CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
DIVÓRCIO
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
Sumário

1 – Estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela acção.
2 – Tendo a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, dado entrada em momento anterior à acção de divórcio, resulta que esta última não se encontrava pendente naquela primeira data e, consequentemente, não se mostra preenchido o pressuposto de aplicação do n.º 3 do artigo 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, não havendo assim lugar à referida apensação.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 1573/23.5T8FAR-A.E1
Juízo de Família e Menores de Faro
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Conflito de competência
I – Relatório
A acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor (…) deu entrada em juízo em 16 de Maio de 2023 e foi distribuída ao Juiz 3 da Família e Menores de Faro.
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Em 12 de Dezembro de 2023, deu entrada em juízo a acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em que são autor e réu os progenitores desse menor e que foi distribuída ao Juiz 2 da Família e Menores de Faro – proc. n.º 2565/23.0T8FAR.
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Em 05 de Dezembro de 2024, pelo Juiz 3 foi proferido despacho judicial a determinar a apensação dos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais à acção de divórcio supra identificada que corre termos no Juiz 2 deste Tribunal.
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Nessa sequência, o Juiz 2 declarou-se incompetente, em razão da conexão, para a tramitação dos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, bem assim do processo de incumprimento que constitui o apenso B, afirmado que, para o efeito, seria competente o Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Faro.
Complementarmente, foi determinada a desapensação dos autos de regulação e, bem assim, do respectivo apenso de incumprimento e a sua devolução ao Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Faro.

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Ambas as decisões transitaram em julgado.
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Foi suscitado o competente conflito negativo de competências.
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II – Factualidade com interesse para a justa decisão do incidente:
Os factos com interesse para a justa decisão do incidente constam do relatório inicial.
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III – Enquadramento jurídico:
Estamos perante um enquadramento em que existe um conflito negativo de competência; isto é, dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional consideram-se incompetentes para conhecer da mesma questão, tal como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 109.º[1] do Código de Processo Civil, com referência ao artigo 76.º[2] da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
O artigo 11.º[3] do Regime Geral do Processo Tutelar Cível regula a questão da competência por conexão, sendo que, por força daquela norma, estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela acção.
Efectivamente, na senda de Ana Catarina Martins de Sousa, entendemos que a atribuição de competência por conexão constitui uma excepção à regra geral da competência territorial e, por isso, face ao seu carácter especial, de modo prevalecente em relação às regras de competência territorial, é atribuída a competência a quem já tem para conhecer o outro processo[4].
A situação vertente faz apelo à lição de Baptista Machado, quando o autor afiança que a “letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento (espírito, sentido) ‘que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”[5].
Tal como defende a decisão singular do Excelentíssimo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2024, «em face deste regime especial de competência “por conexão”, o que releva para efeitos de competência para todas as acções é a conexão estabelecida com referência à data da sua instauração, ou seja, aquando da entrada em tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto (como a alteração de residência) que posteriormente ocorram – cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 9, do RGPTC e artigo 81.º, n.º 1, da LPCJP».
Esta solução jurisprudencial é concordante com a interpretação doutrinária de Tomé Ramião, que sublinha que «inferir-se que essa apensação e consequente competência abrange os casos em que no momento da instauração dessas providências não esteja pendente qualquer acção de divórcio ou separação litigiosa, conduziria a resultados práticos totalmente inaceitáveis, com manifesto e evidente prejuízo para os interesse das crianças, com as consequentes e injustificadas delongas processuais, nomeadamente nos casos em que agendado o julgamento e no decurso deste, ao tomar-se conhecimento daquela acção, este não se concluiria, para posterior remessa a outro tribunal que, por sua vez, iria de novo agendar esse julgamento, ou seja, arrastar-se o processo por mais tempo, com manifesto `prejuízo para o superior interesse da criança.
Além disso, repare-se na diferente redacção utilizada para o n.º 1 deste preceito, onde consagra esta solução ao referir que «se forem instaurados separadamente… é competente para conhecer de todos eles o juiz do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar» e que esses processos correm por apenso, enquanto no n.º 3 determina apenas que «estando pendente acção de divórcio… as providências tutelares cíveis que correm por apenso.
Assim sendo, resulta que, não estando pendente acção de divórcio ou separação litigiosa aquando da instauração dessas providências tutelares cíveis, não parece poder funcionar esse normativo, contrariamente ao que se reservou para os processos previstos no seu n.º 1.
E, por outro lado, o n.º 5 deste preceito não apoia essa solução, pois apenas sublinha que a incompetência territorial não impede a observância do n.º 3, ou seja, apenas quer significar que o facto de estar pendente uma acção de divórcio num tribunal, no momento da propositura dessas providências tutelares cíveis, que de acordo com as regras do artigo 9.º seriam da competência de outro tribunal, prevalece a competência do primeiro, isto é, será competente para as providências o tribunal onde pendem essas acções».
Recentemente, em situação com os contornos idênticos aos presentes autos, recaiu a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Setembro de 2024, proc. n.º 1506/24.1T8PDL-B.L1, do Senhor Vice-Presidente daquela Tribunal que firmou posição no sentido que «tendo a acção de regulação das responsabilidades parentais (providência tutelar cível) sido instaurada antes da acção de divórcio subsequentemente instaurada em juízo, inexiste motivo para operar a competência por conexão, a que se reporta o n.º 3 do artigo 11.º do RGPTC»[6].
Deste modo, como bem vaticina o Juiz 2, entende-se não haver apoio legal para a apensação nos casos em que essas providências tutelares cíveis (regulações do exercício das responsabilidades parentais) sejam instauradas antes da propositura daquelas acções (acções de divórcio).
Tendo a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, dado entrada em momento anterior à acção de divórcio, resulta que esta última não se encontrava pendente naquela primeira data e, consequentemente, não se mostra preenchido o pressuposto de aplicação do n.º 3 do artigo 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, não havendo assim lugar à referida apensação.
Nestes termos, decido este conflito, declarando competente para a tramitação da acção de regulação das responsabilidades parentais, bem assim do processo de incumprimento que constitui o apenso B, o Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Faro.
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IV – Conclusões: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decido resolver o conflito negativo de competência surgido nos autos, atribuindo a competência para conhecer do processo de regulação das responsabilidades parentais, bem assim do processo de incumprimento que constitui o apenso B, ao Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Faro.
Sem tributação.
Notifique (artigo 113.º do Código de Processo Civil) e, oportunamente, baixem os autos.
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Processei e revi.
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Évora, 11/03/2025

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, no uso de competências delegadas)

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[1] Artigo 109.º (Conflito de jurisdição e conflito de competência):
1 - Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo.
2 - Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
3 - Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência
[2] Artigo 76.º (Competência do presidente):
1 - À competência do presidente do tribunal da Relação é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a d), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 62.º.
2 - O presidente do tribunal da Relação é competente para conhecer dos conflitos de competência entre tribunais de comarca da área de competência do respetivo tribunal ou entre algum deles e um tribunal de competência territorial alargada sediado nessa área, podendo delegar essa competência no vice-presidente.
3 - Compete ainda ao presidente dar posse ao vice-presidente, aos juízes e ao secretário do tribunal.
4 - É aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 62.º às decisões proferidas em idênticas matérias pelo presidente do tribunal da Relação.
[3] Artigo 11.º (Competência por conexão):
1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança.
3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.
4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.ºs 1, 3 e 4.
[4] Ana Catarina Martins Sousa; A harmonização das decisões relativas à criança e ao jovem; Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, março de 2019, pp. 44-45, texto consultado em https://run.unl.pt/bitstream/ 10362/77155/1/Sousa_2019.pdf.
[5] J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, pág. 189.
[6] Decisão sumária do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2024.