APROVAÇÃO DE MODELO DE ALCOOLÍMETRO
VERIFICAÇÃO - PRIMEIRA OU PERIÓDICA - DO APARELHO DE MEDIÇÃO DE TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE
CONFISSÃO
CONCRETA TAXA DE ALCOOLÉMIA.
Sumário

I - A aprovação de modelo de alcoolímetro é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado, sendo, portanto, uma aprovação genérica de um determinado modelo de aparelho, válida para todos os aparelhos daquele modelo, a serem introduzidos nos 10 anos seguintes ao despacho de aprovação, período este renovável e prolongável;
II - A verificação, primeira ou periódica, compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, sendo, portanto, a verificação/aprovação daquele aparelho específico;
III - Se a Arguida se conformou com o exame efectuado por alcoolímetro, não pedindo a contraprova, não pode depois, quando já não é possível essa contraprova, pôr em causa a fiabilidade dos resultados daquele exame;
IV - A confissão da Arguida pode abranger a concreta taxa de alcoolémia constante da acusação, porque a lei não limita os factos que podem ser confessados, desde que o tribunal considere que a confissão é livre e fora de qualquer coacção.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: João Abrunhosa
Adjuntos: Cândida Martinho
Maria Teresa Coimbra


*

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

No Juízo de Competência Genérica de Oleiros, por sentença proferida oralmente em 16/10/2024, foi a Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos, condenada nos seguintes termos:

“... 1. Em face do exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente, por provada, e em conformidade, decide-se:

i. Condenar a arguida, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, numa pena de 57 (cinquenta e sete) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o total global de 342,00 € (trezentos e quarenta e dois euros).

ii. Condenar a arguida na pena acessória de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de proibição de conduzir veículos com motor (cfr. artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal).

iii. Condenar a arguida nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C., reduzida a metade (atenta a confissão integral e sem reservas), sem prejuízo do apoio judiciário com que litigue – cfr. artigos 344.º, n.º 2, alínea c), 513.º e 514.º, todos do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. ...”.


*

Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões:

“... 1.A douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com o devido respeito, enferma de erro de julgamento, porquanto fez uma errada apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como fez uma errada aplicação e interpretação das normas de direito substantivo, relativamente às circunstâncias concretas do caso.

2. A sentença, ora recorrida, violou o disposto nos arts. artigos 292º, n.º 1 do CP, artigos 120º, n.º 2, al. d), 340º, n.º 1 e 2 e 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP.

3. Com interesse para o objecto do presente recurso foi proferido pelo Tribunal a quo a seguinte decisão:

“ (…)

...

(…)”

4. Em sede de exposições introdutórias, a arguida, conforme resulta da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, requereu as seguintes diligências probatórias:

Adv. Arguida: Constando do talão de teste que a data de verificação do aparelho alcoolímetro é sete de 2024, ou seja Julho de 2024, constando dos autos um certificado referente ao aparelho que o mesmo foi objecto de uma primeira verificação em Julho de 2024, constando de documento junto aos autos que o aparelho em causa foi objecto de despacho da Autoridade nacional de Segurança Rodoviária em 2009. Atendendo às circunstâncias concretas plasmadas na lei e quando existe primeira verificação, o que implica que no caso concreto para ter sido aprovado em 2009 e ser objecto de uma primeira verificação em sete de 2024, o aparelho em causa necessariamente tinha que se encontrar avariado ou violado nos seus selos, podendo padecer do certificado de verificação do aparelho um erro e porque tal tem relevância na quantificação do álcool, porquanto no caso concreto a EMA não será 20% mas sim 30%, requer-se a V/Exa. que seja notificado o IPQ a fim de esclarecer os autos porque razão tal aparelho foi submetido a uma primeira verificação em 15-07-2024 de acordo com as situações plasmadas na lei que fixam essa mesma primeira verificação, a questão apresenta-se pertinente à descoberta da verdade, atendendo ao hiato temporal o que urge saber se padece ou não de erro a menção de primeira verificação e daí extrair-se todas as consequências legais.

5. O Tribunal a quo, após a arguida ter prestado declarações, proferiu despacho a indeferir os meios de prova requeridos pela arguida, em sede de exposições introdutórias.

6. Ora, questão suscitada pela arguida, em sede de exposição introdutória, afigura-se da maior relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo.

7. Pois, a questão de se saber junto do IPQ, se o aparelho/alcoolímetro foi submetido a uma primeira verificação em 15-07-2024,padece ou não de erro a menção de primeira verificação.

8. Tal requerimento da arguida, revelava-se da maior pertinência, porquanto tal aparelho/alcoolímetro utilizado nos autos foi aprovado em 2009 e foi objecto de primeira verificação só em Julho de 2024. O que quer dizer, que atendendo ao hiato temporal decorrido, tal aparelho poderia sempre estar avariado ou até mesmo violado nos seu selos. E que, a ser assim, poderia colocar em causa a prova obtida, pois, podia padecer o certificado de verificação do aparelho um erro, podo assim em causa a quantificação de álcool obtida.

9. Daí que, tal meio de prova requerido pela arguida não deveria, com todo o respeito, ter sido considerado como foi pelo Tribunal a quo como sendo “meramente dilatório”.

10. A arguida requereu determinadas diligências probatórias, as quais se revelavam necessárias para a boa decisão da causa, porquanto #nham que ver com a utilização do alcoolímetro, o qual constitui o aparelho que apresentou o resultado de álcool no sangue ao arguido, mas que o Tribunal a quo entendeu não se revelar necessário, nem relevante para a boa decisão da causa.

11. O que, atendendo ao supra exposto, não se pode aceitar, porquanto tais meios de prova requeridos eram de facto relevantes e essenciais, nos termos do art. 340º do CPP, para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

12. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter determinado que se oficiasse o IPQ, nos moldes requeridos pela arguida, a fim daquele instituto prestar os esclarecimentos solicitados, relativamente ao aparelho alcoolímetro utilizado nos autos.

13. Destarte, o indeferimento do meio de prova requerido pela arguida, constitui uma nulidade, nos termos do art. 120º, n.º 2, al. d) do CPP, a qual desde já se argui para todos os devidos e legais efeitos.

14. Neste conspecto chama-se à colação o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do Proc. 1638/22.0GBABF.E2, disponível em www.dgsi.pt.

15. O Tribunal a quo, em sede de sentença julgou validamente provada a acusação deduzida pelo Ministério Pública, alicerçando-se para tal na confissão livre, integral e sem reservas, sendo que nesse sentido proferiu o seguinte despacho:

“Considero relevante a confissão dos factos pela arguida, a qual foi integral e sem reservas, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 344º do Código de Processo Penal e, em consequência, provados os factos constantes da acusação.

Notifique”

16. O que está em causa nestes autos é um crime de condução sob estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1 do CP.

17. Sendo que, para tal crime a única prova crível é, como se vê, uma prova científica. Ou seja, a prova concreta da taxa de álcool no sangue, obtém-se através de alcoolímetro. É o alcoolímetro que determina o nível de álcool no sangue da pessoa sujeita a tal exame. É, por isso, assim, tal prova obtida uma prova científica.

18. A taxa de álcool no sangue não é um facto que possa ser considerado como um facto susceptível de confissão.

19. Pois, como se referiu in supra, o resultado da taxa de álcool obtém-se por intermédio de um determinado aparelho, um alcoolímetro.

20. Tendo o Tribunal a quo considerado que a arguida, ora recorrente confessou integralmente e sem reservas, os factos pelos quais vinha acusada. E tendo sido a convicção do Tribunal assentado exclusivamente na confissão, livre e espontânea. Tal confissão da arguida, ora recorrente, só pode valer para as quantidades, qualidades e circunstâncias em que a arguida ingeriu bebidas alcoólicas.

21. Porque, quanto à taxa de álcool no sangue (TAS), a mesma resulta não do conhecimento da arguida, ora recorrente, mas antes de um exame feito por um aparelho que acusa um determinado resultado. O que significa, que a confissão do arguido nestes autos não pode abranger tal resultado obtido de TAS.

22. Para o que aqui importa, veja-se o que refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido, a 11-09-2013, no âmbito do Proc. 3/13.5PF e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do Proc. 02-11-2015, disponíveis em www.dgsi.pt.

23. Assim, assunção da taxa de alcoolemia no caso dos presentes autos, foi fundamentada em prova que não permite a sua aquisição, ou seja, de que há erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. c) do CPP.

24. Em face de todo o que se acaba de expor, deve a sentença recorrida ser objecto de sindicância pelo Tribunal a quem e, nessa medida ser revogada, porquanto violou o disposto nos arts. artigos 292º, n.º 1 do CP, artigos 120º, n.º 2, al. d), 340º, n.º 1 e 2 e 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP.

Termos em que e nos melhores de Direito e, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas. deve ser julgado procedente o presente recurso, absolvendo-se a recorrente do crime de condução em estado de embriaguez. ...”.


*

O Exm.º Magistrado do MP respondeu ao recurso, concluindo da seguinte forma:

“... A. A fiscalização da condução sob a influência de álcool decorre nos termos previstos no artigo 153.º do Código da Estrada, segundo o qual “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.”

B. Conforme preceitua o n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, “Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às caraterísticas fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.”

C. Os aparelhos de medição de Taxa de Álcool no Sangue (TAS) estão sujeitos a um controlo metrológico regulamentado, com vista a assegurar o rigor dos resultados da medição, nomeadamente pela Portaria n.º 366/2023, de 15 de novembro.

D. Os controlos metrológicos dos referidos instrumentos compreendem quatro operações: a) a aprovação do modelo; b) primeira verificação; c) verificação periódica; e d) verificação extraordinária.

E. Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 1 da Portaria n.º 366/2023, de 15 de novembro, “a primeira verificação é efetuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, ou após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, tendo o mesmo prazo de validade”.

F. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma “a verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”.

G. A Recorrente vem suscitar a questão de, no certificado do Instituto Português da Qualidade, se mencionar como “primeira verificação” a data de 15-07-2024, pretendendo com isso, colocar em causa a fiabilidade do resultado apresentado pelo talão de alcoolímetro junto aos presentes autos, considerando a data de aprovação do aparelho/alcoolímetro utilizado nos autos.

H. Conforme previsto no artigo 7.º, n.º 1 da Portaria n.º 366/2023,amenção de “primeira verificação” pode resultar da “reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem” do alcoolímetro, sendo que, no caso em apreço, desconhece-se se tal menção se deveu a alguma destas circunstâncias.

I. A menção no certificado do IPQ de “primeira verificação” e o facto de a mesma, eventualmente, se dever às circunstâncias previstas no artigo 7.º, n.º 1 da Portaria n.º 366/2023, de 15 de novembro de “reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem” em nada contende com a fiabilidade do resultado do teste do alcoolímetro, na medida em que o que releva, para tal efeito, é o resultado da avaliação efetuada que, na situação em apreço, corresponde a “Aprovado”.

J. Conforme menciona a sentença recorrida, saber se se trata de “primeira verificação” ou de uma “verificação periódica”, à falta de outros elementos que ponham em causa a fiabilidade e autenticidade do certificado emitido, trata-se de uma questão irrelevante.

K. Tendo a avaliação sido realizada em 15-07-2024, o respetivo certificado do aparelho encontrar-se-ia válido, quando foi emitido o resultado do teste de alcoolémia junto aos presentes autos, atendendo a que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 1 da Portaria n.º 366/2023, de 15 de novembro, a verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização.

L. Mesmo a admitir que o Instituto Português da Qualidade viesse admitir que a menção de “primeira verificação” do aparelho correspondia a um lapso, tratando antes de uma “verificação periódica” tal só por si, sem outros indícios que coloquem em causa a autenticidade de tal certificação, não é possível concluir como faz a Recorrente que “o aparelho poderia sempre estar avariado ou até mesmo violado nos seus selos, e a ser assim, poderia colocar em causa a prova obtida”.

M. Dito por outro modo, qualquer que fosse a resposta do Instituto Português da Qualidade à questão colocada pela Recorrente, tal seria totalmente inconsequente para a prova já produzida nos autos, e por esse motivo, corresponderia a um expediente meramente dilatório.

N. Ao contrário do que a Recorrente alega, a convicção do Tribunal a quo não assentou exclusivamente na confissão integral e sem reservas da arguida, mas da consideração de todos os elementos constantes da prova documental dos autos.

O. Resulta da leitura da sentença oralmente proferida, disponível no sistema de gravação CITIUS, a convicção do Tribunal a quo foi formada não só pela confissão integral e sem reservas da arguida, mas da sua conjugação com a prova documental constante dos autos, nomeadamente o auto de notícia, talão de alcoolémia, e certificado do IPQ.

P. Toda a prova produzida nos presentes autos conduz à conclusão de que a arguida praticou os factos de que vem acusada, não existindo qualquer meio de prova divergente que pudesse abalar a convicção do Tribunal a quo que ficou expressa na sentença recorrida.

Q. O facto de ter sido indeferido o requerimento probatório formulado pela Recorrente em audiência não é suscetível de permitir a conclusão de ter ocorrido um erro notório na apreciação da prova, na medida em que a diligência pretendida pela arguida, no sentido de oficiar o Instituto Português da Qualidade (IPQ), para que esta entidade viesse comunicar se padece ou não de erro, a menção de “primeira verificação” do aparelho, independentemente do resultado que viesse a ser comunicado pelo IPQ, em nada seria suscetível de alterar a convicção do Tribunal.

Por tudo quanto fica exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmada a decisão recorrida. ...”.


*

Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, para além do mais, com o seguinte teor:

“... Relativamente à alegada necessidade de saber se a verificação do alcoolímetro efetuada em julho de 2024 foi uma primeira verificação, ou, antes, uma verificação periódica, diremos, tão só, que, como resulta do art.º 7º.1 da Portaria 1556/2007, sendo a validade de ambas de um ano e, sendo feita a primeira, fica a segunda dispensada nesse ano, é rigorosamente indiferente, para efeitos da validade do resultado, se a verificação do aparelho em causa foi a primeira, a segunda ou a terceira – o que é determinante é que tenha sido feita durante o ano anterior à medição da TAS, como sucedeu no caso em análise.

Decorre do exposto que, pretendendo dela retirar consequências jurídicas que, como se demonstrou, não ocorrem, é forçoso concluir que a informação que a arguida pretendia fosse obtida junto do IPQ era completamente irrelevante e desnecessária, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a diligência de prova requerida, por meramente dilatória, e ao ter como não verificada qualquer nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.

No que respeita à alegação de que a convicção do Tribunal a quo assentou exclusivamente na confissão da arguida apenas cabe dizer de que tal não corresponde à verdade, sendo certo que confessou o exercício da condução depois de ter ingerido bebidas alcoólicas.

Consigna-se que estas mesmas questões foram suscitadas no processo 36/24.6GDSRT.C1, deste mesmo Tribunal, que aguarda a prolação de acórdão.

Assim, por tudo o exposto, também nós somos de parecer que o recurso interposto pela arguida AA dever ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida. ...”.


*

Tratando-se, como se trata, de sentença oral, proferida em processo sumário, atenta a simplicidade da matéria de facto, considerámos dispensável a transcrição da sentença (art.º 101º/5 do CPP ) e não procederemos à reprodução total da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, nem da respectiva fundamentação, limitando-nos a reproduzir os factos e a fundamentação essenciais à decisão da questão suscitada.

*

Assim, a matéria de facto provada relevante, atentas as questões suscitadas, é a seguinte:

1.         No dia 15-10-2024, pelas 23h50, a Arg. conduziu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OD na Estrada Nacional n.º ...41, junto da localidade de ..., ..., o que fazia após ter ingerido bebidas alcoólicas, e apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue não inferior a 2,489 gramas por litro de sangue, não tendo requerido contraprova.

2.         A Arg. conhecia o seu estado e bem sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel na via pública, o que efectivamente fez.

3.         A Arg. agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.


*

O tribunal fundamentou a fixação da matéria de facto na confissão integral e sem reservas da Arg., bem como nos documentos constantes dos autos.

*

A sentença encontra-se fundamentada, quer de facto quer de direito, cumprindo as exigências do art.º 389º-A/1 do CPP.

*

É pacífica a jurisprudência do STJ[2] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[3], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:

I. Nulidade, por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade;

II. Reapreciação da matéria de facto.


*

Cumpre decidir.

I. Entende a Arg. que, tendo sido indeferida a diligência, essencial para a descoberta da verdade, que requereu em sede de julgamento, se verificou a nulidade prevista no art.º 120º/2-d) do CPP.

Pretendia a Arg. que se oficiasse ao IPQ, a fim de esclarecer os autos por que razão o aparelho, utilizado na medição quantitativa da alcoolemia que apresentava, foi submetido a uma primeira verificação em 15-07-2024, sendo o despacho de aprovação do modelo de 26-06-2009.

Só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa, devem ser produzidos, por determinação do tribunal na fase de julgamento, ou a requerimento dos sujeitos processuais, devendo o tribunal indeferir a prova requerida quando a considerar irrelevante, supérflua, inadequada, de obtenção impossível ou duvidosa ou tenha finalidade meramente dilatória (art.ºs 323°/a) e 340º do CPP)[4].

Ora, desde logo, como afirma o MP em ambas as instâncias, tal diligência era irrelevante, uma vez que a verificação referida, independentemente de ser a primeira ou periódica, considerou o aparelho apto, estando assim verificada a conformidade da sua qualidade metrológica.

Depois, porque tal pretensão resulta da incompreensão dos conceitos de “aprovação do modelo” e “primeira verificação”.

Na verdade, por um lado, “... A aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado. ...”[5], portanto, trata-se de uma aprovação genérica de um determinado modelo de aparelho, válida para todos os aparelhos daquele modelo, a serem introduzidos nos 10 anos seguintes[6] ao despacho de aprovação.

Por outro lado, “... A primeira verificação compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou mandatário, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados. ...”,[7] sendo, portanto, a verificação/aprovação daquele aparelho específico.

Não há, pois, nada de estranho na diferença de datas de “aprovação do modelo” e “primeira verificação”, não se justificando qualquer pedido de esclarecimento.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso.


*

II. Parece pretender a Arg. pôr em causa a taxa de alcoolemia dada como provada, alegando, por um lado, existirem dúvidas quanto à fidedignidade do aparelho utilizado e, por outro, que tal taxa foi dada como provada com base, unicamente, na confissão integral e sem reservas.

Na apreciação da questão anterior, já nos pronunciámos quanto à fidedignidade do aparelho utilizado.

Acresce que, contrariamente ao que afirma, o tribunal recorrido deu como provado tal facto com base na confissão e nos documentos juntos aos autos, onde, naturalmente, se inclui o talão do teste feito pelo alcoolímetro.

Ainda que assim não fosse, a confissão integral e sem reservas bastaria para dar como provada a concreta taxa verificada.

Quanto à concreta relevância da confissão, importa, antes do mais, realçar a conduta processual da Recorrente, que, por um lado, renunciou à contraprova e, por outro, tendo confessado integralmente e sem reservas os factos, vem agora questionar o alcance de tal confissão.

Na verdade, entendemos que “Se o arguido se conformou com o exame efectuado por alcoolímetro, não pedindo a contraprova, não pode depois, quando já não é possível essa contraprova, pôr em causa a fiabilidade dos resultados daquele exame.[8].

E também entendemos que a confissão, que é “... o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável ...”, sendo “... eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira. ...” (art.ºs 352º e 353º/1 do CC), como é o caso da Arg., pode abranger a concreta taxa de alcoolémia constante da acusação, porque a lei não limita os factos que podem ser confessados, desde que o tribunal considere que a confissão é livre e fora de qualquer coacção (art.º 344º do CPP)[9].

Considerar que não pode ser confessada a concreta taxa de alcoolémia, corresponde à concessão de uma tutela inaceitavelmente paternalista ao Arg., contra si próprio[10].

Não ignoramos a jurisprudência em sentido contrário[11], mas dela discordamos, justamente, por a considerarmos injustificadamente paternalista para com o Arg., cuja vontade expressa seria assim contrariada.

Posta a validade da prova, não pode deixar de improceder, também nesta parte, o recurso.


*

Não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP.

*****

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos inteiramente a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.


*

Notifique.

D.N..


*****

Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

*****



[1] Arguido/a/s.
[2] Supremo Tribunal de Justiça.
[3]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[4] Nesse sentido, cf. o acórdão da RE de 24/09/2013, relatado por João Gomes de Sousa, no proc. 1.175/10.6TBABF.E1, in www.dgsi.pt, donde citamos: “…De facto, a arguida tem direito à produção de prova. Esse direito está limitado, no entanto, pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (artigos 124º e 340º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal).
Se essa concretização é inútil para os autos, o princípio da necessidade impõe que não se admita. Ou seja, não há um direito absoluto à produção de qualquer prova de forma não controlada.
Como afirma o Prof. Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal - 2º vol., 4ª edição, Lisboa – São Paulo, Verbo, 2008, pág. 134) “a preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas permanece ao longo da história do direito e surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão.
Na fase do julgamento o poder do tribunal de recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela defesa é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória (artigo 340º, nº 3 e 4”).
E há que reconhecer que a arguida não requereu prova que se revelasse necessária. A que requereu demonstrou a sua desnecessidade.
Daqui decorre que se o direito de defesa se pode concretizar no peticionar de produção de um meio de prova, dele não resulta o automatismo descontrolado da sua produção.…”.
[5] Art.º 7º/1 do DL 29/2022, de 07/04.
[6] Art.º 7º/2 do DL 29/2022, de 07/04.
[7] Art.º 8º/1 do DL 29/2022, de 07/04.
[8] Sumário do acórdão da RP de 12-12-2007, relatado por António Gama, no proc. 0744023, in www.dgsi.pt.
[9] Sobre a força probatória da confissão e as suas consequências processuais, veja-se, para além do mais, a seguinte doutrina:
- Sandra Oliveira e Silva e Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do CPP”, Vol. II, 5ª ed., UCP Editora, Junho de 2023, pág. 357, donde citamos: “... A confissão livre, integral e sem reservas, feita na audiência de julgamento, tem eficácia probatória reforçada, se o crime imputado for punível com pena não superior a cinco anos e não houver coarguidos ou, havendo-os, ocorra confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles os factos confessados são dados como provados, passando-se de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção (al. a) e b) do n° 21. Nesse sentido, pode dizer-se que a confissão tem valor de "prova plena" (RUI SOARES PEREIRA, 2014: 199, mas contra, PAULO DE SOUSA MENDES, 2010: 1008-1009). Contudo, a lei não impõe ao juiz uma conclusão valorativa positiva contrária à sua consciência, já que a al.ª b) do n.º 3 submete a decisão sobre o carácter livre da confissão e sobre a veracidade dos factos imputados ao princípio da livre apreciação (GERMANO MARQUES DA SILVA, 2008: 206, e MARIA JOÃO ANTUNES, 2022: 203-204). ...”;
- Maria do Carmo da Silva Dias, in “Comentário Judiciário do CPP”, 2ª ed., Almedina, Setembro de 2023, págs. 474/475, donde citamos: “... § 41 Havendo confissão integral e sem reservas, livre e voluntária, fora de qualquer coação, o juiz que preside à audiência (seja o juiz singular, seja após deliberação do coletivo), ouvindo previamente o MP, o assistente se houver e o advogado ou defensor do arguido, analisa se ocorrem ou não as situações de exceção previstas no art. 344º/3 e, concluindo negativamente, profere despacho sobre a validade da confissão.
§ 42 De seguida, havendo confissão integral e sem reservas dos factos imputados (o que tem por consequência que, na sentença, os mesmos factos venham a ser dados como provados, nos termos do art. 344.º/2), isso implica renúncia à produção de prova da acusação pública ou da acusação particular ou da pronúncia.
§ 43 Caso o arguido não deva ser absolvido por outros motivos (art. 344./2/b), poderá, todavia, ser produzida prova para determinação da sanção (art. 369.°), designadamente, relativa às condições pessoais, profissionais, sociais, de vida do arguido, sobre a sua situação económica e eventual reparação de danos causados.
§ 44 Não havendo outra ou mais prova a produzir, verificando-se confissão integral e sem reservas dos factos imputados, nos termos do art. 344.°/2/b, o juiz que preside à audiência determina a passagem de imediato às alegações orais.
§ 45 Posteriormente, mesmo depois de encerrada a audiência nos termos do art. 361.º/2, tal como salvaguardado no art. 344.º/2/b, poderá vir a ser reaberta a audiência para a determinação da sanção nos termos do art. 371.
§ 46 Quanto às exceções previstas no art. 344.°/3, o legislador teve a preocupação de excluir dos benefícios concedidos no seu n.º 2, as situações em que: a) houvesse coarguidos e em que não se verificasse uma confissão integral, sem reservas e coerente entre todos eles; b) o tribunal, em sua convicção, suspeitasse do caráter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da veracidade dos factos confessados; c) o crime for punível em abstrato com pena de prisão superior a 5 anos. ...”.
[10] Nesse sentido, o acórdão da RL de 26-05-2010, relatado por Carlos Almeida, no proc. 25/09.0PCSVC.L1-3, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “... I – Independentemente da tese que se sustente quanto à questão da aplicação ou não das margens de erro constantes da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, aos valores indicados em cada uma das medições pelos alcoolímetros, o tribunal não pode dar como provada uma taxa diferente da constante da acusação quando o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados pelo Ministério Público, fazendo-o de livre vontade e fora de qualquer coacção, sem que o tribunal tivesse manifestado qualquer reserva quanto a essa confissão. II – Se, nessa altura, o tribunal tivesse tido dúvidas sobre a veracidade dos factos confessados – alínea b) do n.º 3 do artigo 344.º – não teria considerado válida a confissão e teria adoptado o procedimento previsto no n.º 4 desse mesmo preceito. III – O actual Código de Processo Penal, ao conferir ao arguido o estatuto de sujeito processual, reconhece, dentro de certos limites, a livre determinação da sua vontade. IV – A posição processual do arguido enquanto sujeito processual implica uma «recusa terminante do novo Código em conceder, num jeito inaceitavelmente paternalista, (pseudo) tutelas ao arguido contra si próprio ou – o que é dizer o mesmo – contra a livre determinação da sua vontade». ...”.
No mesmo sentido, veja-se, ainda, a seguinte jurisprudência:
- acórdão da RP de 23-04-2008, relatado por Custódio Silva, no proc. 0840644, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “... Se na acusação por crime de condução em estado de embriaguez se imputava ao arguido a taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l, e o arguido na audiência de julgamento confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, com a consequente renúncia à produção da prova relativa a esses factos, o tribunal não pode dar como provada uma taxa de álcool no sangue inferior àquela. ...”;
- acórdão da RP de 28-05-2008, relatado por Manuel Braz, no proc. 0811729, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “... Tendo o arguido confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, designadamente que conduzia com uma determinada taxa de álcool no sangue, não pode o tribunal dar como provado valor diferente daquele que consta do auto de notícia. ...”;
- acórdão da RP de 02-07-2008, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 0813031, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... I - Se o arguido, acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, confessa os factos imputados integralmente e sem reservas, o tribunal, se não puser em causa essa confissão, não pode deixar de dar como provado o valor da alcoolemia constante da acusação. ...”;
- acórdão do STJ de 14-07-201, relatado por Raul Borges, no proc. 408/08.3PRLSB.L2.S1, inwww.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... III -Em audiência de julgamento, o arguido confessou os factos que lhe são imputados, com o que aceitou a tese da acusação, aderindo ao seu teor, largando mão da estratégia de defesa delineada e levada a julgamento, assumindo a intenção de matar, ideia matriz contida no libelo, sendo certo que a intenção do agente é matéria de facto, encontrando-se, por isso, subtraída aos poderes de cognição do STJ. IV -Sendo a matéria de facto (incluída a intenção de matar), fixada a partir da confissão do arguido dirigida à tese da acusação, não se vê como depois se possa pretender impugnar a matéria de facto dada como provada, quando justamente o assentamento da facticidade se deveu a contributo decisivo do arguido (na medida em que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação). Pretender agora discutir a matéria de facto quando se contribuiu para a fixação de forma livre, sem reservas e com a consequência de a acusação prescindir de produzir prova, constitui, de certo modo, um venire contra factum proprium, embora sem sintonizar a atitude na figura prevista no art. 334.º do CC. ...”;
- acórdão da RL de 27-01-2011, relatado por Cid Geraldo, no proc. 282/10.0GAMFR.L1-9, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... Vº Estando o arguido acusado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com imputação de determinada taxa de álcool no sangue, tendo o mesmo confessado em audiência os factos, integralmente e sem reservas, não pode o tribunal dar como provada uma taxa de álcool no sangue inferir à imputada na acusação ...”;
- acórdão da RC de 26-04-2023, relatado por Cristina Branco, no proc. 13/20.6GHCVL.C1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... Por outro lado, a decisão do Tribunal sobre o carácter livre, integral e sem reservas da confissão é susceptível de impugnação por via de recurso (cf. art. 399.º do CPP).
A recorrente, repetimos, presente na audiência de julgamento e acompanhada da sua Ilustre mandatária, não arguiu qualquer nulidade ou irregularidade e não impugnou o despacho em que o Tribunal declarou ter ocorrido confissão integral e sem reservas, perante a qual foi prescindida pelo MP e dispensada pelo Tribunal a produção de prova da acusação, nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 344.ºdo CPP.
Ora, de acordo com o disposto no art. 99.º do CPP, a acta da audiência de discussão e julgamento é o auto destinado a fazer fé quanto aos termos que a mesma se desenrolou, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante quem o redige, contendo ainda, além do mais, a indicação de todas as provas produzidas ou aí examinadas (cf. art. 362.º do CPP).
Como documento autêntico que é (cf. arts. 169.º do CPP e 363.º, n.º 2, do CC), a acta faz prova plena dos factos materiais que lhe cumpre certificar, concretamente, faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo tribunal, assim como dos factos que nela são atestados com base nas percepções do juiz. Já os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador (cf. arts. 99.º, n.º 4 e 169.º, do CPP, e 369.º e 371.º, ambos do CC).
Não tendo sido impugnadas as decisões nela vertidas nem arguida a sua falsidade, a acta da audiência a que vimos aludindo tem a força probatória acabada de enunciar.
Tendo a confissão livre, integral e sem reservas da arguida, como meio de prova, sido percepcionada pelo Tribunal na audiência e mandada exarar em acta, essa confissão constitui um facto inelutavelmente provado, mesmo que ausente do segmento da sentença recorrida onde foram arrumados os “Factos Provados”[2].
Sobre este meio de prova escreveu Marques Ferreira[3]:
«3.2. Durante a audiência de discussão e julgamento a confissão reassume a importância de “rainha das provas”.
3.2.1 Se o crime for punível com pena de prisão não superior a três anos, se se tratar de um só arguido e este declarar que confessa e que o faz de livre vontade, sem coacção e de forma integral e sem reservas o tribunal ouvi-lo-á em declarações ou procederá a outras diligências que julgue necessárias para apreciar a declaração confessória.
Findas estas, ou o tribunal suspeita do carácter livre da confissão ou da veracidade dos factos confessados (artº 344º, nº 1 e nº 3 al. b) e o valor probatório desta será livremente fixado pelo tribunal em conjunto com os demais meios de prova que vierem a ser produzidos.
Ou inexistem os motivos enumerados na alínea b) do nº 3 do artº 344º e o tribunal fica colocado perante uma “confissão integral e sem reservas” com o valor probatório da prova legal pleníssima por não se admitir qualquer produção de prova subsequente e os factos constantes do acto confessório deverem considerar-se provados».
Assim, ao confessar integralmente os factos, a arguida aceita o teor da pronúncia e que sejam dados como provados todos os factos nela constantes, em conformidade com o teor da al. a) do n.º 2 do art. 344.º do CPP.
Dito de outro modo, sendo sem reservas, a confissão não admite condições ou alterações aos factos admitidos, tal como constam da acusação ou da pronúncia.
Não pode, por isso a recorrente vir agora, em sede de recurso, pôr em causa a matéria de facto fixada em consonância com o que constava da pronúncia, como se não tivesse efectuado uma confissão integral e sem reservas, quando não impugnou, no momento próprio, o despacho que assim o considerou nem a fidedignidade da acta.
Como certeiramente se refere no Acórdão do STJ de 14-07-2010[4], «Sendo a matéria de facto (…) fixada a partir da confissão do arguido dirigida à tese da acusação, não se vê como depois se possa pretender impugnar a matéria de facto dada por provada, quando justamente o assentamento da facticidade se deveu a contributo decisivo do arguido (na medida em que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação).
(…) Pretender agora discutir a matéria de facto quando se contribuiu para a sua fixação de forma livre, sem reservas e com a consequência de a acusação prescindir de produzir prova, constitui de certo modo um venire contra factum proprium, embora sem sintonizar necessariamente a atitude na figura prevista no artigo 334.º do Código Civil.» ...”;
- acórdão da RC de 11-12-2024, relatado por Maria José Matos, no proc. 197/24.4GCLRA.C1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “... I - Resulta do artigo 125.º do C.P.P. que são permitidos, por regra, todos os meios de prova que não atentem contra a dignidade da pessoa humana, nem contra os princípios penalmente relevantes. II - Um dos meios de prova admitidos por lei reside nas declarações do arguido. III - A confissão livre, integral e sem reservas faz prova plena dos factos, sem necessidade de corroboração por outro meio de prova, determina a consideração dos factos imputados como provados, não se admitindo qualquer alteração, revisão ou condição dessa factualidade. IV - Pode ser impugnada por via de recurso a decisão judicial acerca do carácter livre, integral e sem reservas da confissão feita pelo arguido, mas não o pode ser a consideração como provados dos factos confessados, seja a que título for, nomeadamente com a invocação de eventuais causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. V - A pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal não tolhe qualquer garantia constitucionalmente garantida no artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa. ...”;
[11] Nesse sentido, ainda que com variantes, vejam-se, para além doutros, os seguintes acórdãos:
- da RP de 26-11-2008, relatado por Maria Leonor Esteves, no proc. 0812537, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... Em conclusão, diremos que a confissão (livre, integral e sem reservas) feita pelo arguido só tem pleno valor probatório relativamente a factos dos quais ele tenha/possa ter conhecimento; não tendo ele capacidade para saber qual a TAS de que era portador, mas apenas aquela que tinha acusado quando foi submetido ao teste de alcoolemia, o tribunal, ao aceitar a confissão, só está vinculado, por força do disposto na al. a) do nº 2 do art. 344º, a considerar como provado que o arguido acusou a TAS que ele admitiu ter acusado; logo, a confissão feita pelo arguido, só por si, não obstava a que o tribunal desse como provado que ele era portador de um valor de TAS diferente daquele que constava da acusação (e que foi admitido ter sido aquele que foi acusado). ...”;
- da RC de 04-02-2009, relatado por Fernando Ventura, no proc. 264/08.1GASEI.C1, com o seguinte sumário: “... I. - Enquanto afirmação de uma realidade, a declaração confessória envolve a representação intelectual do facto cuja verdade se reconhece, estruturando-se como uma declaração de ciência e de verdade, feita necessariamente a partir da cognição do declarante e não da de terceiros. II. – Ainda que sendo possível, a uma pessoa, reconhecer ter ingerido uma quantidade de bebida que supõe ser superior aquela que é permitida por lei não é possível afirmar que existiu confissão integral e sem reservas, mas sim uma confissão parcial, por a declaração se dever circunscrever à ingestão de bebidas alcoólicas e não ao seu quantitativo exacto. III. - O legislador estradal procurou atingir na fiscalização da condução sob a influência de álcool garantias de respeito pela verdade e fê-lo através da estipulação da possibilidade de solicitação de contraprova, seja através de análise ao sangue, seja através de novo exame, repetindo a análise do ar expirado. IV. – Ocorre erro notório na apreciação da prova “quando em operação de fiscalização de condutor para detecção de nível de alcoolemia no sangue, não seja levantada por ele qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último nem requerida contraprova, inexiste qualquer fundamento técnico-científico ou jurídico para a aplicação de qualquer margem de erro à taxa de alcoolemia detectada” - Acórdão da Relação de Guimarães de 11/06/2008. ...”;
- da RP de 05-01-2011, relatado por Castela Rio, no proc. 397/06.9GTAVR.P1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “... I - Ao valor da taxa de álcool no sangue registado pelo alcoolímetro deve deduzir-se o valor da respectiva margem de erro admissível. II - A isso não obsta a confissão integral e sem reservas do arguido na audiência. ...”;
- da RC de 04-05-2011, relatado por Brízida Martins, no proc. 332/10.0GCPBL.C1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... 1 – Sendo a taxa de alcoolémia determinável pelo alcoolímetro ou por meio de análise ao sangue, a confissão do arguido, feita na audiência de julgamento, não pode abranger tal taxa, pois falta-lhe, para o efeito, razão de ciência. ...”;
- da RP de 06-03-2024, relatado por Castela Rio, no proc. 222/23.3PAVLG.P1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... VI - A confissão é uma «declaração de ciência» mercê do reconhecimento pelo confitente, aqui Arguido, da realidade de facto/s que lhe é/são desfavorável/is, já que só pode ter por objecto «factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova» ut art 128-1 do CPP aplicável a Arguido em virtude da remissão expressa do art 140-2 do CPP. VII - Como a confissão não é uma «declaração de vontade», não pode ter por objecto a concreta TAS > 1,2 g/l inserta em ticket ou talão export pelo «analisador quantitativo» ou no «relatório de modelo aprovado em regulamentação» contendo o «resultado obtido» no «exame laboratorial» ut art 6-3 no «Regulamento de Fiscalização...» anexo da Lei 18/2007 de 17-5. VIII - Mercê da conjugação da regra de «Direito Probatório material» in art 354-a-I do CC, com arts 2-1 e 4-1 e 7-1 do «Regulamento de Fiscalização...» anexo da Lei 18/2007, com o art 128-1 do CPP, padece de «ineficácia substancial» a «declaração processual penal» em ACTA de Audiência de Julgamento que consigne que a confissão penal processual penal operante, nos termos e para os efeitos do art 344-1-2-a-b -c do CPP, inclui a concreta TAS > 1,2 g/l . IX - A Ordem Jurídica tem de precludir o risco inadmissível da Decisão Final se fundamentar em confissão de factos não verdadeiros ou cuja realidade o Arguido pode não ter a capacidade de afirmar por ultrapassarem o que pode apreender: que o objecto da vontade executada livre, consciente e deliberadamente pelo agente de seus actos de condução após ingestão de alimentos alcoólicos também abranja a TAS concretamente export pelo analisador quantitativo ...”.