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NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COISA DEFEITUOSA
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRODUTOR
Sumário
I - A privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de um prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano ressarcível, pelo que o facto de o veículo ser usado pelo lesado no seu quotidiano não pode deixar de determinar a atribuição de uma indemnização no período em que perdurou a privação do uso, in casu, até à aquisição de um novo veiculo pelo lesado. II) - A determinação do valor dessa indemnização, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial concreto, deve ser fixada com recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3 do Código Civil. III) - O Decreto-lei nº 67/2003, de 08 de abril, no seu artigo 6º n.º 1, prevê a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, estabelecendo que, sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor. IV - Segundo o n.º 3 deste preceito (referente à Responsabilidade direta do produtor) o representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor. V) - Representante do produtor é qualquer pessoa singular ou coletiva que atue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à exceção dos vendedores independentes que atuem apenas na qualidade de retalhistas.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório AA intentou a presente ação de processo comum contra EMP01... – COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE AUTOMÓVEIS, Lda. e EMP02..., Lda. formulando os seguintes pedidos:
(i) condenação das Rés a substituírem as quatro jantes do veículo de matrícula ..-UU-..;
(ii) condenação das Rés a procederem à substituição de quaisquer outras peças que se revele ser necessário para eliminar a aludida deficiência de que o referido veículo padece, consistente em trepidação em andamento, que provoca o empeno dos discos dos travões, de molde a que se deixe de verificar qualquer trepidação e/ou vibração quando acionados os travões;
(iii) condenação das Rés a reconhecerem a extensão do período de garantia do referido veículo, decorrido entre junho de 2019 e o momento em que vierem a ser eliminados os defeitos e vícios alegados;
(iv) condenação das Rés a pagarem ao Autor a quantia diária de €100,00, desde o dia ../../2019, a título de indemnização devida pela imobilização do veículo, até à data em que se mostre efetivamente reparada a deficiência da viatura;
(v) a condenação das Rés a pagarem solidariamente ao Autor a quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais;
(vi) condenação das Rés a pagarem ao Autor o que vier a ser liquidado em ulterior execução de sentença, a título de indemnização complementar decorrente da desvalorização comercial do veículo.
Regularmente citadas, as Rés contestaram.
A primeira Ré, impugnando o valor da causa e defendendo-se por impugnação motivada.
A segunda Ré, invocando a ineptidão da petição inicial por incompatibilidade de pedidos e por falta de causa de pedir relativamente ao pedido (vi), invocando a caducidade do direito invocado pelo Autor e defendendo-se por impugnação motivada.
O Autor pronunciou-se sobre as exceções invocadas.
Foi julgado improcedente o incidente de impugnação do valor da causa deduzido pela primeira Ré, foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e relegado para a sentença o conhecimento da exceção de caducidade.
Pelo Autor foi requerida e admitida a ampliação do pedido, peticionando aquele o seguinte: “1 - Ser declarado resolvido o contrato de compra e venda do veículo em causa nos autos, por perda do interesse no cumprimento e por recusa do cumprimento, nos termos do disposto no artigo 808º, nºs 1) e 2), do C.P.C., devendo as Rés serem condenadas a reporem a situação como se encontrava anteriormente à sua celebração, devendo, assim, ser devolvido ao Autor a quantia por este entregue a título do preço pago pela viatura, ou seja, devem ser condenados a pagar ao autor a quantia de € 60.000,00, como devolução por parte do autor do veículo ás Rés, o que pressupõe a destruição “ex tunc” dos efeitos do contrato de compra e venda, acrescidos de juros à taxa legal; 2 - Sejam as Rés condenadas a pagar ao Autor os valores despendidos com o seguro obrigatório durante os anos de 2020 e 2021, nos montantes de 1.077,00 € e 1.168,00 €, respetivamente; 3 - Bem como nos valores despendidos em IUC durante os anos de 2020 e 2021, de 636,44 € e 636,44 €, respetivamente, período esse que, como deixou dito, não utilizou o carro, por culpa das Rés, que não repararam a avaria da viatura e nem sequer determinaram qual é a causa dessa avaria. 4 – Subsidiariamente, para a hipótese de se entender necessária a conversão da mora em incumprimento definitivo, através de interpelação admonitória, pretende o Autor se seja fixado na decisão final o prazo de 30 dias para as Rés procederem à reparação da viatura, findo os quais, sem que tenha procedido a qualquer reparação, ou sem que tenha procedido a uma reparação correta, que permita a circulação do veículo, se considere resolvido o contrato; 5 - Valendo os 30 dias concedidos, (se se entender como necessária a interpelação admonitória, para conversão da mora em incumprimento definitivo, em ordem a tornar possível a resolução do contrato), para procederem à reparação como interpelação admonitória, para efeitos do disposto no artigo 808º, do C. Civil, findos os quais, a mora se converta em incumprimento definitivo, resolvendo-se o contrato; 6 - Que a reparação, a ser efetuada, o não seja em oficinas da EMP02..., por em razão dos factos descritos, não inspirar nenhuma confiança; 7 - Seja prolongado o período de garantia por mais um anos e quatro meses a contar da data em que se constatar que o carro está reparado e em condições de circular, ou, na hipótese de resolução do contrato, seja a Ré EMP02... condenada a devolver ao autor o valor de 666 € referente ao valor pago pela extensão da garantia não usufruída. 8- Na procedência do pedido subsidiário, a condenação das RR no supra peticionado em 2 e 3”.
Pelo Autor foi, novamente, requerida e admitida a ampliação do pedido peticionando aquele o seguinte: “1 -Pagar ao Autor 150 €/dia pela paralisação do veículo. 2- Pagar ao Autor a quantia de 898,60 € em reembolso do que despendeu com as revisões da viatura, sem que pudesse fruir das vantagens do seu veículo. 3- Tudo acrescido dos juros legais contados desde a citação até efetivo pagamento”.
Veio a ser proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. e EMP02..., Lda. parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno as Rés, solidariamente, a: • Procederem à reparação do UU, eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1., através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros; • Pagarem ao Autor a quantia líquida de € 26.642,50; • A pagarem ao Autor a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, correspondente ao valor diário de € 17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1.. Absolvo as Rés do demais peticionado Custas Autor e Rés, em partes iguais. Registe e notifique”.
Em face do óbito do Autor vieram BB e CC requerer a sua habilitação, tendo sido proferida sentença que os julgou habilitados para prosseguir os ulteriores termos da causa.
Inconformada, apelou a Ré EMP02..., Lda da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“ A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, que julgou parcialmente procedente a ação, e, em consequência, condenou, solidariamente, as rés EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. e EMP02..., Lda., a (i) procederem à à reparação do veículo, eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1, através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros; (ii) pagarem ao Autor aquantia líquida de €26.642,50 e (iii) pagarem ao Autor a quantia a fixar em liquidação de sentença, correspondente ao valor diário de €17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1.
B. Entende a Recorrente que a decisão em crise padece de várias nulidades, erro na apreciação da matéria de facto e, bem assim, na sua subsunção ao Direito, razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso.
C. O Tribunal a quo, para fundamentar a decisão de condenação das Rés na reparação do Veículo do Autor, baseou-se, essencialmente, na segunda perícia, tendo aderido inteiramente ao que por esta foi propugnado.
D. Os Senhores Peritos, pese embora não tenham logrado identificar o que originou o empeno dos cubos de roda do Veículo, consideraram que a substituição dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros seria a solução para eliminar a vibração na travagem, na sequência do que o Tribunal a quo condenou as Rés a proceder a essa exata reparação.
E. Porém, na parte do segmento decisório relativo ao dano de privação de uso do veículo o Tribunal condenou, sem mais, as Rés a proceder ao pagamento ao Autor da quantia já líquida de €26.642,50, acrescida da quantia cuja fixação remeteu para liquidação de sentença, “correspondente ao valor diário de €17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1”.
F. A condenação das Rés a procederem ao pagamento de uma indemnização pelo dano de privação de uso do veículo vem na sequência, como do próprio segmento decisório resulta, da condenação inicial das Rés a procederem à reparação da vibração melhor descrita na alínea v), do ponto II.1 dos factos provados.
G. Por outras palavras, a obrigação de reparação da anomalia por parte das Rés ter-se-á por cumprida na estrita medida do cumprimento da solução proposta pela segunda perícia.
H. Acontece que, a expressão adotada pelo Tribunal a quo - “até à definitiva eliminação do defeito” - é apta a permitir mais do que uma interpretação, designadamente a de que as Rés, muito embora tenham realizado a reparação nos estritos termos a que foram condenadas e cumprido o que preconizava a perícia, no caso - ainda que hipotético - de a anomalia ainda se manter, por outros motivos que lhe são totalmente alheios e desconhecidos, este concreto segmento decisório poderia habilitar a interpretações mais ousadas, nomeadamente a de que a obrigação de proceder ao pagamento de uma quantia diária a título de indemnização pelo dano de privação de uso se manteria até à efetiva eliminação desse defeito.
I. Podendo esta interpretação conduzir a um resultado contrário ao que ficou demonstrado nos autos e a uma solução jurídica injusta e infundada, conclui-se que a sentença recorrida é, nesta parte, ambígua e obscura, sendo, por isso, nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 2.ª parte, do CPC.
J. Sem prescindir, caso se entenda que a sentença não padece da alegada ambiguidade/obscuridade, e considerando que o Autor, na sua petição inicial, apenas peticiona “a efetiva reparação da deficiência da viatura”, sempre se deverá considerar que, ao condicionar o limite indemnizatório pelo dano da privação do uso a uma “definitiva eliminação do defeito”, e não à sua reparação (conforme peticionado), sempre a mesma seria, igualmente, nula, por condenar as Rés em objeto diverso do pedido do Autor – cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC.
K. De igual modo, veja-se que o Tribunal a quo fixa um quantitativo diário de €17,50 para o dano da privação do uso, não fundamentando, no entanto, quais os critérios que considerou relevantes para aquela alegada ponderação equitativa.
L. Assim, também nesta perpectiva, é a sentença recorrida nula, desta vez por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
M. Quanto à decisão sobre a matéria de facto, pese embora o Tribunal a quo tenha considerado provada a matéria vertida nos pontos dd), ee), ff), gg), hh), ii) e jj) do elenco de factos provados, o mesmo desconsidera matéria alegada e demonstrada, igualmente relevante que, lida em conjunto com aqueles pontos, seria suscetível de alterar a decisão.
N. Ora, o ponto dd) dos factos provados - “a partir de ../../2020, o Autor deixou de utilizar o UU no seu dia-a-dia, mantendo-o parqueado na sua casa” – parece transmitir a ideia de que a única razão da imobilização do Veículo a partir daquela data eram as alegadas vibrações existentes aquando do acionamento do sistema de travagem.
O. Acontece que, pelo menos a partir do dia 18 de março de 2020, e durante largos períodos, vigorou no nosso país uma situação de estado de emergência que, entre outros, obrigava os cidadãos a permanecerem na habitação, tendo-se seguido uma recomendação geral de teletrabalho.
P. Naquela época pairava sobre os cidadãos em geral, e sobretudo sobre aqueles que se encontrassem num estado de saúde debilitado (como era o caso do Autor), um receio de sair da habitação e de circular livremente, mesmo que não estivesse em vigor uma qualquer restrição de circulação ou obrigação de permanência na habitação.
Q. Quer isto dizer que, mesmo que o Autor pudesse fruir livremente do seu Veículo, pelo menos nos períodos em que era obrigatória a permanência na habitação, o mesmo estaria, de qualquer forma, impedido de o utilizar, sob pena de violar aquelas obrigações.
R. Isto mesmo resultou do depoimento prestado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador João Manuel Lopes, na sessão da audiência de julgamento ocorrida no dia 12.12.2023, que foi claro ao referir que na altura do confinamento não havia sessões no Tribunal da Relação de Guimarães, sendo que as sessões subsequentes ao período de maiores restrições foram realizadas por videoconferência, através da habitação de cada um dos Senhores Desembargadores.
S. Não se compreende que o Tribunal a quo tenha considerado o depoimento desta concreta testemunha credível para a prova de determinados factos, designadamente da periodicidade com que se realizavam as sessões no Tribunal da Relação de Guimarães, e que tenha desatendido, por completo, este testemunho, para provar que durante o período de confinamento relacionado com a pandemia Covid-19 não havia sessões e, posteriormente, as mesmas eram realizadas através de videoconferência.
T. Assim, deverão ser aditados aos factos provados os seguintes factos: “Durante o período de confinamento relacionado com a pandemia da Covid-19 não havia sessões no Tribunal da Relação de Guimarães” e “Enquanto houve a recomendação de teletrabalho relacionada com a pandemia da Covid-19, as sessões do Tribunal da Relação de Guimarães eram realizadas por videoconferência”.
U. Nesta senda, importa referir que, não tendo o Tribunal dado esta factualidade como provada, também a mesma não foi considerada na fixação do quantum indemnizatório relativo ao dano da privação do uso.
V. Na verdade, analisada a sentença recorrida, fica patente que o Tribunal a quo não considerou que, pelo menos nos períodos de confinamento relacionado com a pandemia Covid-19, o Autor estava impedido de circular e de se ausentar da sua habitação, não podendo, por isso, fruir livremente do Veículo.
W. Atribuir um valor diário pela privação do uso do Veículo a este período, no qual o Autor nunca poderia ter utilizado o mesmo, consubstanciaria um enriquecimento sem causa a favor do Autor, com o consequente empobrecimento das Rés.
X. A título de exemplo, veja-se que o lapidar Acórdão desta Relação, relatado por José Carlos Pereira Duarte, no âmbito do processo n.º 2081/22.7T8GMR.G1 é claro ao referir que, na contagem dos dias a considerar para o dano da privação do uso, deverão ser descontados aqueles em que houve confinamento obrigatório.
Y. Por outras palavras, para que se possa considerar que houve, de facto, uma privação do uso do veículo indemnizável, sempre terá de haver uma frustração de uma possibilidade concreta e efetiva de utilizar o Veículo, a qual, pelo menos no período de confinamento, e desde que o Autor cumprisse com o dever de permanência na habitação, não existia.
Z. Assim, sempre deverá operar uma redução equitativa do montante no qual as Rés foram condenadas a indemnizar o Autor pelo dano da privação do uso do Veículo.
AA. Ademais, e independentemente de se considerar, ou não, aquele período, sempre se deverá considerar que o montante diário de €17,50 no qual as Rés foram condenadas é excessivo.
BB. Conforme já se disse na Contestação, e dando por integralmente reproduzido tudo quanto ali se alegou a este respeito, as decisões já proferidas, sobre a mesma matéria, por outros tribunais superiores, têm atribuído uma indemnização diária entre €5,00 e €10,00.
CC. Assim, ainda que o Autor tivesse direito a uma indemnização pelo dano de privação do uso, esse valor nunca poderia ser superior a €8,00 por dia, o que se requer.
DD. Por fim, e conforme vem exemplarmente explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2017, ainda que as Rés fossem condenadas no pagamento daquele quantitativo diário até à “definitiva eliminação do defeito”, o quantum total sempre estaria limitado ao valor de um veículo novo.
EE. Assim, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, substituindo a decisão recorrida por outra, nos exatos termos peticionados”.
Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso.
A Ré EMP01...-COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE AUTOMÓVEIS Lda, não se conformando também com a sentença, veio recorrer concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos autos supra referenciados, que julgou parcialmente procedente a ação interposta pelo Autor e condenou solidariamente as RR. a:
o Procederem à reparação do UU, eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v) do ponto II.1 da Sentença, através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros;
o Pagarem ao Autor a quantia líquida de € 26.642,50; e
o Pagarem ao Autor a quantia cuja fixação se remeteu para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, correspondente ao valor diário de € 17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1.
2. Considera a aqui Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade e erro na apreciação da matéria de facto e de direito, razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso.
DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA
Da falta de fundamentação
3. A Sentença recorrida condenou as RR. a pagarem ao Autor a quantia líquida de € 26.642,50; bem como a quantia cuja fixação se remeteu para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, correspondente ao valor diário de € 17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1. da Sentença.
4. Sucede que o Tribunal “a quo” não fundamentou a base, nem explicou qual o critério, utilizados para estabelecer este valor diário de €17,50 que, de resto, se afigura como excessivo.
5. Consequentemente, deve ser declarada a nulidade da Sentença recorrida, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C., com as necessárias e legais repercussões processuais. Condenação em objeto diverso do pedido
6. A Sentença recorrida que condena a 1.ª R. a proceder à reparação do veículo vai contra o pedido expressamente formulado pelo Autor, que explicitamente solicitou que a reparação não fosse efetuada pela 1.ª R.
7. Com efeito, pelo Autor foi requerida e judicialmente admitida a ampliação do pedido (Requerimento a que corresponde a Ref.ª ...56), peticionando, entre o mais: “6 – Que a reparação, a ser efetuada, não o seja em oficina da EMP02..., por em razão dos factos descritos, não inspirar nenhuma confiança”.
8. A Sentença recorrida condenou a 1.ª R., solidariamente com a R. EMP02..., entre o mais, a “[p]rocederem à reparação do UU, eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1., através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros”, bem como “[a] pagarem ao Autor a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º,nº 2, do Código Civil, correspondente ao valor diário de € 17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1..”.
9. Ao assim decidir, o Tribunal “a quo” condenou em objeto diverso do pedido, o que configura uma nulidade, de acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do C.P.C.
10. Consequentemente, deve ser declarada a nulidade da Sentença recorrida, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea e), do C.P.C., com as necessárias e legais repercussões, revogando-se a decisão recomida.
Sem prejuízo,
DA IRRESPONSABILIDADE DA 1.ª R., AQUI RECORRENTE, FACE À GARANTIA PRESTADA
[DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA 1.ª R]
11. O Tribunal “a quo” deu como provado que: «O Autor adquiriu à primeira Ré, em 27.07.2018, uma Extensão de Garantia EMP02... (...) para o UU, pelo valor de € 353,66, nos termos das condições gerais que surgem reproduzidas de fls. 126v a 127v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido» – Cf. Alínea e) do ponto II.1 da douta Sentença recorrida.
12. Reporta-se o douto Tribunal “a quo” às condições gerais carreadas aos autos pela 2.ª R., EMP02..., através de requerimento datado de 18/05/2021, a que corresponde a Ref.ª ...57, sob doc. n.º 2.
13. Do teor das mencionadas condições gerais, que, habitualmente, são entregues com a aquisição de um veículo, conclui-se que delas resulta, com relevância para os autos, o seguinte:
CONDIÇÕES GERAIS DE GARANTIA EMP02... / ...
(…)
1. PERÍODO DE GARANTIA
1.1. Veículo em Geral: dois anos, sem limite de quilómetros, contados a partir da data indicada no Certificado de Entrega de veículo novo.
1.2. Corrosão da Carroçaria: doze anos, sem limite de quilómetros, contados a partir da data da entrega indicada no Certificado de Entrega de veículo novo. (corrosão de dentro para fora).
1.3. Pintura da Carroçaria: três anos, sem limite de quilómetros, contados a partir da data da entrega indicada no Certificado de Entrega de veículo novo.
1.4. Peças: substituídas fora do período de Garantia: dois anos, sem limite de quilómetros, contados desde a entrega do bem objecto da substituição.
2. CONDIÇÕES DE GARANTIA
2.1. O direito à Garantia consiste na reparação ou substituição de peças gratuitamente, cuja responsabilidade seja imputável ao produto. O critério de reparação compete exclusivamente à Rede de Concessionários/Reparadores Autorizados EMP02... / ..., e deverá ser conforme com as instruções do fabricante.
2.2. A Garantia só pode ser concedida na rede de Concessionários/Reparadores Autorizados EMP02... / ... desde que o cliente comunique a existência da deficiência dentro do Período Contratual de Garantia, e no prazo máximo de dois meses a contar da data em que a tenha detectado.
[Sublinhados nossos]
14. Com base neste teor, o Tribunal “a quo” concluiu que, em face da garantia contratada (garantia voluntária), ambas as RR. se responsabilizaram objetivamente pela ocorrência de anomalias e defeitos no UU durante um determinado período de tempo – Cf. Fls. 18 da Sentença recorrida.
15. Com o devido respeito, atento o teor das condições gerais carreadas aos autos, mal andou o Tribunal “a quo” ao concluir pela condenação da R. EMP02..., aqui Recorrente, a proceder à reparação do veículo e na obrigação de indemnizar o Autor.
16. Verifica-se, na verdade, uma verdadeira situação de ilegitimidade da 1.ª R., aqui Recorrente, para o cumprimento das obrigações contratuais objeto da presente lide.
17. Conforme se infere dos factos provados nos autos (alíneas a) e b) do ponto II.1. da Sentença recorrida), a R. EMP02..., aqui Recorrente, atua como concessionária autorizada pela R. EMP02..., que é a representante legal, em Portugal, da marca alemã EMP02....
18. A função da R. EMP03..., na qualidade de concessionária, é, destarte, limitada à prestação de serviços técnicos e comerciais, dentro dos termos estipulados pela marca e pelo contrato de concessão. Não lhe cabe a responsabilidade final pela eliminação de defeitos cobertos pela garantia da marca.
19. No caso em apreço, a R. EMP03... (i) não vendeu o veículo UU ao Autor, (ii) nem perante ele se vinculou através da garantia voluntária a que se reporta o Tribunal “a quo” na Sentença recorrida, pelo que mal andou a Sentença recorrida ao decidir que, em face da garantia contratada, a primeira e a segunda RR. responsabilizaram-se objetivamente pela ocorrência de anomalias e defeitos no veículo UU.
20. Contrariamente ao decidido, nunca a R. EMP03..., em seu nome, prestou ao Autor qualquer garantia voluntária e/ou assumiu a responsabilidade objetiva pela ocorrência de anomalias ou defeitos associados ao UU.
21. A R. EMP03... vendeu, efetivamente, duas extensões de garantia ao Autor, mas agiu, sempre, em representação da marca ..., nunca tendo assumido, perante o Autor, qualquer responsabilidade direta por eventuais defeitos de fabrico do veículo, que nem sequer vendeu.
22. Portanto, nunca poderia a R. EMP03... ser responsabilizada pelas questões relacionadas com a garantia estendida, que é uma garantia do fabricante, enquanto garantia comercial que acompanha o veículo.
23. A interpretação correta da extensão de garantia e das respetivas condições gerais implica que qualquer reparação ou substituição necessária no veículo UU, a existir, tal como descrito nas cláusulas em que se baseou a Sentença recorrida, não pode ser atribuída à 1.ª R.
24. Nos termos da garantia do fabricante, o comprador, verificando-se, no período garantido alguma anomalia ou desconformidade, poderá apresentar o veículo em qualquer concessionário ou reparador autorizado da marca, no entanto, a estes concessionários ou reparadores autorizados, durante o período correspondente à garantia e verificada uma qualquer anomalia ou desconformidade, cabe, apenas e tão só, executar os atos tendentes à concretização da garantia comercial do fabricante, sempre sob indicações deste.
25. Esta conclusão resulta do ponto 2.1. das condições de garantia em que se baseou a Sentença recorrida.
26. Não pode ser imputável à 1.ª R., destarte, qualquer obrigação de indemnização pela eventual privação do uso do veículo – privação essa que é inerente ao cumprimento da obrigação de reparar, acometida à fabricante, ou por quaisquer danos não patrimoniais sofridos.
27. Para existir uma garantia dada pela 1.ª Ré ao Autor teria de ter existido uma declaração da 1.ª Ré nesse sentido e, conforme resulta dos autos, esta declaração não existe.
28. Deste modo, os prejuízos decorrentes das respetivas paralisações do veículo para reparação só podem ser imputáveis à mesma entidade que se responsabilizou pelas reparações.
29. E essa entidade não é a 1.ª Ré.
30. Neste sentido, v., precisamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-05-2021, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “Tendo um veículo sido reparado nas oficinas do vendedor com respaldo na declaração «Todo o veículo da marca ...” tem garantia contra defeitos de fabrico nos termos que figuram na garantia do fabricante que é facultada ao Cliente no momento da entrega do veículo…», tal declaração é da autoria do fabricante ... e não do vendedor, pelo que este último não pode ser responsabilizado por eventuais prejuízos decorrentes da paralisação do veículo durante o tempo necessário à reparação” [Sublinhado nosso].
31. Acresce que a responsabilidade solidária entre concessionários e fabricantes, tal como prevista no artigo 6.º, n.º 3, do mencionado Decreto-Lei, não se presume e deve estar claramente estabelecida em contrato. Sendo certo que, nos casos em que a responsabilidade pela garantia é imputada ao fabricante, a concessionária atua como um mero intermediário para a execução das reparações, não sendo solidariamente responsável pela garantia em si.
32. Assim, salvo melhor opinião, partindo do pressuposto que recai sobre o fabricante, que se compromete a reparar ou substituir as peças defeituosas, a responsabilidade pela garantia dos defeitos imputáveis ao produto, o concessionário, que apenas executa as reparações conforme as instruções do fabricante, não assume qualquer responsabilidade solidária.
33. Ou seja, estipulando a garantia que a reparação será efetuada por concessionários autorizados, estes atuam como meros executores das ordens do fabricante, não assumindo, assim, a responsabilidade solidária pela garantia.
34. Aliás, o próprio Autor, através do requerimento a que corresponde a Ref.ª ...56, requereu nos autos a ampliação do pedido (que foi judicialmente admitida), peticionando “6 – Que a reparação, a ser efetuada, não o seja em oficiais da EMP02..., por em razão dos factos descritos, não inspirar nenhuma confiança”. O que, salvo melhor opinião, coloca a aqui 1.ª R. numa verdadeira situação de ilegitimidade passiva e comprova tudo aquilo que se vem tecendo, no sentido da sua não responsabilização face garantia prestada.
35. Quanto à garantia contratual, o Tribunal “a quo” deveria, atento o supra exposto, ter concluído que a extensão da garantia diz respeito a defeitos de fabrico, é dada pelo fabricante do veículo adquirido e reporta-se apenas à reparação do bem, pelo que, em abstrato, apenas o fabricante poderá ser responsabilizado.
36. Não obstante o documento relativo à extensão da garantia do fabricante contra defeito de fabrico ter sido vendido pela R. EMP03..., conforme doutamente decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do ..., datado de 14-12-2017, a ser lido com as devidas adaptações, “(…) a garantia conferida é apenas do construtor e deve ser acionada pela comunicação ao concessionário subscritor ou a qualquer concessionário da marca. Não deixa, ainda assim, de ter a natureza de uma garantia do fabricante e, não estando aqui demandado, não pode responsabilizar-se a demandada, como vendedora”.
37. A Sentença recorrida, ao atribuir a responsabilidade solidária à R. EMP03... não teve, portanto, em consideração a distinção entre as responsabilidades operacionais da concessionária e as obrigações contratuais da representante legal da marca.
38. Conforme a jurisprudência mencionada e a interpretação das condições gerais de garantia em que se baseou a Sentença recorrida, nunca poderia ter-se concluído pela responsabilidade da 1.ª R., pois, como parte da rede autorizada, apenas executa as reparações conforme as diretrizes da marca, sem assumir a responsabilidade pela garantia, verificando-se uma verdadeira situação de ilegitimidade da 1.ª R.
DO ABUSO DE DIREITO DO A.
De resto,
39. A eventual paralisação do veículo UU ou a sua menor utilização não resulta de qualquer ato ou omissão praticados pela 1.ª Ré.
40. Pelo que nenhuma quantia a título de privação do uso do veículo pode ser reclamada à 1.ª R.
41. De idêntico modo, se a situação causou angústia ou tristeza ao Autor, maior stress, ou sentimento de insegurança e preocupação, o certo é que a 1.ª Ré nenhuma responsabilidade tem.
42. A 1.ª Ré agiu sempre com máxima diligência e respeito pelo Autor.
43. Conforme resulta das alíneas k) e l) dos factos provados da Sentença recorrida, o Autor fez deslocar o UU às instalações da primeira Ré, em ..., onde a primeira Ré substituiu os calços e os discos dianteiros do sistema de travagem do UU, então com 25.030 quilómetros, ao abrigo da garantia, sendo que, após a colocação de novos calços e discos, as vibrações/trepidação desapareceram.
44. Depois, mais do que diagnosticar a origem do problema e explicar como poderia ser resolvido, a 1.ª Ré predispôs-se a colocar no veículo UU umas jantes para que o Autor circulasse com jantes em bom estado e antemão confirmasse, através de experiência empírica, que com a colocação de jantes em bom estado o problema ficaria resolvido.
45. A 1.ª Ré, para maior confiança do cliente solicitou a análise a uma entidade terceira que veio confirmar o empeno das jantes. Tudo bastante elucidativo do apoio e empenho que a 1.ª Ré empregou no veículo do Autor.
46. Resulta, assim, flagrante que a 1.ª Ré não só não incumpriu qualquer dever, como não causou qualquer dano ao Autor, seja a que título for.
47. Para haver lugar a uma indemnização por privação do uso, é necessário que o dano decorra diretamente de um ato ilícito ou culposo da entidade responsável pela reparação.
48. Neste caso, não se verifica qualquer ilicitude ou culpa por parte da Recorrente, pois, conforme resulta dos factos que, com o presente recurso, se pretende que sejam dados como provados, e sem prejuízo do já supra alegado quando à garantia, a Recorrente sempre demonstrou prontidão no atendimento ao Autor, tendo apresentando um orçamento para a resolução do problema, após diagnóstico.
49. Foi o Autor quem decidiu não aceitar esse orçamento, prolongando assim a situação que levou à privação do uso do veículo. Assim, a recusa do Autor em aceitar o orçamento proposto pela Ré para a substituição das jantes, salvo melhor opinião, constitui um fator determinante na questão da privação do uso do veículo, eximindo, também por essa via, a Ré de responsabilidade nesse sentido.
50. A 1.ª R. prontificou-se a proceder à reparação do veículo, de modo a minimizar os prejuízos resultantes da imobilização. O Autor recusou-se a permitir que a Ré efetuasse as reparações necessárias, optando por manter o veículo imobilizado. Vem, agora, exigir uma indemnização pela imobilização do veículo, apesar de tal situação ser consequência direta da sua recusa em autorizar a reparação.
51. Salvo melhor opinião, a conduta do Autor configura um abuso de direito, ao impedir a Ré de reparar o veículo e optar por mantê-lo imobilizado. Consequentemente, não podem as Rés ser condenadas a pagar uma indemnização pela imobilização do veículo, uma vez que tal situação decorreu de uma atitude deliberada do Autor.
52. Requer, assim, que seja reconhecido o abuso de direito por parte do Autor, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, e, em consequência, que seja negada a pretensão de indemnização pela imobilização do veículo.
Sem prescindir, caso assim não proceda,
DO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO POR PRIVAÇÃO DO USO
53. O Tribunal “a quo” não considerou que, pelo menos durante os períodos de confinamento devido à pandemia, o Autor esteve impedido de sair de casa e circular, não podendo assim utilizar livremente o veículo em discussão nos presentes autos.
54. Como tal, atribuir uma indemnização diária pela privação do uso do veículo ao Autor durante o período em que o Autor não podia utilizá-lo resulta num enriquecimento injustificado do Autor.
55. Deveria o Tribunal “a quo”, na contabilização dos dias para o cálculo da privação do uso, ter excluído aqueles em que vigorou o período de confinamento obrigatório.
56. Para considerar que houve privação de uso do veículo indemnizável, deve demonstrar-se uma frustração concreta e efetiva da possibilidade de o Autor utilizar o veículo, o que não se verificou durante o confinamento obrigatório.
57. Assim, sempre deve operar uma redução equitativa do montante pelo qual as RR. foram condenadas a indemnizar o Autor pela privação do uso do veículo.
Neste sentido,
QUANTO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO,
58. Como é do conhecimento geral e, por isso, facto notório, mas também foi corroborado em sede de audiência de discussão e julgamento, vigorou um período de confinamento obrigatório, bem como um período em que vigorou a recomendação de teletrabalho devido à pandemia da Covid-19, o que restringiu o direito de circulação do Autor e a utilização do veículo UU.
59. Devem, por isso, ser incluídos nos factos dados como provados os seguintes:
a. Durante o período de confinamento devido à pandemia Covid-19, não se realizaram sessões no Tribunal da Relação de Guimarães;
b. Durante o período em que vigorou a recomendação de teletrabalho devido à pandemia da Covid-19, as sessões do Tribunal da Relação de Guimarães foram realizadas por videoconferência.
Já com vista a concluir pelo abuso de direito do A.:
60. O facto O) considerado como provado pelo Tribunal “a quo”, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não o poderia ter sido nos precisos termos em que o foi (i.e., com o respetivo teor).
61. Os factos contidos nos artigos 23.º, 24.º e 31.º a 48.º da Contestação da 1.ª R., considerados como não provados pelo Tribunal “a quo”, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deveriam ter sido dados como provados.
62. Na alínea “O” do elenco dos factos provados, o Tribunal “a quo” deu como provado:
“o) Ao fim de cerca de um mês, a primeira Ré não conseguiu apurar a causa da anomalia do UU e sugeriu ao Autor a troca das jantes do UU a expensas deste”.
63. Sucede que, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta que a 1.ª R., aqui Recorrente, após ter encetado diligências nesse sentido, comunicou ao Autor que concluiu que a origem da anomalia estava no empeno das quatro jantes das rodas do veículo UU, tendo orçamentado o respetivo custo de aquisição e colocação de quatro jantes novas.
64. A 1.ª Ré, enquanto concessionária da marca ..., agiu prontamente, iniciou procedimentos para identificar a causa raiz e ofereceu uma solução concreta para resolver o problema das jantes empenadas através do orçamento para substituição, que não foi aceite pelo Autor.
65. Ou seja, a 1.ª Ré realizou uma investigação técnica para identificar a causa dos problemas no veículo UU, que incluiu testes e análises que levaram à conclusão de que o empeno das jantes era a causa provável.
66. Com base neste diagnóstico, a 1.ª Ré propôs uma solução específica, que era a substituição das quatro jantes empenadas por novas, em consonância com os resultados da investigação técnica realizada na época. Informado sobre o diagnóstico e a proposta de solução, o Autor optou por não aceitar o orçamento proposto.
67. Assim, em conformidade com a prova produzida, a alínea “O” do elenco dos factos provados deve ser alterada com vista a encerrar o seguinte teor:
“o) Ao fim de cerca de um mês, após ter encetado diligências nesse sentido, a primeira Ré comunicou ao Autor que concluiu que a origem da anomalia estava no empeno das quatro jantes das rodas do veículo UU, tendo orçamentado o respetivo custo de aquisição e colocação de quatro jantes novas, que o Autor não aceitou”.
68. Quantos factos que resultam do teor artigos dos 23.º, 24.º e 31.º a 48.º da Contestação da 1.ª R., estes factos foram corroborados pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento, no sentido de que:
a. A 1.ª R. informou o Autor sobre a impossibilidade de realizar o diagnóstico antes de janeiro de 2020, oferecendo transparência nas suas limitações operacionais devido a marcações prévias e à época festiva, pelo que foi ciente dessa limitação que o Autor, ainda assim, aceitou deixar o veículo nas instalações da 1.ª R.;
b. A 1.ª R. seguiu todos os procedimentos técnicos recomendados pelo departamento técnico da EMP02... para identificar e resolver o problema do veículo; que as ações empregues pela 1.ª R. incluíram a substituição temporária das jantes para teste, bem como a realização de uma perícia independente (na EMP04..., Lda.);
c. Em todo o processo, a 1.ª R. colaborou com o Autor, que aceitou as propostas de testes, reconhecendo melhorias após a substituição das jantes;
d. As conclusões das perícias e dos procedimentos realizados foram no sentido de que o problema residia nas jantes empenadas, causando o empeno dos discos de travão, sendo certo que a confirmação independente deste diagnóstico por uma entidade especializada reforça a legitimidade das ações e da crença da 1.ª R., que sempre procedeu de boa-fé para com o Autor.
69. A 1.ª R. seguiu procedimentos detalhados na avaliação do veículo UU. Inicialmente, foi analisado o disco e posteriormente o cubo e outras partes acopladas, demonstrando um cuidado meticuloso na verificação dos componentes afetados.
70. A 1.ª R. recebeu assistência técnica da marca, para lidar com a complexidade do problema, o que demonstra um compromisso de ambas as RR. com a resolução adequada do problema, utilizando recursos técnicos especializados.
71. Quando o resultado dos procedimentos foi no sentido de que os danos foram causados por fatores externos, 1.ª R. apresentou ao Autor um orçamento para reparação, que o Autor não autorizou.
72. Concluindo, a 1.ª R. seguiu procedimentos técnicos adequados e manteve uma comunicação transparente com o cliente sobre os problemas encontrados e as soluções propostas.
73. Pelo que devem os factos contidos nos artigos 23.º, 24.º e 31.º a 48.º da Contestação da 1.ª R. ser dados como provados.
74. Assim, deverá ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por uma outra, que determine a absolvição da 1.ª R., aqui Recorrente, de todos os pedidos que contra si foram formulados e, em particular, naqueles em que foi condenada pelo Tribunal “a quo””.
Pugna a Ré pela revogação da Sentença recorrida devendo, em sua substituição, ser absolvida a 1.ª R., de todos os pedidos, ou, caso assim não proceda, sempre deve operar a redução do montante fixado a título de indemnização por privação do uso do veículo.
BB e CC, sucessores habilitados do Autor, apresentaram contra-alegações e interpuseram recurso subordinado, concluindo da seguinte forma:
“1- Porque foi produzida prova em audiência de julgamento que o veículo em causa nos autos foi adquirido pelo então Autor pelo preço de 60.000,00€, deve ser alterada a redacção do item d) dos factos provados de forma a que dela conste o preço de aquisição propondo-se que seja alterada a respectiva redacção para a seguinte: d) O Autor adquiriu, para seu uso pessoal e pelo preço de 60.000.00€, o referido veículo automóvel em 8 de Maio de 2018, sendo que o mesmo foi matriculado, pela primeira vez, em Março de 2017, na ...
2- Porque tal como decorre das regras de experiência comum e do conhecimento geral a concreta viatura em causa nos autos, pela sua marca, modelo e ano de fabrico tem de ser considerada como viatura de alta gama
3- Porque vem dado por provado que a privação do uso perdura desde, pelo menos, 22.1.2020 - cfr item dd) dos factos provados – sem que qualquer das recorridas tenham eliminado o defeito da viatura
4- Porque o dano decorrente do dano não patrimonial perdurou de forma crescente ao longo de anos e sem que as recorridas tenham eliminado o defeito não pode ser computado em menos de 1.000,00€
5- Porque no mercado de aluguer de automóveis, o valor locativo médio diário para veículos da classe da viatura em causa nos autos é de 250,00€, mesmo com recurso à equidade, o dano diário não pode deixar de ter em conta o tipo de viatura de que curamos nos autos e valorado em menos de 150€ / dia
6- Porque a, inquestionavelmente douta, Sentença viola por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artºs 496º do CC e 607 do CPC
7- Devem ser alterados os valores fixados na Decisão ora em crise assim se fazendo a sempre”.
As Rés vieram apresentar contra-alegações ao recurso subordinado, pugnando pela sua integral improcedência.
Pelo tribunal a quo foi proferido despacho admitindo os recursos e pronunciando-se sobre as invocadas nulidades nos seguintes termos: “Despacho que cumpre proferir, ao abrigo do disposto no artigo 617º, nº 1, do Código de Processo Civil. A - Alegações da recorrente EMP01... – Comércio e Distribuição de Veículos Automóveis, Lda.. Quando na sentença se escreve que “quanto ao quantitativo diário, atendendo à utilização que o Autor empresta ao UU, aos incómodos que lhe causa a imobilização (cfr. alíneas dd) a ii), do ponto II.1.) e recorrendo a uma ponderação equitativa, fixo o mesmo em € 17,50”, com a devida remissão para a basta factualidade constante das alíneas identificadas do ponto II.1., está a fundamentar-se a decisão com a equidade, sendo este o critério para a fixação do montante diário. Inexiste, consequentemente, ausência de fundamentação, nos termos apontados. O fundamento que permite condenar a Ré a reparar o defeito, e não uma qualquer oficina conforme peticionado pelo Autor, resulta do que emerge do regime legal aplicável (referido na decisão) e da improcedência do pedido pelo Autor – a obrigação cabe ao garante. O peticionado pelo Autor consubstancia um plus relativamente ao preceituado no regime aplicável, encontrando a solução legal contida implicitamente no peticionado: claudicando esta, vale a solução do regime legal. Inexiste, consequentemente, qualquer condenação diversa do pedido, nos termos apontados. Em face do exposto, inexistindo qualquer irregularidade subsumível ao preceituado n artigos 615º, nº 1, alínea b) e e), do Código de Processo Civil, indefiro a arguição. B – Alegações da recorrente EMP02..., Lda.. Inexiste a obscuridade apontada, uma vez que a Ré foi condenada eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1., através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros. Tão só e com todas as consequências. A primeira obrigação da Ré, em resultado da condenação, é eliminar o defeito através da substituição das peças necessárias. Sublinhe-se que à Ré cumpria alegar e provar que a existência do defeito se devia ao comportamento do Autor, a terceiro ou a causa que lhe não fosse imputável. Prova que não foi feita. Portanto, não procede argumentar, depois de proferida a sentença, com eventualidades que não resultaram provadas, para daí se insurgir contra uma evidência: a eliminação definitiva do defeito em que foi condenada. Quanto à apontada falta de fundamentação da decisão de indemnização em consequência da imobilização do veículo, remete-se para as considerações expendidas supra (em A). Em face do exposto, inexistindo qualquer irregularidade subsumível ao preceituado n artigos 615º, nº 1, alínea b) e c), do Código de Processo Civil, indefiro a arguição.
****
Porque interposto tempestivamente por parte legítima de decisão recorrível, admito os presentes recursos (principais e subordinado), que são de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, ao Tribunal da Relação de Guimarães”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. Delimitação do Objeto do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:
A) Relativamente ao recurso subordinado interposto pelos Sucessores do Autor:
1 - Saber se deve ser alterada a redação do ponto d) dos factos provados;
2 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais;
B) Relativamente ao recurso interposto pela Ré EMP01... – COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE AUTOMÓVEIS, Lda:
1 - Saber se a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alíneas b) e e) do Código de Processo Civil;
2 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto relativamente ao ponto o) dos factos provados, e aos artigos 23), 24) e 31) a 38) da contestação da Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. considerados não provados e se devem ser aditados novos factos;
3 - Saber se a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. é parte ilegítima;
4 - Saber se sobre a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. recai a obrigação de reparação do veículo e de pagamento de indemnização;
5 – Saber se existe abuso de direito;
6 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso.
C) Relativamente ao recurso interposto pela RéEMP02..., Lda.:
1 - Saber se a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alíneas b), c) e e) do Código de Processo Civil;
2 - Saber se devem ser aditados factos ao elenco dos factos provados;
3 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso. D) Saber se as Rés/Recorrentes devem ser condenadas como litigantes de má-fé;
***
III. Fundamentação 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância:
a) A segunda Ré é a representante legal em Portugal da marca alemã EMP02..., a quem compete, entre outros, gerir todos os interesses da marca, incluindo nomear e destituir concessionários locais da marca em território nacional, e tem como objeto as atividades de importação, distribuição, comércio, reparação e manutenção de veículos, nomeadamente automóveis e motociclos, incluindo peças e acessórios, receber e resolver as reclamações dos clientes adquirentes ou utilizadores de veículos da marca ..., conforme cópia de certidão da Conservatória do Registo Comercial, junta aos autos de fls. 67 a 71 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) A primeira Ré é a concessionária autorizada pela segunda Ré nos distritos de ..., ... e ..., nos termos do acordo cuja cópia consta dos autos de fls. 149v a 247v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, possuindo instalações e oficinas certificadas pela marca, entre outras, nas cidades de ... e ...;
c) O Autor é o titular dominial do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-UU-.., de marca ..., modelo ..., conforme se retira do Documento Único Automóvel, cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 17 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) O Autor adquiriu, para seu uso pessoal, o referido veículo automóvel em 8 de maio de 2018, sendo que o mesmo foi matriculado, pela primeira vez, em março de 2017, na ...;
e) O Autor adquiriu à primeira Ré, em 27.07.2018, uma Extensão de Garantia EMP02... (...) para o UU, pelo valor de € 353,66, nos termos das condições gerais que surgem reproduzidas de fls. 126v a 127v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) O Autor adquiriu à primeira Ré, em 21.01.2020, uma extensão garantia para 4 anos/200.000 km para o UU, pelo valor de € 521,00;
g) O Autor começou a utilizar o UU a partir dos finais de maio de 2018, tendo percorrido cerca de 9.000 quilómetros, ou seja, até aos 24.000 quilómetros, sem que este tivesse manifestado qualquer tipo de anomalia ou deficiência;
h) Em junho de 2019, após percorrer 24.000 quilómetros, o UU, sempre que era acionado o travão, passou a ter vibrações/trepidação nos rodados dianteiros que se transmitiam ao volante/direção;
i) Em julho de 2019, o Autor fez deslocar o UU às instalações da primeira Ré em ..., a fim de, ao abrigo da garantia supra referida, ser a anomalia eliminada;
j) Nessas instalações, tendo verificado um empeno nos discos e um desgaste anormal nos calços, a primeira Ré recusou a eliminação da anomalia ao abrigo da garantia, uma vez que considerou que a mesma não abrangia os calços e os discos;
k) De seguida, o Autor fez deslocar o UU às instalações da primeira Ré, em ..., onde a primeira Ré substituiu os calços e os discos dianteiros dos sistema de travagem do UU, então com 25.030 quilómetros, ao abrigo da garantia;
l) Após a colocação de novos calços e discos, as vibrações/trepidação desapareceram;
m) Após o UU ter percorrido cerca de 1.500 quilómetros, os discos dianteiros do sistema de travagem voltaram a empenar e as vibrações/trepidação voltaram a surgir;
n) Em face disso, o Autor, em 16.12.2019, fez deslocar o UU às instalações da primeira Ré, em ..., tendo-lhe sido solicitado que o deixasse nestas instalações a fim de ser indagado e diagnosticado o problema;
o) Ao fim de cerca de um mês, a primeira Ré não conseguiu apurar a causa da anomalia do UU e sugeriu ao Autor a troca das jantes do UU a expensas deste;
p) O UU, de marca ..., modelo ..., tem 2.993 cm3 de cilindrada, 313 cavalos de potência, 1.885 quilogramas de peso, 2.968 milímetros de distância entre eixos e uma caixa automática de 8 relações;
q) O UU tem, no eixo frontal e no eixo de retaguarda, ... (pack M), de 19 polegadas de diâmetro;
r) O UU tem, no eixo frontal, pneus de marca ..., de medida 245/40 ...;
s) O UU tem, no eixo de retaguarda, pneus de marca ..., de medida 275/35 ...;
t) As supra referidas medidas dos pneumáticos estão de acordo com as anotações especiais inscritas no DUA, averbadas pelo IMT para este veículo por validação técnica expressa do fabricante EMP02.../Representante Oficial da Marca em Portugal;
u) O UU tem, atualmente, 31.222 quilómetros;
v) No UU, quando acionado o sistema de travagem, surgem vibrações: (i) mais intensas e percetíveis entre os 80 e os 60 quilómetros por hora, sendo que nesta gama de velocidades, sempre que se aciona o sistema de travagem, todos os ocupantes do veículo são capazes de percecionar o sintoma, quer pelas vibrações de massas, quer pelo ruído gerado pela ressonância dessa vibração (ruído que é transmitido a algumas peças do habitáculo do veículo); (ii) a velocidades mais elevadas, superiores a 80 quilómetros por hora, a vibração em consequência da travagem pode ser percetível apenas ao condutor, no entanto, à medida que, no decurso da condução, se solicite o sistema de travagem e com isso, o aumento da temperatura dos discos (a qual amplia a deformação destes), a amplitude da vibração aumenta e, nestas circunstâncias, os outros passageiros do veículo também conseguem percecionar as vibrações;
w) A vibração na travagem é causada pela excentricidade/desvio axial (vulgo, empeno), principalmente, do cubo da roda da frente direito;
x) A deformação do cubo da roda provocou a deformação do disco de travão dessa roda;
y) A vibração na travagem pode, ainda que remotamente, provocar cedência (por quebra ou alívio no aperto) das fixações dos suportes das bombas e dos calços de travão e, portanto, perda de capacidade de travagem (parcial ou total), degradação precoce dos componentes internos das bombas de travão (nomeadamente dos vedantes e o’rings) e, portanto, perda progressiva de capacidade travagem;
z) A deformação dos discos de travão pode diminuir a eficácia da travagem e potenciar o risco de acidente, menos por fatores técnicos/mecânicos e mais por fatores humanos, designadamente, se se tiver presente o reflexo inconsciente do condutor de aliviar o pedal de travão (reduzir a carga no pedal do travão e com isso prolongar o tempo de travagem) se, ao pressioná-lo, lhe surgir uma reação ou sensação indesejada ou anormal;
aa) As supra descritas vibrações tendem a desgastar as bombas de travão, cubos, rolamentos de roda, fixações (rótulas) de mangas de eixo, órgãos de suspensão de eixo e órgão de direção (quando se trate de vibrações de travagem geradas em eixos direcionais);
bb) As supra descritas vibrações provocam desconforto na condução do veículo e desconforto para os seus passageiros;
cc) De 16 de dezembro de 2019 a 21 de janeiro de 2020, o UU esteve imobilizado nas instalações da Ré;
dd) A partir de ../../2020, o Autor deixou de utilizar o UU no seu dia-a-dia, mantendo-o parqueado na sua casa, utilizando-o apenas para se deslocar ao concessionário EMP02..., em ... (...) (para realizar as manutenções/revisões aconselhadas), e para, de vez em quando, dar uma volta pelas imediações para evitar a deterioração dos materiais e componentes;
ee) O Autor reside em ..., é Juiz Desembargador e exerce funções no Tribunal da Relação de Guimarães, para onde se desloca para as sessões da sua secção, de 15 em 15 dias;
ff) Em face da anomalia do UU, o Autor deixou de o utilizar nas idas às referidas sessões, no Tribunal da Relação de Guimarães;
gg) No seu dia-a-dia;
hh) Bem como no seu tempo livre;
ii) Tendo sido obrigado, desde então e até hoje, a recorrer a veículos de familiares para os afazeres do dia-a-dia, para se deslocar a ..., às sessões no Tribunal da Relação de Guimarães, e no seu tempo livre;
jj) Em consequência da imobilização do veículo e da recusa da primeira Ré em eliminar a anomalia do UU ao abrigo da garantia, o Autor sentiu-se impotente, revoltado e triste;
kk) A segunda Ré registou cinco avarias, no que concerne a empenos de discos de travão de modelos iguais ao UU, em 18.09.2014, 08.04.2015, 07.09.2015, 18.04.2016, 14.06.2017.
ll) No mercado de aluguer de automóveis, o valor locativo médio diário para veículos automóveis da classe do UU é de € 250,00;
mm) O Autor despendeu, desde janeiro de 2020, a quantia global de € 898,60 em intervenções técnicas no UU, nomeadamente, em 04.03.2020, no valor de € 41,89, no concessionário ..., em ..., e em 25.03.2021, no valor de € 452,64, no concessionário ..., em ...;
nn) O Autor, em 21.01.2020, reclamou nos termos que constam da cópia de fls. 117 a 120v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
oo) A primeira Ré, em 27.01.2020, remeteu ao Autor a missiva cuja cópia consta de fl. 121v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:
Da petição inicial:
artigos 8º a 31º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea h) a o), 46º, 48º a 52º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas z) a cc), 75º A 77º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas cc) a ii), 83º e 84º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jj).
Da contestação da primeira Ré:
artigos 23º, 24º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea n), 26º a 30º e 31º a 47º, 48º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas q) a t), 49º e 50º, 53º e 54º, 57º a 59º, 64º e 65º, 66º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas y) a bb), e 89º.
Da contestação da segunda Ré:
artigos 108º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas q) a t), 112º e 137º.
Do articulado de fls. 344 a 371 (ampliação do pedido):
artigos 30º, quanto a deficiência estrutural, irreparável ou de excessivamente onerosa reparação, 31º, parte final, 32º, 33º, 34º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea kk), 35º a 38º, 42º e 43º e 137º.
Do articulado de fls. 438 a 444 (ampliação do pedido):
artigo 4º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea ll).
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3.2. Das questões suscitadas nos recursos 3.2.1 Enquadramento preliminar
Proferida sentença em 1ª Instância dela vieram recorrer todas as partes: os Sucessores do falecido Autor, a título subordinado, e ambas as Rés, a título principal.
Vejamos.
AA intentou a presente contra EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. e EMP02..., Lda. formulando os seguintes pedidos:
(i) condenação das Rés a substituírem as quatro jantes do veículo de matrícula ..-UU-..;
(ii) condenação das Rés a procederem à substituição de quaisquer outras peças que se revele ser necessário para eliminar a aludida deficiência de que o referido veículo padece, consistente em trepidação em andamento, que provoca o empeno dos discos dos travões, de molde a que se deixe de verificar qualquer trepidação e/ou vibração quando acionados os travões;
(iii) condenação das Rés a reconhecerem a extensão do período de garantia do referido veículo, decorrido entre junho de 2019 e o momento em que vierem a ser eliminados os defeitos e vícios alegados;
(iv) condenação das Rés a pagarem ao Autor a quantia diária de €100,00, desde o dia ../../2019, a título de indemnização devida pela imobilização do veículo, até à data em que se mostre efetivamente reparada a deficiência da viatura;
(v) a condenação das Rés a pagarem solidariamente ao Autor a quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais;
(vi) condenação das Rés a pagarem ao Autor o que vier a ser liquidado em ulterior execução de sentença, a título de indemnização complementar decorrente da desvalorização comercial do veículo.
Posteriormente procedeu ainda à ampliação do pedido.
Pelo Tribunal a quo foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e condenar as Rés, solidariamente, a procederem à reparação do veículo eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1., através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros; a pagarem a quantia líquida de €26.642,50 e a quantia a fixar em decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, n.º 2, do Código Civil, correspondente ao valor diário de €17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito.
Analisados os recursos e os respetivos fundamentos constata-se em primeiro lugar que no recurso subordinado se impugna a decisão sobre a matéria de facto, e se questiona o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais; e que, nos recursos interpostos pelas Rés, ambas pretendem o aditamento dos mesmos factos ao elenco dos factos provados, questionam também o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso, e invocam a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alíneas b), c) e e) do CPC.
Assim, por razões de coerência, lógica e economia processual, estas questões serão apreciadas conjuntamente e pela ordem seguinte:
- Em primeiro lugar, as questões relativas à nulidade da sentença suscitadas por ambas as Rés/Recorrentes;
- Em segundo lugar, as questões respeitantes à impugnação da matéria de facto;
- Em terceiro lugar, as questões respeitantes à determinação do montante indemnizatório a fixar quanto ao dano da privação do uso e aos danos não patrimoniais;
- Por último as questões suscitadas ainda pela Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. quanto à sua legitimidade, à obrigação de reparação do veículo e de pagamento de indemnização e à existência de abuso de direito.
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3.2.2. Da nulidade da sentença
A Ré EMP02..., Lda. veio arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento nas alíneas b), c) e e) do n.º 1 do artigo 615º do CPC por entender que a carece de fundamentação, é ambígua e obscura e condenou as Rés em objeto diverso do pedido do autor.
A Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. veio também arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação e por condenação em objeto diverso do pedido.
Vejamos então se a sentença recorrida padece das invocadas nulidades.
Dispõe o n.º 1 do artigo 615º do CPC que: “1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Como temos vindo sucessivamente a afirmar não deve confundir-se o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades da sentença, sendo certo que as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
As causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável.
Como se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar sem qualquer outra menção) “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma”. No que agora aqui releva, importa decidir se se verifica a nulidade da sentença nos termos previstos nas alíneas b), c) e e) do n.º 1 do referido artigo 615º.
O dever de fundamentar a decisão decorre expressamente do disposto no artigo 154º do CPC que prevê que as decisões são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição.
A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do CPC que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu n.º 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”. “Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa” (Acórdão do STJ de 06/07/2017, Processo n.º 121/11.4TVLSB.L1.S1, Relator Nunes Ribeiro).
No entanto, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa da nulidade prevista na referida alínea b).
A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, p. 687) ao consignar que “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Sustentam as Rés/Recorrentes que o Tribunal a quo, fixando o quantitativo diário para a privação em €17,50, não fundamentou quais os critérios que considerou relevantes para a alegada ponderação equitativa.
Porém, da simples análise da sentença recorrida constatamos que assim não é; efetivamente, nela se pode ler, quanto ao referido quantitativo diário, que “atendendo à utilização que o Autor empresta ao UU, aos incómodos que lhe causa a imobilização (cfr. alíneas dd) a ii), do ponto II.1.) e recorrendo a uma ponderação equitativa, fixo o mesmo em € 17,50” (sublinhado nosso). Não se verifica, por isso, a invocada falta de fundamentação.
Questão distinta é a das Recorrentes não concordarem com a apreciação efetuada e o valor fixado a esse título, direito que naturalmente lhes assiste e pretendem também fazer valor no presente recurso, mas que se não confunde com a nulidade da sentença.
Quanto à nulidade prevista na referida alínea c) pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A este propósito pronunciou-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022 (Processo n.º 3504/19.8T8LRS.L1.S1, Relatora Conselheira Rosa Tching) considerando que “[n]o que concerne à causa de nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do citado art. 615º, vem a doutrina e a jurisprudência entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão. Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 02.06.2016 (proc nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1), «radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso». Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada”.
Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes: “[n]um caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz” (Alberto dos Reis, ob. cit., p. 151).
Como se esclarece no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2023 (Processo n.º 5987/19.7T8LSB.L3.S1, Relator Ramalho Pinto) para efeitos do artigo 615º n.º 1 alínea c) do CPC ocorrerá ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, i.e., não compreensível: se de uma parte da decisão se puder retirar mais do que um sentido (ambiguidade), se não se puder retirar sentido algum (obscuridade), sem esquecer que só a ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível é que constitui nulidade da sentença.
Sustenta a Ré EMP02..., Lda. que a obrigação de reparação da anomalia por parte das Rés ter-se-á por cumprida na estrita medida do cumprimento da solução proposta pela segunda perícia pelo que a expressão adotada pelo Tribunal a quo “até à definitiva eliminação do defeito” é apta a permitir mais do que uma interpretação, designadamente a de que as Rés, muito embora tenham realizado a reparação nos estritos termos a que foram condenadas e cumprido o que preconizava a perícia, no caso - ainda que hipotético - de a anomalia ainda se manter, por outros motivos que lhe são totalmente alheios e desconhecidos, este concreto segmento decisório poderia habilitar a interpretações mais ousadas, nomeadamente a de que a obrigação de proceder ao pagamento de uma quantia diária a título de indemnização pelo dano de privação de uso se manteria até à efetiva eliminação desse defeito.
Conclui que podendo esta interpretação conduzir a um resultado contrário ao que ficou demonstrado nos autos e a uma solução jurídica injusta e infundada, a sentença recorrida é, nesta parte, ambígua e obscura, e, por isso, nula.
Não entendemos, contudo, que assim seja.
Analisando a decisão proferida afigura-se-nos bastante clara, não contendo nenhuma ambiguidade ou obscuridade; da mesma decorre a condenação das Rés a procederem à reparação do veículo eliminando a vibração na travagem através da substituição das peças necessárias, o pagamento da quantia líquida de €26.642,50 e da quantia a fixar em decisão ulterior, correspondente ao valor diário de €17,50, contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito.
A sentença recorrida condenou as Rés a procederem à reparação do veículo eliminando o defeito (vibração na travagem) através da substituição das peças necessárias, e não apenas a procederem a uma concreta reparação, ou substituição, sendo obrigação das Rés, em resultado dessa condenação, a de procederem à eliminação do defeito.
Assim, a obrigação de proceder ao pagamento de uma quantia diária a título de indemnização até à efetiva eliminação desse defeito contém apenas, em nosso entender, uma interpretação possível, compreendendo-se perfeitamente o que o juiz quis dizer.
Do exposto decorre ainda que a decisão proferida, nessa parte, pode estar certa ou errada, ou pode a Recorrente discordar da mesma, mas isso prende-se com um eventual erro de julgamento que, como já referimos, não se confunde com nulidade da decisão.
Aliás, é a própria Recorrente que afirma nas suas alegações que não pode “conformar-se com este segmento decisório, (i) ora porque o mesmo é ambíguo ou obscuro, quando lido em conjunto com a condenação da Rés na reparação descrita no primeiro ponto (…). Por assim ser e porque urge sanar este erro de julgamento (…)” (sublinhado nosso), subsumindo a questão ao erro de julgamento que, reiteramos novamente, não se confunde com a nulidade da sentença.
Quanto à nulidade prevista na alínea e), isto é, quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, relaciona-se com o previsto no artigo 609º n.º 1 do CPC onde se estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O tribunal, por regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afetada de nulidade.
A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relator Conselheiro Oliveira Abreu).
Como sustenta Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, apud o citado Acórdão de 21/03/2019) “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado [art. 668°, n° 1, al. e)]”.
É incontornável que de acordo com o previsto no artigo 609º n.º 1 do CPC a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir) não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (v. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código se Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 728).
Assim, a decisão que ultrapassar o pedido formulado, passando a abranger matéria distinta, está ferida da nulidade prevista na referida alínea e).
A Ré/Recorrente EMP02..., Lda. veio invocar ainda a nulidade da sentença recorrida por condenação em objeto diverso do pedido do autor sustentando que, caso se entenda que a sentença não padece da alegada ambiguidade/obscuridade, e considerando que o Autor, na sua petição inicial, apenas peticiona “a efetiva reparação da deficiência da viatura”, sempre se deverá considerar que, ao condicionar o limite indemnizatório pelo dano da privação do uso a uma “definitiva eliminação do defeito”, e não à sua reparação (conforme peticionado), sempre a sentença será, igualmente, nula, por condenar as Rés em objeto diverso.
A Ré/Recorrente EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. veio também invocar a nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido do autor sustentando que foi condenada a proceder à reparação do veículo, o que vai contra o pedido expressamente formulado pelo Autor, que explicitamente solicitou que a reparação não fosse efetuada pela 1.ª Ré.
Vejamos.
Relativamente à questão suscitada pela Recorrente EMP02..., Lda. importa referir que não vemos qual a concreta diferença entre peticionar “a efetiva reparação da deficiência da viatura”, e a referência na condenação, quanto ao limite indemnizatório pelo dano da privação do uso, a uma “definitiva eliminação do defeito”.
Na verdade, afigura-se-nos que pedir a condenação das Rés a pagarem uma quantia diária a título de indemnização devida pela imobilização do veículo, “até à data em que se mostre efetivamente reparada a deficiência da viatura”, ou condenar “até à definitiva eliminação do defeito” são expressões que, no caso concreto, se equivalem, tendo o mesmo sentido mencionar até à efetiva reparação da deficiência ou até à definitiva eliminação do defeito, pois aquela efetiva reparação não é mais do que a efetiva (definitiva) eliminação do defeito, inexistindo, dessa forma, qualquer condenação em objeto diverso do pedido.
Contudo, e ainda que se pudesse considerar existir alguma divergência, no contexto em discussão, entre as referidas expressões (o que não entendemos), sempre por outra via se chegaria à mesma solução (de inexistência de condenação em objeto diverso do pedido).
Vejamos.
É inequívoco que o pedido do autor, conformando o objeto do processo, irá condicionar a decisão de mérito: o juiz não pode, na sentença, extravasar os pedidos formulados pelas partes, encontrando-se limitado por eles e a sentença terá de manter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do autor ou da reconvenção, se deduzida pelo réu, não podendo o juiz transpor os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objeto.
Se o fizer, como já referimos, a sentença ficará efetivamente ferida de nulidade.
O princípio do dispositivo, que encontra no artigo 3º do CPC a sua consagração mais inequívoca, manifesta-se, para além do mais, na consagração do ónus de iniciativa processual e na conformação do objeto do processo, que ocorre por via da enunciação do pedido, delimitando este objetivamente o âmbito decisório do tribunal (cfr. o já citado artigo 609º n.º 1 do CPC).
Ou seja, através do pedido as partes “circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se perante a real situação conviria, ou não, providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (v. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Filipe Pires de Sousa, ob. cit., p. 728).
Contudo, como salientam estes Autores (ob. cit. p. 728 a 730), a prática judiciária revelou situações cuja resolução implicou alguma atenuação da rigidez desta regra tendo-se admitido, designadamente, a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor considerando-se ser lícito ao tribunal atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter, tendo-se em atenção que essa será por vezes, a única forma de resolver o litígio de forma definitiva.
Tem vindo a ser entendido, segundo o que entendemos ser a melhor orientação, que a interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão.
De facto, vem sendo defendida a necessidade de interpretar o princípio do dispositivo em moldes mais flexíveis que permita, sem violação dos limites expressos no artigo 609º, solucionar de forma definitiva o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada; ou seja, que permita ainda retirar do processo o seu efeito útil (v. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2015, Processo n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1 Relator Conselheiro Abrantes Geraldes; também neste sentido se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2018, Processo n.º 588/12.3TBPVL.G2.S1, Relatora Conselheira ROSA TCHING, que “(…) IX. O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no art. 609º, nº1 do Código de Processo Civil, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação”).
Perfilhamos também o entendimento que o atual modelo de processo civil, que assenta no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual consagrado no artigo 6º do CPC (introduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), “atribui ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao nível do «coração» do processo, ou seja, do pedido, da causa de pedir e das provas” (v. Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, RLJ, ano 143, p. 145) e torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido no sentido de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação.
No caso dos autos, o Autor, invocando a existência de defeito no veículo, peticionou a condenação das Rés, para além do mais, a procederem à substituição de quaisquer peças que se revele ser necessário para eliminar a deficiência de que o referido veículo padece, consistente em trepidação em andamento, que provoca o empeno dos discos dos travões, de molde a que se deixe de verificar qualquer trepidação e/ou vibração quando acionados os travões e a condenação a pagarem uma quantia diária a título de indemnização devida pela imobilização do veículo até à data em que se mostre efetivamente reparada a deficiência da viatura.
É, por isso, inequívoco, que a pretensão do Autor é a de ver, mediante a necessária reparação, definitivamente eliminado o defeito de que o veículo padece e de receber uma indemnização pela privação do uso do veículo até que tal ocorra.
Em face do exposto, julgamos ser de concluir que o Tribunal a quo não extravasou os limites do pedido, não ocorrendo a nulidade da sentença com o fundamento invocado pela Recorrente EMP02..., Lda.
Quanto ao fundamento invocado pela Recorrente EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. também não pode proceder.
De facto, tendo sido pedida a eliminação do defeito e sendo procedente tal pedido, tendo as Rés sido condenadas a proceder à reparação do veículo, nada obsta a que seja improcedente a pretensão de que essa reparação, a ser efetuada, o não seja em oficinas da EMP02..., por não inspirar nenhuma confiança. Assim, analisada a sentença proferida em 1ª Instância não se verifica a invocada nulidade, improcedendo desde já, e nesta parte, os recursos das Rés.
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3.2.3. Da modificabilidade da decisão de facto
Os recursos interpostos pelo Sucessores do Autor e pelas Rés visam a reapreciação da decisão de facto.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Mas, e diga-se desde já, a prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica; “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384).
Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Obra Cit. p. 655).
No entanto, não nos podemos aqui esquecer da aplicação dos princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova; é, por isso, o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, que está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609) que “[e]m caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. De facto, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios, designadamente da livre apreciação da prova.
Tendo por base tais considerandos analisemos então os argumentos dos Recorrentes.
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A) Do recurso interposto pelos Sucessores do Autor:
Pretendem os Recorrentes que seja alterada a redação do ponto d) dos factos provados de forma a que dela conste a integralidade da factualidade alegada pelo Autor, sugerindo a seguinte redação:
“O Autor adquiriu, para seu uso pessoal e pelo preço de 60.000.00€, o referido veículo automóvel em 8 de maio de 2018, sendo que o mesmo foi matriculado, pela primeira vez, em março de 2017, na ....”
O referido ponto d) da matéria de facto provada tem a seguinte redação: “d) O Autor adquiriu, para seu uso pessoal, o referido veículo automóvel em 8 de maio de 2018, sendo que o mesmo foi matriculado, pela primeira vez, em março de 2017, na ....”
Sustentam os Recorrentes que foi alegado que o veículo foi adquirido por €60.000,00 e tal facto foi confirmado pelos depoimentos das testemunhas DD e CC.
Alegam ainda que o veículo pela sua marca, modelo e ano de fabrico tem de ser considerado de alta gama.
Vejamos.
Está apenas em causa aditar à redação do ponto d) dos factos provados o preço do veículo.
Analisada a matéria de facto, decorre da mesma que o veículo, de marca ..., modelo ..., tem 2.993 cm3 de cilindrada, 313 cavalos de potência, 1.885 quilogramas de peso, 2.968 milímetros de distância entre eixos e uma caixa automática de 8 relações [ponto p) dos factos provados] e que no, mercado de aluguer de automóveis, o valor locativo médio diário para veículos automóveis da classe do UU é de €250,00 [ponto ll) dos factos provados].
Assim, não se encontrando em discussão nos presentes autos o contrato de compra e venda do veículo e nem o respetivo preço, mas a responsabilidade das Rés decorrente da Extensão da Garantia EMP02... e da existência de defeito no veículo, carece de utilidade o aditamento pretendido pelos Recorrentes. De facto, mesmo relativamente ao cálculo do quantum indemnizatório, mostrando-se demonstrada a marca e o modelo e decorrendo já do ponto d) dos factos provados que o veículo foi matriculado pela primeira vez na ... em março de 2017, não se apresenta com qualquer interesse, mesmo do seu ponto de vista, a pretensão dos Recorrentes.
Apreciar a pretendida alteração à redação do ponto d) traduzir-se-ia na prática de um ato inútil, que a lei não permite (cfr. artigo 130º do CPC); não se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a formulação de tal matéria nos termos pretendidos pelo Recorrente, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite, pelo que se não procede à mesma, improcedendo nesta parte a pretensão dos Recorrentes.
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B) Do recurso interposto pela Ré EMP02..., Lda.
Sustenta a Ré EMP02... que a sentença recorrida desconsidera matéria alegada, demonstrada e relevante, respeitante aos períodos de estado de emergência decretado durante a pandemia Covid-19 e de onde decorre que mesmo que o Autor pudesse fruir livremente do seu veículo estaria impedido de o utilizar.
A Recorrente faz apelo às declarações prestadas pela testemunha João Ramos Lopes, à data Desembargador nesta Relação, que em seu entender foi claro ao referir que na altura do confinamento não havia sessões e que as sessões subsequentes ao período de maiores restrições foram realizadas por videoconferência a partir da habitação de cada Desembargador.
Pretende a Recorrente que sejam aditados os seguintes factos:
- “Durante o período de confinamento relacionado com a pandemia da Covid-19 não havia sessões no Tribunal da Relação de Guimarães;”
- “Enquanto houve a recomendação de teletrabalho relacionada com a pandemia da Covid-19, as sessões do Tribunal da Relação de Guimarães eram realizadas por videoconferência”.
Analisada a contestação da Recorrente verificamos que invocou efetivamente, no que respeita à determinação do quantum indemnizatório, a declaração do estado de emergência decorrente pandemia Covid-19, o período de suspensão de prazos judiciais e as limitações na atividade dos tribunais, entendendo que, sendo a indemnização fixada com base na equidade, tais factos devem ser considerados no seu cálculo.
Ouvidas as declarações prestadas pela testemunha João Ramos Lopes, à data Desembargador nesta Relação e a exercer funções na mesma Secção do falecido Autor, conforme esclareceu, decorre das mesmas que na altura do confinamento não havia sessões, mas depois, ainda que as sessões decorressem através do sistema webex, alguns Desembargadores, como a testemunha e o falecido Autor, iam presencialmente, recordando-se deste ter ido presencialmente cerca de 2 ou 3 vezes. Assim, e em conformidade com a prova produzida, por se revelar com interesse para a decisão a proferir relativamente ao cálculo da indemnização devida pelo dano da privação do uso, decide-se aditar os seguintes factos: “pp) Durante o período de confinamento relacionado com a pandemia da Covid-19 não havia sessões no Tribunal da Relação de Guimarães; qq) Enquanto houve a recomendação de teletrabalho relacionada com a pandemia da Covid-19, as sessões do Tribunal da Relação de Guimarães foram realizadas por videoconferência, mas alguns Desembargadores, designadamente o Autor, deslocaram-se presencialmente a algumas dessas sessões”.
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C) Do recurso interposto pela Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda.
Sustenta também esta Ré que devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
“- Durante o período de confinamento devido à pandemia Covid-19, não se realizaram sessões no Tribunal da Relação de Guimarães;
- Durante o período em que vigorou a recomendação de teletrabalho devido à pandemia da Covid-19, as sessões do Tribunal da Relação de Guimarães foram realizadas por videoconferência”.
Conforme decorre da simples comparação com o recurso da Ré EMP02... Lda., está em causa o aditamento dos mesmos factos, com base na mesma argumentação e no depoimento da testemunha EE; remetemos, por isso, e nesta parte, para o já exposto, que aqui reiteramos, concluindo pelo aditamento dos dois factos nos termos já decididos.
Entende ainda a Recorrente, apelando ao depoimento das testemunhas FF e ..., que deve ser alterada a redação do ponto o) dos factos provados para que da mesma fique a constar:
“o) Ao fim de cerca de um mês, após ter encetado diligências nesse sentido, a primeira Ré comunicou ao Autor que concluiu que a origem da anomalia estava no empeno das quatro jantes das rodas do veículo UU, tendo orçamentado o respetivo custo de aquisição e colocação de quatro jantes novas, que o Autor não aceitou”.
O ponto o) dos factos provados tem a seguinte redação: “o) Ao fim de cerca de um mês, a primeira Ré não conseguiu apurar a causa da anomalia do UU e sugeriu ao Autor a troca das jantes do UU a expensas deste.”
Vejamos.
Das declarações das referidas testemunhas resulta que entendiam que o problema do veículo estaria nas jantes que pretenderam substituir por alegadamente estarem empenadas, não tendo o Autor aceite o orçamento para essa substituição.
Que a Ré concluiu que as jantes estariam empenadas e que a testemunha FF apresentou um orçamento ao Autor para a sua substituição, a custo do próprio Autor, consta alegado na própria petição inicial (artigos 31º e seguintes) considerando o Autor que a 1ª Ré mais não pretendia do que fazer experiências, às suas custas, para tentar identificar as causas e resolver o defeito do veículo.
Porém, da matéria de facto apurada, e da prova produzida, designadamente pericial, não se conclui que o defeito apresentado no veículo (vibração na travagem) tivesse origem nas jantes ou no estado das mesmas e nem que a sua substituição, que a 1ª Ré propôs ao Autor fazer, sendo este a suportar o custo, fosse adequada a eliminar o referido defeito.
Conforme consta da motivação da sentença recorrida: “(…) a ausência de prova credível para atribuir ao estado das jantes do UU qualquer relevância na anomalia detectada, quer a existência de prova credível para não atribuir ao estado das jantes qualquer relevância na anomalia do UU. No primeiro termo da equação inclui-se o relatório da primeira perícia que se revelou contraditório e inconclusivo (mesmo com a utilização de máquinas próprias, os Srs. peritos não se entenderam quanto às excentricidades), bem como o teor do documento de fl. 19 que nada permitiu concluir, não obstante o depoimento da testemunha GG, que nunca viu o UU e que, quanto às jantes e ao teor do referido documento não soube quantificar em que se traduzia o putativo empeno. No segundo termo da equação inclui-se o bem fundamentado relatório da segunda perícia que, expressa e explicitamente, pelos Srs. peritos afirmou que as jantes não têm qualquer empeno e que um hipotético empeno das jantes não provocaria um empeno dos discos de travão. A opinião destes Srs. peritos foi corroborada, de forma circunstanciada, pelo depoimento da testemunha HH, dono de uma oficina de alinhamento de direcções, calibragem de rodas e jantes e mudança de pneus, que afirmou que só se pode considerar que uma roda está empenada quando esta apresenta um desvio superior a 15 gramas, sendo que as jantes do UU não estão empenadas”.
Assim, o que resulta dos autos e da prova produzida é que efetivamente a 1ª Ré não conseguiu apurar a causa da anomalia do UU pois, não obstante ter entendido e sugerido ao Autor a troca das jantes do UU a expensas deste, tal troca não seria adequada à eliminação do defeito. Entendemos, por isso, que não deve ser alterada a redação do ponto o) dos factos provados.
Sustenta, por último, a Recorrente que os factos contidos nos artigos 23º, 24º e 31º a 48º da sua contestação, devem ser julgados provados.
Vejamos.
Em 1ª Instância foram julgados não provados os “artigos 23º, 24º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea n).”
No ponto n) dos factos provados consta que o Autor, em ../../2019, fez deslocar o UU às instalações da primeira Ré, em ..., tendo-lhe sido solicitado que o deixasse nestas instalações a fim de ser indagado e diagnosticado o problema.
Confrontada a redação do ponto n) com a matéria alegada nos artigos 23º e 24º da contestação, verificamos que a discordância da Recorrente reside, no essencial, no facto de ter transmitido ao Autor que não poderia realizar o diagnóstico ao veículo antes de janeiro de 2020 por ter marcações até ao final do ano; considerando que a quantificação do dano da privação do uso foi considerada apenas a partir de ../../2020, a pretensão da Recorrente carece de interesse, e como já vimos, não se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a sua formulação não tenha relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis.
Em 1ª Instância foram ainda julgados não provados, da contestação da Recorrente, os artigos “31º a 47º, 48º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas q) a t).”
Os pontos q) a t) têm a seguinte redação: “q) O UU tem, no eixo frontal e no eixo de retaguarda, ... (pack M), de 19 polegadas de diâmetro; r) O UU tem, no eixo frontal, pneus de marca ..., de medida 245/40 ...; s) O UU tem, no eixo de retaguarda, pneus de marca ..., de medida 275/35 ...; t) As supra referidas medidas dos pneumáticos estão de acordo com as anotações especiais inscritas no DUA, averbadas pelo IMT para este veículo por validação técnica expressa do fabricante EMP02.../Representante Oficial da Marca em Portugal.”
A este propósito consta da motivação da sentença recorrida que “[a] convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada nas alíneas p) a bb) fundou-se no bem fundamentado e bem elaborado relatório pericial constante de fls. 445v a 454v (resultante da segunda perícia)”.
A Recorrente invoca em prol da sua pretensão as declarações prestadas pelas testemunhas FF, ... e DD, sustentando que dos seus depoimentos se depreende que seguiu todos os procedimentos técnicos recomendados pelo departamento técnico da EMP02... para identificar e resolver o problema do veículo; que as ações empregues pela 1.ª R. incluíram a substituição temporária das jantes para teste, bem como a realização de uma perícia independente (na EMP04..., Lda.); que, em todo o processo, a 1.ª R. colaborou com o Autor, que aceitou as propostas de testes, reconhecendo melhorias após a substituição das jantes; que as conclusões das perícias e dos procedimentos realizados foram no sentido de que o problema residia nas jantes empenadas, causando o empeno dos discos de travão, sendo certo que a confirmação independente deste diagnóstico por uma entidade especializada reforça a legitimidade das ações e da crença da 1.ª R., que sempre procedeu de boa-fé para com o Autor e que seguiu procedimentos técnicos adequados e manteve uma comunicação transparente com o cliente sobre os problemas encontrados e as soluções propostas.
Considerando que o que se discute na presente ação é a existência do defeito (vibração na travagem) no veículo, o qual resultou demonstrado, bem como a respetiva causa, em conformidade com os pontos v), w), x), y), z), aa) e bb), matéria não impugnada pelos Recorrentes, e a responsabilidade das Rés, Representante legal do fabricante e Concessionária, com base na Extensão da Garantia adquirida pelo Autor, a primeira consideração a tecer é a de que, também aqui, a pretensão da Recorrente careceria de utilidade tendo em vista a decisão a proferir.
Ainda assim, diremos que, analisados os artigos da contestação em causa, se reportam os mesmos à questão da troca das jantes do UU que foi sugerida ao Autor e que a Ré considerou adequada à eliminação do defeito; na verdade, na sua contestação a Recorrente veio defender que a anomalia em causa (vibração na travagem) tinha origem nas jantes e que estas teriam sido alvo de um ou mais embates ou impactos durante a circulação, tendo sido a reiterada circulação do veículo com as jantes empenadas a causa do empeno dos discos de travão, inexistindo, por isso, qualquer defeito de fabrico, e imputando o problema a uma circulação imprudente do Autor.
Ora, como já referimos, a prova produzida, em particular a prova pericial, e a segunda perícia realizada, afastam que o problema tivesse a ver com as jantes empenadas, ou qualquer circulação imprudente por parte do Autor. Aliás, tal consideração, entraria em contradição com a demais matéria de facto provada que já referimos. Do exposto decorre inexistir fundamento para alterar a matéria de facto não provada em conformidade com a pretensão da Recorrente, improcedendo, nesta parte, o recurso.
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Assim, concluindo e em face do exposto, deve manter-se inalterada a matéria de facto não provada fixada em 1ª Instância, aditando-se apenas à matéria de facto os seguintes pontos: “pp) Durante o período de confinamento relacionado com a pandemia da Covid-19 não havia sessões no Tribunal da Relação de Guimarães; qq) Enquanto houve a recomendação de teletrabalho relacionada com a pandemia da Covid-19, as sessões do Tribunal da Relação de Guimarães foram realizadas por videoconferência, mas alguns Desembargadores, designadamente o Autor, deslocaram-se presencialmente a algumas dessas sessões”.
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3.2.4. Quanto aos montantes indemnizatórios 3.2.4.1 Do dano da privação do uso
O Tribunal a quo fixou a título de indemnização pela privação do uso do veículo a quantia diária de €17,50, contabilizado desde ../../2020 e até ao dia em que o defeito do veículo tenha sido eliminado, liquidando o valor até ../../2024 (data da sentença) em €25.742,50 e relegando para decisão ulterior o valor correspondente aos dias de paralisação desde ../../2024 até ao dia da eliminação.
O recurso subordinado dos Sucessores do Autor, tal como por estes delimitado, vem questionar o quantum indemnizatório relativamente a este dano da privação do uso, entendendo que valor diário deve ser fixado em €150,00.
A Ré EMP02..., Lda., em sentido contrário, sustenta ser excessivo o valor diário fixado, e ambas as Rés pretendem que seja operada uma redução equitativa do montante indemnizatório uma vez que nos períodos de confinamento decorrente da pandemia Covid-19 o Autor esteve impedido de circular e de se ausentar da sua habitação não podendo, por isso, fruir livremente do veículo.
Vejamos então.
O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem-se firmado, maioritariamente segundo julgamos, no sentido de considerar tal dano como dano autónomo indemnizável, bastando-se com a prova genérica que o lesado utilizava a viatura para os fins de lazer/trabalho e, consequentemente, por via daquela privação deixou de poder fazê-lo (v. entre muitos outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, de 05/07/2018, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes) o qual, não podendo ser averiguado o valor exato do dano deverá ser determinado com base na equidade (artigo 566º n.º 3 do Código Civil).
Há, contudo, quem venha defendendo na jurisprudência posição ainda mais favorável para o lesado atribuindo à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente de ser feita prova de que o veículo é efetivamente usado de forma habitual (v. a este propósito Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso e Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 57 e seguintes).
Conforme se assinala no Acórdão desta Relação de 24/03/2022 (Processo n.º 2093/20.5T8VNF.G1, Relator Joaquim Boavida), que nesta parte acompanhamos, julgamos poder afirmar-se que na jurisprudência, atualmente, se perfilham essencialmente três orientações, ainda que a última que iremos assinalar seja minoritária:
1) A privação do uso de um veículo gera obrigação autónoma de indemnizar, independentemente da prova de uma utilização quotidiana do veículo, ainda que com recurso à equidade e ponderação das precisas circunstâncias que rodeiam cada situação;
b) A mera privação do uso do veículo é insuficiente para gerar a obrigação de indemnizar, devendo ser feita prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo, de proceder à sua utilização, embora sem exigir a prova de danos efetivos e concretos;
c) Para que a privação seja ressarcível terá de fazer-se prova do dano concreto e efetivo, isto é, da existência de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem.
A distinção entre a primeira e a segunda posição reside apenas na circunstância desta se bastar com a demonstração da privação do uso, enquanto que a primeira exige que se demonstre, para além dessa privação, a existência de um propósito real de o lesado proceder à utilização do bem; de salientar que, não obstante tal distinção, na aplicação prática as duas orientações acabam, na maioria das situações, por coincidir pois, normalmente, existe uma utilização quotidiana da coisa (como ocorre no caso concreto com o veículo) e nestes casos, seguindo qualquer uma das duas referidas posições é de considerar que existe dano, sendo a quantificação da indemnização feita com base em critérios norteados pela equidade, carecendo de interesse a discussão teórica entre as mesmas.
É o que ocorre no caso em apreço pois, atento o quadro factual que se encontra provado, resulta demonstrada a utilização do veículo, afigurando-se-nos como inquestionável o direito a receber uma indemnização a esse título.
De facto, e quanto à ressarcibilidade do dano da privação do uso em casos como o dos autos, em que se encontra demonstrado que o veículo é usado habitualmente [resulta dos pontos ff), gg) e hh) dos factos provados que o veículo deixou de ser utilizado nas idas às Sessões no Tribunal da Relação de Guimarães, no seu dia-a-dia, bem como no seu tempo livre) vem a mesma sendo admitida sem necessidade de alegar e provar que a falta do veículo foi causa de despesas acrescidas, não sendo necessário questionar a mera demonstração da privação do uso. In casu, não vem questionado o direito a receber uma indemnização decorrente da privação do uso (mas apenas o quantitativo diário fixado na sentença recorrida, pretendendo ainda as Rés a redução da indemnização), mas o quantum indemnizatório, sendo que para efeito da sua determinação terá de recorrer-se à equidade uma vez que não é possível determinar o valor exato dos danos, tal como dispõe o artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
O Tribunal a quo considerou que “(…) as regras da experiência comum e a justa medida das coisas inculcam-nos a ideia de que, nos dias que correm, e atenta a velocidade da vida que decorre da atual organização económica e social, a perda de uso de um veículo automóvel, em regra, acarreta afetações negativas ao nível dos direitos do seu dono e prejuízos para o mesmo. Será razoável pressupor que as Rés necessitam de 30 dias para reparar o UU, pelo que, proceder-se-á à contagem dos dias de paralisação do UU a partir do momento em que o veículo foi levantado das instalações da primeira Ré, em ..., e o Autor fez a reclamação por escrito (cfr. alíneas cc) e nn), do ponto II.1.) - 21.01.2020. O valor que será devido a este título deverá ser contabilizado até ao dia em que o defeito do UU tiver sido eliminado, pelo que liquidar-se-á o valor devido até ao dia de hoje – 31.01.2024 – e relegar-se-á para decisão ulterior, nos termos do artigo 564º, nº 2, do Código Civil, o correspondente aos dias de paralisação desde ../../2024 até ao dia daquela eliminação. Quanto ao quantitativo diário, atendendo à utilização que o Autor empresta ao UU, aos incómodos que lhe causa a imobilização (cfr. alíneas dd) a ii), do ponto II.1.) e recorrendo a uma ponderação equitativa, fixo o mesmo em € 17,50. Consequentemente, devem as Rés pagar, solidariamente, ao Autor, a este título, a quantia líquida de € 25.742,50”.
Discordam todos os Recorrentes do quantitativo diário fixado.
Contudo, afigura-se-nos como correto o critério seguido pelo Tribunal a quo, bem como equilibrado o valor encontrado, tendo em conta o que decorre da factualidade provada (está em causa um veículo de marca ..., modelo ..., com 2.993 cm3 de cilindrada e 313 cavalos de potência que deixou de ser utilizado no trabalho, no dia-a-dia e no tempo livre, sendo o valor locativo médio diário para veículos da mesma classe de €250,00) mas também atendendo aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes; de facto, estando em causa a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a mesma deverá enquadrar-se dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
É certa, como refere a Recorrente EMP02..., a existência de diversa jurisprudência fixando valor diário de montante inferior, podendo mesmo afirmar-se que constituirá padrão de referência predominantemente adotado na nossa jurisprudência o valor diário de €10,00.
Assim:
- No acórdão desta Relação de 11/07/2017 (Relatora Desembargadora Maria dos Anjos S. Melo Nogueira) foi considerado que “o montante diário que têm vindo a ser fixado em casos como o dos autos, mencionando-se a título de exemplo o Ac. do STJ de 09.03.2010 e o desta Relação de 27/10/16, disponíveis em www.dgsi.pt ronda os €10,00 euros diários”.
- No acórdão desta Relação de 21/09/2017 (Relatora Desembargadora Helena Melo) afirma-se que “o valor diário de 10,00 euros dia foi tido por adequado no Ac. deste Tribunal da Relação de 27.10.2016 – proc. 224/14, onde são citados no mesmo sentido, designadamente, o Ac. da Rel. do ... de 07.09.2010 e o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 e no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.15 – Proc. 1222/07 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia. E muito recentemente, também no Ac. desta Relação de 04.04.2017, proferido no proc. 474/13, se considerou este valor como adequado. Também nós, entendemos como equilibrado o valor de 10,00, em consonância com o entendido nas referidas decisões jurisprudenciais, montante que se mostra fixado de acordo coma equidade, tendo em atenção as concretas circunstâncias deste caso, pelo que reduzimos o valor da indemnização pela privação do uso, para a quantia de 10,00/euros dia, pelo que é devida uma indemnização no montante de 10.090,00, desde a data do sinistro até à data da propositura da ação”; - No acórdão desta Relação de 25/06/2020 (Relator Desembargador Alcides Rodrigues) foi considerado “adequado, proporcionado e justo o montante indemnizatório encontrado na decisão recorrida, correspondente a um valor diário de €10,00, para indemnizar o dano consistente em não se poder utilizar o veículo, valor esse que fica aquém do valor locativo diário de uma viatura idêntica à da danificada. A este propósito, e recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios utilizados na determinação da indemnização pela privação do uso de veículo, e a título meramente exemplificativo, esse valor diário (de € 10,00) corresponde ao que foi atribuído no Ac. do STJ de 09/03/2010 (relator Alves Velho) e nos Acs. da RG de 26/10/2017 (relatora Anabela Tenreiro), de 4/04/2017 (relatora Alexandra Rolim Mendes), de 27/10/16 (relatora Lina Castro Baptista), no Ac. da RL de 7/05/15 (relator António Martins), no Ac. da RC de 06/03/2012 (relator Alberto Ruço) e nos Acs. da RP de 7/09/2010 (relator João Ramos Lopes) e de 28/05/2020 (relator Filipe Caroço)”.
- No citado Acórdão desta Relação de 24/03/2022 entendeu-se que, recorrendo à equidade, o montante indemnizatório devia ser fixado no valor diário de €5,00, num caso em que o Autor conseguiu suprir parcialmente a necessidade de transporte diário com o recurso a outro veículo de que é proprietário, mas em que o veículo sinistrado também era utilizado pela companheira, operando uma redução para metade face ao padrão normalmente utilizado em virtude do concreto circunstancialismo dado como provado, considerando ainda que o valor diário de €10,00 constitui o padrão indemnizatório predominantemente adotado, nos casos em que não é possível quantificar o dano decorrente de o lesado ter que recorrer a outras alternativas para se fazer transportar a si e à sua família, desde que essa privação não seja (totalmente) suprível pelos meios próprios já disponíveis.
- No acórdão desta Relação de 14/09/2023 (Processo 2081/22.7T8GMR.G1, Relator José Carlos Pereira Duarte) considerou-se que, em face dos valores de referência utilizados pela jurisprudência e tendo em consideração que nos autos estava em causa um motociclo, que era, principalmente, utilizado aos fins de semana e em dias de bom tempo, era adequado, proporcionado e justo à luz da equidade, o valor diário de €10,00 como compensação pela privação do uso. Contudo, entendemos que a jurisprudência deve ser perspetivada de um ponto de vista atualista e o referido valor de €10,00/dia era já aplicado em acórdãos proferidos há mais de 10 anos, e mesmo desde 2010 (há cerca de 15 anos), conforme jurisprudência supracitada.
Por isso, atendendo ao período de tempo decorrido, à evolução da economia e à inflação, afigura-se-nos que tal valor se encontra desajustado aos dias de hoje e deve ser atualizado, podendo citar-se também neste sentido o recente Acórdão da Relação de Coimbra de 24/09/2024 (Processo n.º 318/23.4T8PMS.C1, Relator Moreira do Carmo) em cujo sumário se pode ler que “i) O valor de 10 €/dia que tem vindo a ser fixado pela nossa jurisprudência quando não existe um aluguer de um veículo por parte do lesado, já vem desde a distante data de 2010 e assim mantido em acórdãos bem posteriores (por exemplo em Maio de 2019, ou seja com 9 anos de intervalo); ii) Partindo desta base de 10 €, importa atualizá-lo, decorridos 14 anos, atenta a inflação que tem grassado, especialmente mais severa nos últimos 5 anos, como é do conhecimento público. iii) Estando tal valor perfeitamente desajustado, ponderando, a apontada desvalorização e um juízo de equidade, cremos ser muito mais adequado e justo, afastando-nos do imobilismo jurisprudencial, o valor diário de privação de uso do veículo o montante de 20 €.”
Quanto à aplicação deste quantitativo diário, e a título meramente exemplificativo, podemos citar os seguintes acórdãos:
- O Acórdão desta Relação de 09/04/2019 (Relator Desembargador Paulo Reis) que julgou mostrar-se conforme à equidade fixar a indemnização devida no montante de €20,00 por dia, tal como fixado na 1.ª instância, relativamente à privação do uso de um veículo ligeiro de passageiros marca ..., modelo ... ..., que o autor utilizava o veículo para as suas deslocações para o trabalho;
- O Acórdão da Relação de Coimbra de 05/03/2024 (Processo n.º 3106/20.6T8VIS.C2, Relator Luís Cravo) que considerou, dada a circunstância de se tratar de um veículo “especial” (“ambulância”), como justo e equitativo o valor diário de €20,00;
- O Acórdão desta Relação de 17/12/2020 (Relatora Desembargadora Maria Cristina Cerdeira), subscrito pela aqui Relatora na qualidade de Adjunta, onde foi considerado “justo, proporcional e adequado, no caso “sub judice”, à luz das regras da boa prudência, de uma criteriosa ponderação das realidades da vida e do bom senso prático, fixar o montante diário em €20,00 a título de indemnização pela privação do uso do veículo do Autor”, um veículo ligeiro de passageiros; sendo esse também o valor fixado no acórdão de 26/11/2020 (Processo n.º 1804/17.0T8BRG.G1) relatado pela aqui Relatora.
No Acórdão desta Relação de 07/11/2019 (Processo n.º 15/18.2T8AMR.G1, Relatora Rosália Cunha), num caso em que não era o único veículo do autor, uma vez que era também proprietário de um outro carro, julgou-se justo, proporcional e adequado fixar a indemnização pela privação do uso do veículo na quantia diária de €15,00.
No caso concreto sabemos que o falecido Autor adquiriu o veículo (de marca ..., modelo ..., com 2.993 cm3 de cilindrada e 313 cavalos de potência), para seu uso pessoal, que a partir de ../../2020, deixou de o utilizar no seu dia-a-dia, mantendo-o parqueado na sua casa, utilizando-o apenas para se deslocar ao concessionário EMP02..., em ... (...) (para realizar as manutenções/revisões aconselhadas), e para, de vez em quando, dar uma volta pelas imediações para evitar a deterioração dos materiais e componentes; que em face da anomalia do veículo, o deixou de o utilizar nas idas às referidas sessões, no Tribunal da Relação de Guimarães, no seu dia-a-dia, bem como no seu tempo livre; não consta dos autos que tivesse qualquer outro veículo, tanto mais que foi obrigado, desde então, a recorrer a veículos de familiares para os afazeres do dia-a-dia, para se deslocar a ..., às sessões no Tribunal da Relação de Guimarães, e no seu tempo livre. Por outro lado, também sabemos que o valor locativo médio diário para veículos da mesma classe de €250,00.
Importa ainda referir que o cálculo da indemnização deve ser feito com base na equidade, não sendo de equiparar, sem mais, ao custo de aluguer duma viatura de idênticas características, uma vez que a renda própria dum contrato de locação não traduz apenas o valor do bem, mas também o custo de fatores empresariais para o colocar no mercado (v. Maria Conceição Trigo, Ob. Cit, p. 63). Como se afirma no citado Acórdão da Relação de Coimbra de 05/03/2024 “[o] custo do aluguer de um veículo além de cobrir a margem de lucro a que qualquer atividade económica aspira, tem que necessariamente cobrir os custos inerentes ao desenvolvimento de tal atividade, sob pena de insolvência a breve trecho da entidade que a desenvolve. III – E porque assim é, o dano da privação do uso do veículo sinistrado, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não se pode aferir pelo valor locativo de um veículo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado”.
Acresce dizer que, estando em causa um critério de equidade, entendemos que as indemnizações arbitradas apenas devem ser alteradas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos, o que não ocorre no caso concreto.
Assim, considerando a atribuição da indemnização pela privação do uso calculada mediante a ponderação da reconstituição que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do artigo 562º do Código Civil e com recurso à equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3, atendendo às circunstâncias concretas já elencadas afigura-se-nos equilibrado e enquadrado dentro dos padrões definidos por uma jurisprudência mais atualista o valor fixado em 1ª Instância.
Improcedem, por isso, e nesta parte, todos os recursos.
Por último importa decidir se deve ser operada uma redução equitativa do montante indemnizatório por força dos períodos de confinamento decorrente da pandemia Covid-19 o Autor esteve impedido de circular e de se ausentar da sua habitação não podendo, por isso, fruir livremente do veículo, conforme pretendem as Rés.
Vejamos.
Efetivamente, tal como alega a Ré EMP02..., em virtude da pandemia de covid-19 foi decretado o estado de emergência em 18 de março de 2020 (Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 de 18 de março) e o Governo veio regulamentar a aplicação do estado de emergência, através do Decreto n.º 2-A/2020 (retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-D/2020), que entrou em vigor às 00h00 do dia 22 de março; posteriormente, a Assembleia da República debateu aprovou a Resolução n.º 22-A/2020, através da qual autorizou o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ../../...., sendo publicado o Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020 e tendo o Governo regulamentado a aplicação da prorrogação do estado de emergência, através do Decreto n.º 2-B/2020 (que revogou o Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março); em 16 de abril, foi aprovada pela Assembleia da República a Resolução n.º 23-A/2020, autorizando o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 2 de maio (v. Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de ../../....) e a prorrogação do estado de emergência foi regulamentada pelo Governo através do Decreto n.º 2-C/2020, de ../../.... (que revogou o Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril), sendo que em 2 de maio, o país passou do estado de emergência para o estado de calamidade, iniciando-se um plano de desconfinamento em três fases (4 de maio, 18 de maio e 1 de junho), possibilitando uma gradual reabertura de vários setores de atividade. Nos referidos períodos existia para os cidadãos em geral um dever geral de recolhimento domiciliário, não podendo circular livremente em toda e qualquer circunstância, mas ainda assim, podendo fazê-lo nas situações expressamente previstas.
Posteriormente, foi renovada a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública (Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020, de 20 de novembro), por um período adicional de 15 dias, tendo sido publicado o Decreto n.º 9/2020, de 21 de novembro; o Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro renovou a declaração do estado de emergência com a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 9 de dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 23 de dezembro de 2020.
Em 2021 foi renovada a declaração do estado de emergência (Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021 de 6 de janeiro), posteriormente modificada e renovada por 15 dias pelo Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro), regulamentado pelo Decreto n.º 3-D/2021 de 29 de janeiro onde se manteve o dever geral de recolhimento domiciliário, permitindo-se as deslocações aí autorizadas (cfr. artigo 4º).
A Assembleia da República veio a aprovar a Resolução n.º 14-A/2021, autorizando o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia ../../...., o que foi concretizado pelo Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021, que foi regulamentado pelo Governo através do Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de janeiro que prorrogou a vigência do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro até às 23:59 h do dia ../../.... de 2021; a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 63-A/2021, autorizando o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 1 de março, o que foi concretizado pelo Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021, que foi regulamentado pelo Governo através do Decreto n.º 3-E/2021, de 12 de fevereiro e através da Resolução n.º 69-A/2021, a Assembleia da República veio a autorizar o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 16 de março, o que foi feito através do Decreto do Presidente da República n.º 21-A/2021, regulamentado pelo Governo através do Decreto n.º 3-F/2021, de 26 de fevereiro.
Assim, e tal como alega a Recorrente EMP02... de 15 de janeiro a 15 de março de 2021 vigorou efetivamente um dever geral de recolhimento domiciliário, pelo qual ficou limitada (ainda que não totalmente excluída) a liberdade de circulação dos cidadãos em geral; e vigorou ainda, tal como também alega, períodos de dever de teletrabalho obrigatório.
Daqui decorre, todavia, que o falecido Autor, ainda que limitado, não se encontraria nos referidos períodos totalmente impedido de circular com o veículo e de poder fruir do mesmo.
Por outro lado, se durante o período de confinamento não havia sessões no Tribunal da Relação de Guimarães e enquanto houve a recomendação de teletrabalho as sessões foram realizadas por videoconferência, a verdade é que alguns Desembargadores, designadamente o Autor, deslocaram-se presencialmente a algumas dessas sessões conforme resulta dos pontos pp) e qq) dos factos provados.
E não podemos esquecer que o Autor utilizava o veículo não só para deslocações profissionais, mas também no seu tempo livre e no seu dia-a-dia em geral.
Veja-se ainda, para se concluir que ocorreu privação do uso do bem (in casu de um veículo) bastará que resulte demonstrado que o titular do correspondente direito o pretendia utilizar ou que normalmente o usaria, não necessitando de provar concretos prejuízos, designadamente um acréscimo de despesa ou a frustração de um rendimento com o qual legitimamente contava; aliás, se assim não fosse e estivessem em causa danos emergentes ou lucros cessantes nem sequer teríamos de invocar de forma autónoma o dano de privação do uso.
A privação da utilização de uma coisa pode gerar danos diversos, isto é, da privação do seu uso, poderão resultar:
a) danos emergentes;
b) lucros cessantes;
c) um dano advindo da mera privação do uso que impossibilita o seu gozo e fruição, independente da verificação de concretos danos emergentes ou lucros cessantes, normalmente designado pelo dano da privação do uso.
Só ocorrendo esta última hipótese é que a privação do uso, a impossibilidade do gozo e fruição de uma coisa ou de um bem, constitui em si mesmo um dano autónomo a ser ressarcido dessa forma. Ou, dito de outra forma, só numa situação em que o lesado não sofreu danos concretos (danos emergentes ou lucros cessantes) tendo apenas ficado impedido da utilização, faz sentido abordar a questão da privação do seu uso como dano autónomo indemnizável (v. neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2019, Processo n.º 19826/18.2T8LSB.L1-7, Relator Desembargador José Capacete).
Está aqui em causa a mera privação, independente da verificação de concretos danos (danos emergentes ou lucros cessantes), caso em que a simples privação do uso constitui, por si só, um dano patrimonial indemnizável uma vez que representa para o seu proprietário a perda de uma utilidade que é a de fruir a coisa que lhe pertence e de a utilizar quando e como lhe aprouver, e que ele pretendia utilizar ou que normalmente utilizaria; é a supressão dessa faculdade que constitui, juridicamente, um dano autónomo com expressão pecuniária, passível de reparação.
É por isso que se alguém que se vê privado de usar, fruir e dispor de um bem de que é proprietário, e que normalmente utilizaria, sofre um dano ainda que não tenha tido qualquer dispêndio de natureza patrimonial causada pela privação do uso.
Assim, não cremos que seja de deduzir pura e simplesmente no cálculo da indemnização, com recurso, como já referimos, à equidade e não a puros critérios matemáticos, os dias equivalentes aos referidos períodos em que vigorou um dever geral de recolhimento domiciliário, ou de dever de teletrabalho; na verdade, como resulta da matéria de facto e já referimos, o veículo não era apenas utilizado em deslocações profissionais.
Acresce dizer que, no caso apreciado no Acórdão desta Relação citado pela Recorrente (Processo n.º 2081/22.7T8GMR.G1), está em causa um circunstancialismo concreto que nada tem a ver com o dos presentes autos; aqui, o Autor utilizava o veículo (e deixou de o fazer desde janeiro de 2020) não só para deslocações profissionais, mas também no seu tempo livre e no seu dia-a-dia em geral, enquanto naqueles autos o veículo em causa (um motociclo) era usado principalmente aos fins de semana e em dias de bom tempo, tendo sido ali excluídos os fins de semana (7) abrangidos no período entre 18 de março de 2020 e 02 de Maio de 2020, em virtude da pandemia de covid-19.
De todo o modo, porque está em causa a fixação de uma indemnização com recurso à equidade, e sendo inequívoco que a fruição do veículo e a livre circulação com o mesmo se encontraram efetivamente condicionados/limitados, independentemente do problema de que padecia o veículo, entendemos adequado e equitativo proceder a uma redução do seu valor fixando a indemnização devida pelo período de ../../2020 a ../../2024 em €25.000,00, em vez do valor de €25.742,50 fixado na sentença recorrida.
A Recorrente EMP02... coloca ainda a questão do limite do valor da indemnização pelo dano da privação do uso, considerando que, para além da quantia liquida, foi ainda relegado para posterior liquidação o valor correspondente aos dias da privação desde ../../2024 até à eliminação do defeito, sustentando que deve ficar expressamente previsto que o valor indemnizatório deve ter como limite o preço de um veículo novo.
Vejamos.
O que está aqui em causa é saber se o valor da indemnização pela privação do uso deve ser limitado ao valor do veículo novo, sob pena de se poder verificar um enriquecimento do lesado por via da atribuição da indemnização.
Entendemos que, nesta parte, assiste razão à Recorrente.
Acompanhando aqui a jurisprudência constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2017 (Processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1, Relatora Maria da Graça Trigo) citado pela Recorrente, não se pode deixar de se ponderar que, tendo sido já fixada em €25.000,00 o valor liquido da indemnização devida a este título até ../../2024, e condenando-se ainda no pagamento da indemnização até definitiva eliminação do defeito, o valor final acumulado da indemnização pela privação do uso do veículo, podendo ascender a um valor elevado, se possa configurar como desproporcionado e não equitativo tendo por base o preço de um veículo novo.
No mesmo sentido se afirma no citado Acórdão desta Relação de 07/11/2019 “[o] único limite a introduzir é o da impossibilidade de enriquecimento por via da atribuição da indemnização. Ou seja, o autor não pode receber a título de indemnização pela privação do uso valor superior ao custo do veículo em novo. Só assim, haverá uma fixação justa e equitativa da indemnização”. Assim, a indemnização devida pelo dano da privação do uso deve ter como limite máximo o preço de um veículo novo.
*
3.2.4.2. Dos danos não patrimoniais
Sustentam ainda os Recorrentes/Sucessores do Autor que o valor da indemnização para compensação dos danos não patrimoniais não deve ser fixado em montante inferior aos €1.000,00 peticionados.
O Tribunal a quo julgou justo e equitativo, em face da factualidade provada na alínea jj), fixar a indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais, em €900,00.
No que toca aos danos não patrimoniais o montante da indemnização será fixado também equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (artigo 496º n.º 3 do Código Civil).
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a estes danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).
Não tendo as Rés questionado a indemnização devida a título de danos não patrimoniais não se coloca, no caso dos autos, a questão da ressarcibilidade destes danos, mas apenas se o quantum indemnizatório deve ser fixado em €900,00, conforme decidido na sentença recorrida, ou em €1.000,00 conforme pretendido pelos Recorrentes.
Vejamos.
Quanto à questão da fixação de indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto e no essencial, os seguintes factos provados:
- De 16 de dezembro de 2019 a 21 de janeiro de 2020, o UU esteve imobilizado nas instalações da Ré;
- a partir de ../../2020, o Autor deixou de utilizar o UU no seu dia-a-dia, mantendo-o parqueado na sua casa, utilizando-o apenas para se deslocar ao concessionário EMP02..., em ... (...) (para realizar as manutenções/revisões aconselhadas), e para, de vez em quando, dar uma volta pelas imediações para evitar a deterioração dos materiais e componentes;
- O Autor reside em ..., é Juiz Desembargador e exerce funções no Tribunal da Relação de Guimarães, para onde se desloca para as sessões da sua secção, de 15 em 15 dias;
- Em face da anomalia do UU, o Autor deixou de o utilizar nas idas às referidas sessões, no Tribunal da Relação de Guimarães, no seu dia-a-dia, bem como no seu tempo livre;
- Tendo sido obrigado, desde então e até hoje, a recorrer a veículos de familiares para os afazeres do dia-a-dia, para se deslocar a ..., às sessões no Tribunal da Relação de Guimarães, e no seu tempo livre;
- Em consequência da imobilização do veículo e da recusa da primeira Ré em eliminar a anomalia do UU ao abrigo da garantia, o Autor sentiu-se impotente, revoltado e triste.
Tendo em conta esta factualidade, considerando as circunstâncias concretas, a imobilização do veículo e a sua não utilização seja nas deslocações profissionais, seja no dia-a-dia, ou no tempo livre, bem como a recusa da primeira Ré, o que gerou revolta e tristeza ao Autor, julgamos adequado, justo e equitativo o montante compensatório atribuído pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.
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3.2.5. Das demais questões suscitadas pela Recorrente EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda.
3.2.5.1. Da legitimidade da Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. e da sua responsabilidade
Invoca a Recorrente a ilegitimidade passiva, sustentando que não tem legitimidade para cumprimento das obrigações contratuais objeto dos autos uma vez que apenas atuou como concessionária autorizada pela Ré EMP02... e a sua função, nessa qualidade, é limitada à prestação de serviços técnicos e comerciais não lhe cabendo a responsabilidade final pela eliminação de defeitos cobertos pela garantia da marca.
Vejamos.
Importa começar por referir que a questão da legitimidade passiva configura uma questão nova, não suscitada nos autos até agora, tendo sido proferido despacho saneador tabelar onde consta que as partes têm legitimidade para o presente processo.
Como é sabido, os recursos são meios destinados a obter a reapreciação de uma decisão, e não para obter decisões relativamente a questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido; assim, e em termos gerais, os recursos apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o Tribunal ad quem ser confrontado com questões novas.
A única exceção a esta regra, são as questões de conhecimento oficioso; como se afirma no Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 11/06/2024 (Processo n.º 7778/21.6T8ALM.L1.S1, Relator Leonel Serôdio, disponível para consulta em www.dgsi.pt) “[o]s recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e que antes foram submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido e não a criar soluções sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso”.
É o caso da exceção de ilegitimidade, a qual, enquanto exceção dilatória, é do conhecimento oficioso [cfr. artigos 577º alínea e) e 578º, ambos do CPC].
O artigo 30º do CPC indica-nos o conceito de legitimidade, dispondo no seu n.º 1 que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer; concretizando no n.º 2 que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
O n.º 3 consigna ainda que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
A legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa concreta, sendo “uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute” (v. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 69), sendo a ilegitimidade singular insanável.
Como é sabido a legitimidade constitui um pressuposto processual positivo, cuja existência é essencial para que o juiz possa pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da ação, para que possa proferir decisão de mérito, não se confundindo com os requisitos que interessam ao mérito da causa; o que interessa saber através do pressuposto da legitimidade é qual a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito (v. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio Nora, Manuel de Processo Civil, Ob. Cit, p. 106, 128 a 130).
A legitimidade representa, por isso, o interesse direto no processo e a utilidade deste na composição dos interesses em litigio.
Atualmente (e já desde a redação dada ao anterior artigo 26º pela revisão do DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, sendo que o atual artigo 30º reproduz aquele artigo 26º) a legitimidade aferir-se-á, em termos residuais, pela titularidade da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, nos termos do artigo 30. ° n.º 3 do CPC.
Apesar da Recorrente invocar a sua ilegitimidade, se bem interpretamos a sua pretensão, a questão que suscita relativamente à sua responsabilidade não se reporta concretamente a uma questão processual, de legitimidade para ser demandada, mas entra já no campo da apreciação do mérito da causa.
Ainda assim dir-se-á que a Recorrente é parte legitima pois, em face da relação material controvertida, tal como configurada pelo Autor, tem interesse em contradizer, sendo certo que este invoca a responsabilidade solidaria de ambas as Rés.
Vejamos então se a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. não deve ser responsabilizada pela reparação do veículo para eliminação do defeito, pelos danos decorrentes da privação do uso do veículo e pelos danos não patrimoniais.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “(…) Da responsabilidade das Rés. No caso dos autos, em face da garantia contratada entre as partes (garantia voluntária), a primeira e a segunda Ré (cfr. Condições Gerais 1.4., 2.1. e 2.2. – alínea e), do ponto II.1.) responsabilizaram-se objectivamente pela ocorrência de anomalias e defeitos no UU durante um determinado período de tempo. Consequentemente, e assumindo as garantes um determinado resultado, incumbe ao garantido fazer a prova do mau funcionamento do UU no período de duração da garantia, sem necessidade de identificar ou individualizar a causa concreta e impeditiva do resultado assegurado e sem necessidade de provar que essa causa existia no momento daentrega;às garantes incumbe provar que a causa concreta do mau funcionamento é imputável ao garantido, a terceiro ou devida a caso fortuito. Não se constata a existência de qualquer facto relevante que se prenda com as jantes do UU. Improcede, por isso, o primeiro dos pedidos deduzidos pelo Autor. Em face da factualidade dada por provada, devem ser as Rés condenadas, solidariamente (cfr. artigos 6º, nº 3, e 9º, nº 3, do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, e alíneas a) e b), do ponto II.1.), a proceder à reparação do UU, eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1., através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros”.
O Tribunal a quo procedeu ao enquadramento jurídico da responsabilidade das Rés no regime previsto no Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, respeitante à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e alterou a Lei n.º 24/96, de 31 de julho.
É também com referência a este regime, bem como do previsto no Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de novembro, que veio transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 85/374/CEE, do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, consagrando no seu artigo 1º o princípio fundamental de responsabilidade objetiva do produtor (“o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”), que a Recorrente entende ser de afastar a sua responsabilidade.
Também nós entendemos ser este o enquadramento correto.
É certo que o Decreto-Lei n.º 67/2003 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro (que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770), conforme decorre do seu artigo 54º (que revoga ainda os artigos 9º-B e 9º-C da Lei n.º 24/96, de 31 de julho); porém, este diploma quanto às disposições em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis aplica-se apenas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (cfr. artigo 53º) e entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2022 (cfr. artigo 55º).
Assim, estando em causa um veículo automóvel adquirido em 8 de maio de 2018 e a Extensão de Garantia EMP02... (...) adquirida para o veículo em 27/07/2018 [v. ponto d) e e) dos factos provados], tendo os factos ocorridos a partir de junho de 2019 e tendo o veículo deixado de ser utilizado a partir de janeiro de 2020, não tem aplicação ao caso dos autos o regime aprovado pelo referido Decreto-Lei n.º 84/2021.
Não vem, de qualquer modo, questionado no presente recurso que o Autor deve ser considerado consumidor para efeitos do regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003 e no Decreto-Lei n.º 383/89.
“Consumidor”, segundo a definição contida na alínea a) do artigo 1º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003, é aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho; em causa está a aquisição de uma Extensão de Garantia EMP02... para um veículo adquirido para uso pessoal pelo Autor, que à data era Desembargador no Tribunal da Relação de Guimarães.
Não tendo sido questionada, e não sendo de questionar, a qualidade de consumidor e a aplicação dos referidos diplomas, analisemos o caso concreto.
Importa referir em primeiro lugar que não decorre dos autos (e nem foi alegado pelo Autor) a quem é que foi comprado o veículo “UU” (apenas sabemos que o adquiriu em maio de 2018) desconhecendo-se a identidade do vendedor.
A Recorrente não foi, por isso, a vendedora do veículo e nem foi nessa qualidade demandada; a Recorrente apenas procedeu à venda em 27/07/2018 de uma Extensão de Garantia EMP02... para o veículo do Autor, conforme condições gerais constantes de fls. 126 vº a 127 vº [não interessando aqui a alegação da Recorrente de que não correspondem às condições gerais de garantia que foram concretamente aplicadas ao Autor pois a mesma não impugnou o ponto e) da matéria de facto provada, sendo com base nesta que importa decidir] e fez reparações no veículo ao abrigo dessa garantia.
Podemos então afirmar, em face dessa garantia (voluntária), que ambas as Rés se responsabilizaram objetivamente pela ocorrência de anomalias e defeitos no veículo, durante um determinado período de tempo, conforme decidido em 1ª Instância?
Das referidas condições gerais consta que a mesma “constitui a única garantia concedida pelo fabricante” relativamente aos veículos e peças da marca ....
Está em causa uma garantia dada pelo fabricante (produtor) relativamente ao veículo ... e respetivas peças por defeito de fabrico, tal como decorre das condições de garantia: “2. CONDIÇÕES DE GARANTIA 2.1. O direito à Garantia consiste na reparação ou substituição de peças gratuitamente, cuja responsabilidade seja imputável ao produto. O critério de reparação compete exclusivamente à Rede de Concessionários/Reparadores Autorizados EMP02... / ..., e deverá ser conforme com as instruções do fabricante. 2.2. A Garantia só pode ser concedida na rede de Concessionários/Reparadores Autorizados EMP02... / ... desde que o cliente comunique a existência da deficiência dentro do Período Contratual de Garantia, e no prazo máximo de dois meses a contar da data em que a tenha detetado”.
Estamos perante uma garantia cujo objeto consiste na reparação ou substituição de peças cuja responsabilidade seja de imputar ao produto, sendo que a reparação, apesar de competir à Rede de Concessionários/Reparadores Autorizados EMP02... (na qual se inclui a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. [v. ponto b) dos factos provados] deveria ser conforme com as instruções do fabricante.
Acresce ainda que no final das referidas “Condições Gerais” consta a referência apenas à Ré EMP02... Lda.
Do exposto decorre que esta garantia foi dada pelo fabricante que, pela mesma, assumiu a responsabilidade por eventuais defeitos do veículo e pela sua reparação (no período daquela), esta a levar a cabo pelas Concessionárias autorizadas, mas sob instruções daquele; concretamente foi dada pela Ré EMP02... Lda., que é a representante legal em Portugal da marca alemã EMP02..., e a quem compete, entre outros, gerir todos os interesses da marca, incluindo nomear e destituir concessionários locais da marca em território nacional, e tem como objeto as atividades de importação, distribuição, comércio, reparação e manutenção de veículos, nomeadamente automóveis e motociclos, incluindo peças e acessórios, receber e resolver as reclamações dos clientes adquirentes ou utilizadores de veículos da marca ... [ponto a) dos factos provados].
Nos termos do artigo 4º n.º 1 do Decreto-lei nº 383/89 um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação; conforme refere Graça Trigo (Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Editora, p. 107) este regime visa o produto defeituoso como um produto perigoso: “[e)stá em causa a segurança, não em absoluto, mas aquela que o consumidor pode esperar em função de diversos fatores, entre o quais três que o legislador indica: a apresentação do produto, a utilização razoável do mesmo e o momento em que foi colocado em circulação. Quer dizer que a falta de segurança integra uma vertente objetiva (a aptidão do bem para causar danos) e integra uma vertente subjetiva (as expectativas legítimas do consumidor”.
A responsabilização do produtor tem sobretudo em vista a reparação dos danos resultantes da utilização do produto defeituoso que justamente se devam imputar às suas imperfeições (José Alberto González, Direito da Responsabilidade Civil, Quid Iuris, pp. 459-460, apud o Acórdão da Relação de Lisboa de 20/12/2022 (Processo n.º 17760/20.5T8LSB.L1-7, Relator Luís Filipe Pires de Sousa).
Produtor, nos termos definidos pelo artigo 2º do referido Decreto-lei nº 383/89 é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo (n.º 1), sendo considerado também produtor aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua atividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição [n.º 2 alínea a)]. In casu, resulta provado que no veículo, quando acionado o sistema de travagem, surgem vibrações, e a vibração na travagem é causada pela excentricidade/desvio axial (vulgo, empeno), principalmente, do cubo da roda da frente direito; a deformação do cubo da roda provocou a deformação do disco de travão dessa roda e a vibração na travagem pode, ainda que remotamente, provocar cedência (por quebra ou alívio no aperto) das fixações dos suportes das bombas e dos calços de travão e, portanto, perda de capacidade de travagem (parcial ou total), degradação precoce dos componentes internos das bombas de travão (nomeadamente dos vedantes e o’rings) e, portanto, perda progressiva de capacidade travagem, a deformação dos discos de travão pode diminuir a eficácia da travagem e potenciar o risco de acidente e as vibrações provocam desconforto na condução do veículo e desconforto para os seus passageiros.
Estamos efetivamente perante um produto é defeituoso, tal como definido no artigo 4º n.º 1 do Decreto-lei nº 383/89, pois é evidente que o veículo não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção a utilização que do mesmo se faz.
Contudo, nos termos do artigo 8º deste diploma apenas são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.
Já o Decreto-lei nº 67/2003, no seu artigo 6º n.º 1, prevê ainda a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, ali se consignando que “[s]em prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor”.
Produtor, nos termos da alínea d) do artigo 1.º-B do Decreto-lei nº 67/2003 é também o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto.
Estando provada a existência de um defeito de fabrico do veículo, e o âmbito da Extensão da Garantia EMP02... adquirida, o produtor, ou concretamente a sua representante em Portugal, que concedeu a referida garantia, é responsável pela reparação/eliminação do defeito no veículo; responsabilidade essa que, aliás, não foi questionada pela mesma no recurso.
Porém, não resulta da matéria de facto provada que a aqui Recorrente EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda., não obstante ter procedido à venda da Extensão da Garantia ao Autor, também se tenha obrigado à mesma; inexiste nos autos qualquer declaração da mesma nesse sentido, e nem tal facto foi alegado. Da análise das Condições Gerais de Garantia já referidas decorre que a mesma foi formulada pelo fabricante (“constituiu a única garantia concedida pelo fabricante relativamente aos veículos e peças” da marca ...), constando ainda no final a referência à 2ª Ré, mas inexistindo qualquer referência à 1ª Ré.
Temos, pois, de concluir que a Extensão da Garantia adquirida para o veículo, concedia pelo fabricante, contra defeito de fabrico, a ser concedida exclusivamente na rede de Concessionários/Reparadores autorizados, tal como previsto no ponto 2.2. das Condições Gerais, a quem compete também o critério de reparação ou substituição de peças, em conformidade com as instruções do fabricante (v. ponto 2.1 das Condições Gerais) tem a natureza de uma garantia (voluntária) do fabricante, de onde decorre a responsabilização deste.
Dispõe ainda o artigo 1º-B, alínea g) do Decreto-lei nº 67/2003 que “Garantia voluntária” é qualquer compromisso ou declaração, de carácter gratuito ou oneroso, assumido por um vendedor, por um produtor ou por qualquer intermediário perante o consumidor, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respetiva publicidade.
Por sua vez, e quanto à forma de tal garantia, estabelece o artigo 9º do Decreto-lei nº 67/2003 que: “1 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.) 2 - A declaração de garantia deve ser entregue ao consumidor por escrito ou em qualquer outro suporte duradouro a que aquele tenha acesso. 3 - A garantia, que deve ser redigida de forma clara e concisa na língua portuguesa, contém obrigatoriamente as seguintes menções: a) Declaração de que o consumidor goza dos direitos previstos no presente decreto-lei, e na demais legislação aplicável, e de que tais direitos não são afetados pela garantia; b) A informação sobre o carácter gratuito ou oneroso da garantia e, neste último caso, a indicação dos encargos a suportar pelo consumidor; c) Os benefícios atribuídos ao consumidor por meio do exercício da garantia, bem como as condições para a atribuição destes benefícios, incluindo a enumeração de todos os encargos, nomeadamente aqueles relativos às despesas de transporte, de mão-de-obra e de material, e ainda os prazos e a forma de exercício da mesma; d) Duração e âmbito espacial da garantia; e) Firma ou nome e endereço postal, ou, se for o caso, eletrónico, do autor da garantia que pode ser utilizado para o exercício desta. 4 - Salvo declaração em contrário, os direitos resultantes da garantia transmitem-se para o adquirente da coisa. 5 - A violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo não afeta a validade da garantia, podendo o consumidor continuar a invocá-la e a exigir a sua aplicação”.
Ora dos autos não decorre qualquer compromisso ou declaração assumida pela Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. de reparar qualquer defeito de fabrico ou substituir peças; face às declarações que se encontram nas Condições Gerais da Garantia, entendemos que quem assumiu essa responsabilidade perante o proprietário do veículo foi apenas o fabricante. Não sendo a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. a vendedora do veículo, nem a responsável pela Extensão da Garantia, importa verificar se, ainda assim, pode ser responsabilizada pela reparação do veículo e pelas indemnizações, solidariamente, nos termos do disposto no artigo 6º do Decreto-Lei 67/2003.
Segundo o n.º 3 deste preceito (referente à Responsabilidade direta do produtor) o representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor.
Nos termos da alínea e) do artigo 1º-B do Decreto-Lei 67/2003, representante do produtor é qualquer pessoa singular ou coletiva que atue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à exceção dos vendedores independentes que atuem apenas na qualidade de retalhistas.
Entendemos, pela leitura deste preceito, que os representantes dos produtores não são os distribuidores em geral, ou todos os distribuidores, mas aqueles que trabalham em regime de exclusividade para o produtor, ou seja, que vendem apenas os produtos fabricados pela pessoa ou pelo grupo económico que representa; os distribuidores comerciais que não tenham essa exclusividade com um produtor, e na ausência de qualquer referência expressa que o indique, não devem ser considerados representantes do produtor, para efeitos da aplicação do artigo do referido n.º 3 do artigo 6º do Decreto-Lei 67/2003.
A Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. é a concessionária autorizada pela segunda Ré nos distritos de ..., ... e ..., nos termos do acordo cuja cópia consta dos autos de fls. 149v a 247v, possuindo instalações e oficinas certificadas pela marca, entre outras, nas cidades de ... e ... [ponto b) dos factos provados].
Alega a Recorrente que nessa qualidade se limita à prestação de serviços técnicos e comerciais, dentro dos termos estipulados pela marca e pelo contrato de concessão.
Decorre dos autos que a Ré constitui efetivamente entidade jurídica distinta do fabricante, e da legal representante deste em Portugal, possuindo instalações e oficinas certificadas pela marca, entre outras, nas cidades de ... e ....
Nos termos do “Contrato de Concessão EMP02...” junto aos autos, a EMP02... confere ao Concessionário (in casu à Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda.) “o direito não exclusivo e o Concessionário assume a obrigação correspondente de distribuir as Viaturas novas EMP02... identificadas no Anexo 1”, de acordo com as cláusulas do contrato, prevendo-se ainda que o Concessionário prestará serviços EMP02... e distribuirá peças originais EMP02...; do referido contrato consta ainda (ponto 1.6 independência do Concessionário) que este exerce a atividade em nome próprio e por sua conta e risco e que não tem poderes para legalmente representar a EMP02....
A Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda., Concessionária autorizada pela segunda Ré, não é distribuidora em regime de exclusividade.
Assim, entendemos não poder afirmar-se que lhe estejam cometidas funções de representação do produtor e nem da 2ª Ré, representante legal em Portugal da marca alemã EMP02..., sendo certo que a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda., exerce a sua atividade de forma independente, em nome próprio e por sua conta e risco, não tendo poderes para legalmente representar a EMP02.... Não, podendo, por isso, ser considerada representante do produtor, para efeitos da aplicação do n.º 3 do artigo 6º do Decreto-Lei 67/2003, e consequentemente, ser solidariamente responsável com o produtor.
As reparações que foram efetuadas por esta Ré ao abrigo da Extensão da Garantia, foram no âmbito da sua qualidade de Concessionária, e por fazer parte dessa rede de Concessionários/Reparadores Autorizados, tal como previsto nas Condições Gerais de Garantia, mas sempre conforme as condições do fabricante.
Assim, a obrigação de proceder à reparação/eliminação do defeito (vibração na travagem) apenas poderá recair sobre a Ré EMP02... Lda., representante legal da EMP02... em Portugal, bem como, logicamente, os prejuízos daí decorrentes, designadamente da paralisação do veículo, e pelos danos não patrimoniais, que apenas devem ser imputados à entidade que se responsabilizou pela reparação nos termos da Extensão de Garantia adquirida.
De referir ainda que, se em julho de 2019 a Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda., nas instalações de ..., recusou a eliminação da anomalia verificada por entender que não estava abrangida na Garantia, a verdade é que de seguida, nas instalações em ..., substituiu os calços e discos dianteiros dos sistemas de travagem do veículo, tendo tentado diagnosticar e solucionar o problema; de qualquer modo, tendo ficado o veículo imobilizado nas instalações da Ré de ../../2019 a ../../2020, a indemnização devida pelo dano da privação do uso apenas foi considerada a partir ../../2020. Por conseguinte, procede nesta parte o recurso da Ré EMP01... – Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda., a qual deve ser absolvida dos pedidos formulados pelo Autor, não devendo ser condenada a proceder à reparação (o que é distinto de poder vir a realizá-la por conta da 2ª Ré por força do Contrato de Concessão) e nem no pagamento das indemnizações devidas a título de dano da privação de uso e de danos não patrimoniais. Fica ainda prejudicado o conhecimento da questão do abuso de direito, também suscitada pela Recorrente, que visava também por esta via ser absolvida do pedido de condenação em indemnização pela privação do uso.
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3.2.5.2. Da litigância de má-fé das Rés/Recorrentes
Importa, por último, apreciar se as Rés/Recorrentes devem ser condenadas como litigantes de má-fé.
Nas contra-alegações apresentadas pelos Sucessores do Autor foi suscitada a questão da litigância de má-fé das Rés/Recorrentes, entendendo que é inquestionável que a garantia foi comercializada pela Ré EMP01...-Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. e foi ela própria quem recebeu o respetivo preço, tendo sido os seus incompetentes serviços que tentaram resolver o defeito da viatura, infelizmente sempre sem sucesso, o que não poderá deixar de resultar na condenação como litigante de má-fé, pelo menos, desta Recorrente sobretudo quando ponderada a sua alegação de abuso de direito.
Mais sustenta que “a desfaçatez, a falta de respeito sempre teve, tem e terá limites e se as partes os não conhecem, então terão de os aprender com a devida e merecida sanção” e que “não questionando as recorrentes que o veículo padece da vibração claramente descrita e definida no relatório pericial (…) persistem numa inusitada e impertinente litigância própria de quem se recusa de assumir as evidentes responsabilidades”.
Vejamos.
De acordo com o n.º 1 do artigo 542º do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta pedir.
Nos termos do n.º 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
A condenação por litigância de má-fé pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave e essa avaliação da atuação da parte terá de ser sempre casuística, analisando as circunstâncias concretas em que aquela se revela.
Para a condenação como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização.
No caso concreto, está apenas em causa o comportamento processual das Recorrentes ao interpor os respetivos recursos, posto que a conduta processual das mesmas no decurso da ação e a questão da litigância de má-fé não foi suscitada em 1ª Instância, nem foi objeto de qualquer decisão, não podendo esta Relação dela conhecer.
A questão reconduz-se, por isso, em saber se o comportamento das Rés/Recorrentes, ao interpor recurso, deve ser considerado doloso ou, pelo menos, gravemente negligente.
Analisada a conduta das Recorrentes, com a interposição dos respetivos recursos, não entendemos que se traduza em negligência grave, e nem em dolo, não se podendo afirmar que esteja em causa o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão recorrida.
De facto, dos elementos constantes dos autos não se infere terem as Recorrentes agido com negligência grave ou dolo, designadamente com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; a sua conduta não encerra, por isso, um comportamento desvalioso e o mesmo não merece ser sancionado como litigante de má-fé.
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Em face do exposto, improcede, pois, integralmente o recurso subordinado interposto pelos Sucessores do Autor.
Na parcial procedência do recurso interposto pela Ré EMP02... Lda. e na procedência do recurso interposto pela Ré EMP01...-Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. deve ser alterada a sentença recorrida e, consequentemente, julgando parcialmente procedente a ação:
A) deve ser a Ré EMP02... Lda. condenada:
- a proceder à reparação do veículo “UU”, eliminando a vibração na travagem, descrita na alínea v), do ponto II.1., através da substituição das peças necessárias, nomeadamente, dos cubos das rodas dianteiras, dos discos dos travões dos rodados dianteiros e dos calços dos travões dos rodados dianteiros;
- a pagar a quantia líquida de €25.000,00 a título de dano da privação do uso e de €900,00 a título de danos não patrimoniais;
- a pagar a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, correspondente ao valor diário de €17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1., com o limite máximo do preço de um veículo idêntico ao “UU” novo;
- ser absolvida do demais peticionado.
B) Deve a Ré EMP01...-Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. ser absolvida de todos os pedidos formulados pelo Autor.
Considerando o disposto no artigo 527º do CPC as custas do recurso subordinado e do recurso da Ré EMP01...-Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. são da responsabilidade dos Sucessores do Autor; as custas do recurso da Ré EMP02... Lda. são da responsabilidade da mesma e dos Sucessores do Autor na proporção do decaimento.; e as custas da ação devem ser da responsabilidade do Autor e da Ré EMP02... Lda. em partes iguais.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:
1) Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pelos Sucessores do Autor;
2) Julgar procedente o recurso interposto pela EMP01...-Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. e, consequentemente, absolvê-la de todos os pedidos formulados pelo Autor;
3) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré EMP02... Lda. e, consequentemente, alterando a sentença recorrida nessa parte, condenar a Ré EMP02... Lda. a pagar a quantia líquida de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de dano da privação do uso, entre ../../2020 e ../../2024, e a quantia cuja fixação se remete para ulterior liquidação, correspondente ao valor diário de €17,50 contado desde ../../2024 até à definitiva eliminação do defeito descrito na alínea v), do ponto II.1., com o limite máximo do preço de um veículo idêntico ao “UU” novo;
4) Confirmar, no mais, a sentença recorrida.
As custas do recurso subordinado e do recurso da Ré EMP01...-Comércio e Distribuição de Automóveis, Lda. são da responsabilidade dos Sucessores do Autor.
As custas do recurso da Ré EMP02... Lda. são da responsabilidade da mesma e dos Sucessores do Autor na proporção do decaimento.
As custas da ação são da responsabilidade do Autor e da Ré EMP02... Lda. em partes iguais.
Guimarães, 27 de fevereiro de 2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora) Alexandra Rolim Mendes (1ª Adjunta) José Cravo (2º Adjunto)