que “coacção, seja física ou moral, tem de ser sempre exercida sobre uma pessoa, porque só as pessoas podem ser alvo de coacção”, ainda que a violência que a integra possa ser exercida sobre coisas. Porém, no último caso, a violência só será “relevante se com ela se pretender intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor”. Só haverá violência se, mesmo que, indirectamente, o comportamento do esbulhador “visar coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana”.
Assim, não basta a privação não consentida da posse para que o esbulho seja violento, sendo necessário que “pela forma como essa constrição é efectuada, o possuidor se mostre coagido a permitir o desapossamento, ficando colocado numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento.”
O aresto em análise parece identificar o conceito de violência com o de coação (física ou moral), embora não consagre de forma clara o conceito mais restrito de esbulho violento, já que se admite, ainda que em obiter dictum, não ser indispensável a presença do possuidor esbulhado no momento do esbulho, bastando que a violência exercida sobre coisas ponha em causa ou limite a liberdade de determinação humana.
O esbulho violento, na aceção do artigo 1279.º do Código Civil, pressupõe a posse violenta, tal como configurada no artigo 1261.º, n.º 2 do Código Civil. Isto significa que a violência implica a coação física ou moral do possuidor esbulhado. Esta coação tanto pode resultar de ameaça dirigida ao possuidor esbulhado, ainda que a ameaça possa consistir num mal respeitante ao próprio possuidor, ao seu património ou a pessoa ou património de um terceiro (coação moral), como na colocação do possuidor numa situação de absoluta impossibilidade de resistir ao esbulho, no momento em que este ocorre (coação física).
Nos casos de violência sobre coisas, não acompanhada de ameaça expressa, haverá que distinguir se o esbulho ocorre na presença ou na ausência do possuidor esbulhado.
Estando o possuidor presente no momento do esbulho, o uso da força, mesmo que tenha como finalidade primária remover um obstáculo material, configurará, em regra, coação, pelo que o esbulho deverá ser considerado violento. Com efeito, a violência contra coisas na presença do possuidor será idónea para limitar a sua liberdade de determinação e, por isso, constituirá coação. O uso da força física sobre coisas, na presença do possuidor esbulhado será em regra idóneo para inibir este de se opor ao esbulho (nomeadamente recorrendo à ação direta).
Não estando o possuidor esbulhado presente no momento do esbulho, este só poderá qualificar-se como violento se os meios utilizados pelo esbulhador tiverem como finalidade, ainda que indireta ou lateral, condicionar a liberdade de determinação do possuidor esbulhado, pelo receio de um mal (distinto da simples privação do gozo da coisa) e se aqueles meios forem idóneos para provocar tal receio.
Não preencherão tais circunstâncias os comportamentos do esbulhador que tenham como finalidade exclusiva remover obstáculos materiais à aquisição da posse, mesmo que tais atos impliquem o uso da força (vg., a quebra do vidro de um automóvel para a apropriação de um telemóvel que se encontra no seu interior), ou não sejam idóneos para condicionar a liberdade de determinação do possuidor.
Por definição, o esbulho implica a privação material da posse do possuidor esbulhado. Tal privação, por si só, não constitui coação, nem moral nem física, para efeitos de qualificação do esbulho como violento.
Por outro lado, para a qualificação do esbulho como violento só relevarão os comportamentos do esbulhador que sejam anteriores ou contemporâneos ao início da sua posse, pois só esses atos poderão considerar-se adequados a constranger o possuidor a não se opor ao ato de desapossamento» (Carlos Gabriel da Silva Loureiro, em comentário publicado em 10 de novembro de 2020 ao citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, inhttps://www.direitoemdia.pt/magazine/show/90).
Ora, no caso em apreço, a Requerente alegou a posse e o esbulho, mas não alegou factos que integrem a violência do esbulho, não sendo suficiente o que alega nos arts. 16º e seguintes do requerimento inicial, considerando o entendimento expresso acima.
Assim, não alegou todos os factos necessários à verificação dos requisitos do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, determinando-se a convolação do presente procedimento no procedimento cautelar comum, nos termos do disposto no art. 379º do CPC, entendendo-se que estão alegados os requisitos do procedimento cautelar comum (séria probabilidade de existência de posse e o receio de lesão grave e dificilmente reparável).
Notifique.
Autue como procedimento cautelar comum.
Cite as Requeridas – arts. 366º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Notificada de tal despacho e inconformada com a decisão de convolação do procedimento cautelar de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum com fundamento na falta de requisitos, designadamente da violência do esbulho, apresentou a Requerente recurso de apelação, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
a) Vem a presente apelação interposta do douto despacho de fls., que convolou o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum e ordenou a citação das requeridas;
b) Esta decisão padece de nulidade, porquanto constitui uma decisão surpresa com inobservância do princípio do contraditório, mais sendo errada ante a factualidade alegada para efeito do preenchimento dos requisitos do procedimento cautelar requerido;
c) Pois, a decisão proferida de convolação do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum, acontece de forma surpreendente, após a junção dos documentos de prova solicitados pelo Tribunal em cumprimento do despacho antecedente ao recorrido de fls., e sem que a Requerente sequer fosse ouvida a propósito da intenção da decisão agora proferida, ou seja, quanto à convolação do processo com natureza distinta;
d) O Tribunal “a quo” não observou ou não deu cumprimento ao princípio do contraditório relativamente à decisão proferida;
e) Pelo que, a decisão que aprecia a situação e convola o procedimento especificado de restituição de posse em procedimento cautelar comum constitui, assim, uma verdadeira decisão surpresa, tanto mais que, o despacho anterior havia ordenado a junção de documentos, para efeito da prova da posse por parte da Requerente e que esta cumpriu juntando os documentos de fls., e como tal, nada indiciava a decisão sob recurso, mas antes a produção da prova requerida pela requerente e a consequente decisão em observância do disposto no artigo 1378.º do CPC.;
f) Ao assim proceder, o Tribunal “a quo” incorreu na nulidade secundária prevista no art.º 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, porquanto aquela omissão poder influir no exame e decisão do presente procedimento, tanto mais que retira o efeito útil ao procedimento cautelar requerido;
g) Devendo, por isso, ser declarada a nulidade da decisão.
h) Sem prescindir, a decisão quanto à falta de requisitos para o procedimento cautelar de restituição da posse é errada, porquanto, a factualidade alegada é consentânea, adequada e bastante quanto os requisitos da restituição da posse, pois é indubitável que houve violência sobre a coisa reclamada, verificou-se violência no esbulho de que foi vitima a requerente, tendo em atenção que, o esbulho é um acto através do qual um terceiro priva um possuidor da fruição do objeto possuído, que a privação corresponda a uma perda complecta da possibilidade de utilização do bem, impedindo a sua disponibilidade física pelo possuidor;
i) Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento;
j) No caso, dos autos perante o factualismo alegado nos artigos 16° a 21°, 23º, 26º a 29º e 31º, do requerimento inicial, que aqui se dá por reproduzido, nunca poderia considerar-se que não foram alegados factos suficientes para os requisitos do procedimento cautelar de restituição da posse. Pois a requerente foi esbulhada com violência pelas requeridas, existindo um impedimento no acesso ao imóvel, sendo inegável que, houve violência no esbulho mediante a acção física exercida sobre a coisa coagindo o esbulhado/requerente a suportar uma situação contra a sua vontade;
k) Na verdade, como acima ficou dito, basta que a acção física exercida sobre a coisa traduza um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade para tal configurar um esbulho violento. Sendo certo que, o arrombamento e subsequente mudança de fechadura da porta de acesso ao imóvel, mesmo na ausência do possuidor, constitui esbulho violento, logo, está justificado o acesso à tutela cautelar nominada;
l) Assim, a decisão ora recorrida fez uma errada e incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 1279.º do CC, 1376.º, 1377.º e 1378.º do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por douto acórdão que ordene o prosseguimento dos autos como procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, produzindo-se a prova requerida, sem a audição das requeridas;
m) O despacho apelado além do mais violou o disposto nos artºs 3.º, nº 3, 1376º, 1377.º e 1378.º do CPC e ainda 1279.º do Código Civil;
n) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos arts. 195.º e 644º, do CPC.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogado o douto despacho apelado, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vª.s Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.
Tendo-se seguido em 12-08-2024 o seguinte despacho:
Veio a Requerente dos presentes autos de restituição provisória de posse, insurgir-se contra a o despacho judicial proferido a 08.08.2024, convolando o presente procedimento em procedimento cautelar comum, nos termos do disposto no art.º 379º do CPC e considerando que estão alegados os requisitos deste último.
Alegou para efeito que tendo sido proferido sem prévia notificação à Requerente para se pronunciar sobre essa possibilidade, constituiu decisão surpresa passível de influir no exame e decisão da causa pelo que e é nulo.
Dispõe o n.º 3, do art.º 3º, do C. P. Civil: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
Consagra-se a proibição da decisão surpresa, baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes (neste sentido, entre outros, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in C.P. Civil Anotado, vol. 1º, pág. 9, ed. 1999, Coimbra Editora).
No caso vertente, não foi concedida à Requerente a possibilidade de se pronunciar sobre a convolação dos presentes autos, propostos como procedimento cautelar de restituição provisória de posse, em autos de procedimento cautelar comum.
O incumprimento do prévio exercício do contraditório privou a Requerente de esgrimir a sua argumentação sobre a questão que, convenhamos, não é inócua para os seus interesses processuais, na medida em que sendo outros os pressupostos do decretamento do procedimento cautelar comum, pode a Requerente ter interesse em aditar factos passíveis de melhor os preencherem, ou em alterar a prova que havia indicado com especial enfoque na demonstração dos pressupostos da restituição provisória de posse, tudo sem prejuízo de se manifestar quanto à justificação ou pertinência da convolação.
Em face do exposto:
- declaro nulo, por incumprimento do princípio do contraditório (cfr. artigos 3º, n.º 3 e 195º, n.º 1, ambos do CPC), o despacho proferido a 08.08.2024 e os termos subsequentes do processo, do mesmo dependentes;
- determino a notificação da Requerente para, em cinco das, se pronunciar sobre a eventual convolação em procedimento cautelar comum, dos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse.
Sem custas.
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Referência ...64: declaro prejudicada pelo teor do despacho precedente, a admissão do recurso interposto pela Requerente.
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Notifique.
Pronunciando-se em 17-08-2024, a Requerente fê-lo nos seguintes termos:
1 – A requerente não aceita que o presente Procedimento Cautelar de Restituição Provisória de Posse seja convolado em Procedimento Comum Cautelar;
2 – Com efeito, a requerente alegou naquele procedimento factos que consubstanciam todos os requisitos do procedimento cautela de restituição provisória de posse;
3 – Assim, a requerente desde logo alegou factos conducentes ao requisito de violência de esbulho, como resulta da factualidade descrita sob os artigos 16º a 21º, 23º, 26º a 44º do requerimento inicial, cujo teor por brevidade se dá como reproduzido para os devidos efeitos;
4 – É indubitável que houve violência sobre o bem reclamado; e violência no esbulho de que foi lesada a requerente, ao ficar privada do imóvel por factos praticados pelas requeridas, que impedem aquela de usufruir e possuir aquele bem;
5 – Sendo certo que a violência no esbulho pode ser exercida tanto sobre as pessoas como sobre as coisas;
6 – Ocorrendo esbulho violento quando à actuação do esbulhador, in casu, das esbulhadoras, sobre o imóvel esbulhado é de molde a tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos de acesso à coisa, seja através de meios que impedem a sua utilização pelo possuidor;
7 – Aliás, como defende o Prof. Lebre Freitas, Ac.s do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/09/2003 e Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/11/2006 – “a violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas, sendo, quanto a estas, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência de meios usados pelo esbulhador”;
8 – Dispõe o artigo 1279º, do Código Civil, que “(…) o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”;
9 – Consubstanciando o arrombamento e subsequente mudança de fechadura da porta de acesso ao imóvel, mesmo na ausência do possuidor, esbulho violento, logo justificando o acesso ao Procedimento Cautelar Nominado de Restituição Provisória de Posse;
10 – Daí, ante a narração e ocorrência dos factos, estarem totalmente preenchidos todos os requisitos exigidos pelo Procedimento Cautelar Nominado de Restituição Provisória de Posse;
11 - Que é mais célere, face à ausência de audição das esbulhadoras, e defende e protege o direito do esbulhado;
12 – Evitando que este sofra prejuízos gravíssimos de difícil ou impossível reparação;
13 - Sendo certo que os factos e o direito alegados não cabem nos fundamentos/requisitos da providência cautelar comum, e o recurso, através da convolação, a este por parte do Tribunal ainda mais agrava os prejuízos da requerente.
Termos em que deve admitir-se o Procedimento Cautelar de Restituição Provisória de Posse, com as legais consequências.
E. R. Justiça
Em 20-08-2024, seguiu-se o seguinte despacho:
Atenta a nulidade declarada a 12.8.2024, relativa ao despacho de 8.8.2024, corrija-se a autuação em conformidade com tal despacho.
Tendo as cartas para a citação sido remetidas antes da prolação do despacho de 12.8.2024, antes de mais, remeta-se o mesmo aos RR., para conhecimento, atentas as implicações do mesmo decorrentes, desde logo, ao nível das citações remetidas ao abrigo do despacho de 8.8.2024.
E em 9-09-2024 foi proferido o seguinte despacho: Da convolação do presente para procedimento cautelar comum:
Notificada para se pronunciar sobre a falta de alegação de todos os requisitos previstos para o tipo de procedimento que propôs e convolação para procedimento comum, veio a Requerente (Ré, na ação principal) posicionar-se no sentido de se opor a tal, com fundamento em ter alegado factos suficientes ao requisito do “esbulho violento” (req - ref.ª ...93).
A Requerente não descreveu ou acrescentou factualidade ao seu requerimento inicial.
Por conseguinte, por a causa de pedir não ter sofrido alterações na sequência do direito ao contraditório, por concordarmos com o expendido de facto e de direito no despacho prolatado a 08.08.2024, por não vermos necessidade de o acrescentar e por razões de economia processual, dá-mo-lo aqui por integralmente reproduzido e para todos os efeitos legais.
Pelo exposto, determina-se a convolação do presente em procedimento cautelar comum (art.º 379º do CPC).
Notifique e d.n. (autuação, inclusive).
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Notificada de tal despacho e inconformada com a decisão de convolação do procedimento cautelar de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum com fundamento na falta de requisitos, designadamente da violência do esbulho, em 11-09-2024, apresentou a Requerente recurso de apelação, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: a) Vem a presente apelação interposta do douto despacho de fls., que convolou o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum e ordenou a citação das requeridas; b) A decisão quanto à falta de requisitos para o procedimento cautelar de restituição da posse é errada, porquanto, a factualidade alegada é consentânea, adequada e bastante quanto aos requisitos da restituição da posse, pois é indubitável que houve violência sobre a coisa reclamada, verificou-se violência no esbulho de que foi vitima a requerente, tendo em atenção que, o esbulho é um acto através do qual um terceiro priva um possuidor da fruição do objeto possuído, que a privação corresponda a uma perda complecta da possibilidade de utilização do bem, impedindo a sua disponibilidade física pelo possuidor; c) Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento; d) No caso, dos autos perante o factualismo alegado nos artigos 16° a 21°, 23º, 26º, a 29º e 31º, do requerimento inicial, que aqui se dá por reproduzido, nunca poderia considerar-se que não foram alegados factos suficientes para os requisitos do procedimento cautelar de restituição da posse. Pois a requerente foi esbulhada com violência pelas requeridas, existindo um impedimento no acesso ao imóvel, sendo inegável que, houve violência no esbulho mediante a acção física exercida sobre a coisa coagindo o esbulhado/requerente a suportar uma situação contra a sua vontade; e) Na verdade, como acima ficou dito, basta que a acção física exercida sobre a coisa traduza um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade para tal configurar um esbulho violento. Sendo certo que, o arrombamento e subsequente mudança de fechadura da porta de acesso ao imóvel, mesmo na ausência do possuidor, constitui esbulho violento, logo, está justificado o acesso à tutela cautelar nominada; f) Assim, a decisão ora recorrida fez uma errada e incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 1279.º do CC, 1376.º, 1377.º e 1378.º do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por douto acórdão que ordene o prosseguimento dos autos como procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, produzindo-se a prova requerida, sem a audição das requeridas; g) O despacho apelado além do mais violou o disposto nos artºs 1376º, 1377.º e 1378.º do CPC e ainda 1279.º do Código Civil; h) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto no artigo 644º, do CPC.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogado o douto despacho apelado, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vª.s Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho em 13-09-2024 a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos[3], que passaram a constituir o apenso B.
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Entretanto, em 3-10-2024, os requeridos vieram apresentar a sua oposição ao procedimento cautelar, tendo arrolado testemunhas e junto documentos.
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Aberta conclusão nos autos, foi proferido em 4-10-2024 o seguinte despacho:
Meios de prova:
- admite-se a prova documental e testemunhal apresentada pela Requerente, que deverá comparecer em juízo;
- admite-se a prova documental e testemunhal apresentada pelas Requeridas, que deverá comparecer em juízo; mais se admite a prova documental requisitada pelas Requeridas à Autora.
- oficiosamente: deverá a Autora juntar comprovativo das visitas que permitiu ao longo do último ano e mais um ida ao imóvel para arrendamento e/ou venda dos potenciais clientes; deverão as RR juntar comprovativos de gastos e despesas que fazem do imóvel e há mais de um ano e um dia (facturas dos consumos de energia, facturas dos gastos com transportes da universidade para o imóvel e vice-versa, facturas de compras regulares em supermercados situados na zona geográfica do imóvel, etc...)
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Para a produção de prova em audiência final designa-se o próximo dia 25.10.2024, pelas 11h30m.
Notifique e d.n.. (Ordem dos trabalhos: 11h30 – prova da Requerente; 11h50 – prova dos Requeridos; 13h30 – alegações finais e conclusão dos trabalhos).
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Notificado deste despacho, em 7-10-2024, foi junto aos autos o seguinte requerimento:
EMP02... E ASSOCIADOS, Sociedade de Advogados, S.P.R.L. – mandatária constituída pela Requerente nos Autos supra referenciados,
Vem dizer e requerer a Vª Exª o seguinte:
1 – Foi agendada para o dia ../../2024, às 11:30 horas, a realização da audiência de julgamento nos Autos supra referenciados;
2 – Na data indicada, devido a outras diligências inadiáveis e já agendadas noutros processos, nomeadamente no Proc. nº 2096/14...., U.O.1 TAF de Braga e Proc. nº 663/23...., Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz ..., a mandatária da Requerente não tem disponibilidade de agenda;
3 – Devido a esse facto, contactou com o ilustre mandatário das Requeridas, dando-lhe conta dessa sua impossibilidade;
4 –Tendo este acordado sugerir como data para a realização da audiência de julgamento, o dia 08 de novembro de 2024, às 09,30 horas.
Termos em que requer a Vª Exª se digne deferir o sobredito e marcar a audiência de julgamento para uma das datas supra sugeridas.
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Aberta conclusão nos autos, foi proferido em 9-10-2024 o seguinte despacho:
Considerando que o alegado não se mostra extensível aos demais Il. Causídicos que representam a Requerente, indefere-se o requerido.
Notifique.
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Por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2024 foi apreciado o recurso, que o julgou procedente, tendo sido revogada a decisão recorrida de 9-09-2024, que devia ser substituída por outra que não considere não terem sido alegados todos os factos necessários à verificação dos requisitos do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, e, assim, dado prosseguimento aos autos.
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Notificado do Acórdão de 10-10-2024, logo em 14-10-2024 a recorrente/ requerente EMP01.... Ldª deu dele conhecimento junto dos autos de procedimento cautelar, que tinham audiência final designada para 25-10-2024, mais informando ter apresentado nos autos junto do Tribunal da Relação requerimento prescindido do prazo de reclamação, do qual juntou cópia.
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Tendo-se, sem mais, na audiência final que ocorreu nos autos de procedimento cautelar procedido à produção de prova, ouvindo-se as testemunhas arroladas pela requerente e pelas requeridas, ao que se seguiram as alegações orais e mandando a Srª Juiz a quo concluir oportunamente os autos, a fim de ser proferida decisão, o que fez em 30-10-2024, julgando improcedente o presente procedimento e, por via disso, não se decreta a providência requerida.
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Regressados à 1ª instância, em 6-11-2024, os autos que constituem o apenso B, foram neles aberta conclusão em 13-11-2024, que deu azo ao seguinte despacho:
Tomei conhecimento do douto acórdão que antecede.
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Igualmente foi aberta conclusão nos autos de procedimento cautelar – o apenso A – em 13-11-2024, que deu azo ao seguinte despacho:
Altere-se a autuação do presente procedimento, considerando o douto acórdão proferido no apenso B, nada sendo mais necessário por já ter sido proferida decisão final.
D.N.
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Inconformado com a decisão que apenas ordenou a alteração da autuação do procedimento, considerando o douto acórdão proferido no apenso B, mas nada mais ordenou, por entender, nada ser necessário por já ter sido proferida decisão final, a requerente EMP01.... Ldª interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
a) Vem a presente apelação interposta do douto despacho proferido a fls. com a referência nº ...94, do qual resulta o seguinte: “Altere-se a autuação do presente procedimento, considerando o douto acórdão proferido no apenso B, nada sendo mais necessário por já ter sido proferida decisão final.”; b) Esta decisão é errada, pois não observa nem cumpre na integra o decidido no douto acórdão desta Relação, que transitou em julgado e anulou o despacho proferido a fls, em 09/09/2024, que convolou o procedimento cautelar de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum; c) Considerando a decisão anulatória, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, tal importa a nulidade de todos os actos praticados pelo tribunal “a quo” após o despacho de 09/09/2024, inserto a fls. dos autos. Aliás, como resulta do disposto no nº 2 do artigo 195.º do CPC, “Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.”; d) Na verdade, todos os actos praticados pelo Tribunal, dependentes e na sequência daquele despacho de 09/09/2024, que foi revogado pelo Tribunal da Relação, devem ser anulados, impondo-se a total observação da tramitação em conformidade com a lei e, como tal, desconsiderados os actos entretanto praticados; e) Aliás, o Tribunal “a quo” não podia nem pode olvidar que aquela sua decisão do despacho de 09/09/2024, estava sob recurso, que tendo efeito devolutivo, quando decidido, e, em caso de procedência, como sucedeu, implica a anulação de todos os actos praticados do mesmo dependentes e subsequentes; f) Nos presentes autos, por via da conduta adoptada (erradamente), o Tribunal permitiu um amplo conhecimento e participação das apeladas no processo, praticando actos que o artigo 378.º do CPC não admite a lei não admite, desvirtuando o procedimento de restituição provisória da posse; g) Ademais, a própria sentença que o Tribunal refere no douto despacho, para justificar a desnecessidade da prática que qualquer outro acto jurisdicional, entretanto proferida, e num momento em que já era do seu conhecimento a prolação do acórdão da Relação, atento o requerimento de fls em 14/10/2024, é motivada (erradamente) a prévia audição das requeridas e com prova documental e testemunhal produzida por estas, pelo que, também tem necessariamente de ser anulada. h) Aliás, nesse sentido, a apelante, sem prejuízo da presente impugnação, atento o momento da prolação da citada sentença, além do mais e por cautela de patrocínio, interpôs o competente recurso; i) Com efeito, não se percebe nem concede que apesar de ser do conhecimento do Tribunal, o acórdão que anulou a sua decisão de 09/09/2024, mesmo assim, tenha persistido em praticar actos, que por via do acórdão proferido estavam como estão feridos de nulidade; j) O Tribunal “a quo” incorreu na nulidade secundária prevista no art.º 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, porquanto aquela omissão influi no exame e decisão do presente procedimento, tanto mais que retira o efeito útil ao procedimento cautelar requerido. Que importa a anulação de todos os termos subsequentes à omissão – cfr. art.º 195.º, n.º 2 do CPC; k) Assim, a decisão ora recorrida violou, além do mais, os artigos 195.º, 199.º, 376.º, 377.º e 378.º do CPC; l) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos arts. 195.º e 644º do CPC.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser julgada verificada a nulidade do processo por preterição de acto que a lei prescreve, passível de influir no exame e decisão da causa, anulando-se todo o processado desde o despacho que ordenou a convolação do procedimento cautelar de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum, designadamente, o douto despacho de fls., com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vª.s Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual,
JUSTIÇA.
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Não se vislumbra dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade, nos seguintes termos:
“(…) considera-se não haver qualquer nulidade a suprir à decisão posta em crise, pois a prática dos atos necessários ao prosseguimento dos autos foi ponderada e decidida de forma fundamentada.”.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante Requerente, para além da invocada nulidade processual prescrita no art. 195º do CPC, a questão a decidir contende com a reapreciação da decisão de 13-11-2024 que apenas ordenou a alteração da autuação do procedimento, considerando o douto acórdão proferido no apenso B, mas nada mais ordenou, por entender, nada ser necessário por já ter sido proferida decisão final.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Entende a recorrente que a decisão em causa no recurso é errada, pois não observa nem cumpre na integra o decidido no douto acórdão desta Relação, que transitou em julgado e anulou o despacho proferido a fls, em 09/09/2024, que convolou o procedimento cautelar de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum. Alegando que o Tribunal “a quo” incorreu na nulidade secundária prevista no art.º 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, porquanto aquela omissão influi no exame e decisão do presente procedimento, tanto mais que retira o efeito útil ao procedimento cautelar requerido. Que importa a anulação de todos os termos subsequentes à omissão – cfr. art.º 195.º, n.º 2 do CPC.
Vejamos então a situação.
Prescreve o art. 195º do CPC, nos seus nºs 1 e 2 e cuja epígrafe é “Regras gerais sobre a nulidade dos actos” que: 1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
Entende a recorrente que o tribunal a quo obstaculizou à prática de acto essencial para o exame e boa decisão da causa, pelo que, nos termos do art. 195º/1 e 2 do CPC, ocorre a nulidade de processo que afecta a própria sentença.
Em causa, a ocorrência de uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença [nulidade de processo é a invalidade resultante da omissão de um acto de processo prescrito na lei ou a prática de um acto de processo contrário ao por ela estabelecido ou de uma irregularidade cometida no processo que possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º/1 do CPC); já a nulidade da sentença é um vício intrínseco dela como tal tipificado na lei (art. 615º/1, als. a) a e) do CPC)].
Mas ocorreu mesmo a arguida nulidade?
Antecipando, desde já, a decisão, entendemos que sim.
É inequívoco o não acatamento integral do Acórdão desta Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2024 que transitou em julgado e anulou o despacho proferido em 09/09/2024, que convolou o procedimento cautelar de restituição provisória da posse em procedimento cautelar comum. Tendo o tribunal a quo fundamentado tal decisão de não acatamento, por já ter sido proferida decisão final.
Ora, atendendo ao aresto anulatório, transitado em julgado, proferido pelo tribunal ad quem, resulta a nulidade de todos os actos praticados pelo tribunal “a quo” após o despacho de 09-09-2024, pois, como resulta do disposto no nº 2 do art. 195º do CPC, “Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.”. Concordando-se, pois, com a recorrente, quando refere que todos os actos praticados pelo Tribunal, dependentes e na sequência daquele despacho de 09/09/2024, que foi revogado pelo Tribunal da Relação, devem ser anulados, impondo-se a total observação da tramitação em conformidade com a lei e, como tal, desconsiderados os actos entretanto praticados. Sendo certo que o Tribunal “a quo” não podia nem pode olvidar que aquela sua decisão do despacho de 09/09/2024, estava sob recurso, que tendo efeito devolutivo, quando decidido, e, em caso de procedência, como sucedeu, implica a anulação de todos os actos praticados do mesmo dependentes e subsequentes.
Desconhecendo-se o que pretende a Srª Juiz a quo dizer, ao pronunciar-se sobre a arguida nulidade, que a prática dos atos necessários ao prosseguimento dos autos foi ponderada e decidida de forma fundamentada, quando dos autos nada resulta e se verifica, como bem lembra a recorrente, que apesar de ser do conhecimento do Tribunal, o acórdão que anulou a sua decisão de 09/09/2024, mesmo assim, tenha persistido em praticar actos, que por via do acórdão proferido estavam como estão feridos de nulidade.
Como é sabido, está consagrado pelas leis de processo e de organização judiciária um dever de acatamento por parte dos tribunais inferiores das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores, segundo o qual aqueles ficam subordinados à decisão do tribunal superior no âmbito do processo em que a decisão é proferida.
Esse dever de obediência surge desde logo no art. 152º/1 do CPC, onde se lê que os “juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”. Compreende-se, por isso, que se leia no art. 42º/1 da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, que os “tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões”.
O mesmo princípio foi de igual modo consagrado no art. 4º/1 da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), que os “magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores”; e, de forma idêntica, no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que os “juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”.
Logo, a indiscutível consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função judicante, é feita com a expressa salvaguarda do seu dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejam proferidas por Tribunais superiores.
Em consequência, o não acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões dos Tribunais superiores quando proferidas em via de recurso e estejam transitadas em julgado, constitui nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento [arts. 613º/3 e 615º/1, d), 2ª parte, ambos do CPC][4].
Assim, no caso dos autos, tendo a Relação, conhecendo do recurso anterior, decidido a revogação da “decisão proferida, que deve ser substituída por outra que não considere não terem sido alegados todos os factos necessários à verificação dos requisitos do procedimento cautelar de restituição provisória da posse e, assim, dado prosseguimento aos autos”, temos que, todos os actos praticados pelo tribunal a quo, dependentes e na sequência daquele despacho de 09-09-2024, que foi revogado pelo tribunal da Relação, devem ser anulados, impondo-se a total observação da tramitação em conformidade com a lei e, como tal, desconsiderados os actos entretanto praticados.
Ora evidentemente que não se mostra cumprido o que foi ordenado no acórdão em causa, se o juiz se limitou a mandar alterar a autuação do presente procedimento, mas preservando toda a tramitação com ele incompatível, decisão final incluída, escudando-se em já a ter, entretanto proferido, o que, como se apurou supra, até ocorreu num momento em que já era do seu conhecimento a prolação do acórdão da Relação, atento o requerimento da requerente de 14-10-2024. Verificando-se que a decisão final foi erradamente motivada após a prévia audição das requeridas e com prova documental e testemunhal produzida por estas, pelo que, também tem necessariamente de ser anulada. É que, por via da conduta adoptada (erradamente), o Tribunal permitiu um amplo conhecimento e participação das apeladas no processo, praticando actos que a lei - o art. 378º do CPC - não admite, desvirtuando o procedimento de restituição provisória da posse.
A verdade óbvia é que a mera alteração da autuação, tal como foi feita, representava garantidamente um acto de todo inútil (como aconteceu) que não podia certamente satisfazer o pretendido pela Relação.
O certo é que tendo a Relação – bem ou mal – deliberado em conferência, por decisão transitada em julgado, num certo e determinado sentido, cumpria ao tribunal de 1.ª instância acatar tal decisão, independentemente do seu acerto ou desacerto, uma vez que, concordando ou não com ela, lhe era de todo impossível recusar o seu cumprimento.
Procedem, assim, as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerente EMP01.... Ldª, e consequentemente, revogando a decisão recorrida, ordenar que se cumpra na primeira instância o determinado no acórdão de 10 de Outubro de 2024, em conformidade com o aqui exposto.
Custas a fixar oportunamente, que deverá atender ao disposto no art. 539º do CPC.
Notifique.
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Guimarães, 27-02-2025
(José Cravo)
(Joaquim Boavida)
(Paulo Reis)
[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ... - JC Civel - Juiz ... [2] Com o seguinte teor:
Antes de mais, atendendo ao já alegado na ação principal e para aferir da eventual necessidade de citação prévia das Requeridas, notifique a Requerente para juntar aos autos comprovativos de arrendamentos por si celebrados desde a compra e ainda pelo menos 3 recibos de água, luz ou gás dos últimos anos. [3] E fê-lo nos seguintes termos:
Por a decisão ser recorrível, por ser tempestivo e ter sido apresentado por quem tem legitimidade e interesse em agir para o efeito e, ainda, ter sido autoliquidada a respectiva taxa de justiça, admite-se o recurso interposto pelos AA da sentença proferida a 27.06.2023, que não mereceu resposta (contra-alegações) dos Réus, recurso esse que é de apelação, com subida diferida, em separado e com efeito devolutivo, pois que a providência requerida – defesa da posse – não foi liminarmente indeferida nem não ordenada, tudo nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 629.º, n.º 1, 638.º, 644.º, n.º 3, 645.º, n.º2, e 647.º, n.º1, do Código de Processo Civil.
Mais considera-se não haver nulidades a suprir à decisão em crise.
Notifique.
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Oportunamente, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães para apreciação da instância recursiva. [4] Cfr. neste sentido, os Ac. do STJ de 28-10-1997, in Proc. n.º 98A233; Ac. da RE de 31-05-2012, in Proc. n.º 855/11.3TBLLE-E1; Ac. da RP de 11-07-2006, in Proc. n.º 0623350; Ac. da RL de 08-10-2002, in Proc. n.º 95274/18.9YIPRT.L2-6; ou Ac. da RP de 11-11-2024, in Proc. n.º 4024/22.9T8VFR-B.P1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.