RECURSO DE REVISÃO
REQUISITOS
PROVA PERICIAL
Sumário


1) No recurso de revisão existem dois requisitos temporais, constantes do nº 2 do artigo 697º NCPC, que estabelece que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição do recurso é de 60 dias e conta-se desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, sendo prazos de caducidade, de conhecimento oficioso;
2) Na hipótese de estarmos perante uma situação de falsidade da perícia ou do relatório pericial, incumbe à apelante suscitar tal vício no processo em questão, não o tendo feito e podendo fazê-lo, fica precludida a possibilidade de o fazer no recurso de revisão;
3) Resultando da alegação da requerente da revisão que a decisão proferida na sentença se fundamentou na prova documental existente nos autos, na prova pericial, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas, terá de se concluir não existir a suficiência exclusiva do documento para modificar a decisão e sentido mais favorável à parte vencida, como é legalmente exigido.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, veio interpor Recurso de Revisão contra Condomínio do Edifício da ..., onde formulam as seguintes conclusões:

1. Em 15-03-2019 foi proferida sentença no presente Tribunal, que aqui se junta sob o documento nº 1, da qual que se pretende obter revisão, pelos fundamentos que a seguir se discriminam.
2. A referida decisão julgou parcialmente procedente a ação e em consequência, condenou o réu a pagar à autora a quantia de €5.880,40 (cinco mil oitocentos e oitenta euros e quarenta cêntimos), contra a simultânea eliminação dos defeitos (descritos no ponto 17 dos factos provados) por parte da autora.
3. A aqui recorrente havia intentado ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (resultante de requerimento de injunção) contra Condomínio ..., em ..., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €5.880,40, resultantes de um contato de “fornecimento de bens e serviços”, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €371,92, e vincendos.
4. O réu apresentou oposição, deduzindo exceção de não cumprimento, por não ter a autora executado os trabalhos como havia sido acordado ou tê-los executado de forma deficiente, pediu a improcedência da ação e subsidiariamente a sua condenação no pagamento apenas após a eliminação dos defeitos.
5. A decisão proferida nos presentes autos, fundamentou-se, na prova documental existente nos autos, na prova pericial, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas.
6. Sucede que o relatório pericial elaborado nos presentes autos enferma de irregularidades e imprecisões, enfermando de falsidade, pois verifica-se que as declarações prestadas pelo perito na referida peritagem não tinham base de sustentação, e influíram de forma importante e determinaram de facto a decisão a rever.
7. Constituindo fundamento do presente recurso de revisão, o previsto na al. b) do artigo 696º do CPC.
8. Com efeito, resulta da sentença a rever que as conclusões do relatório pericial não se mostram apoiadas pela realização de ensaios destrutivos conclusivos, que seriam essenciais para que se pudesse chegar às conclusões vertidas do citado relatório pericial.
9. Desta forma, o Relatório Pericial apenas se pronunciou sobre os vícios aparentes, referindo existirem vícios ocultos cuja perceção e avaliação estava na dependência de ensaios destrutivos que não foram realizados.
10. Todavia constata-se a nulidade da perícia ou do relatório pericial, uma vez que o perito nomeado não dispunha de elementos ou base de sustento para a conclusão de que a as infiltrações tinham como origem os terraços.
11. O recurso extraordinário de revisão visa anular uma decisão com fundamento em vícios próprios ou do respetivo procedimento, comportando-se como uma verdadeira ação com um duplo objetivo: o primeiro, de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente - juízo rescindente; o segundo, de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da ação.
12. No recurso extraordinário de revisão, do que se trata é de apurar se algum fundamento justifica a destruição da decisão transitada em julgado e, em caso afirmativo, de refazer a decisão impugnada.
13. No caso em apreço, a decisão recorrida assentou na prova documental existente nos autos, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas, mas essencialmente na prova pericial,
14. Como já aqui demonstrado, o relatório pericial enferma de nulidade, uma vez que o perito não tinha elementos para proferir as conclusões a que chegou, dado que não foram realizados ensaios destrutivos conclusivos, de forma a poder concluir que a origem das infiltrações é dos terraços.
15. Por outro lado, e não menos importante para a decisão a rever, cumpre referir o seguinte: na sua contestação alegou a ré, que em 20 de outubro  de 2015, 30 de outubro de 2015, e 2 de novembro de 2015, procedeu à denúncia dos defeitos junto da autora, aqui recorrente.
16. A ré, na sua contestação apresentada nos autos em 7/11/2016 invocou a exceção de não cumprimento, alegando a existência de defeitos, pedindo a improcedência da ação e subsidiariamente a sua condenação no pagamento apenas após eliminação dos defeitos.
17. Na verdade, perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra teria de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts. 1221º, 1222º e 1223º do CC.
18. Para ser reconhecido ao dono da obra o direito à reparação dos defeitos, é necessário que os denuncie ao empreiteiro no prazo de 30 dias após o seu conhecimento e que a ação correspondente seja intentada no ano subsequente à denúncia, caso contrário o direito extinguir-se à, por caducidade – artigo 1225º, nº 2 e 3, e 298º nº 2 do CC e nos termos do previsto no artigo 1224º do Código Civil.
19. Assim sendo, uma vez que os alegados defeitos foram denunciados em 20/10/2015, 30/10/2015 e 2/11/2015, e a injunção vertente entrou em juízo em 12/09/2016, conclui-se que quando a ré apresentou a sua oposição em 7/11/2016, apresentando em sua defesa nomeadamente a dita “exceção de não cumprimento do contrato”, já tinha decorrido o prazo de um ano sobre a denúncia dos defeitos, ou seja, o eventual direito de eliminação dos defeitos já havia caducado.
20. A caducidade do direito de exigir a eliminação de defeitos na obra é uma exceção perentória, de conhecimento não oficioso, porque estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes.
21. Pelo exposto, constata-se que a sentença não podia ter condenado a autora na eliminação dos defeitos, porque tal direito já havia caducado.
22. Impõe-se a procedência do presente recurso, para que: seja declarada a insuficiência/falsidade da prova pericial, seja declarada a caducidade do direito de ação e consequentemente seja revogada a sentença;
Deve, em consequência, ser o presente recurso de revisão admitido, e ser considerado procedente, com todas as consequências legais, nomeadamente revogando-se a sentença proferida.

*
Foi proferido despacho com o seguinte teor:
“14-05-2024 - <b>Alegações</b> [...54]
Recurso de revisão de sentença proferida em 15-03-2019 - <b>Sentença</b> [...57] c/ retificação em 06-09-2019 - <b>Despacho</b> [...03] que julgou parcialmente procedente a ação e em consequência, condena-se o réu a pagar à autora a quantia de €5.880,40 (cinco mil, oitocentos e oitenta euros e quarenta cêntimos) contra a simultânea eliminação dos defeitos (descritos no ponto 20. dos factos provados) por parte da autora.
A sentença recorrida transitou em julgado em 11-12-2019 e o presente recurso de revisão foi interposto em 14-05-2024 - <b>Alegações</b> [...54].
O recurso extraordinário de admite, nas situações taxativamente indicadas no art. 696º do CPC, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja suscetível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material (RC 2-12-2014, P. 536/20...).
Ora, in casu, o alegado pela recorrente não se subsume a nenhuma das alíneas do citado normativo.
Na verdade, o fundamento do presente do recurso reconduz-se a alegadas irregularidades, imprecisões e insuficiências do relatório pericial elaborado nos presentes autos, concluindo a reclamante que o mesmo enferma de falsidade, pois verifica-se que as declarações prestadas pelo perito na referida peritagem não tinham base de sustentação, e influíram de forma importante e determinaram de facto a decisão a rever.
Ora, não estamos perante a situação de falsidade de documento, mas tão só e apenas perante a não concordância com o teor do relatório pericial, cujos mecanismos de discordância se encontram previstos nos artigos 485º e 486º do Cód. Proc. Civil.
Pelo exposto, pelo que não se admite o recurso interposto por inadmissibilidade legal.
Notifique.”
*
B) Inconformada com a decisão proferida, veio a requerente EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 18).
*
Nas alegações de recurso da apelante EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda,, são formuladas as seguintes conclusões:
1. A recorrente não se pode conformar com a decisão que não admitiu o recurso de revisão apresentado, por inadmissibilidade legal.
2. O Tribunal a quo, na sua fundamentação, vem referir o seguinte:
“o recurso extraordinário admite, nas situações taxativamente indicadas no art. 696º do CPC, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja suscetível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material (RC 2.12-2014, P. 536/20...).
Ora, in casu, o alegado pela recorrente não se subsume a nenhuma das alíneas do citado normativo.
Na verdade, o fundamento do presente recurso reconduz-se a alegadas irregularidades, imprecisões e insuficiências do relatório pericial elaborado nos presentes autos, concluindo a reclamante que o mesmo enferma de falsidade, pois verifica-se que as declarações prestadas pelo perito na referida peritagem não tinham base de sustentação, e influíram de forma importante e determinaram de facto a decisão a rever.
Ora não estamos perante a situação de falsidade de documento, mas tão só e apenas perante a não concordância com o teor do relatório pericial, cujos mecanismos de discordância se encontram previstos nos artigos 485º e 486º do Código do Processo Civil.
Pelo exposto, pelo que não se admite o recurso interposto por inadmissibilidade legal.”
3. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, e conforme o alegado no recurso de revisão apresentado, a decisão proferida nos presentes autos, fundamentou-se, na prova documental existente nos autos, na prova pericial, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas.
4. O relatório pericial elaborado nos presentes autos enferma de irregularidades e imprecisões, enfermando de falsidade, pois verifica-se que as declarações prestadas pelo perito na referida peritagem não tinham base de sustentação, e influíram de forma importante e determinaram de facto a decisão a rever, constituindo fundamento do presente recurso de revisão, o previsto na al. b) do artigo 696º do CPC.
5. Com efeito, resulta da sentença a rever que as conclusões do relatório pericial não se mostram apoiadas pela realização de ensaios destrutivos conclusivos, que seriam essenciais para que se pudesse chegar às conclusões vertidas do citado relatório pericial, pelo que entende o aqui recorrente que tal situação se subsume à falsidade de documento.
6. Isto porque, ao não terem sido realizados ensaios destrutivos conclusivos, não poderia o relatório pericial ter concluído que as infiltrações do prédio são provenientes do terraço, uma vez que não existem elementos para aferir qual a proveniência dessas mesmas infiltrações.
7. Desta forma, o Relatório Pericial apenas se pronunciou sobre os vícios aparentes, referindo existirem vícios ocultos cuja perceção e avaliação estava na dependência de ensaios destrutivos que não foram realizados.
8. Verifica-se, pois, a nulidade da perícia ou do relatório pericial, e falsidade do respetivo relatório/documento, uma vez que o perito nomeado não dispunha de elementos ou base de sustento para a conclusão de que a as infiltrações tinham como origem os terraços.
9. O recurso extraordinário de revisão visa anular uma decisão com fundamento em vícios próprios ou do respetivo procedimento, comportando-se como uma verdadeira ação com um duplo objetivo: o primeiro, de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente - juízo rescindente; o segundo, de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da ação.
10. Segundo o artigo 696º, do CPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão nos casos aí taxativamente previstos, entre os quais se destaca o seguinte: b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida.
11. No caso em apreço, a decisão recorrida assentou na prova documental existente nos autos, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas, mas essencialmente na prova pericial,
12. Como já aqui demonstrado, o relatório pericial enferma de insuficiências uma vez que o perito não tinha elementos para proferir as conclusões a que chegou, dado que não foram realizados ensaios destrutivos conclusivos, de forma a poder concluir que a origem das infiltrações é dos terraços.
13. O que se reconduz à alegação de falsidade de documento, que constitui fundamento para o recurso de revisão apresentado pelo recorrente, nos termos do previsto na alínea b) do artigo 696º do CPC.
14. Por outro lado, e não menos importante para a decisão a rever, na sua contestação alegou a ré, que em 20 de outubro de 2015, 30 de outubro de 2015, e 2 de novembro de 2015, procedeu à denúncia dos defeitos junto da autora, aqui recorrente.
15. A ré, na sua contestação apresentada nos autos em 7/11/2016 invocou a exceção de não cumprimento, alegando a existência de defeitos, pedindo a improcedência da ação e subsidiariamente a sua condenação no pagamento apenas após eliminação dos defeitos.
16. Na verdade, perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra teria de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts. 1221º, 1222º e 1223º do CC.
17. Para ser reconhecido ao dono da obra o direito à reparação dos defeitos, é necessário que os denuncie ao empreiteiro no prazo de 30 dias após o seu conhecimento e que a ação correspondente seja intentada no ano subsequente à denúncia, caso contrário o direito extinguir-se à, por caducidade – artigo 1225º, nº 2 e 3, e 298º nº 2 do CC, pelo que dispunha a mesma do prazo de caducidade de um ano para interpor a ação judicial, nos termos do previsto no artigo 1224º do Código Civil.
18. Assim sendo, uma vez que os alegados defeitos foram denunciados em 20/10/2015, 30/10/2015 e 2/11/2015, e a injunção vertente entrou em juízo em 12/09/2016, conclui-se que quando a ré apresentou a sua oposição em 7/11/2016, apresentando em sua defesa nomeadamente a dita “exceção de não cumprimento do contrato”, já tinha decorrido o prazo de um ano sobre a denúncia dos defeitos.
19. Ou seja, o eventual direito de eliminação dos defeitos já havia caducado: caducidade do direito de exigir a eliminação de defeitos na obra é uma exceção perentória, de conhecimento não oficioso, porque estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes.
20. Pelo exposto, constata-se que a sentença não podia ter condenado a autora na eliminação dos defeitos, porque tal direito já havia caducado,
21. Deveria, em consequência, ser o presente recurso de revisão admitido, e ser considerado procedente, com todas as consequências legais, nomeadamente revogando-se a sentença proferida.
22. Ao decidir em contrário o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 696º do Código de Processo Civil.
Em consequência, deve ser o presente recurso admitido, e ser considerado procedente, com todas as consequências legais, nomeadamente revogando-se a sentença proferida, e substituindo-a por outra que admita o recurso de revisão apresentado, seguindo-se os posteriores trâmites até final.
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Não foi apresentada resposta.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questão a decidir no recurso é a de saber se se verificam os pressupostos de admissão do recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida, prosseguindo os posteriores trâmites até final.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) A apelante sustenta a sua pretensão no disposto nas alíneas b) e c) do artigo 696º NCPC que estabelece que
“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
( … )
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
( … )”
A sentença em questão foi proferida em 15-03-2019, tendo sido retificada em 06-09-2019 e transitou em julgado em 11/12/2019, conforme consta de certidão junta aos autos, pelo que, tendo sido interposto o recurso de revisão em 14/05/2024, o mesmo respeita o prazo de cinco anos a que se refere a primeira parte do nº 2 do artigo 697º NCPC, pelo que, quanto ao referido prazo, o mesmo é tempestivo.´
Porém, existe um outro requisito temporal, que não se mostra observado, que é o referido na parte final do nº 2 alínea c) do artigo 697º NCPC, que estabelece que o prazo para a interposição do recurso é de 60 dias e conta-se desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, a par de uma mistificação que importa, desde já, esclarecer.
Decorre das alegações que a apelante entende que o relatório pericial constitui prova documental, mas tal não tem qualquer correspondência com o figurino legal.
Com efeito, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães de 26/09/2019, no processo 137/16.4T8CMN-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, “são meios de prova legalmente admissíveis: a prova por confissão (arts. 352º a 361º do CC e 452º a 466º do CPC); a prova documental (arts. 362º a 387º do CC e 423º a 451º do CPC); a prova pericial (arts. 388º, 389º do CC e 467º a 489º do CPC); a prova testemunhal (arts. 392º a 396º do CC e 495º a 526º do CPC); a prova por inspeção judicial (arts. 390º, 391º do CC e 490º a 493º do CPC); e a prova por apresentação de coisas (art. 416º do CPC).
A prova pericial é um meio de prova, ou seja, um meio ou atividade processual desenvolvida no âmbito de determinado processo através da qual, tal como acontece com os restantes meios de prova, se procura determinar a convicção do julgador acerca da verificação (ou não) de determinados “factos”, isto é, sobre a verificação ou não das tais realidades ou acontecimentos internos ou externos suscetíveis de serem captados pelos sentidos.
A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente admissíveis a circunstância de a perceção ou a apreciação dos “factos” exigir conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando aqueles factos sejam relativos a pessoas e não devam ser objeto de inspeção judicial e a consequente necessidade de se recorrer a peritos (art.388º, nº 1 do CC).
Deste modo, em face da lei substantiva e adjetiva nacional, a prova pericial tem de característico e como pressuposto para a admissibilidade deste concreto meio de prova, a perceção de factos presentes (verificação material), acompanhada normalmente da sua apreciação, por meio de pessoa(s idónea(s) (“o(s) perito(s)”), quando a perceção desses factos não possa ser direta e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade legítima da pessoa em que se verifiquem esses factos, e/ou quando na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos desconhecidos) sejam necessários aqueles conhecimentos especiais, não acessíveis ao juiz, por não fazerem parte da cultura geral ou experiência comum, que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas.”
Do exposto já resulta que a prova pericial e o relatório que seja produzido, pela sua apontada especificidade, não se confunde com qualquer outro meio de prova, designadamente, com a prova documental.
Naturalmente que é possível haver lugar à falsificação de qualquer documento, incluindo de um relatório pericial, mas não com a argumentação expendida pela apelante, uma vez que para esta “resulta da sentença a rever que as conclusões do relatório pericial não se mostram apoiadas pela realização de ensaios destrutivos conclusivos, que seriam essenciais para que se pudesse chegar às conclusões vertidas do citado relatório pericial, pelo que entende a aqui recorrente que tal situação se subsume à falsidade de documento.”
A falsidade é definida in A Falsidade no Direito Probatório, José Lebre de Freitas, 1984, a páginas 165, como a qualidade de um documento escrito consistente na desconformidade entre o facto representativo nele contido e a realidade de todos ou alguns dos factos pelo primeiro direta ou indiretamente presumidos, da qual resulta a elisão dessa presunção.
Ora, um relatório pericial pode conter imprecisões, desconformidades ou erros, que podem afetar, ou não, a valia científica do seu conteúdo, mas, nem por isso se pode considerar que tenha sido falsificado, pois tal pressupõe uma atuação voluntária do agente para a alteração da valia científica do juízo emitido, desvirtuando-o, contrariando a realidade, o que não é o caso.
Não pode deixar de se notar que uma coisa é afirmar-se que o relatório pericial é falso, porque ocorreu uma alteração consciente e pretendida do seu conteúdo, contrário à realidade e outra, totalmente diferente, a discordância do juízo aí constante, com a opinião da apelante, como sucede com o caso presente, por parte da apelante, que nada tem a ver com a invocada, mas inexistente, falsidade da perícia.
Do exposto já resulta que nunca se poderia falar em enquadrar a situação invocada na alínea c) do artigo 696º NCPC.
Mas, voltando ao ponto em que nos encontrávamos, mencionamos acima que existe um outro requisito temporal, que não se mostra observado, que é o referido na parte final do nº 2 alínea c) do artigo 697º NCPC, que estabelece que o prazo para a interposição do recurso é de 60 dias e conta-se desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
Ora o prazo em questão é um prazo de caducidade referindo-se em Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2013, a páginas 410, que “a caducidade do direito potestativo de revisão apenas é impedida com a propositura da ação, a partir da qual já não será afetada pela suspensão da instância.
A lei não o refere explicitamente, mas estamos perante caducidade de conhecimento oficioso, o que decorre, por um lado, da natureza indisponível do direito que se pretende exercitar e, por outro, do facto de o artigo 699º, nº 1, determinar a aplicação do artigo 641º nº 1 que incumbe ao juiz de apreciar a oportunidade do requerimento de interposição do recurso.
Ora, não se mostrando alegado, por um lado, o momento em que a apelante teve conhecimento do facto que serve de base à revisão (artigo 697º nº 2 alínea c) NCPC) e, por outro, que tal conhecimento tivesse ocorrido há menos de 60 dias (ibidem), face à materialidade descrita, desde, pelo menos, a data da sentença, se não, mesmo, desde a data do conhecimento do relatório pericial que a apelante tem conhecimento de tal invocada situação que apelida de “falsidade”, pelo que há muito caducou o direito de interpor a revisão.
Mas não deixará de se observar que ainda que assim não fosse – e é – sempre incumbiria à apelante alegar, como elemento indispensável à interposição do recurso de revisão, que a falsidade do meio de prova não foi objeto de discussão no próprio processo.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 21/10/2021, no processo  57/14.7T8PTS-A.L1-8 (www.dgsi.pt):
- No que respeita ao fundamento previsto na al. b) do artº 696º do CPC são requisitos substantivos (cumulativos) do recurso de revisão, que a falsidade do meio de prova não tenha sido objeto de discussão no próprio processo e que tenha determinado a decisão a rever (nexo de causalidade adequada).
- Se na decisão a rever o depoimento da testemunha que se reputa de falso foi valorado em conjugação com os depoimentos de outras testemunhas, com o teor de documentos, teor do relatório pericial, esclarecimentos escritos dos peritos e inspeção ao local, impõe-se concluir que aquele depoimento não foi determinante para a decisão revidenda, nada permitindo concluir que sem este meio de prova a decisão teria sido diversa. A não verificação do nexo de causalidade adequada exigido é causa de improcedência do recurso.
- A revisão fundada em documento pressupõe a novidade na vertente objetiva – o documento foi fabricado em data posterior à sentença a rever – ou subjetiva - o documento já existia, mas o recorrente estava impossibilitado de dele se servir, ou porque desconhecia a sua existência e/ou porque a falta da sua apresentação não lhe é imputável. Na vertente subjetiva, recai sobre o recorrente um ónus acrescido no sentido de alegar e provar que diligenciou pela obtenção do documento e que a impossibilidade da sua apresentação não lhe é imputável. 
 - Se os documentos que servem de fundamento à revisão carecem de ser conjugados com outros meios de prova (documentos ou depoimentos de testemunhas) significa que não são suficientes para por si só alterarem a decisão revidenda em sentido mais favorável ao recorrente.
- Sendo os documentos pré-existentes à ação declarativa cuja sentença se pretende rever – e tendo a quase totalidade sido junta nessa ação -, os quais se encontravam depositados/arquivados em tribunais (ou arquivos públicos), cartórios notariais, serviços de finanças, cujo acesso era permitido aos recorrentes na pendência da ação declarativa, carecem, em absoluto, do requisito da novidade.
Neste mesmo sentido. cfr. Acórdãos da Relação de Évora de 16/01/2025, no processo 1736/20.5T8PTM-A.E1 e da Relação de Guimarães de 11/10/2018, no processo 51/14.8T8VFL-A.G1 (www.dgsi.pt).
Assim sendo, na hipótese, não verificada, de estarmos perante uma situação de falsidade da perícia ou do relatório pericial, incumbia à apelante suscitar tal vício no processo em questão, não o tendo feito ficou precludida a possibilidade de o fazer no recurso de revisão.
De resto, referindo a apelante que “no caso em apreço, a decisão recorrida assentou na prova documental existente nos autos, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas, mas essencialmente na prova pericial,” como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 11/10/2018, no processo 51/14.8T8VFL-A.G1 (www.dgsi.pt) “Quando o documento a que alude o requerente da revisão apenas poderia modificar a decisão transitada em julgado em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, deve ter-se por excluída a verificação do último dos requisitos previstos na alínea c) do art. 696º do CPC, qual seja, a de que o documento indicado pelo recorrente, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”, sempre improcederia a pretensão da apelante.
Como se refere em Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2013, páginas 405 e seg., “na alínea b) prevêem-se fundamentos ligados à falsidade dos meios de prova em geral, exigindo-se que a matéria não tenha sido objeto de discussão no próprio processo e, além disso, que a sua valoração tenha sido causal da decisão a rever (neste sentido cfr. Acórdão do STJ de 07/12/2013, no processo 877-B/2002.C1.S1 in www.dgsi.pt).
No que concerne aos documentos, a impugnação da sua genuinidade ou da sua força probatória está prevista nos artigos 444º e 446º, de modo que, conhecendo os vícios, a parte contra quem os documentos são apresentados tem o ónus de suscitar tais incidentes, sob pena de preclusão. O mesmo se diga em relação à falsidade de ato judicial (artigo 451º).
Tal regime de preclusão deve aplicar-se aos demais meios de prova. Desde que a parte tenha conhecimento da sua falsidade, deve suscitar imediatamente a questão no processo em que a prova é produzida e valorada.
( … )
Ao contrário do que emergia da primitiva redação do preceito, não se torna necessário instruir o requerimento com qualquer sentença confirmativa a falsidade, tendo-se optado por integrar a discussão dos factos pertinentes no âmbito da revisão. Ainda assim, será naturalmente mais fácil obter a procedência do recurso se acaso o recorrente puder demonstrar a alegada falsidade a partir de sentença penal ou cível que porventura a tenha reconhecido.”
Afirma a apelante que “a decisão proferida nos presentes autos, fundamentou-se, na prova documental existente nos autos, na prova pericial, nas declarações de parte da legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas.
O relatório pericial elaborado nos presentes autos enferma de irregularidades e imprecisões, enfermando de falsidade, pois verifica-se que as declarações prestadas pelo perito na referida peritagem não tinham base de sustentação, e influíram de forma importante e determinaram de facto a decisão a rever.
Constituindo fundamento do presente recurso de revisão, o previsto na al. b) do artigo 696º do CPC.
Com efeito, resulta da sentença a rever que as conclusões do relatório pericial não se mostram apoiadas pela realização de ensaios destrutivos conclusivos, que seriam essenciais para que se pudesse chegar às conclusões vertidas do citado relatório pericial, pelo que entende o aqui recorrente que tal situação se subsume à falsidade de documento.”
Mas é manifesto que a apelante não tem razão até porque embora seja clara a discordância da mesma, da prova pericial, tal não é suscetível de implicar a nulidade da perícia, pelo que tal afirmação carece de fundamento legal.
 Por todo o exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a douta decisão recorrida deverá ser confirmada e a apelação julgada improcedente.
Face ao decaimento total da apelação, sobre a apelante recai o encargo de suportar as custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 27/02/2025

Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador António Beça Pereira
2ª Adjunta: Desembargadora Maria Luísa Duarte