AQUISIÇÃO DA POSSE
USUCAPIÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
Sumário

I - Um dos modos de aquisição da posse é o apossamento, previsto no art. 1263.º a) CC.
II - Tendo os AA. demonstrado a prática de atos materiais, reiterados e públicos correspondentes ao exercício do direito de propriedade (e sendo que o animus possidendi se presume – art. 1252.º/2), adquirem a propriedade originária, por usucapião, de imóvel registado em nome de outrem se tal situação possessória, não registada, decorrer durante 20 anos, sendo a posse de má-fé, ou durante 15 anos, se for de boa-fé (art. 1269.º CC).

Texto Integral

Processo: 4051/21.3T8AVR.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

AUTORES: AA, entretanto falecido e habilitado pelo cônjuge sobrevivo, BB, e pela filha, CC, residentes na Rua ..., n.º ... – 2.º Esq., ..., Aveiro.

RÉUS: DD, residente em ..., ..., ..., ..., ..., ..., Estado ..., ..., Venezuela, e a então mulher, EE, residente na Rua ..., ..., ....

Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. se reconheça terem adquirido por usucapião a fração autónoma, para habitação, designada pela letra “K”, correspondente ao segundo andar esquerdo e garagem na cave do corpo sul do prédio sito na Rua ... e Urbanização ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ..., sendo os RR. condenados a reconhecê-lo.

Para tanto alegaram que, tendo sido emigrantes na Venezuela, assim como o filho e nora (e irmão e cunhada, respetivamente), aqui RR., os primitivos AA. decidiram comprar um apartamento em Aveiro, para si, tendo efetuado contrato de promessa de compra e venda com a vendedora e entregue o sinal devido. Necessitando de recorrer a crédito bancário, perceberam os AA. que, por terem menos de 35 anos na época e também serem emigrantes, o seu filho e nora, aqui RR., obteriam condições de crédito muito mais vantajosas do que os AA., razão pela qual a compra ficou titulada em nome dos demandados, tendo os AA. arcado com todas as despesas, designadamente com amortização do empréstimo bancário e impostos. Os RR. ficaram de transferir depois a propriedade para os primitivos AA., o que não fizeram. Certo é que, desde 1997 e, depois, com o seu regresso definitivo a Portugal, em 2002, os AA. sempre estiveram na posse pacífica, continuada e pública do apartamento, aí vivendo e recebendo amigos e família e pagando todos os correspondentes encargos, convencidos de que o imóvel era coisa sua. Invocam, por isso, a aquisição por usucapião.

Contestou a Ré, impugnando os factos vertidos na pi, afirmando que o pretendido pelos AA. era doar o apartamento ao filho e nora, reservando para si o usufruto do imóvel, embora tal não tenha ficado consignado nos documentos relativos à aquisição da fração.

Exercendo contraditório, afirmam os AA. nunca ter sido essa a sua intenção até porque tinham outra filha que não poderia ficar desfavorecida relativamente ao irmão, ora R.

Tendo sido efetuado julgamento, foi proferida sentença, datada de 1.8.2024, a qual julgou a ação procedente, reconhecendo os AA. como donos do imóvel.

Desta sentença recorre a Ré, visando a sua revogação e a improcedência da ação, argumentando o seguinte em conclusões:

1. Estriba a Recorrente a sua dissensão com o aresto impugnado nos seguintes pontos axiais:

a) erro de julgamento assente em desacertada interpretação dos factos, gerador da violação de lei substantiva;

b) errada subsunção do direito aplicável.

2. Comecemos por referir que não há qualquer dúvida que a versão dos factos vertida nos autos pelos Autores alude a um pretenso acordo simulatório com os Réus relativo à compra e venda da fracção identificada no n.º 3 dos factos provados, com o intuito de aqueles beneficiarem do empréstimo de poupança-emigrante que os não contemplava, dada a sua idade, desse modo enganando, não apenas a entidade mutuante do empréstimo (quanto a juros), como o próprio Estado Português (quanto a impostos).

3. E quanto a isso, a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, já que dá como provados uns factos (acordo simulatório) cuja prova por confissão (do Réu DD) é ineficaz e não admitida por lei (testemunho de FF), outros que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida não podem ser dados como verificados, e outros ainda que são contraditados por documentos juntos aos autos. Na verdade,

4. Encontrando-se ambos os Réus em litisconsórcio necessário natural, é ineficaz a parte da confissão realizada pelo Réu em que este refere «que os seus pais, quando decidiram vir viver definitivamente para Portugal, decidiram adquirir um apartamento e pediram aos ora Réus que figurassem como compradores e mutuários na escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, por as taxas de juro serem mais baixas para emigrantes jovens», não produzindo qualquer efeito enquanto tal relativamente aos factos que fundamentam a procedência da pretensão dos Autores.

5. É certo, que o depoimento de parte prestado por um dos litisconsortes que se revele não possuir a virtualidade de servir como confissão, ainda que reduzido a escrito no momento em que é prestado, pode ser livremente apreciado pelo julgador, no momento da apreciação de toda a prova produzida para a, ou na, formação do seu juízo conviccional. Porém,

6. No caso dos autos o depoimento do Réu DD não é susceptível dessa livre valoração do tribunal, tendo em conta que os Réus intervêm nos presentes autos em litisconsórcio necessário, e o acordo simulatório alegado pelos Autores foi oportunamente impugnado pela Ré EE, que na contestação apresentada impugnou tal factualidade aduzida pelos Autores para fundarem a sua pretensão, ficando desde logo essa factualidade controvertida, e não assente.

7. Neste conspecto, dada a ineficácia da confissão do Réu quanto ao acordo simulatório, e ficando colocado perante a coexistência de declarações opostas do Réu DD e da Ré EE, relativas à verificação ou não de acordo simulatório na outorga da escritura de aquisição da fracção em causa, não poderia o tribunal a quo deixar resolver tal dúvida em sentido desfavorável aos Autores, parte a quem tais factos aproveitam, como se prevê e dispõe no artigo 414.º do CPC.

8. Efectivamente, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto - não formando o julgador convicção suficientemente segura/consistente da verificação de um facto, não pode o mesmo ser considerado provado, antes tendo de ser levado ao elenco dos factos não provados; é com base na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto ou erro do segmento decisório impugnado.

9. Para além disso, e ainda quanto ao acordo simulatório, o tribunal a quo valorou também o depoimento da testemunha FF, considerando-o essencial para a convicção positiva em matéria de acordo simulatório.

10. Efectivamente, consta da motivação da decisão recorrida que a testemunha FF disse ter «acompanhado este negócio desde o início e até à celebração da escritura de compra e venda. A compra da fração foi negociada na Venezuela. O pai da testemunha tinha muitos clientes emigrantes neste país e deslocava-se lá para vender os imóveis que as suas empresas construíam.» depoimento que o tribunal a quo considera essencial à convicção positiva em matéria de acordo simulatório.

11. Ocorre que esta opção que o tribunal a quo tomou - de admitir a prova testemunhal nesta matéria – contraria aquela que vem sendo a jurisprudência dos tribunais superiores que embora considerando que tal proibição não é absoluta, entende que há que interpretar-se cum grano salis o disposto no artigo 394.º, n.ºs 1 e 2 do CC, na dimensão normativa aqui relevante, pugnando pela «admissibilidade da prova testemunhal corroborante», isto é, desde que assente em «base documental que constitua começo/princípio de prova» (prova documental indiciária bastante no sentido desse acordo).» – cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação Coimbra de 15.11.2016, processo n.º 394/11.2TBNZR.C1, disponível em www.dgsi.pt.

12. Ora, no caso dos autos, inexistem quaisquer documentos que, de per se ou conjugadamente com outros, revelem aparência de prova acerca de qualquer simulação na escritura de compra e venda da fracção em causa.

13. Assim, deve ter-se por legalmente inadmissível a prova testemunhal do acordo simulatório assente no depoimento da testemunha FF na parte em que a mesma refere que «O A. e o pai da testemunha disseram que a intenção era obter estes benefícios» ou seja, «pagar menos sisa e pagar juros mais baixos nos empréstimos.»

14. Pelo que, apesar de produzida, sendo ineficaz a confissão do Réu e proibido a prova da testemunha FF, o tribunal a quo devia ter ignorando estas provas, não podendo aproveitá-las nem utilizá-las para qualquer outro fim processual, uma vez que é como se as mesmas não existissem.

15. A partir dos elementos do processado resulta que o depoimento testemunhal da testemunha FF teve influência muito relevante, senão mesmo determinante, na prolação da sentença do tribunal a quo. Na verdade,

16. Consta também da motivação da decisão recorrida que a testemunha FF disse ter «acompanhado este negócio desde o início e até à celebração da escritura de compra e venda. A compra da fração foi negociada na Venezuela. O pai da testemunha tinha muitos clientes emigrantes neste país e deslocava-se lá para vender os imóveis que as suas empresas construíam.»

17. Acontece que o aquilo que os Autores alegam nos artigos 3. e 5. da sua PI, e que é contrário àquilo que a testemunha FF disse, é que «Acordaram com a sociedade "A..., Limitada", NIPC ..., então com sede na Rua ..., ..., em Aveiro, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra "K", que escolheram (...)» e que o Autor «marido negociou com o gerente daquela sociedade, GG, o preço da compra e venda e prazos e condições do seu pagamento, bem como a data-limite para a celebração do negócio.»

18. Consta ainda da motivação que a testemunha FF disse que o Autor «mostrou interesse na fração e fez a entrega do sinal» pormenorizando no depoimento prestado que o sinal foi pago através de um «cheque em dólares».

19. Acontece que aquilo que os Autores alegam no artigo 7.º da sua PI e que também é contrário àquilo que a testemunha FF disse, é que «pagaram a expensas suas e através de cheque subscrito pelo marido um sinal de Esc. 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) à sociedade vendedora — cfr. Doc. no 2 que se junta e dá por reproduzido.» o qual está junto a fls. 15 dos autos.

20. Ora, é das regras da lógica e da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas que não se negoceia a compra um apartamento, pagando o respectivo sinal, à distância, sem ver «in loco», a obra em si, tomando conhecimento da qualidade da respectiva construção e acabamentos.

21. Aqui chegados, o que se retira é que a versão da «negociação da fracção na Venezuela» e do pagamento do sinal «em dólares» que a testemunha FF introduziu na audiência com a intenção de credibilizar o seu depoimento, é um evidente «tiro ao lado», não só porque tais factos, para além de não terem sido alegados pelos Autores, também não foram corroborados no depoimento da testemunha HH que declarou foi que «Quando o A. lhe disse que estava a pensar comprar casa em Aveiro a testemunha informou-o dos sítios onde havia prédios a surgir.»

22. É por isso puramente arbitrária a apreciação da prova pelo tribunal a quo que aceita como credível para sustentar a usucapião pretendida pelos Autores o depoimento da testemunha FF na parte em que esta testemunha alude a contornos do negócio que os Autores nem sequer alegaram (compra da fracção negociada na Venezuela) ou alegaram de modo distinto (pagamento do sinal em dólares), e já não considere credíveis e bastantes para criar a dúvida quanto à pretensão dos Autores, os depoimentos das testemunhas II, JJ, KK, LL e MM.

23. Arbitrária ainda a apreciação da prova pelo tribunal a quo que zelosamente, considera estranho que as testemunhas II, JJ, KK, LL e MM «se recordem tão bem de uma simples conversa, que nenhum interesse tem para os mesmos, passados tantos anos.» leia-se há 6 ou 7 anos atrás, mas já não considere estranho que a testemunha FF recorde conversas com o pai e com o Autor AA por altura da negociação da fracção, leia-se em 1997;

24. A propósito da «estranheza» que o tribunal a quo tão ciosamente apurou em relação a conversas que as testemunhas JJ, KK, LL e MM recordam tão bem apesar de mantidas há meia dúzia de anos, interessaria também entender porque não achou o tribunal a quo «estranho» o facto de só 15 anos depois do pagamento do empréstimo, os Autores se terem lembrado de «reclamar» a propriedade do imóvel com a interposição desta acção, reclamação esta que em termos de relação familiar, coincide exactamente com a altura da separação e posterior divórcio dos Réus!

25. Neste caso, o que as regras da lógica e da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas demandam, é que se tivessem sido os Autores os adquirentes substantivos do imóvel, não aguardariam todo esse tempo (desde Julho de 2007 a Dezembro de 2021!) para «reclamar» o direito de propriedade sobre a fracção.

26. Tê-lo-iam feito, naturalmente, logo a partir de Julho 2007, altura em que o empréstimo ficou integralmente pago, não relegando essa reclamação exactamente para uma altura em que as relações com a Ré EE começaram a esfriar na sequência da separação e posterior divórcio dos Réus.

27. Do depoimento do Réu também não se extraem quaisquer circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os Réus se tenham comprometido a transferirem para os Autores a titularidade do imóvel, como também não se extrai que alguma vez os Autores tenham, eles próprios, solicitado aos Réus que estes transferissem para si a titularidade da fracção.

28. No depoimento prestado, alude o Réu DD a uma alegada conversa com a Ré EE sobre a «passagem» do apartamento para os Autores, inda antes da separação de ambos, sem precisar no tempo essa alegada conversa.

29. Trata-se, naturalmente, de uma declaração sem qualquer suporte, uma vez que se a dita pretensão de «passagem» do apartamento para os Autores tivesse ocorrido, certamente que o Réu teria incluído poderes para esse efeito na procuração que impôs que a Ré outorgasse a seu favor como condição para a concessão da autorização de viagem para o filho menor do casal poder viajar com a mãe, a aqui Ré, num voo de carácter humanitário e repatriamento para Portugal, procuração essa junta à contestação como doc. n.º 4.

30. É inafastável que a conduta dos Autores (no confronto dos Réus) é contraditória com as condutas anteriores e, e para sermos mais exactos, o que perpassa na presente lide, é uma contradição comportamental dos Autores, que entre 1997 e 2021 nada fizeram para chamar a si a titularidade do imóvel, tendo, a partir da separação e posterior divórcio dos Réus, proposto a presente acção, sem sequer alegarem, porque inexistentes, quaisquer factos significantes de que, nesse lapso de tempo, alguma coisa tenham feito no sentido de converterem sua a titularidade que pertence aos Réus, o que, por si só, configura a existência de abuso de direito.

31. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada e não provada.

32. O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, sendo antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem.

33. Existe contradição entre os factos não provados e a motivação da matéria de facto quando se refere que a testemunha NN disse que se falava no meio familiar que o apartamento era dos Réus; a mãe foi assistir ao nascimento 1.º neto e contou que o Autor AA dissera que tinha comprado um apartamento para os Réus; acompanhou os Réus a visitar dois apartamentos para dar assistência técnica; o apartamento era um incentivo para os Réus virem viver para Portugal; os Réus estavam a prever regressar a Portugal mais tarde. A testemunha II disse nunca ter estado dentro do apartamento e que em Outubro de 2000, depois da morte do seu pai, a Autora foi visitar a mãe da testemunha e disse-lhe que estavam a pensar em regressar, que tinham comprado a fundição e iam ficar no apartamento dos Réus; pensa que a ideia era ficarem lá uns tempos até se orientarem. A testemunha JJ, disse que há uns 6/7 anos os Réus foram almoçar a sua (da testemunha) casa e a Ré queixou-se que na Venezuela havia escassez de artigos e que o Réu disse que não podiam deixar a empresa na Venezuela apesar de terem cá um apartamento. Não conhece o apartamento. A testemunha KK disse que os seus pais e os da Ré são muito bons amigos e que em 2014, na Venezuela (a testemunha entretanto veio embora pois foi sequestrado), o Réus disse-lhe que tinha um apartamento em Aveiro. Nunca foi ao apartamento. As testemunhas LL e MM, disseram que há uns 7/8 anos, na Venezuela, o seu pai perguntou aos Réus se estes estavam a pensar vir para Portugal, tendo estes respondido que não tinham nada planeado, mas que se acontecesse alguma coisa tinham um apartamento em Aveiro, e depois dá-se como provado que os Autores decidiram adquirir um apartamento situado em Aveiro, para si próprios, com o argumento de que, «Conjugada toda a prova pareceu-nos mais credível a prova apresentada pelos AA.» porque «é estranho que o apartamento tenha sido oferecido aos RR. com a intenção de os convencer a regressar a Portugal» e por ser «pouco credível, em nosso entender (que as testemunhas II, JJ, KK, LL e MM), se recordem tão bem de uma simples conversa, que nenhum interesse tem para os mesmos, passados tantos anos», há clamoroso erro de julgamento.

34. No caso dos autos, está dentro dos parâmetros da normalidade, que nas conversas que a testemunha OO manteve com o Autor (no centro comercial B..., em Aveiro) e que a testemunha II e mãe mantiveram com a Autora (em ...), tenha sido referido que viviam num apartamento em Aveiro que tinham comprado para o filho, o aqui Réu DD, facto este do qual estas testemunhas tomaram conhecimento ainda que não conheçam o dito apartamento.

35. Está igualmente dentro dos mesmos parâmetros da normalidade, que nas conversas que as testemunhas JJ (em casa deste, em Vila Nova de Gaia), KK, LL e MM (conversas estas na Venezuela) mantiveram com os Réus, tenha sido referido que os pais do Réu (aqui Autores) lhe tenham comprado e oferecido um apartamento, facto este do qual estas testemunhas tomaram conhecimento ainda que não conheçam o dito apartamento;

36. O tribunal a quo não motiva a desconsideração do depoimento da testemunha OO, como também não motiva a desvalorização do depoimento e declarações da Ré EE e dos depoimentos das testemunhas NN, II, JJ, KK, LL e MM;

37. O tribunal a quo também não motiva a valorização e credibilidade dos depoimentos do Réu DD e das testemunhas FF e HH, o que configura clamoroso erro de julgamento.

38. Erro de julgamento que ocorreu porquanto o tribunal a quo não atentou devidamente na prova produzida em audiência de julgamento, não apreciando devidamente os depoimentos, de parte e das testemunhas de acordo com as regras da experiência comum e em inúmeros documentos juntos aos autos, e/ou não os apreciou devidamente, não tendo em conta a globalidade das declarações prestadas.

39. E como tal, existem factos dados como provados que o não deveriam ser, ou a sê-lo deveriam em termos diversos, outros que deveriam ter sido dados como provados e não o foram, havendo por isso que alterar, em conformidade, a decisão facto e de direito recorrida.

40. Neste contexto, e considerando os depoimentos das testemunhas II, JJ, KK, LL e MM verifica-se que os mesmos, reportando-se a momentos espácio-temporais diversos vivenciados em primeira pessoa por cada um dos depoentes e convergindo no reconhecimento, pelos Autores (perante as testemunhas OO e II) e pelos próprios Réus (perante as testemunhas JJ, KK, LL e MM) quanto à propriedade da fracção por parte dos Réus, não suscitam dúvidas sobre a ocorrência dos factos transmitidos ao tribunal a quo pelas ditas testemunhas de modo sério, idóneo e congruente.

41. No caso dos autos, a entorse do exame crítico da prova resume-se a que o tribunal a quo dê realce a factos alegadamente conducentes à posse dos Autores, mas ostensivamente ignore todos os factos que evidenciam a precariedade dessa posse.

42. Entorse essa que se encontra espelhada no facto de o tribunal a quo ter, quanto ao acordo simulatório em que funda o início da possa dos Autores, acolhido prova proibida, quer pela ineficácia da confissão do Réu, quer pela inadmissibilidade legal do testemunho de FF.

43. São os próprios Autores que nos artigos 38. 39, 40. e 41. da sua douta PI alegam que:

a) «Criadas todas as condições de habitabilidade, ainda no decurso do ano de 1997 os autores passaram a residir, sempre que se encontravam em Portugal, onde todos os anos permaneciam períodos superiores a um mês, na acima identificada fracção.

b) Em Janeiro ou Fevereiro de 2002 os impetrantes regressaram definitivamente ao país de origem, tendo passado a residir de forma permanente e contínua no mesmo apartamento,

c) Na qual desde então e até ao presente pernoitam e tomam as refeições diária e ininterruptamente,

d) Nela recebendo regularmente os seus amigos e familiares»

44. Ou seja, são os próprios Autores que alegam que só a partir de Janeiro ou Fevereiro de 2002 é que a sua posse da fracção (que em resultado da prova produzida se apurou ser a título precário), passou a ser pública e conhecida dos demais.

45. Relativamente à garagem não resulta provada a prática reiterada e com publicidade, por banda dos Autores, sequer a partir de 2002, de quaisquer actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade da mesma, sendo que o vocábulo «garagem» em momento algum da audiência foi pronunciado, fosse pelos Réus fosse pelas testemunhas!

46. Quanto à data a partir da qual os Autores passaram a residir no imóvel, o que disse a testemunha FF e se alcança da passagem gravada no sistema H@bilus Média Studio no dia 22.01.2024, aos minutos e segundos 00:06:35-00:06:44 foi que «a partir, não sei precisar muito, mas a partir de 2000 e qualquer coisa estava mais, frequente, anualmente estavam cá.», tendo a testemunha HH referido, que os Autores «regressaram da Venezuela em 2000/2001/2002. Fixaram a residência num apartamento que tinham comprado na ..., junto à Pastelaria C....» e a testemunha PP dito ser «vizinho dos AA., mora em frente aos mesmos. A testemunha mora no seu apartamento há 20 e poucos anos. Os AA. ou já lá estavam ou estavam prestes a mudar-se.» como se alcança da motivação do n.º 28 dos factos provados.

47. Assim, avaliada criticamente a prova, devidamente expurgada da prova produzida (por confissão e testemunhal) quanto ao acordo simulatório, o que se verifica desde logo é que a parte da confissão do Réu DD que nos autos adquire força probatória plena é a de que «Desde inícios de 2002 que os Autores passaram a morar definitivamente na referida fracção».

48. Ora, ainda que precária, a posse dos Autores inicia-se em Janeiro de 2002, tendo a acção sido proposta em 2.12.2021;

49. O mesmo é dizer que, caso não fosse precária, à data da propositura da acção não estavam decorridos 20 anos desde o início da posse dos Autores em Janeiro/Fevereiro de 2002 o que, e desde logo, determina o naufrágio da pretensão dos Autores.

50. Sem detrimento, na motivação expendida na sentença recorrida foi absolutamente ignorada parte substancial da vasta documentação junta aos autos pela Ré EE, a qual confere precariedade à posse dos Autores.

51. Desde logo, o n.º Três da Cláusula Primeira do contrato de mútuo que é o documento complementar da escritura de compra e venda (cfr. fls. 20 v.º dos autos) que os próprios Autores juntaram aos autos, tem o seguinte teor:

«A fracção a que se refere o número antecedente destina-se à habitação própria dos "MUTUÁRIOS", ou seja dos Réus, nenhum outro uso lhe podendo ser dado sem autorização escrita do "BANCO"».

52. O mesmo se diga quanto à acta da primeira assembleia de condomínio, realizada em 30.09.1998 e que está a fls. 279, da qual consta o seguinte:

«(...)

Compareceram na reunião aludida os seguintes condóminos, a saber: (...) DD, titular da fracção "K" com a permilagem de 0,0765, representado por GG; PP, titular da fracção "L" com a permilagem de 0,0644; (...) GG, titular da fracção "N", com a permilagem de 0,0816 e "A..., Ld.ª, representada pelo seu sócio-gerente, dito GG, titular da fracção "O" com a permilagem de 0,0077.

53. Muito embora estejamos perante uma acta livremente ponderável, a regra da experiência comum não permite que o tribunal a quo ignore que a mesma está assinada, não apenas pelos indicados PP e GG mas também pelos demais condóminos (à excepção do condómino da fracção "G"), o que permite concluir que desde 30.09.1998, data da realização da primeira assembleia do condomínio do Edifício ..., é o Réu DD que consta identificado nas respectivas actas como proprietário e condómino da fracção "K" do referido imóvel, facto do qual, logo nessa data, tomaram conhecimento todos os condóminos (à excepção do condómino da fracção "G"), entre os quais a testemunha PP e GG, sócio-gerente da empresa A..., Ld.ª, que um ano antes, em 11.07.1997, representou esta empresa como vendedora da fracção aos Réus — cfr. doc. de fls. 17 e n.º 6 dos factos provados.

54. O tribunal a quo também não atendeu à diversa correspondência remetida aos Réus junta a fls. 99 v.º a 108 vº. e que são os docs. n.ºs 27 a 43 da contestação, na qual estão indicados como domiciliados na fracção aqui em causa.

55. O mesmo se diga quanto aos documentos que se encontram a fls. 242 v.º a 278, os quais foram juntos pela Ré aos autos em 28.02.2023 e constituem as actas do Condomínio do Edifício ... de n.ºs 22/2018 de 5.06.2018, 23/2019 de 7.06.2018, 24/2019 de 26.09.2019, 25/2021 de 8.07.2021, 26/2021 de 16.09.2021 e 27/2022 de 7.07.2022, nas quais consta expresso que os condóminos e proprietários da fracção "K" são os Réus DD e EE.

56. E por último, ignorou ainda o tribunal a quo o teor de uma declaração de 2018, a qual se encontra junta a fls. 140 v.º e constitui o doc. n.º 104 da contestação, em que o Réu DD surge identificado como condómino e a Ré EE como cônjuge do condómino.

57. Esta declaração é muito importante, porque está datada de 8.08.2018, data em que foi parcialmente preenchida pela Ré EE a pedido do Autor AA.

58. Tudo como, aliás, referiu a Ré EE como se alcança da passagem das suas declarações gravadas no sistema H@bilus Média Studio no dia 22.01.2024, aos minutos e segundos que abaixo se indicam:

«(...)[00:30:01-00:30:27] Mandatário: Sim, olhe, mas essa questão do apartamento, a Sra. já disse as circunstâncias do apartamento, no vosso núcleo de famílias, de amigos, de conhecimentos, o apartamento era vosso, o apartamento era do Sr. AA? Como é que estas coisas, como é que, qual era a informação que havia do vosso núcleo restrito, dos dois casais, do Sr. AA e da D. BB e a Sra. e o Sr. DD, para fora, como é que isso…

[00:30:27-00:30:51] EE: Isso, isto era bem conhecido pela nossa família, inclusive por amigos, sabiam muito bem desta situação. Sabiam que o Sr. AA nos tinha oferecido esse apartamento e que eles estavam a ocupar o apartamento, porque nós tínhamos falado, tínhamos permitido que eles fossem para lá ocupar o apartamento para o apartamento não estar sozinho.

[00:30:52] Mandatário: Sim Sra.

[00:30:52-00:30:57] EE: Mas isso era algo muito conhecido no, no meio da nossa família.

[00:30:57-00:31:47] Mandatário: QQ eu queria então agora que a Sra. visse aquele documento que estivemos aqui agora há bocadinho a ver, que a Sra. funcionária fizesse o favor de lho mostrar, para ver se a Sra. tem alguma ideia de que documento é aquele, se alguma tem ideia do que é aquilo, já lhe vão mostrar um documento para a Sra. olhar para ele e ver... A Sra. está a ver esse documento? Conhece esse documento?

Esse documento alguma vez o viu? Tem alguma ideia? Conhece alguma, alguma letra que aí esteja? O que é que a Sra….

[00:31:47-00:32:09] EE: Sim Dr. Esta letra, diz aqui “identificação do cônjuge” essa é a minha letra, eu escrevi aqui o meu nome, escrevi o meu e-mail e escrevi o meu NIF, isto, salvo erro, é de uma administração de condomínio.

[00:32:10-00:32:13] Mandatário: A assinatura cá em baixo, do lado direito é…

[00:32:13-00:32:12] EE: É, esta é a minha assinatura do lado direito.

[00:32:17-00:32:21] Mandatário: Portanto, é a sua letra e sua assinatura? É a sua letra, é assinatura, foi assinado por si?

[00:32:21] EE: Sim, sim.

[00:32:21-00:32:25] Mandatário: E o resto que está aqui? Conhece a letra de alguém?

[00:32:30-00:32:35] EE: A assinatura que está aqui em baixo, do lado esquerdo, é a assinatura do Sr. AA.

[00:32:37-00:32:41] Mandatário: Por baixo da palavra “Aveiro”, não é? Por baixo da palavra… Por baixo da palavra “Aveiro”?

[00:32:41-00:32:42] EE: Sim, sim, sim.

[00:32:42] Mandatário: Sim. [00:32:43-00:32:50] EE: O resto, pode-me parecer que seja do Sr. AA, mas não tenho a certeza.

[00:32:50-00:32:51] Mandatário: A letra, não é?

[00:32:52] EE: Sim.

[00:32:52-00:32:54] Mandatário: A letra, a outra letra que não é sua…

[00:32:54-00:32:59] EE: A outra letra parece-me, mas não tenho a certeza, acho que é do Sr. AA, mas não tenho a certeza.

[00:32:59-00:33:00] Mandatário: Olhe, este documento tem uma da…

[00:33:00-00:33:06] Juiz: (impercetível) a Sra. exatamente o que é que escreveu, o que é que exatamente a Sra. escreveu pelo seu punho?

Assinatura, nome…

[00:33:07-00:33:11] EE: O meu e-mail e o meu número de contribuinte.

[00:33:14-00:33:15] Juiz: Sim, sim.

[00:33:15-00:33:16] EE: E assinei, claro.

[00:33:18-00:33:28] Mandatário: Isto tem aqui uma data em baixo, 2018, zero oito oito, portanto será oito de agosto de 2018, a Sra. esta data diz-lhe alguma coisa? Terá sido nesta data? A letra não é sua, portanto a Sra…

[00:33:28-00:34:20] EE: Sim, sim Dr. Esta data foi no ano, em que eu vim com o meu então marido, o DD, e vim com o meu filho mais novo, o Marcelo, e estava cá o meu segundo filho, o RR, por isso me recordo porque ele veio e passou aqui com 7 ou 8 meses em Portugal, inclusive, trabalhava com o avô na fundição. Nós viemos, vários meses, o DD só cá esteve um mês, acho que foi o mês de Abril ou Maio, depois ele foi embora e eu fiquei em Portugal e até me recordo e até me recordo que este documento foi o Sr. AA que mo entregou no apartamento, estávamos no apartamento em Aveiro.

[00:34:22-00:34:30] Mandatário: O Sr. AA então é que lhe entregou esse apartamento, esse apart, perdão, esse, esse documento e voc, o Sr. AA, diz a Sra. que o Sr. AA lhe entregou isto e que foi preenchido.

[00:34:30-00:34:31] EE: Sim, sim.

[00:34:31-00:34:38] Mandatário: Quando a Sra. colocou aqui o seu nome, o seu número de contribuinte, o impresso, o resto já estava preenchido ou ainda não estava preenchido?

[00:34:38-00:34:40] EE: Não, estava tudo em branco.

[00:34:40-00:34:41] Mandatário: Estava tudo em branco.

[00:34:41-00:34:42] EE: Eu preenchi primeiro.

[00:34:42-00:34:47] Mandatário: Portanto, a Sra. preencheu primeiro, portanto, o que vem a seguir a Sra. não sabe, pensa que é a letra do Sr. AA, sem ter certezas.

[00:34:47-00:34:48] EE: Penso, mas não tenho a certeza. [00:34:48-00:34:56] Mandatário: Sem ter a certeza. Olhe e o papel que está a seguir, na folha a seguir, a seguir, não, na folha seguinte, não, a seguir, a seguir, ora vire, vire, vire…

[00:34:56-00:34:57] Juiz: Oh D. SS, ajude a Sra.

[00:34:57-00:34:58] Funcionária Judicial: Ai, desculpe.

[00:34:58-00:35:01] Mandatário: Que é um envelope, a ver se a Sra. conhece a letra que está aqui nesse envelope.

[00:35:02-00:35:03] EE: Ah, ok.

[00:35:07-00:35:10] Mandatário 2: Estamos a falar do documento n.º 5, não é?

[00:35:10-00:35:13] Mandatário: 105. É o envelope a seguir, é o que está a seguir.

[00:35:13-00:35:16] EE: Pois, também é a mesma situação, essa letra não é minha.

[00:35:17-00:35:32] Mandatário: Sim… não é sua, mas parece, é parecida com a letra de alguém que a Sra. conheça?

[00:35:32-00:35:39] EE: Pois, parece-me também que possa ser a letra do Sr. AA, mas não tenho a certeza.

[00:35:40-00:35:56] Mandatário: Olhe ainda voltando aquele documento, a Sra. já disse que a assinatura, que a outra assinatura que é do Sr. AA, mas lá em cima tem, “identificação do condómino: DD”, porque é que está assinado pelo Sr. AA e lá em cima está identificado DD?

[00:35:57-00:36:06] EE: O Sr. AA, ele disse-me que como o DD não estava, ele ia assinar pelo filho, por isso ele assinou o documento.

[00:36:08-00:36:11] Mandatário: Ok. E ele disse-lhe isso a si?

[00:36:11-00:36:23] EE: Disse-me. Quando eu preenchi e entreguei a folha ele disse-me “olha o DD não está, eu vou assinar, depois, ali, pelo DD”.

[00:36:23-00:36:27] Mandatário: Ok, portanto a Sra. não viu o Sr. AA assinar, ele disse-lhe que ia assinar.

[00:36:27-00:36:31] EE: Não vi, não vi, porque como digo, só preenchi isto, assinei e entreguei ao Sr. AA.

[00:36:31-00:36:32] Juiz: Mais alguma coisa Sr. Dr.?

[00:36:32-00:36:33] Mandatário: Mais nada Sra. Dra.

[00:36:33-00:36:51] Juiz: Sr. Dr. faça favor… O Sr. Dr. deseja alguma coisa?

[00:36:51-00:36:53] Mandatário 2: Sim, estou, não, não desejo mais nada.

[00:36:53-00:36:58] Juiz: Mais nada? Minha Sra. muito obrigada, não é necessário mais nada. Um bom dia para a Sra.

[00:36:59] EE: Desculpe? [00:37:00-00:37:04] Juiz: Não é necessário mais nada pode sair ou pode ficar aí atrás.»

53. Na declaração em apreço, que se encontra junta a fls. 140v.º e constitui o doc. n.º 104 da contestação, está o Réu DD identificado como condómino e a Ré EE como cônjuge do condómino, tendo a dita declaração sido parcialmente preenchida pelo punho da Ré EE, que também a assinou a pedido do Autor AA.

54. O preenchimento parcial e assinatura desta declaração, com data de 8.08.2018, pela Ré EE, evidencia que, tanto perante os demais condóminos, como também perante a empresa eleita para administrar o condomínio mas principalmente perante os próprios Réus, o Autor AA mais uma vez não inverteu o título da sua posse;

55. Tal inversão teria ocorrido se, por exemplo, o Autor AA tivesse, ele próprio, preenchido essa declaração e nela se tivesse identificado a si mesmo como condómino da fracção "K", entregando-a depois à empresa eleita para administrar o condomínio.

56. Não foi, no entanto, isto que aconteceu, tendo o Autor AA esperado mais de um mês (desde 5.07.2018, data em que na assembleia de condomínio recebeu – cfr. fls. 243v.º - a declaração para preenchimento) até 8.08.2018 (data em que pediu à Ré para preencher assinar a declaração), na qual é o Réu que surge identificado como condómino e proprietário, qualidade em que se mantém desde a realização da primeira assembleia de condomínio em 30.09.1998.

57. Do que se deixa dito, consentem as regras da lógica e da experiência comum a conclusão de que em Agosto de 2018 o Autor AA mantinha o reconhecimento dos Réus DD e EE como proprietários da fracção "K".

58. Esta actuação do Autor AA afasta a existência do «animus possidendi» por parte dos Autores, ou seja, da intenção destes terem a posse do prédio, agindo como verdadeiros proprietários do mesmo;

59. O tribunal a quo desconsiderou, desse modo, a actuação do próprio Autor AA quanto ao reconhecimento dos Réus como proprietários da fracção em causa nos presentes autos, reconhecimento esse abruptamente quebrado a partir do momento em que ocorreu a separação, e subsequente divórcio dos Réus, nos seguintes termos:

a) em Agosto de 2018, o então Autor AA solicitou, ele próprio, à Ré, titular registralmente inscrita dessa fracção, que preenchesse e assinasse uma declaração de identificação do proprietário dessa fracção, declaração essa destinada à empresa administradora do condomínio, empresa esta que por sua vez identifica os Réus como proprietários da fracção em causa.

b) em 2.12.2021, com a propositura da presente acção, o mesmo Autor AA arroga-se, proprietário da fracção idenficada no ponto n.º 3 dos factos provados, enquanto alegado possuidor da mesma.

60. É que, repete-se, ao abrigo das regras da experiência e da normalidade da vida e das coisas, e fazendo uso de uma análise crítica e objetiva da prova, não pode concluir-se que o Autor AA se apresentasse nas assembleias de condomínio como proprietário da fracção, e perante os Réus como mero detentor ou possuidor precário da mesma, solicitando, em 2018, ele próprio, à Ré, titular registralmente inscrita dessa fracção, que preenchesse e assinasse uma declaração de identificação do proprietário dessa fracção para ser entregue à empresa administradora do condomínio, empresa esta que por sua vez identifica os Réus como proprietários da fracção em causa.

61. Posse que em resultado da fragilidade da prova testemunhal não resulta demonstrada, como se alcança do depoimento da testemunha PP, que logo no início do seu depoimento afirma que conheceu o Réu DD numa reunião de condomínio para, a meio desse mesmo depoimento, se limitar a dizer «sim» à sugestiva instância do Ilustre Mandatário dos Autores «Olhe e ele (O Autor AA) nas reuniões de condóminos, ele intitulava se como? Como proprietário?»

62. O mesmo acontece com a expressão «vem a minha casa» que a testemunha HH refere ser utilizada para consigo pelo Autor AA, expressão essa que, como referido pela Meritíssima Juiz foi sugestionada pelo Ilustre Mandatário dos Autores;

63. Desde logo trata-se, além do mais, de uma expressão que, na gíria comum, é indistintamente utilizada por usufrutuários, arrendatários, comodatários ou quaisquer outros possuidores precários, com o significado de «convidar alguém para ir à casa onde se mora» não podendo daí extrair-se que o utilizador de tal expressão seja pleno proprietário da casa.

64. As regras da experiência quotidiana e da normalidade da vida e das coisas não autorizam que neste tipo de situações, se utilizem expressões como «convido-te para logo passares na casa onde moro e de sou arrendatário», ou «na casa onde os meus pais me autorizam que eu resida», ou «na casa que, não é minha, mas que é aquela onde moro».

65. As regras da normalidade da vida e das coisas também não autorizam que alguém, ainda que proprietário de uma casa de morada onde residem os pais, se auto-convide para tomar refeições ou seja possuidor das chaves do imóvel para aí aceder quando muito bem lhe apeteça e à hora que entender, ainda que sendo proprietário do imóvel.

66. Mandam as regras do respeito pela privacidade e de boa educação que a ida de um casal e três filhos, a casa de quem quer que seja, mesmo dos progenitores, para tomar refeições seja subsequente a convite, ou pelo menos do conhecimento antecipado destes, ainda que não sejam os proprietários do imóvel;

67. E não é por se ser proprietário de uma habitação ocupada por terceiros que as mesmas regras da experiência quotidiana autorizam que se tenha as chaves do imóvel para no mesmo se possa entrar e do mesmo se possa sair ao sabor do livre alvedrio e sem qualquer consideração pela privacidade dos ocupantes do imóvel.

68. A visão do tribunal a quo está tão modelada e turva que nem sequer analisa, crítica ou acriticamente, o depoimento da testemunha OO, o que constitui nulidade processual por omissão de exame crítico das provas para a decisão sobre o facto provado n.º 22, depoimento este que é essencial para o julgamento da causa, tendo em conta que no seu depoimento esta testemunha se referiu a uma conversa que manteve com o Autor AA, nos seguintes termos:

«(...)

[00:03:48-00:04:24] OO: O que eu sei sobre isso, entendo que o apart, que eu uma vez encontrei o Sr. AA, tinha tempo que não o via, encontrei o Sr. AA aqui no B... em Aveiro, andava com a minha mulher, estivemos a conversar um bocadinho e eu disse “epá ao tempo que não o vejo aqui” e ele diz-me “epá agora resido em Aveiro” e eu não sabia e eu disse “epá não sabia que vivia em Aveiro” e ele disse-me que tinha comprado um apartamento para o filho, que tinha comprado um apartamento para o filho, para quando cá viessem de férias não terem que andar de casa em casa, para ficarem no apartamento deles, no apartamento que eles estavam a autorizar naquela altura…

[00:04:25-00:04:26] Mandatário 1: Desculpe…

[00:04:27-00:04:30] OO: O apartamento onde eles viviam naquela altura.

[00:04:30-00:04:36] Mandatário 1: Ah, o Sr. AA e a D. BB viviam nesse apartamento, mas esse apartamento teria sido comprado por eles para o filho e para a nora?

[00:04:36-00:04:38] OO: Exato e depois parece que…[00:04:38-00:04:48]

Mandatário 1: Olhe, aqui nessa, enfim, o Sr. disse uma série de datas 83, 93, 2007, isso terá sido quando? Quando é que essa conversa pode ter acontecido? Se é que tem ideia disso.

[00:04:48-00:04:50] OO: A conversa de eu vim de 83?

[00:04:50-00:04:53] Mandatário 1: Não, a conversa que o Sr. teve com o Sr. AA, no B..., o Sr. disse…

[00:04:53-00:04:57] OO: Ah, no B..., oh Sr. Dr. isso agora é um bocado difícil, mas…

[00:04:57-00:04:59] Mandatário 1: Estou-lhe a perguntar se consegue recordar.

[00:04:59-00:05:13] OO: … mas foi antes, foi antes de eu ir para os Estados Unidos, devia ser aí por o ano 85, 86, talvez ah, perdão, 2005, 2006, foi quando eu fui para os Estados Unidos.

[00:05:13-00:05:15] Mandatário 1: Acha, acha que pode ter sido nessa altura, não é?

[00:05:15-00:05:17] OO: Nessa altura, mais ou menos por essa altura, porque foi antes de eu ir embora.

[00:05:18-00:05:20] Mandatário 1: Isso foi em 2007, não é, foi o que o Sr. disse?

[00:05:20] OO: Foi em 2007.

[00:05:21-00:05:22] Mandatário 1: Então…

[00:05:22-00:05:23] OO: Eu regressei em 2014.

[00:05:23-00:05:27] Mandatário 1: Pronto, o Sr. AA disse-lhe que estava a viver em Aveiro, num apartamento que era do filho.

[00:05:27-00:05:28] OO: (impercetível) para o filho, exatamente.

(...)

[00:06:57-00:07:02] Juiz: Então disse-lhe, disse-lhe que tinha comprado o apartamento para o filho?

[00:07:03-00:07:10] OO: Para o filho, para quando viessem de férias, não andarem, terem onde ficar pelo menos, não andarem de casa em casa.

[00:07:15-00:07:20] Juiz: Então o filho, o apartamento era para o filho ter uma casa quando viesse de férias…

[00:07:20-00:07:21] OO: Quando viessem de férias.

[00:07:21-00:07:23] Juiz: … mas quem lá morava era o Sr. AA e a esposa, é isso?

[00:07:23-00:07:25] OO: Creio que o estavam a habitar naquela altura.

(...)»

69. Impõe-se assim que o tribunal ad quem tenha em conta o referido depoimento ou, caso assim não entenda, determine o reenvio do processo ao tribunal a quo para completar a devidamente fundamentar a decisão sobre o n.º 22 dos factos provados, o qual é essencial para o julgamento da causa.

70. Na análise crítica da prova, refere o tribunal a quo, quanto ao n.º 33 dos factos provados o seguinte:

«Nº. 33 dos Factos Provados: - TT, que disse conhecer os AA. e os RR. (estes pouco). É proprietário da D.... Em setembro de 2014 vendeu dois televisores grandes aos AA.. Estes remodelaram a cozinha em 2015 e vendeu-lhes os eletrodomésticos todos novos. Foram os AA. que escolheram e pagaram. Antes de 2014 já lhes tinha vendido outros eletrodomésticos.»

71. Da referida análise crítica do facto provado n.º 33 nada se extrai que permita ao tribunal a quo formar a convicção de que os Réus decidem realizar, contratam quem as faça e custeiam a expensas suas obras de «alteração do apartamento», uma vez que esta testemunha, a única que se pronunciou sobre «obras» se limitou a dizer que é do seu conhecimento que os Autores «remodelaram a cozinha em 2015»

72. «Votar» numa assembleia de condomínio é um acto susceptível de ser praticado perante terceiros; «Votar como bem se entende» é uma abordagem sociológica, psicossociológica e de escolha que lança luz sobre as complexidades do processo de votação, e neste contexto inapreensível por terceiros.

73. Na análise crítica da prova, refere o tribunal a quo, quanto ao n.º 34 dos factos provados o seguinte:

«A testemunha FF disse que era o A. que ia às assembleias de condomínio, pagava o condomínio e as obras que era necessário fazer no prédio. PP, disse que foi administrador do condomínio e o A. pagava o condomínio através de transferências bancárias. O A. participava nas reuniões do condomínio.»

74. Ou seja, da referida análise crítica nada se extrai que permita ao tribunal a quo dar como provado que nas assembleias de condóminos comparece(cia) unicamente o Autor AA (agora falecido), que nelas vota(va) como bem entende.

75. Quanto ao facto provado n.º 41, trata-se de matéria alegada na contestação, nos seguintes termos:

«43. «Feito este introito preambular, e passando ao que realmente importa, comece por se dizer que, quando em meados de Julho de 1995 os réus lhes deram a conhecer a gravidez da ré - da qual veio a nascer o primogénito UU -, os autores manifestaram o seu gosto e vontade em oferecer um apartamento aos réus.

44. O que estes, naturalmente, aceitaram e agradeceram.

45.Nesse enquadramento, e porque os réus viviam na Venezuela e não tinham no seu horizonte de vida a sua vinda para Portugal, o que entre todos ficou assente foi que o dito imóvel seria adquirido para os réus, ficando os autores a usufruir vitaliciamente do mesmo.»

76. Ou seja, não há dúvida que o momento temporal a que a Ré se refere quanto ao facto de os réus viverem na Venezuela e não terem no seu horizonte de vida a sua vinda para Portugal, é em meados de Julho de 1995 referido no artigo 43. da contestação.

77. Na análise crítica da prova, refere o tribunal a quo, quanto ao n.º 40 dos factos provados o seguinte:

«Nº. 40 dos Factos Provados: A testemunha VV, que nos pareceu ter feito um depoimento isento e credível, disse que tanto os RR. como a CC (filha dos AA) ficavam, por vezes, a dormir no apartamento onde viviam os AA.»

78. Ora, da referida análise crítica nada se extrai que permita ao tribunal a quo dar como provado que os Réus só ficavam a dormir na fracção desde que fossem convidados pelos Autores.

79. Quanto ao fornecimento de gás, não consta dos autos qualquer contrato, uma vez que o doc. de fls. 27 é um mero extracto de conta.

80. Documento este que, a par de outros, foi oportunamente impugnado pela Ré no artigo 194. da contestação, quanto aos factos neles relatados e relativamente aos efeitos e conclusões que deles se pretendam retirar, por se desconhecer a respectiva autenticidade, autoria, proveniência, justificação, causas e consequências, assim como as circunstâncias e princípios sob os quais foram compostos.

81. Os impostos a que se referem os docs. de fls. 38v.0 a 42 respeitam ao IMI dos anos de 2009, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2020.

82. A prova do pagamento de contribuições ou impostos apenas se pode efectuar através da via documental, não podendo essa prova ser feita por testemunhas.

83. Aquilo que resulta da factualidade apurada é uma actuação dos Autores que não afirma a exclusão dos Réus do exercício dos seus poderes próprios de proprietários.

84. Desde logo, foi exactamente isso que aconteceu entre 1997 e 2007 perante o banco mutuante, que na cobrança do empréstimo sempre debitou as prestações em conta dos Réus que eram os devedores, conta esta a partir da qual sempre foram efectuados os pagamentos das prestações como os Autores reconhecem no artigo 32.0 da PI;

85. E é também isso que desde a aquisição da fracção ininterruptamente acontece perante as empresas de água e electricidade, que têm os contratos de fornecimento estabelecidos com o Réu, perante quem estão obrigadas ao fornecimento desses bens essenciais e a quem exigem os pagamentos enquanto contraparte contratual, sendo os pagamentos efectuados pelos Autores como sendo de terceiros ao abrigo da regra geral do artigo 767.º, n.0 1 do CC, segundo a qual a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, e verificando-se, nestas circunstâncias, a extinção da obrigação.

86. E é também isso que acontece com a empresa administradora do condomínio, que nas actas das assembleias identifica os Réus como condóminos e em nome de quem emite as quotas e os recibos, o que evidencia inexistência de convicção, por parte dos Autores, de exercerem um direito de propriedade sobre coisa sua, ainda que efectuando esses pagamentos, sendo certo que nas actas das assembleias são os Réus que estão identificados como condóminos e proprietários da fracção "K", o que ocorre desde primeira acta com data de 30.09.1998.

87. Sintomático também o facto de os recibos de quotas de condomínio n.º 7, de 8.09.2018, n.º 11, de 12.10.2018, n.º 15, de 15.11.2018, n.º 21, de 26.01.2019, n.º 29, de 25.03.2019, n.º 30, de 25.03.2019, n.º 38, de 17.06.2019, n.º 41, de 19.07.2019, n.º 47, de 20.09.2019, n.º 51, de 27.09.2019, n.ºs 221, 190, 205, 207 e 216 emitidos em 7.09.2022, 16.02.2022, 205, 6.06.2022, 207, de 7.06.2022 e 22.07.2022, terem sido enviados para a Ré, por o respectivo e-mail, já na pendência dos presentes autos, o que convalida a precariedade da posse dos Autores.

88. Revelador também, o facto de as declarações de pagamento de quotas de condomínio pagas durante 2021 e 2022 para efeitos de IRS, estarem emitidas pela empresa de administração com datas de 7.02.2022 e 25.01.2023, em nome do Réu e terem sido enviadas para a Ré, para o respectivo e-mail, já no decurso da presente acção, reconhecendo-os como proprietários, o que bem sustenta a precariedade da posse dos Autores.

89. Atendendo a toda a factualidade que resultou do julgamento, a formulação da convicção do tribunal a quo é inadmissível dado que não obedeceu a critérios da experiência comum, da lógica e do homem médio aplicadas ao caso concreto, tendo procedido a meras generalizações e inclusão de comportamentos em perfis, mormente na parte em que conclui que «Conjugada toda a prova pareceu-nos mais credível a prova apresentada pelos AA.» porque «é estranho que o apartamento tenha sido oferecido aos RR. com a intenção de os convencer a regressar a Portugal quando na contestação a Ré alega que ficou assente entre AA. e RR. que o imóvel seria adquirido para os RR., ficando os AA. a usufruir vitaliciamente do mesmo» e por ser «pouco credível, em nosso entender (que as testemunhas II, JJ, KK, LL e MM), se recordem tão bem de uma simples conversa, que nenhum interesse tem para os mesmos, passados tantos anos».

90. O «usufruto» e o carácter «vitalício» a que a Ré EE alude na sua contestação, tratando-se de conceitos de direito, não são questões a decidir pelo tribunal, porque a Ré não deduz pedido reconvencional no sentido de o tribunal decidir quanto a isso.

91. A pretensa comparação, pelo tribunal a quo, da prova apresentada pelos Autores com a prova apresentada pela Ré, não tem qualquer sentido, uma vez que o que está em causa é apenas e prova ou não, pelos Autores, dos factos constitutivos da aquisição da propriedade, por usucapião, e já não a prova ou não, pela Ré, dos factos constitutivos da aquisição, pelos mesmos Autores, do direito de usufruto.

92. Ora, o que a sentença recorrida evidencia é que para o tribunal a quo, a aquisição da propriedade, peticionada pelo Autores é consequência lógica da ausência de prova da aquisição do usufruto vitalício, ao qual a Ré meramente se refere mas nem sequer pede em reconvenção.

93. As declarações prestadas pelos Réus mostram-se contraditórias entre si, resultando evidente que as declarações do Réu estão «alinhadas» com a pretensão dos Autores;

94. Ocorre que, ao passo que o depoimento da Ré é coerente, lógico, detalhado e corroborado, em alguns aspectos, por depoimentos testemunhais que reforçam a credibilidade do mesmo, já o depoimento do Réu na parte confessória quanto ao acordo simulatório, não só absolutamente ineficaz, como corroborado por depoimentos testemunhais, uns legalmente inadmissíveis, outros imprecisos e outros ainda mesmo inverosímeis face à normalidade da vida, e que por isso se revelam titubeantes e altamente improváveis.

95. Encontrando-se o direito de propriedade da fracção inscrito, «pela AP. ... de 1997/03/20, a favor de DD, casado com EE, no regime de comunhão de adquiridos», não é a Ré que tem de provar que o seu direito de propriedade (que se presume pela via do registo), está onerado com um usufruto vitalício dos Autores, mas são os Autores que têm de provar os factos constitutivos de «posse boa» para a aquisição da propriedade por usucapião.

96. No caso vertente o reexame das provas produzidas há-de conduzir a outro resultado que não o apurado nos autos, justificando a alteração da matéria de facto e de direito.

97. Servindo como elementos do seu travejamento - por confronto -, o que, em termos de aferição efectuada, se destaca.

98. A saber, a circunstância, desde logo, e em particular, assinalada - função do seu objecto precípuo -, de que, de acordo com as regras de ónus da prova previstas nos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2 e 1268.0, n.0 1 do CC, tendo em conta o pedido formulado pelos Autores, cabe-lhes a prova dos termos integradores do direito que pretendem exercer, o que não lograram concretizar.

99. Em momento algum se considera que os depoimentos dos Réu e das testemunhas arroladas pelos Autores se revelaram consistentes e credíveis, dando-se, com base neles, como provada a factualidade por si relatada.

100. Em momento algum, o tribunal a quo fundamenta a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas;

101. É certo que na motivação expendida, o tribunal a quo apura valida a seguinte prova testemunhal:

«O A. também, com a ajuda da testemunha. Era o A. que ia às assembleias de condomínio, pagava o condomínio e as obras que era necessário fazer no prédio. Para a testemunha os AA. eram os proprietários da fração. Tinham lá instalada a sua residência permanente» - testemunha FF.

«Os AA. passavam as férias na fração e quando regressaram passaram a residir lá. O A. convidava-o "vem a minha casa". Encontrou lá uma vez os RR. O R dizia "a casa dos meus pais". Convivia bastante com os AA. e nunca lhe disseram que tinham oferecido o apartamento» - testemunha HH.

«A testemunha foi administrador do condomínio e o A. pagava o condomínio através de transferências bancárias. O A. participava nas reuniões do condomínio. Os AA. recebiam em casa amigos e convidados e a correspondência. Nas reuniões de condomínio o A. intitulava-se proprietário. Para a testemunha os AA. eram os proprietários do apartamento» - testemunha PP.

«Para a testemunha o apartamento era dos AA.; viviam lá eles» testemunha TT.

«Fez vários trabalhos para os AA. no apartamento de Aveiro que presumia que fosse deles. Os serviços foram pedidos pelo A. e pagos por ele» Testemunha WW.

«Para a testemunha os AA. eram os donos da casa» - testemunha VV.

102. Não obstante, para que haja «posse boa» para usucapião, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela., uma vez que de acordo com o artigo 1287.º do CC, só o possuidor pode invocar a usucapião.

103. Ora, o que ocorre no caso dos autos é que:

a) por força da inscrição da titularidade da fracção a favor dos Réus a partir de 20.03.21997, encontra-se transmitida aos Réus a posse correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre a fracção referida no n.º 3. dos factos provados;

b) na cobrança do empréstimo, o banco mutuante debitou sempre, entre 1997 e 2007, as prestações em conta dos Réus que eram os devedores, conta esta a partir da qual sempre foram efectuados os pagamentos das prestações: ou seja, até 2007, sempre o banco mutuante teve os Réus e não os Autores como mutuários e proprietários do imóvel adquirido;

c) desde a aquisição da fracção ininterruptamente e até ao momento presente, é o Réu que para as empresas de fornecimento de água e electricidade, é o proprietário da fracção, uma vez que é com este que estão estabelecidos os respectivos contratos de fornecimento;

d) é perante o Réu que estas empresas (de fornecimento de água e electricidade) estão obrigadas ao fornecimento desses bens essenciais, e é ao Réu que estas empresas exigem os pagamentos enquanto contraparte contratual, sendo os pagamentos efectuados pelos Autores como sendo de terceiros ao abrigo da regra geral do artigo 767.º, n.º 1 do CC;

e) desde 30.09.1998, data da realização da primeira assembleia do condomínio do Edifício ... que o Réu DD consta das respectivas actas como proprietário e condómino da fracção "K" do referido imóvel;

f) diversa correspondência foi remetida aos Réus junta a fls. 99v.º a 108vº. e que são os docs. n.ºs 27 a 43 da contestação, na qual estão indicados como domiciliados na fracção aqui em causa;

g) vasta e variada correspondência remetida pela empresa administradora do condomínio ao Réu DD, enquanto proprietário e condómino da fracção "K" residente na Rua ..., n.º ..., 2.º Esquerdo ... Aveiro, sendo a mesma enviada para o e-mail ..........@..... da Ré EE, junta a fls. 109 a 140 (que são os docs. n.ºs 44 a 103 da contestação), 209 a 231 v.º e 234 a 241V.º;

h) o mesmo se diga quanto aos documentos que se encontram a fls. 242 v.g a 279, os quais foram juntos pela Ré aos autos em 28.02.2023 e constituem as actas do Condomínio ... de 5.06.2018, 23/2019 de 7.06.2018, 24/2019 de 26.09.2019, 25/2021 de 8.07.2021, 26/2021 de 16.09.2021 e 27/2022 de 7.07.2022, nas quais consta expresso que os condóminos e proprietários da fracção "K" são os Réus DD e EE; i) no caso da declaração que se encontra junta a fls. 140v.0 e constitui o doc. n.º 104 da contestação, está o Réu DD identificado como condómino e a Ré EE como cônjuge do condómino, tendo a mesma sido parcialmente preenchida pela Ré EE a pedido do Autor AA;

j) o que, aliás, se enquadra nas regras da lógica e da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas, as quais não aceitam, por contraditórios entre si, o facto de em 2018, o então Autor AA solicitar, ele próprio, à Ré, titular registralmente inscrita dessa fracção, que preencha e assine uma declaração de identificação do proprietário dessa fracção, declaração essa destinada à empresa administradora do condomínio, empresa esta que por sua vez identifica os Réus como proprietários da fracção em causa, o facto de em 2021 o mesmo Autor AA se arrogar proprietário da fracção idenficada no ponto n.º 3 dos factos provados, com a alegação de que é possuidor da dita fracção desde 1997.

104. Tanto, é o bastante para justificar que a decisão sobra a matéria de facto seja alterada e ampliada, ampliação essa que nos termos do n.º 2 do artigo 662.º do CPC é mesmo oficiosa, por se tratar de matéria de facto indispensável, constando do processo forneça elementos de prova que permitem proferir decisão sobre os factos a ampliar.

105. Assim, por ter interesse para a decisão da causa deve:

a) ser alterado o teor dos n.º s 16, 21, 22, 31, 33, 34, 37, 40 e 41 dos factos provados, passando a ter a seguinte redacção:

16 - Em 1996 os AA., então ainda emigrados no estrangeiro e com residência em Portugal em ..., decidiram adquirir, e oferecer aos RR., um apartamento situado em Aveiro, garantindo-lhes que suportariam todas as despesas com a aquisição da fração e pagamento do mútuo.

21 - Os RR. eram emigrantes no estrangeiro e tinham, então, menos de 30 anos de idade, e foram representados pelo A. AA como compradores e mutuários na escritura pública de compra e venda e de mútuo com hipoteca.

22 — O imóvel seria adquirido para integrar o património dos RR., por oferta dos AA.

31 - Pagaram o IMI devido pela propriedade do imóvel relativo aos anos de 2009, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2020.

33 - Decidem realizar, contratam quem as faça e custeiam a expensas suas as obras de conservação, reparação e remodelação da cozinha.

34 - Pagam a expensas suas as despesas do respectivo condomínio, em cujas assembleias de condóminos o A. comparece.

37 - Continuamente, a partir de Janeiro/Fevereiro de 2002, e sem interrupções.

40 - E também ficaram a dormir, algumas vezes, na fracção identificada em 3.

41 - Em meados de Julho de 1995 os RR. viviam na Venezuela e não tinham no seu horizonte de vida regressar a Portugal.

b. ser eliminados dos factos provados os n.ºs 23, 24, 28 e 38.

c. ser eliminado dos factos não provados que:

1. em Julho de 1995, os AA. manifestaram o seu gosto e vontade de oferecer um apartamento aos RR., o que estes aceitaram e agradeceram;

2. ficou assente entre AA. e RR. que o imóvel seria adquirido para os RR., ficando os AA. a usufruir vitaliciamente o mesmo.

d. ser dados como não provados os seguintes factos:

A. Os RR. comprometeram-se a, depois de integralmente pago o empréstimo contraído, transferirem para os AA. a titularidade do imóvel.

B. Ainda no decurso do ano de 1997 os AA. passaram a residir na fração identificada em 3 dos Factos Provados, e a ocupar a respetiva garagem, sempre que se encontravam em Portugal, onde todos os anos permaneciam períodos superiores a um mês.

C. Na convicção e pressuposto de que o imóvel (apartamento e garagem) lhes pertence e de estarem a exercer um direito próprio.

D. O A. celebrou em seu próprio nome o contrato de fornecimento de gás natural à fração junto da E..., S.A. e ser aditados aos provados os seguintes factos:

42 - RR. e AA. acordaram que estes usariam a fracção identificada em 3., uma vez que os RR. viviam na Venezuela e não tinham no seu horizonte de vida regressar a Portugal;

43 - Na acta da reunião do condomínio do Edifício ... n.º ... de 30.09.1998, está o R. identificado como condómino da fracção "K" do referido imóvel;

44 - A acta da reunião do condomínio do Edifício ... n.º ... de 30.09.1998 está assinada por todos os condóminos (à excepção do condómino da fracção "G"), entre os quais a testemunha PP e GG, sócio-gerente da empresa A..., Ld.a, que nessa reunião representou o R.

45 - Pelo menos entre Abril de 2018 e Setembro de 2021 foi remetida aos RR. correspondência diversa para o endereço da fracção identificada no n.0 3. dos factos provados;

46 - Nas actas da reunião do condomínio do Edifício ... n.ºs .../... de 5.07.2018, 23/2019 de 7.06.2018, 24/2019 de 26.09.2019, 25/2021 de 8.07.2021, 26/2021 de 16.09.2021 e 27/2022 de 7.07.2022, estão os RR. identificados como condóminos da fracção "K" do referido imóvel;

47 - Pelo menos entre 8.09.2018 e 23.02.2023 foi remetida pela empresa administradora do condomínio ao R., enquanto proprietário e condómino da fracção "K", sendo a mesma enviada para o e-mail da R.;

48 - Consta da acta n.º ... da reunião do condomínio do Edifício ... realizada em 5.07.2018 a aprovação pela unanimidade dos condóminos presentes que «Os condóminos que pretendam ser convocados, notificados ou informados de todas as situações relativas ao condomínio, por e-mail, devem assinar uma declaração junto da Administração para este efeito. Fica claro que, a partir do momento que o façam, aceitam como válido para todos os efeitos, excepto contencioso, este meio de notificação.»

49 - Foi o autor pelo seu próprio punho, ou alguém a seu mando, que em 8.08.2018, preencheu o enviou à empresa gestora do condomínio do prédio, a declaração de consentimento para o tratamento de dados,

50 - Na qual foram os réus identificados, respectivamente como proprietário do imóvel e respectivo cônjuge - cfr. doc. de fls. 140 v.º.

51 - Sendo que o nome, o número de contribuinte e a assinatura da ré foram apostos na referida declaração pelo próprio punho desta.

52 - Documento esse que foi remetido pelo correio em sobrescrito do qual consta como remetente «DD, R. Dr. XX no 9 20 Esq. ... Aveiro» - cfr. doc. n.º de fls. 141.

53 - Os recibos de quotas de condomínio ..., ..., de 8.09.2018, n.º 11, de 12.10.2018, n.º 15, de 15.11.2018, n.º 21, de 26.01.2019, n.º 29, de 25.03.2019, n.º 30, de 25.03.2019, n.º 38, de 17.06.2019, n.º 41, de 19.07.2019, n.º 47, de 20.09.2019, n.º 51, de 27.09.2019, e n.º 221 de 7.09.2022 estão emitidos em nome do R.

54 - A declaração de pagamento de quotas de condomínio pagas durante 2022 para efeitos de IRS, emitida pela empresa de administração com data de 25.01.2023, está em nome do R.

106. O facto de as testemunhas referirem que os Autores são os proprietários da fracção, por nela viverem é, por si só, prova inconsequente, reveladora de mera detenção.

107. É certo que o n.º 2 do artigo 1252.º do CC estabelece uma presunção no sentido de que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do n.º 2 do artigo 1257.º do CC e que, no seguimento do AUJ de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, «Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa».

108. Não obstante, a posse precária não é considerada verdadeira posse, senão a partir da inversão do título, dizendo-nos o artigo 1290.º do CC que os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.

109. A inversão do título da posse supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio.

110. Para que se faça a inversão do título de posse, o detentor haverá de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possui a sua intenção de actuar como titular do direito, o que não ocorre no caso dos autos, uma vez que em Agosto de 2018, foi o próprio Autor AA que pediu à Ré EE que preenchesse e assinasse a declaração de fls. 140 v.º e que constitui o doc. n.º 104 da contestação, na qual está o Réu DD identificado como condómino e a Ré EE como cônjuge do condómino;

111. O preenchimento parcial e subscrição desta declaração, com data de 8.08.2018, pela Ré EE, evidencia que, tanto perante os demais condóminos, como também perante a empresa eleita para administrar o condomínio mas principalmente perante os próprios Réus, o Autor AA mais uma vez não inverteu o título da sua posse;

112. Fica assim demonstrado que ao poder de facto dos Autores está subjacente a convicção de que exercem sobre a fracção um mero direito de usufruto – que não é peticionado -, ou de uso e habitação - que nos termos do artigo 1293.º, al. b) do CC não pode adquirir-se por usucapião -, já que quer à vista do banco mutuante (até 2007), quer à vista das empresas fornecedoras de água, electricidade e de serviços de gestão de condomínio, mas principalmente à vista dos próprios Réus, são estes que são os proprietários da fracção.

113. Tudo para concluir que a convicção formada pelo tribunal a quo de que a versão dos factos apresentada pelos Autores é mais credível, não encontra suporte na prova produzida.

114. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos:

a) 34.º n.ºs 3 e 1, 195.º, 414.º, 463.º, 466.º n.º 3, 567.º, n.º 1, 568.º, al. a), 574.º. n.º 2, 587.º, n.º 1, 668.º al. a), 607.º n.ºs 4 e 5 e 703.º, n.º 1, al. d) do CPC; b) 236.º, n.º 1, 334.º, 341.º, 342.º, 346.º, 352.º, 354.º al. a), 358.º, n.ºs 1 e 2, 369.º, 353.º, n.º 2, 361.º, 363.º, n.º 2, 371.º, n.º 1, 393.º, n.º 2, 394.º, n.ºs 1, 2 e 3, 767.º, n.º 1, 879.º, 1180.º, 1251.º, n.º 1, 1253.º, 1257.º, n.º 2, 1260.º, n.ºs 2 e 3, 1263.º, als. a), c) e d), 1264.º, 1265.º, 1268.º, n.º 1, 1287.º, 1290.º, 1296.º, 1305.º, 1431.º, 1439.º, 1446.º, 1484.º, 1487.º, 1724.º, al. b), do CC;

c) 2.º, n.º 1, al. a), 5.º e 7.º do CRPredial;

d) 20.º da CRPortuguesa.

Contra-alegaram as agora AA., opondo-se à procedência do recurso.

Objeto do recurso:

Da nulidade processual arguida por referência à falta de apreciação de um testemunho (o prestado por OO), no tocante ao facto provado em 22.

Da impugnação da decisão de facto.

Da aquisição da propriedade por usucapião.

FUNDAMENTAÇÃO

Factos dados como provados

1 - O R. DD é filho dos AA. AA e mulher, BB– fls. 14 (A).

2 - Os ora RR., DD e EE, celebraram casamento, a 22.12.1990, com 22 e 21 anos de idade, católico, sem convenção antenupcial respetivamente – fls. 14 (B)[1].

3 - Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o n.º ...... da freguesia ..., a seguinte fração autónoma: no corpo sul, o segundo andar esquerdo, destinado a habitação – 188 m2. Na cave, uma garagem identificada com a mesma letra com a área de 57 m2 – fls. 24 (C).

4 - Esta fração encontra-se inscrita, pela AP. ... de 1997/03/20, a favor de DD, casado com EE, no regime de comunhão de adquiridos, por compra a A..., Ld.ª – fls. 24 (D).

5 - A 17.10.1996, numa altura em que se encontravam de férias em Portugal, os RR. outorgaram no Cartório Notarial de Oliveira do Bairro a procuração junta a fls. 15v./16, na qual constituíram seu procurador o ora A. marido, conferindo-lhe poderes para, além do mais, contrair um empréstimo até à quantia de 30.000.000$00, ao abrigo do sistema poupança crédito para emigrantes, para movimentar a quantia mutuada, para adquirir a fração autónoma identificada em 3 dos Factos Provados e para sobre ela constituir hipoteca para garantia do bom pagamento da quantia mutuada (E).

6 - Com esta procuração e em representação dos RR., o A. marido celebrou, a 11.07.1997, a escritura de compra e venda e de mútuo com hipoteca junta a fls. 17/20, pela qual: a) foi adquirida a A..., Lda., a fração identificada em 3 dos Factos Provados, por 30.000.000$00; b) foi contraído junto do então Banco 1..., S.A., um empréstimo de 22.500.000$00; c) foi constituída hipoteca voluntária sobre o imóvel então adquirido em garantia do bom pagamento da quantia mutuada (F).

7 - Os impostos e emolumentos devidos pela escritura foram inteiramente custeados pelos AA. (G).

8 - O empréstimo contraído em nome dos RR. para compra da fração foi pago através de prestações mensais entre 1997 e 2007 (H).

9 - Os AA. pagaram integralmente o preço da aquisição da fração identificada em 3 dos Factos Provados, bem como os juros e demais encargos do financiamento, com dinheiro do seu casal (I).

10 - O A. contratou em nome do R. DD o fornecimento de água à fração com a empresa F... e o fornecimento de eletricidade com a G... (J).

11 - Os RR. jamais reivindicaram junto dos AA. a posse ou propriedade da mencionada fração autónoma, mesmo depois da sua separação de facto ocorrida cerca de dois anos antes da propositura da presente ação – a ação foi proposta a 2.12.2021 (K).

12 - A Ré EE manifestou ao R. DD a sua intenção de que a fração identificada em 3 dos Factos Provados fosse incluída na partilha subsequente ao divórcio (L).

13 - A Ré fixou residência, em novembro de 2021, na Rua ..., Aveiro, fração de que é proprietária da raiz, sendo o seu pai usufrutuário – fls. 86 (M).

14 - Os AA., desde janeiro/fevereiro de 2002, residem de forma permanente e contínua no apartamento identificado em 3 dos Factos Provados (N).

15 – Os RR. não tinham em perspetiva vir viver para Portugal, país que para ambos e para os filhos era apenas a terra dos seus antecessores, e onde pontualmente vinham passar férias (O).

16 - Em 1996, os AA., então ainda emigrados no estrangeiro e com residência em Portugal em ..., decidiram adquirir um apartamento situado em Aveiro, para si próprios, para nele instalarem a sua residência permanente quando concretizassem o regresso definitivo a Portugal, que então estavam a preparar.

17 - E acordaram com a sociedade A..., Ldª., a aquisição da fração autónoma designada pela letra “K” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o n.º ... da freguesia ..., que foi escolhida pelos AA.

18 - O A. marido negociou com o gerente da sociedade A..., Ld.ª, o preço da compra da fração, prazos e condições do pagamento e a data limite para a celebração do negócio.

19 - E informou-se junto de várias instituições de crédito sobre as condições de um eventual financiamento para aquisição de habitação própria.

20 - Foi informado de que as mais baixas taxas de juro eram as do então designado “empréstimo de poupança-emigrante” destinado a créditos para aquisição de habitação própria concedidos a emigrantes estrangeiros no estrangeiro com idades inferiores a 35 anos.

21 - Como os RR. eram emigrantes no estrangeiro e tinham, então, menos de 30 anos de idade, o A. pediu-lhes para eles figurarem como compradores e mutuários na escritura pública de compra e venda e de mútuo com hipoteca, garantindo-lhes que os AA. suportariam todas as despesas com a aquisição da fração e pagamento do mútuo.

22 - Uma vez que o imóvel seria adquirido para integrar o património comum dos AA.

23 - Os RR. comprometeram-se a, depois de integralmente pago o empréstimo contraído, transferirem para os AA. a titularidade do imóvel.

24 - O A. celebrou em seu próprio nome o contrato de fornecimento de gás natural à fração junto da E..., S.A.

25 - Os consumos de gás, água e eletricidade da fração e respetivos alugueres de contadores são pagos por débito direto em conta de que o A. é titular no Banco 2....

26 - Os AA. adquiriram, a expensas próprias, diversas peças de mobiliário e de decoração, eletrodomésticos, equipamentos de cozinha e loiças, que colocaram na identificada fração autónoma.

27 - E transportaram para a mesma alguns bens móveis de sua propriedade que integravam o recheio da casa em que haviam residido em ....

28 - Ainda no decurso do ano de 1997, os AA. passaram a residir na fração identificada em 3 dos Factos Provados e a ocupar a respetiva garagem, sempre que se encontravam em Portugal, onde todos os anos permaneciam períodos superiores a um mês.

29 - Desde janeiro/fevereiro de 2002, data em que regressaram definitivamente a Portugal, que os AA. recebem, na fração identificada em 3 dos Factos Provados, regularmente os seus amigos e familiares, incluindo os aqui RR. e filhos, seus netos, que ali os visitavam e eram convidados para tomar refeições quando permaneciam de férias em Portugal.

30 - Os AA. recebem naquele endereço toda a correspondência que lhes é dirigida.

31 - Pagam a expensas próprias, desde a sua compra todos os impostos devidos pela propriedade do imóvel, como a respetiva contribuição autárquica e, mais recentemente, o IMI.

32 - Vêm adquirindo desde então eletrodomésticos, mobiliário e outros bens móveis para o recheio da casa em que habitam.

33 - Decidem realizar, contratam quem as faça e custeiam a expensas suas todas as obras de conservação, reparação e alteração do apartamento.

34 - Pagam a expensas suas as despesas do respetivo condomínio, em cujas assembleias de condóminos comparece unicamente o A. marido, que nelas vota como bem entende.

35 - Contratando e remunerando a pessoa que faz a limpeza da casa em que habitam, relativamente à qual pagam o seguro de acidentes de trabalho.

36 - Tudo à vista de toda a gente, concretamente dos vizinhos, das pessoas da zona de Aveiro em que está localizada a fração e de parentes, amigos e conhecidos de ..., onde têm origem as famílias dos AA. e da Ré.

37 - Continuamente e sem interrupções ou oposição de ninguém.

38 - Na convicção e pressuposto de que o imóvel (apartamento e garagem) lhes pertence e de estarem a exercer um direito próprio.

39 - Os RR., em todas as suas vindas conjuntas a Portugal, quando ambos estavam emigrados no estrangeiro, habitavam, na maior parte das vezes, uma casa da família da Ré, sita em ....

40 – E também ficaram a dormir, algumas vezes, na fração identificada em 3, sempre como convidados dos AA.

41 - Os RR. viviam na Venezuela e não tinham no seu horizonte de vida regressar a Portugal.

Foi dado como não provado o seguinte:

a) em julho de 1995, os AA. manifestaram o seu gosto e vontade de oferecer um apartamento aos RR., o que estes aceitaram e agradeceram;

b) ficou assente entre AA. e RR. que o imóvel seria adquirido para os RR., ficando os AA. a usufruir vitaliciamente do mesmo.


*

Da nulidade processual que consta invocada em 68 das conclusões:

Tratando-se da invocação de nulidade processual (e não nulidade da sentença), tendo sido alegada a contrariedade com o art. 195.º CPC, verificamos que a falta de referência de um depoimento testemunhal na fundamentação da decisão de facto não integra os vícios a que se refere aquele normativo.

Os atos a que se refere o preceito são os que integram o rito processual que constitui o pressuposto da decisão de mérito.

Ainda que assim não fosse e tal omissão se revelasse suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sempre estaríamos remetidos para a nulidade da própria decisão, a avaliar nos termos do art. 615.º/1 b) CPC. Porém tal nulidade só ocorre quando faltem, de todo, os factos ou a motivação dos mesmos, e não a simples deficiência da fundamentação (ac. STJ, de 9.12.2021, Proc. 7129/18.7T8BRG.G1.S1).

Indefere-se, por isso, a pretendida nulidade processual.

Ademais, relativamente a este testemunho nos deteremos mais adiante.

Da impugnação da decisão de facto

Antes de ponderar a impugnação dos factos trazida aos autos pela Ré, vejamos, em traços gerais, o conteúdo da contestação que apresentou nos autos:

Afirma a Ré que os RR. passaram a viver na Venezuela, desde 1990, ou seja, há mais de 30 anos à data da contestação (que é de 21.1.2022) – art. 5.º da contestação; foi naquele país que nasceram os três filhos do casal (art. 7.º) e foi lá que construíram o seu património, imóvel, sociedades comerciais, automóveis… (art. 8.º); não pretendiam vir para Portugal, senão pontualmente para passar férias (art. 9.º), nem fazer neste país qualquer investimento (art. 10.º); a Ré só veio para Portugal com o filho mais novo, depois de se separar do R. (em 2019) e por uma situação humanitária ligada à crise socioeconómica da Venezuela (arts. 12.º e 15.º); os AA. são pessoas íntegras e inatacáveis do ponto de vista moral, sabendo estes que na escritura de compra e venda está referido terem os RR. transferido divisas para Portugal para compra do apartamento dos autos, tendo pago a sisa e referindo-se na escritura complementar que o imóvel se destinava à habitação dos RR. (arts. 37.º a 39.º); foi intenção dos AA. oferecer este apartamento aos RR. (art. 43.º), tendo ficado decidido que o apartamento ficaria em nome dos RR., mas com usufruto vitalício dos AA. (art. 45.º) pelo que as despesas com aquisição e pagamento do mútuo foram integralmente pagas pelos AA., que negociaram com o Banco as condições do financiamento (art. 46.º), tendo os RR. vindo a Portugal outorgar a procuração, mas sem pensarem sair da Venezuela para vir para o nosso país (arts. 51.º e 52.º); o usufruto não ficou constando da escritura porque, se assim fosse, não poderiam beneficiar da isenção parcial de imposto de sisa e das vantagens de crédito concedidas a emigrantes (arts. 55.º e 56.º); quando em Portugal, os RR. instalavam-se preferencialmente em casa dos pais da Ré (arts. 59.º a 63.º), o que sucedeu até setembro de 2019, quando os RR. se separaram (art. 65.º), pelo que a posse dos AA. sobre o apartamento corresponde a mera tolerância dos RR. (art. 62.º), que continuam a receber correspondência naquela casa (arts. 75.º e ss.); os AA. são usufrutuários do imóvel (art. 99.º)

Fizemos esta breve resenha pela argumentação expendida pela Ré na contestação porque se nos afigura, antes de mais, ser esta peça esclarecedora da posição da demandada, distinta até das suas próprias alegações de recurso.

Não há dúvida alguma que quem negociou e pagou o preço e despesas inerentes ao imóvel foram os AA. (sendo irrelevante que, formalmente, as prestações das amortizações fossem debitadas aos RR., o que teria que acontecer porque o mútuo foi contraído em nome destes) e que os RR., nascidos na Venezuela (como também refere a A.) construíram o seu património nesse país e nunca pretenderam vir para Portugal (só pontualmente em férias), nem aqui pretendiam fazer qualquer investimento, como afirma a Ré por diversas vezes na contestação.

Recorde-se que ação proposta pelos AA. não se destina a declarar a nulidade do contrato de compra e venda e o de mútuo com base em simulação negocial, situação que, obviamente, não interesse nem aos AA. nem à Ré contestante porquanto implicaria a restituição do imóvel à empresa vendedora e a devolução do financiamento concedido pelo Banco ou, quando muito, o reconhecimento de um negócio dissimulado (doação com reserva de usufruto vitalício para os doadores), o que também parece não interessar à Ré, que o não pede em reconvenção.

Certo é, porém, que por AA. e Ré são alegados factos que concitam o concilium fraudis, próprio da figura de vício a que alude o art. 240.º do CC.

Para os AA. o vício consistiria em quererem comprar para si mesmos o imóvel e terem recorrido aos RR., como homens de palha – interposição fictícia de pessoas – com o fim de conseguir mais vantagens nas condições de financiamento e nos impostos devidos.

Para a Ré, os demandados não pagaram dinheiro pelo imóvel e este ter-lhes-ia sido doado pelos AA., pelo que os RR. não seriam compradores nem mutuários, como se encontra descrito na escritura e documento anexo, acrescendo que o pretendido entre AA. e RR. é que os primeiros ficassem sendo usufrutuários vitalícios do bem, embora tal não ficasse consignado (foi omitido) exatamente com o intuito de que os putativos compradores beneficiassem de condições mais favoráveis de financiamento e impostos.

De uma forma ou de outra, o teor da escritura e documento anexo não correspondem à realidade histórica ocorrida, sendo outra a verdade deste negócio, seja ela a indicada pelos AA., seja a indicadas pela Ré contestante.

De modo que, parte da contestação da Ré e das suas alegações de recurso surgem contraditórias entre si, pois afirmam serem os AA. pessoas íntegras e inatacáveis do ponto de vista moral e que por isso, sabiam, que na escritura se refere a transferência de divisas pelos RR. para Portugal para compra do imóvel e pagamento da sisa, quando admite expressamente que o imóvel foi pago pelos AA., que foram quem negociou a compra e o financiamento, sendo por isso falsa a afirmação contida na escritura sobre a transferência de divisas pelos RR. para Portugal com vista à compra, quando, de facto, segundo a Ré, se tratou de uma doação.

Depois, não obstante a integridade e alto padrão ético-moral dos AA., a pretensão de que estes ficassem sendo usufrutuários da fração – o que seria essencial para definir a sua qualidade real em relação ao imóvel – não ficou descrita na escritura porque, se assim fosse, o empréstimo negociado pelos AA. para aquisição do imóvel já não beneficiaria das condições especiais para emigrantes e da isenção parcial do imposto de sisa.

Sendo assim, fora de cogitação terem sido os AA. quem escolheu, negociou e pagou o imóvel, não sendo verdade o que se afirma na escritura quanto a serem os RR. os compradores e devedores do mútuo pago pelos pais do R.

Outra consideração se impõe, antes de adentrarmos na prova efetuada em audiência, os RR. não viviam em Portugal, não pretendiam vir para este país, nem aqui efetuar qualquer investimento, como afirma a Ré. Sendo assim, destinando-se o imóvel a ser sua propriedade e não visando o então casal fazer investimento neste país, tratando-se de uma doação, por que razão os AA. não lhes doaram um imóvel na Venezuela por ser era nesse país que os RR. residiam aquando da compra?

Quanto ao facto de apenas em 2021, os AA. virem a tribunal pedir que se lhes reconheça a propriedade a título de usucapião, o mesmo é absolutamente compreensível. Pais (e sogros) tinham uma relação pacífica com filho e nora, como esta reconhece em contestação, e são avós dos três filhos do extinto casal, pelo que, sendo pacíficas as relações familiares, normal e aceitável seria que não encetassem anteriormente esta via judicial, porque o seu património (onde consideravam incluído este apartamento) haveria de vir a pertencer também ao seu filho e netos. Coisa diferente sucedeu quando, em 2019, os RR. se separaram, vindo a divorciar-se em 2020, altura em que a Ré, na ótica dos AA., ficaria com metade desta parte do património, prejudicando, assim, o R. e a sua irmã, agora também A.

Isto posto, avaliemos o que se diz no recurso, no qual verificamos ter a impugnação de facto sido iniciada pelo debate sobre os testemunhos, declarações e sua credibilidade (e, ainda, assim, no geral, sem endereçar estas alegações aos factos concretos impugnados[2]), para só depois se fazer menção dos factos que haveriam de ser considerados provados ou não provados.

Porque esta sequência é desprovida de lógica e foge ao rito processual [haja em vista o disposto no art. 640.º, n.º 1 em cuja alínea a) se alude à impugnação dos concretos pontos de facto em que se funda a dissidência do recorrente e, só depois, na al. b), se impõe o cotejo da prova] será pelos factos que iniciaremos a apreciação da impugnação de facto

Neste contexto, vemos pretender a Ré seja alterado o teor dos factos com os n.ºs 16, 21, 22, 31, 33, 34, 37, 40 e 41 dos factos provados, passando a ter a seguinte redação:

16 - Em 1996, os AA., então ainda emigrados no estrangeiro e com residência em Portugal, em ..., decidiram adquirir e oferecer aos RR., um apartamento situado em Aveiro, garantindo-lhes que suportariam todas as despesas com a aquisição da fração e pagamento do mútuo.

21 - Os RR. eram emigrantes no estrangeiro e tinham, então, menos de 30 anos de idade, e foram representados pelo A., AA, como compradores e mutuários na escritura pública de compra e venda e de mútuo com hipoteca.

22 — O imóvel seria adquirido para integrar o património dos RR., por oferta dos AA.

No tocante aos factos 16, 21 e 22, está em causa saber se os AA. compraram o imóvel para si, recorrendo aos RR., como personagens fictícias interpostas, ou se, ao invés, os AA. pretendiam doar o imóvel aos RR., que o não negociaram, nem pagaram, ao contrário do que se afirma na escritura.

Num caso ou noutro, como vimos, e apesar de não ter sido alegado especificamente (nem pedido), há indícios de simulação negocial, embora estes factos não sejam essenciais para conhecer a pretensão da demanda com base na aquisição por usucapião (originária e não derivada), servindo apenas para contextualizar os factos que respeitam à posse, suas caraterísticas e duração.

Neste contexto, a Ré começa por impugnar as declarações de parte do co-R., seu ex-marido, por se tratar de litisconsórcio necessário passivo (art. 33.º CPC), sendo que aqui rege o disposto no art. 288.º/2 CPC: a confissão de apenas um dos litisconsortes necessários só produz efeitos quanto a custas.

Afastado, assim, o depoimento de parte do R. quanto aos factos não aceites pela sua litisconsorte, a Ré contestante.

Do mesmo modo e pela mesma razão, se afastam as declarações da Ré, díspares das prestadas pelo litisconsorte.

Porém, o tribunal a quo não se apoiou apenas neste depoimento, tendo convocado testemunhos que se afiguram ser equidistantes, mormente o de FF, filha do sócio-gerente da sociedade vendedora da fração, e HH, amigo dos AA. desde os anos 80 e, como eles, ex-emigrante na Venezuela.

Afirma, de imediato a Ré, não poder recorrer-se a estes testemunhos, por força da proibição constante do art. 394.º/1 e 2 CC, que dispõe ser inadmissível o recurso a prova testemunhal para prova de convenções contrárias ou adicionais ao documento autêntico (aqui se incluindo o acordo simulatório e o negócio dissimulado).

Se se levasse à letra este normativo, obviamente também não poderia a Ré demonstrar que o imóvel lhes foi doado pelos AA. com reserva de usufruto para estes, como pretende, ainda que o não peça, limitando-se a defender-se por exceção impeditiva.

Porém, a interpretação deste preceito é, há muito, sujeita a cambiantes especiais.

Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do CC, já aludia a duas exceções ao princípio agora exposto: quando existisse um início de prova por escrito, por parte daquele contra quem a ação fora proposta ou quando da qualidade das partes, da natureza do contrato ou de outras circunstâncias, fosse verosímil a existência daquelas convenções, fora do contrato; quando o contraente estivesse moral ou materialmente impossibilitado de se munir de prova escrita das convenções.

Apesar destas exceções não terem passado para o CC atual, tem-se considerado que a existência de um princípio de prova documental complementar do testemunho não colide com a letra do preceito (cfr. Rita Gouveia, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCEditora, 2014, p. 394 a 396[3]).

Diz a recorrente, porém, não existirem aqui documentos que constituam princípios de prova que tornem verosímil o testemunho de FF (diferente do alegado pelos AA. em pormenores sem relevo, o que é compreensível, posto que a venda remonta aos anos 90 do século passado; estranho seria que o depoimento reproduzisse ipsis verbis a alegação dos demandantes) baseada no que foi o procedimento de venda do seu pai, que tinha muitos clientes na Venezuela, sabendo que o imóvel se destinava aos AA. que aí se instalaram definitivamente por volta do ano 2000, tendo antes, aí permanecido apenas quando vinham da Venezuela, em férias. Afirmou que o procedimento de utilizar contas poupança emigrante para pagar menos imposto de sisa e juros mais baixos era o mais habitual na época. Também o depoimento de HH, que foi quem informou o A. dos imóveis disponíveis para comprar, em Aveiro, disse que os AA. os convidava a ir “à sua casa”, tendo apenas aí visto os RR. uma única vez.

A equidistância, objetividade e natureza coeva dos seus conhecimentos justificam de pleno o crédito que lhes foi atribuído em primeira instância.

Mas, para além disso, existem documentos que constituem indícios de prova de que o imóvel foi comprado em nome dos RR., mas para os AA., que deste modo quiseram aproveitar-se das condições de financiamento e impostos de que beneficiavam os demandados por, sendo emigrantes, serem ainda jovens.

Desde logo, se o imóvel se destinasse aos RR., os AA. não pagariam o IMI, como se vê dos docs. 27 a 33 (e foi corroborado pela testemunha YY, administrativa ao serviço dos AA, desde 2013, que efetuava as transferências para este efeito- não se vê onde consta na lei a referência a que a prova de pagamento do IMI haja de ser feita documentalmente), não tendo a Ré, ao invés, junto qualquer documento de prova do cumprimento desta obrigação fiscal anual por parte dos demandados, desde a data da aquisição até à atualidade.

Há, depois, todo um conjunto de atas do condomínio onde o A. esteve presente, embora formalmente constasse aí como proprietário o filho, porquanto seria em nome deste e mulher que formalmente o imóvel se encontrava.

No tocante às testemunhas indicadas pela Ré (mormente as indicadas nas conclusões de recurso, ponto 22), o tribunal recorrido foi claro em desconsiderar a sua valia porque não conheciam sequer o apartamento, não aludindo a factos que infirmassem aqueloutros alegados pelos AA. relativamente à sua situação possessória – que é o único tema da ação – limitando-se aludir a uma vaga intenção de os RR. se mudarem para Portugal (o que a Ré negou na contestação) e à existência de um apartamento propriedade dos RR., em Aveiro, sem qualquer referência aos contornos do negócio de 1997.

Ora, o importante, no segmento do julgamento de facto, é a consideração de que este não é uma operação despida de alguma subjetividade, conquanto a mesma seja explicitada na motivação da decisão e, por via disso, sindicável.

A reconstrução do passado, de um dado recorte da vida, depende dos meios ao dispor, das provas efetuadas e de entre estas, dos testemunhos e documentos. Os testemunhos encerram em si muito do que é a perceção pessoal, o filtro ou a lente própria que cada pessoa transporta na sua observação da realidade. Depois deste, há a memória e o que nesta permanece, mais ou menos reforçada pelas motivações e enviesamentos próprios, sem esquecer o grau de afastamento ou proximidade com as partes e a noção do que seja uma solução justa. De modo que, como Schopenhauer, pode concluir-se que “a verdade e objetividade de uma afirmação e sua validade em termos de aprovação de opositores e ouvintes são duas coisas muito distintas”[4], isto porque Dico ego, tu dicis, sed denique dixit et ille. Dictaque post toties, nil nisi dicta vides[5].

É neste contexto fluido que se constrói a convicção judicial, a intime conviction na terminologia francesa ou a legal reasoning, para os anglo-saxónicos. Também ela é própria e pessoal, se bem que norteada pelo legislador segundo um critério de prudência em cuja concretização intervêm vetores diferentes como a experiência, o senso comum e mesmo a imediação.

É, pois, por via desta fluidez que o art. 662.º/1 CPC prevê o dever funcional a cargo da Relação de alterar a decisão sobre a matéria de facto apenas quando os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Assim, cumprido o ónus a cargo do recorrente que impugna a matéria de facto no recurso de apelação, que consiste em especificar, sob pena de rejeição do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (art. 640.º CPC) e os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo da gravação nele realizada que imponham decisão diversa da recorrida, a Relação deve reapreciar os meios de prova indicados relativamente a esses pontos da matéria de facto que o recorrente questiona, almejando uma autónoma convicção probatória – por isso se fala de segundo grau de julgamento da matéria de facto

Resulta daqui que a Relação só pode alterar as respostas dadas à matéria de facto quando a reapreciação da prova conduza com segurança a um resultado diverso, não se exigindo apenas erro notório.

Sobre a forma como há-de processar-se a reapreciação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, foi proferido ac. pelo STJ, em 7.9.2017, no processo nº 959/09.2TVLSB.L1.S1:

“1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.

2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.

3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.

(…)

5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.

Ainda sobre a questão do critério a seguir na reapreciação da decisão da matéria de facto, veja-se o ac. RC de 7.2.2017 (3029/15.0T8VIS.C1);"O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.

Comentando este ac., escreve Teixeira de Sousa, a 18.5.2017, no blogue do IPPC:

É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida.

Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância.

É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.

Tendo presentes estas considerações, verificamos que o recurso da Ré, neste tocante, não coloca em causa o raciocínio da primeira instância, quanto à não aceitação daqueles testemunhos, verificando-se que alguns dos argumentos que a Ré invoca (os AA., há muito, poderiam ter reivindicado o imóvel) ficaram afastados nas considerações previas que tecemos ao abrir o capítulo da impugnação da decisão de facto.

Sequer há contradição entre factos provados e não provados e motivação, posto que o testemunho de NN, irmã da Ré, além do parentesco que a liga à parte se refere ao que terá ouvido dizer à mãe de ambas, já falecida. O mesmo testemunho de ouvir dizer (ao que parece, ao seu pai), sucedeu com as testemunhas LL e MM.

O mesmo se diga quanto aos depoimentos de JJ e KK, nos termos a que acima se fez referência, reportando-se o seu conhecimento ao que lhe terá sido dito mais recentemente pelos RR. quanto a uma vaga propriedade em Aveiro. A testemunha OO apenas referiu que, uma vez (talvez em 2005-2006), encontrou o A. que lhe disse que agora residia em Aveiro (sendo que, já anteriormente, os AA. usavam a casa como domicílio próprio), porque teria comprado um apartamento para o filho, facto que não permite a posse pelos AA.

Nenhuma destas testemunhas alude a poderes de facto dos RR. sobre o imóvel, com intenção de domínio, que se oponha aos alegados pelos AA.

Mantêm-se, pois, os pontos 16, 21 e 23 constantes da sentença.

31 - Pagaram o IMI devido pela propriedade do imóvel relativo aos anos de 2009, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2020.

Não se altera este facto porquanto, encontrando-se juntos aos autos os documentos de pagamento do IMI destes anos, não resulta que os RR. tenham pago o que quer que seja nos restantes anos, sendo perfeitamente verosímil, face ao contexto dos restantes factos, o que consta em 31 da sentença recorrida. Caso contrário, há muito existiram execuções fiscais pelo não pagamento deste imposto.

33 - Decidem realizar, contratam quem as faça e custeiam a expensas suas as obras de conservação, reparação e remodelação da cozinha.

Neste tocante, não se altera a redação do ponto 33, porquanto tendo-se as testemunhas YY e TT referido especificamente à remodelação da cozinha, WW, eletricista e canalizador, mencionou ter efetuado vários trabalhos na fração por conta dos AA.

34 - Pagam a expensas suas as despesas do respetivo condomínio, em cujas assembleias de condóminos o A. comparece.

O facto constante da sentença recorrida é ligeiramente alterado porque foi afirmado em audiência pela testemunha FF, proprietária de uma fração no mesmo prédio, que foi, em conjunto com o A., administradores do condomínio, e pela testemunha PP, que foi administrador do condomínio, mas existe a ata de fls. 279, a primeira efetuada pela assembleia de condóminos, em setembro de 1998, onde o R. é feito constar como presente ou representado.

O ponto 34 passa a ter a seguinte redação:

34 – Os AA. pagam a expensas suas as despesas do respetivo condomínio, em cujas assembleias de condóminos o A. comparecia, até ao seu falecimento, votando nelas o que o bem entendesse, tendo o R. estado presente apenas na primeira reunião da assembleia de condóminos, que ocorreu a 30.9.1998.

37 - Continuamente, a partir de janeiro/fevereiro de 2002, e sem interrupções.

Não se altera este facto que, aliás, está em consonância com os factos dados como provados em 14, 28 e 29.

40 - E também ficaram a dormir, algumas vezes, na fração identificada em 3.

É irrelevante se os RR., nas férias, algumas vezes pernoitaram na residência dos AA. por haverem sido convidados por estes, ou não. Sendo absolutamente normal que os filhos visitem os pais e permaneçam em casa destes, quando em férias (e mesmo mantendo as chaves da casa dos pais, o que sucede inúmeras e normais veze, na vida dos filhos que já constituíram família e não habitam em casa dos pais), sendo certo que o faziam, na maioria das vezes, em casa dos pais da Ré (facto 39).

Pelo que se não vê razão para não alterar o ponto 40 que, assim, passa a ter a redação proposta pela recorrente.

41 - Em meados de julho de 1995, os RR. viviam na Venezuela e não tinham no seu horizonte de vida regressar a Portugal.

O que consta do ponto 41 dos factos dados como provados na sentença corresponde, afinal, ao descrito pela Ré na sua contestação, como acima tivemos ensejo de enunciar, pelo que se mantém.

b. ser eliminados dos factos provados os n.ºs 23, 24, 28 e 38.

Elimina-se o ponto 23 porque, além de inócuo, foi afirmado apenas pelo co-R. cuja confissão já afastámos.

Ponto 24: o doc. 10 junto com a pi refere o A. como sendo o contratante com H... (gás natural), pelo que se mantém este facto provado, não sendo indispensável a junção do contrato firmado com a fornecedora do gás.

Ponto 28: A referência à garagem como sendo separada do apartamento (pretensão da recorrente) não é correta, posto que a fração integra o apartamento e a garagem, sendo uma fração única e sendo, por isso, um único e mesmo bem. Quanto à época em que os AA. passaram a usar a fração - antes de virem definitivamente para Portugal -, é afirmado pela Ré, no art. 164.º contestação o seguinte; “tendo os AA. e RR. acordado que os AA. ocupariam o imóvel depois da aquisição da propriedade”. A testemunha HH referiu que os AA. regressaram em definitivo, a Portugal, em 2002 (depois da entrada de Portugal no euro), mas antes disso, terão aí passados férias, não aludindo concretamente ao tempo em que tal se iniciou. A testemunha FF não mencionou a altura em que os AA., antes de regressar a Portugal em definitivo, ali passaram a residir, quando em férias. A testemunha PP, que também habita o mesmo prédio, desde há “vinte e poucos anos”, referiu que os AA. terão passado aí a habitar sensivelmente na mesma altura. Mas a testemunha VV, empregada de limpeza que iniciou funções, ao serviço dos AA., em 2000, altura em que os AA. só vinham cá passar férias.

Sendo assim, o ponto 28 passa a ter a seguinte redação:

28 – Após a compra, pelo menos a partir de 2000, os AA. passavam férias na fração identificada em 3.

Ponto 38: Este ponto mantém-se, correspondendo ao já mencionado, quanto ao exercício de poderes de facto e à razão pela qual o imóvel se acha sob a titularidade formal dos RR., sendo que a regra legal, prevista no art. 1252.º/2 CC, é quem em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto.

c. ser eliminado dos factos não provados que:

1. em julho de 1995, os AA. manifestaram o seu gosto e vontade de oferecer um apartamento aos RR., o que estes aceitaram e agradeceram;

2. ficou assente entre AA. e RR. que o imóvel seria adquirido para os RR., ficando os AA. a usufruir vitaliciamente o mesmo.

Estes factos permanecem não provados posto que, tendo sido alegados pela contestante, não colheram respaldo algum na prova produzida. Ao contrário, como já se mencionou, a compra apenas formalmente ficou em nome dos RR., por razões também congruentes com o que era o hábito na época.

d. ser dados como não provados os seguintes factos:

A. Os RR. comprometeram-se a, depois de integralmente pago o empréstimo contraído, transferirem para os AA. a titularidade do imóvel.

Facto já acima eliminado (ponto 23).

B. Ainda no decurso do ano de 1997, os AA. passaram a residir na fração identificada em 3 dos Factos Provados e a ocupar a respetiva garagem, sempre que se encontravam em Portugal, onde todos os anos permaneciam períodos superiores a um mês.

Matéria já tratada no ponto 28.

C. Na convicção e pressuposto de que o imóvel (apartamento e garagem) lhes pertence e de estarem a exercer um direito próprio.

Matéria já tratada no ponto 38.

D. O A. celebrou em seu próprio nome o contrato de fornecimento de gás natural à fração junto da E..., S.A.

Matéria tratada no ponto 24.

Ser aditados aos provados os seguintes factos:

42 - RR. e AA. acordaram que estes usariam a fração identificada em ., uma vez que os RR. viviam na Venezuela e não tinham no seu horizonte de vida regressar a Portugal;

Que os AA. usaram desde há muito a fração está já dado como provado, mas não que tal tenha sucedida por causa de acordo com os RR., estes na qualidade de donos, e de estes não terem no seu horizonte o regresso ao nosso país, pelo que se não dá como provado este facto.

43 - Na ata da reunião do condomínio do Edifício ... n.º ... de 30.09.1998, está o R. identificado como condómino da fração "K" do referido imóvel;

44 - A ata da reunião do condomínio do Edifício ... n.º ... de 30.09.1998 está assinada por todos os condóminos (à exceção do condómino da fração "G"), entre os quais a testemunha PP e GG, sócio-gerente da empresa A..., Ld.ª, que nessa reunião representou o R.

Como é evidente, figurando os RR. como titulares formais da fração, as atas relativas às assembleias do condomínio referem-se àquela titularidade formal, sendo inconsequentes estes factos, mas que correspondem ao constante da ata em apreço, já antes mencionada, pelo que se dão por provados.

45 - Pelo menos entre abril de 2018 e setembro de 2021, foi remetida aos RR. correspondência diversa para o endereço da fração identificada no n.º 3 dos factos provados.

De igual modo, a remessa de correspondência para a casa, estando os RR. no estrangeiro, ou mesmo depois do seu regresso, surge natural, por ali habitarem os pais do R. e está sobejamente demonstrada nos autos.

Por isso, dá-se como provado o seguinte:

42 – Estando os RR. ausentes na Venezuela e mesmo após o seu regresso, muita da correspondência que lhes era endereçada foi remetida para o apartamento onde residiam os pais do R.

46 - Nas atas da reunião do condomínio do Edifício ... n.ºs .../... de 5.07.2018, 23/2019 de 7.06.2018, 24/2019 de 26.09.2019, 25/2021 de 8.07.2021, 26/2021 de 16.09.2021 e 27/2022 de 7.07.2022, estão os RR. identificados como condóminos da fração "K" do referido imóvel;

O mesmo que em 43 e 44, pelo se não dá como provado. De resto, estando em causa exercício de poderes de facto (art. 1251.º CC), a menção do nome dos titulares registrais nas atas das assembleias de condóminos é anódina para o fim aqui em causa, como veremos infra.

47 - Pelo menos entre 8.09.2018 e 23.02.2023 foi remetida pela empresa administradora do condomínio ao R., enquanto proprietário e condómino da fração "K", sendo a mesma enviada para o e-mail da R.;

Matéria irrelevante para efeitos de demonstração de poder de facto e porque, sendo titular formal da fração, era absolutamente natural que correio eletrónico do condomínio lhe fosse dirigido.

48 - Consta da ata n.º ... da reunião do condomínio do Edifício ... realizada em 5.07.2018, a aprovação pela unanimidade dos condóminos presentes que «Os condóminos que pretendam ser convocados, notificados ou informados de todas as situações relativas ao condomínio, por e-mail, devem assinar uma declaração junto da Administração para este efeito. Fica claro que, a partir do momento que o façam, aceitam como válido para todos os efeitos, excepto contencioso, este meio de notificação.»

Indefere-se pelas razões já mencionadas em 47.

49 - Foi o autor pelo seu próprio punho, ou alguém a seu mando, que em 8.08.2018, preencheu e enviou à empresa gestora do condomínio do prédio, a declaração de consentimento para o tratamento de dados.

Indefere-se pelas razões mencionadas em 47 e por ausência de prova quanto a este facto.

50 - Na qual foram os réus identificados, respetivamente como proprietário do imóvel e respetivo cônjuge - cfr. doc. de fls. 140 v.º.

51 - Sendo que o nome, o número de contribuinte e a assinatura da ré foram apostos na referida declaração pelo próprio punho desta.

52 - Documento esse que foi remetido pelo correio em sobrescrito do qual consta como remetente «DD, R. Dr. XX no 9 20 Esq. ... Aveiro» - cfr. doc. n.º de fls. 141.

53 - Os recibos de quotas de condomínio n.º 7, de 8.09.2018, n.º 11, de 12.10.2018, n.º 15, de 15.11.2018, n.º 21, de 26.01.2019, n.º 29, de 25.03.2019, n.º 30, de 25.03.2019, n.º 38, de 17.06.2019, n.º 41, de 19.07.2019, n.º 47, de 20.09.2019, n.º 51, de 27.09.2019, e n.º 221 de 7.09.2022 estão emitidos em nome do R.

54 - A declaração de pagamento de quotas de condomínio pagas durante 2022 para efeitos de IRS, emitida pela empresa de administração com data de 25.01.2023, está em nome do R.

Indefere-se a inclusão de todos estes factos pelas razões apontadas em 47.

Fundamentos de Direito

A presente ação tem, prioritariamente, a natureza de ação de simples apreciação positiva, embora também se peça a condenação ao reconhecimento do direito que os AA. pretendem ver declarados na sua titularidade.

As ações de simples apreciação (art. 10.º/3 a) CPC) têm em vista a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, caracterizando-se pela ausência de violação ou de lesão de um direito. “A acção de mera declaração desempenha, assim, uma relevante função social, na medida em que previne possíveis litígios e garante a certeza do direito e das relações jurídicas, contribuindo deste modo para o incremento dos negócios jurídicos” (A. de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 114).

A declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto deve ser motivada por um conflito existente entre o titular de um direito e outrem ou por um estado de incerteza objetivamente determinado que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da relação jurídica.

Neste caso, os AA. invocam a aquisição originária de um imóvel cuja titularidade formal, por força de aquisição derivada, bem como o registo predial, pertence aos RR.

O AA. invocam a usucapião.

Vejamos os contornos abstratos da usucapião.

A usucapião (art. 1287.º Código Civil) é um modo de aquisição originária de direitos reais que corresponde à prescrição positiva ou aquisitiva. A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo.
Porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido - a posse que interessa para efeitos de usucapião não é a posse causal, ou seja, a posse conforme com um direito que inquestionavelmente se tem e de que representa simples exteriorização; é a posse formal, correspondente a um direito que comprovadamente se não tem ou que poderá não se ter, mas cujos poderes se exercem como sendo um titular, posse vista com abstracção do direito possuído, algo com existência por si, susceptível de conduzir, pela via da usucapião, à aquisição do direito, caso não se seja, já, senhor dele (Galvão Telles, O Direito, 121.º - 652)” (Acórdão do STJ, de 9.2.2017, Relator Silva Gonçalves, in www.dgsi.pt).
“Subjacente a esta orientação está a prevalência de interesses ligados à estabilidade e segurança jurídica que conduzem à consideração de que não faz sentido que, perante um longo período de tempo, se eternizem situações de incerteza pelo que se permite a realização das expectativas criadas à luz de uma prolongada configuração factual. Em suma, o sistema jurídico admite que certas situações de facto adquiram tutela jurídica e possam dar lugar ao reconhecimento de direitos em homenagem a interesses de natureza social e económica que acolhe como relevantes” (Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2011, pág. 62).
Cabe, em primeiro, verificar o que é a posse,

A posse encontra-se definida no art. 1251.º Código Civil como o exercício de poderes de facto (corpus) acompanhado pela intenção jurídico-real, i. é, a vontade de agir como titular de um direito real (animus). A prova dos factos relativos ao corpus faz presumir a existência de animus por parte daquele que exerce os poderes em que se consubstancia a materialidade da posse (art. 1252.º, n.º 2 Código Civil).

A posse “envolve, portanto, um elemento empírico – exercício de poderes de facto – e um elemento psicológico-jurídico – em termos de um direito real (...). Elementos (...) interdependentes ou em relação biunívoca”, assim, Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, 122, 105, que, como outros autores, propende para a ideia subjetiva do animus, sendo que atualmente alguns autores manifestam uma postura subjetiva acrítica, aludindo alguns (ao invés de corpus/animus) a um reconhecimento pela comunidade (veja-se A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XIII, Direitos Reais, 1.ª Parte, 2022, p. 602).

A jurisprudência tem vindo a considerar a conceção subjetivista, mas mitigada com a referência ao art. 1252.º/2 CC.

Assim, no AUJ, de 14.5.1996, onde se diz o “corpus” de uma situação possessória permite-nos presumir o respetivo “animus”, nos termos do n.º 2 do art.º 1252º do C. Civil. Uma vez assente o exercício de um poder de facto sobre a coisa, deve presumir-se que quem o exerce o faz com a convicção própria de um titular do direito correspondente a essa utilização, recaindo sobre a parte contrária o ónus de ilidir essa presunção.

No ac. STJ, de 12.9.2019 (Proc. 1333/15.7T8LMG.C1.S1), escreveu-se: Por força do disposto no art. 1252.º do CC, a presunção quanto à existência do elemento subjetivo da posse, a ser extraída de factos que revelem o exercício do poder de facto sobre a coisa, não pode ter lugar em qualquer caso, devendo ser conjugada com uma outra presunção, a contida no n.º 2 do art. 1257.º, segundo o qual se presume que a posse continua em nome de quem a começou.

Assim, é significativa nesta área a presunção que resulta do n.º 2 do art. 1252.º CC, segundo a qual, exercendo poderes de facto (corpus) também se presume o animus, numa manifesta “tutela da aparência” (Armando Triunfante, anotação I ao art. 1252.º, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2021, p. 25), ou seja, na dúvida, resolve-se a favor de quem, aparente e publicamente, surge como possuidor. Para não ser assim, terá de ser o outro interessado, a contraparte, a demonstrar a ausência de animus do detentor de poderes de facto, por se tratar de uma presunção ilidível, sendo que, na dúvida, ainda, se presume a posse em nome de quem a começou (art. 1257.º/2).

A posse adquire-se, desde logo, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (art. 1263.º a) CC) – é o apossamento ou tomada do controlo da coisa. Se o possuidor invocar a usucapião, o momento do início da posse retrotrai-se com a data do seu início (art. 1288.º).

Trata-se aqui de atos materiais e não de atos jurídicos.

No caso dos imóveis, explica Armando Triunfante (cit., p. 50), que não bastará uma ou duas passagens no prédio, a colheita de frutas, a pernoita por algumas noites (posto que a norma alude a reiteração e não ato casual[6]), sendo necessário que a ocupação da casa seja acompanhada por outros atos materiais, como a troca de fechaduras, a colocação de objetos dentro do imóvel, etc…

A posse tem de ser, ainda, pública e pacífica (arts. 1293.º, al. a), 1297.º e 1300.º, n.º 1 Código Civil). A posse pode revestir diversas características, nomeadamente, ser titulada (art. 1259.º, n.º 1 Código Civil), isto é, fundada numa “justa causa de atribuição ou constituição do ius in re, produtora, em princípio, daquele efeito jurídico-real” legítimo, ou seja, “existente (...) e susceptível em abstracto de atribuir ou constituir aquele direito” (Orlando Carvalho, ibidem). Não é titulada a posse quando o título aquisitivo padece de vícios formais, como resulta, a contrario sensu, do art. 1259.º, n.º 1 Código Civil.

Nos termos do art. 1268.º/1 CC estabelece-se a favor do possuidor a presunção legal da titularidade.

O registo predial tem também uma eficácia presuntiva, nos termos do art. 7.º do Código do Registo Predial.

Em caso de conflito, prevalece o registo, se for mais antigo do que a posse.

Porém, o registo anterior à posse pode não prevalecer sobre esta se o possuidor invocar a usucapião posto que a aquisição assim invocada é originária e faz ceder qualquer registo existente, uma vez que a relevância da usucapião na nossa ordem jurídica decorre “da circunstância de vigorar, no nosso país, um sistema de registo meramente declarativo, ligado a um «sistema do título» e, por isso, a um princípio da causalidade e a um princípio da consensualidade em matéria de atribuição e de aquisição de direitos reais” (Vassalo Abreu, apud Mónica Jardim, Efeitos Substanciais do Registo Predial, Terceiros para Efeitos do Registo, 2013p. 786, nota 1486).

No mesmo sentido, ac. STJ de 5.5.2016 (Proc. 5562/09.4TBVNG.P2. S1): III - A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, sendo proporcionada pelo exercício da posse – sctricto sensu e não a posse precária ou detenção –, durante um certo período de tempo (art. 1287.º do CC). IV - A aquisição por via da usucapião, porque é originária, faz ceder o registo anterior ao início da respectiva posse, ainda que o mesmo exista[7].

A posse pode ser de boa ou má fé, consistindo a primeira na ignorância de que se lesam direitos alheios, presumindo-se de má-fé a posse não titulada (art. 1260.º, n.º.2 Código Civil) e também o sendo a posse adquirida de forma violenta (artº 1260º, nº3 Código Civil).

A boa-fé é aqui entendida em sentido subjetivo – desconhecimento desculpável ou não censurável, reportada esta ao momento do início da posse.

Sendo de boa-fé a posse tem, entre outros efeitos, influência nos prazos para aquisição do direito real por via da usucapião

A posse violenta (por oposição à posse pacífica – art. 1261º Código Civil) é aquela que foi adquirida pelo emprego de coação física ou de coação moral (art. 255.º Código Civil).

A posse pública é a que se adquiriu de forma não oculta (art. 1262.º Código Civil), medindo-se a publicidade pelos “padrões de cognoscibilidade (...) à semelhança da doutrina da impressão do destinatário” (Orlando Carvalho, cit., pág. 73).

Invocada a usucapião (art. 1287.º CC), os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288.º do CC), coincidindo a aquisição do direito de propriedade com o momento do início dessa mesma posse (art. 1317.º, al. c), do CC).

Os prazos para a aquisição da propriedade pela usucapião variam consoante as caraterísticas da pose, até ao máximo de 20 anos, se não houver registo do título ou da posse e esta for de má-fé, ou de 15 anos, se for de boa-fé (art. 1296.º).

De regresso ao caso dos autos, vemos que a pretensão é independente de qualquer simulação negocial, pois apoia-se na aquisição originária, a usucapião, figura prevista na lei, desde o Direito Romano, com o fim de dar certeza às expetativas criadas à luz do decurso de um tempo longo.

Referimos que a posse consiste na prática de atos materiais (e não jurídicos) correspondentes ao exercício do correspondente direito real.

Os AA. invocam aqui a posse como tendo sido adquirida por apossamento, como previsto no art. 1263.º, correspondente à tomada de controlo da coisa, retroagindo a posse ao momento do início da mesma.

Não está, por isso, aqui em causa a inversão do título de posse ou a intervensio possessionis, a que alude a al. d) daquele normativo (e o art. 1265.º), pois a aquisição da posse por esta via pressupunha que os AA. não tivessem qualquer contacto com a fração e, a partir de determinado momento, passassem a deter o controlo possessório.

Temos, pois, que verificar se os AA. adquiriram a posse (animus e corpus) por via do apossamento da al. a): prática reiterada e pública de atos materiais (e não jurídicos) correspondentes ao exercício do direito de propriedade.

A resposta é positiva, tendo-se provado, desde logo, terem sido os AA. quem escolheu a fração, quem a pagou, quem suportou e suporta os respetivos encargos fiscais e outros.

Mas, mais do que isso, verdadeiros atos materiais se demonstraram, com reiteração, por parte dos AA.:

Passaram férias no imóvel, antes de se mudarem definitivamente para Portugal e, depois de tal mudança, aí residem de forma permanente e contínua.

Já os RR. viviam na Venezuela, desde a aquisição do imóvel e até há bem pouco tempo, nas férias passavam a maior parte do tempo na casa dos pais da Ré, em ..., tendo pernoitado de quando em vez nesta fração, sempre com os AA. a viverem ali de forma permanente e contínua, não tendo sequer ocupado a fração quando regressaram definitivamente a Portugal.

Como o que interessa para efeitos de aquisição da posse por via do apossamento é prática reiterada de atos materiais, é evidente que o facto de os RR. figurarem nos documentos formais relativos à fração, nenhum relevo tem, do mesmo modo que o não tem o recebimento por sua parte da correspondência do condomínio (em cujas assembleias esteve sempre o A., com exceção da primeira, que remonta a 1998), ou de outras correspondência, tal como receber correspondência num apartado não o torna domicílio do recetor e, menos ainda, torna este possuidor do apartado.

Mais: o que se demonstrou foi que os AA. exerceram verdadeiros atos materiais sobre a fração e o fizeram ao longo dos anos.

Desde logo adquiriram o mobiliário, eletrodomésticos, equipamento de cozinha e loiças que equipam a fração, chegando a levar para ali os móveis que integraram o recheio de uma casa onde haviam residido, noutra localidade.

Recebem naquele espaço, ao longo dos anos, quem os queira visitar, incluindo os RR., à vista de toda a gente, vizinhos, RR., parentes amigos e conhecidos, continuamente e sem interrupções.

Fizeram obras de conservação, reparação e alteração do apartamento, pagam as quotas do condomínio e contrataram a empregada de limpeza que ali trabalha, por conta dos AA., desde o tempo em que estes ainda viviam na Venezuela e apenas ali vinham passar férias.

Está, assim, preenchido o corpus da posse corresponde ao direito de propriedade (e não a qualquer outro direito real menor ou direito de crédito, que não ficaram demonstrados) e, mesmo que não resultasse demostrado o animus (e está: facto 38), o mesmo presumir-se-ia nos termos já expostos.

A aquisição da posse pelos RR., reiterada e pública, por via da al. a) do art. 1263.º CC, está, assim, sobejamente provada.

Em contrapartida, os RR. não alegaram nem demonstraram a prática de atos possessórios ou mesmo de atos de mera detenção sobre o imóvel.

Adquirida a posse, falta verificar se a mesma se reveste das características e tempo necessário para a aquisição por usucapião.

A posse é de boa-fé, conforme decorre do contexto em que os AA. escolheram e pagaram a fração, passando a nela residir e conforme está provado em 38: os AA. ocuparam o espaço não lesando o direito dos RR. porque a propriedade destes era apenas formal, como ficou descrito.

Mesmo que fosse de má-fé, nem por isso se poderia afirmar não estar cumprido o prazo de 20 anos necessário para a prescrição aquisitiva, quando os RR. foram citados (sendo a citação que interrompe o prazo de prescrição – arts. 1292.º e 323.º/1 CC) em 9.12.2021.

É que a posse dos AA. iniciou-se em 2000, altura em que começaram a usar o apartamento para passar férias, pelo que aquele prazo de 20 anos já havia decorrido antes da citação dos RR.

Porém, a posse dos AA. é de boa-fé, como já dissemos, pelo que, mesmo a contar os atos possessórios desde o seu regresso definitivo a Portugal, no começo de 2002, também o prazo de 15 anos previsto no art. 1296.º CC já havia transcorrido.

Por fim, apesar de a Ré não ter feito constar das conclusões de recurso qualquer referência a abuso do direito por parte dos AA., na modalidade de venire contra factum proprium, esta defesa também se não demostrou porquanto o argumento é antitético com o que se demonstrou, que os AA. confiaram no filho e nora para ficarem sendo donos formais do bem, a fim de aproveitarem os benefícios de daí decorriam, estando absolutamente descansados quanto ao exercício de posse correspondente à propriedade até ao momento em que a separação e divórcio entre os RR., com consequente partilha de bens, fez perigar a posse e correspondente direito dos AA.

Ademais, dados os contornos demonstrados quanto à aquisição do imóvel em nome dos RR., nenhuma expetativa legítima destes haveria que salvaguardar em nome do princípio da confiança.

Dispositivo

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Porto, 24.2.2025
Fernanda Almeida
Teresa Pinto da Silva
Mendes Coelho
______________
[1] O assento de casamento encontra-se transcrito na Conservatória do Registo Civil de Águeda, sob o n.º ..., de 2013, tendo sido celebrado em ..., Águeda.
[2] Ao contrário do que, acertadamente, consta da sentença: referência a factos com indicação imediata da prova respetiva.
[3] Na jurisprudência, entre outros, pode ver-se o ac. STJ, de 12.10.2023, Proc. 7227/18.7T8FNC.L1.S1: Quando houver princípio de prova por escrito, que torne verosímil o facto a provar, contrário à declaração constante de documento autêntico, é admissível prova testemunhal para complementar a demonstração, de modo a fazer a prova do facto contrário ao constante dessa mesma declaração.
[4] A arte de ter sempre razão, disponível em português em https://kosmotheories.files.wordpress.com/2016/02/38-estrategias-para-vencer-qual-arthur-schopenhauer.pdf
[5] Eu o digo, tu o dizes, mas, ao final aquele também o diz.
Depois que o disseram tantas vezes, não se vê outra coisa a não ser o que foi dito.
Ibidem.
[6] Na expressão do ac. desta Relação e secção, de 8.3.2021, Proc. 980/20. 0T8PVZ.P1: A posse, enquanto exercício do poder de facto sobre a coisa (retenção e fruição material das suas utilidades) – «corpus» -, com intenção de exercer o direito real correspondente – «animus» -, supõe a demonstração de actos exteriores relevadores desse exercício e, portanto, de actos concretos que sejam dotados de certa consistência e reiteração, não se bastando com a demonstração da prática de actos meramente pontuais ou esporádicos sobre a coisa.
[7] Pode ver-se, igualmente, o ac. STJ, 14.11.2021, Proc. 74/07.3TCGMR.G1.S1, onde se escreveu: Estando-se, agora, no âmbito da aquisição originária do direito de propriedade sobre a questionada parcela. Por via da pretendida usucapião. A qual está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si, em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes registais. Nada podendo fazer o titular inscrito no registo contra a usucapião. Sendo a usucapião a aquisição do direito de propriedade (ou de outro direito) sobre uma coisa (e tratamos agora dos imoveis) em razão da posse com determinadas características (arts 1287.º e ss). A qual necessita de ter certas características e de ser mantida por certo lapso de tempo. Exigindo-se, para que com a mesma se possa aceder à usucapião, uma posse pública e pacífica, variando os prazos, consoante exista registo de mera posse e boa fé, registo de mera posse e má fé, título de aquisição e seu registo e má fé, posse de boa fé e não existência de título de aquisição, nem registo deste sendo a posse de má fé (arts 1294.º a 1297.º). Sendo de 15 anos o prazo para a posse de boa-fé. E de 20 anos o prazo para a posse de má-fé. Ora, provado ficou que a primitiva ré CC ocupa e frui a parcela em questão, por si e ante possuidores, de forma contínua e ininterrupta, com o conhecimento de todos (seja, de forma pública), sem oposição de ninguém até à solicitação aludida em 14 (seja, de forma pacífica). Fazendo-o há mais de 30 anos. Tendo, assim, adquirido a propriedade em apreço por usucapião.