I - Sendo a oposição à execução o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo; no entanto, enquanto neste o efeito preclusivo se dissolve, com a sentença, no efeito geral do caso julgado, tal não acontece no processo executivo, em que não há caso julgado, pelo que nada impede a invocação em outro processo de uma exceção nele não deduzida.
II – Não ocorre abuso do direito na propositura da ação, na modalidade de venire contra factum proprium, se não se prova qualquer conduta da autora no sentido de que a mesma, antes da propositura da ação, algo tenha dito, comunicado, feito ou atuado em contrário da pretensão que exerce por via dela.
III – Havendo processo crime e uma vez que, como se prevê no art. 71º do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado nos casos previstos no nº1 do art. 72º daquele mesmo diploma, onde se conta o arquivamento do processo crime, deve considerar-se, em sede de ação cível baseada em factos constitutivos de crime, que só se inicia a contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498º nºs 1 e 3 do C. Civil com o conhecimento de tal decisão de arquivamento pelo lesado, por aplicação do critério definido no art. 306º nº1 do C. Civil.
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Ana Paula Amorim
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
AA, em 10/12/2020, intentou ação declarativa comum contra Banco 1... S.A., pedindo que, na sua procedência:
“a) Deverá ser declarada a inexistência do contrato de mútuo n.º ...43 porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo;
Caso assim se não entenda,
b) Deverá ser declarada a nulidade do contrato de mútuo n.º ...43 porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo.
c) Em qualquer dos casos, deve a ré ser condenada a pagar à A. a quantia de 7.500,00€, a título de indemnização por danos morais.”
Para tal, alegou, em síntese:
- que, em fevereiro de 2013, a ré intentou contra si ação executiva no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, dando origem ao processo executivo n.º ... – que atualmente corre termos no Juízo de Execução de Lousada – alegando, designadamente, que no exercício da sua atividade e a seu pedido celebrou consigo o contrato de mútuo n.º ...43 - datado de julho de 2008 e por via do qual lhe emprestou a quantia de 5.306,84 euros para aquisição da viatura de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-VE -, contrato esse que constituiu o título ali dado à execução.
- contudo, nunca celebrou o referido contrato de mútuo com a ré; não assinou o mesmo; nunca adquiriu a referida viatura, nunca a teve na sua posse, nem nunca viu a mesma;
- que desconhece quem celebrou e assinou o referido contrato e que, em face do sucedido, apresentou queixa-crime que deu origem ao inquérito n.º ...;
- que a assinatura constante daquele contrato como sendo sua foi falsificada por desconhecidos;
- que a ré omitiu o dever de controlo na outorga daquele contrato de mútuo, sendo que enquanto produtora de tal documento controlou a sua criação e a recolha das respetivas assinaturas;
- que, com base naquele documento, a ré instaurou aquele processo contra si e procedeu a penhoras e que mesmo sabendo que se trata de uma assinatura falsa, que não foi feita pelo punho da autora, prosseguiu processualmente contra si;
- que tudo isto lhe causou transtornos, quer pessoais quer profissionais, e a deixou ansiosa e com receio de lhe vir a ser cobrada uma quantia à qual não deu causa; vê-se perseguida por um cumprimento de um contrato que nunca assinou.
A ré deduziu contestação. Nesta alegou a exceção do caso julgado [formado com o despacho proferido no processo de execução em 3/10/2017 na sequência de articulado superveniente ali apresentado pela executada e ora autora em 28/04/2017, por via do qual, segundo referiu, “pode verificar-se a similaridade com os factos vertidos nos artigos 3º e seguintes da petição inicial, pugnando, in fine, que a ação executiva não deveria prosseguir quanto a si”; segundo ali defendeu, por via do decidido naquele despacho “a factualidade ora descrita na petição inicial, já foi julgada e decidida, não tendo a mesma sido sujeita a recurso ou impugnação, razão pela qual, se consolidou”] e a exceção de prescrição do direito de indemnização da autora [por decurso do prazo de 3 anos previsto no art. 498º nº1 do C. Civil, considerando a data da citação da autora no processo de execução (em 5/7/2013) e a data de propositura da presente ação] e, depois, impugnou os factos alegados pela autora como suporte da sua pretensão indemnizatória, chegando mesmo a defender que a atuação da autora ao intentar a presente ação contra o réu deverá ser entendida como um caso típico de "venire contra factum proprium" e de flagrante abuso de direito, nos termos do art. 334º do C.Civil [alegou, quanto a tal: que a Autora, ao cumprir por um período de mais de três anos o contrato celebrado e atento ao facto de que não apresentou oposição à execução instaurada pelo réu no prazo legalmente estipulado para o efeito, passou para o exterior a ideia de que tudo estava bem e que nada poderia abalar os alicerces do contrato; que ao agir como agiu, durante tanto tempo, criou no réu a legitima expectativa de que nunca arguiria qualquer nulidade do contrato, uma vez que durante pelo menos 40 meses, usufruiu livremente do veículo automóvel a que a quantia mutuada lhe deu acesso; que não se poderá compreender como é que após cumprir com o pagamento de 41 prestações, sem nunca ter suscitado qualquer dúvida ou pretendido qualquer esclarecimento, venha agora intentar uma ação alegando o desconhecimento do contrato e a falsidade da assinatura; que foi aliás a própria autora que propôs o financiamento ao banco e não o oposto, pelo que, toda a documentação e termos contratados foram assinados, reitere-se, de livre e espontânea vontade].
A autora, notificada da contestação e invocando o art. 3º do CPC, veio apresentar requerimento em que pugnou pela improcedência das exceções invocadas pela ré e impugnou documentos juntos por esta.
Teve lugar audiência prévia, em sede da qual foi proferido despacho saneador – no qual se decidiu pela improcedência da exceção de caso julgado e se relegou para a sentença final a apreciação da exceção de prescrição do direito de indemnização – e subsequente despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Na sequência de requerimento da autora e da ré nesse sentido, foi ordenada perícia à letra a assinatura constantes do título dado à execução, a efetuar pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.
Tal perícia foi efetuada, tendo o respetivo relatório dado entrada nos autos a 3/6/2022.
Por sentença proferida em 18.03.2023, transitada em julgado, foi declarado “A..., S.A.” habilitada para ocupar a posição do R. Banco 1... S.A., como cessionária do crédito discutido nos autos.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu assim:
“Nestes termos, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decide:
1) Declarar a inexistência do contrato de mútuo n.º ...43 porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo.
2) Condenar o réu A..., S.A. a pagar à autora AA a quantia de € 5000,00 (cinco mil euros) a titulo de indemnização por danos morais.
3) Absolver o réu quanto ao demais contra si peticionado.
4) Condenar as partes no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento.”
De tal veio a ré interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se elencam por letras – a, b, c e d – e por números nos precisos termos em que constam do recurso):
“a. Requerente não concorda com a decisão que arbitra o pagamento da indemnização em danos morais no valor de €5.0000,00 (cinco mil euros).
b. Com efeito, e como bem refere o exequente, atuação da Autora ao intentar a presente ação contra o Recorrente, deverá sim ser entendido como um caso típico de "venire contra factum proprium" e de flagrante abuso de direito, nos termos do artº 334º do C.C, e que viola frontalmente os princípios fundamentais da boa fé e dos bons costumes.
c. Cumpre reiterar que, ação proposta pela Autora ofende o sentimento de justiça, no qual não deveria ter sido sequer enquadrado no regime do art. 246º do Código Civil, uma vez que, a aplicação de tal preceito pretende salvaguardar casos extremos e muito raros em que, por força do desconhecimento da língua, do meio social, dos hábitos de comportamento ou alguma situação do género, alguém não esteja em condições de prever o valor declarativo do seu comportamento e o adote sem a finalidade de desencadear a produção de efeitos jurídicos.
d. Nesta seara, não poderia a Autora se valer das benesses de apresentar a presente ação em momento já precludido, uma vez que, teve todas as oportunidades para o fazer em tempo e modo oportuno conforme garante os prazos legais.
51.º
Desta maneira, deveria o tribunal a quo ter julgado provado o facto tido como não provado de que a Autora não promoveu a devida oposição ao tempo e modo oportuno, porque não o quis, não se justificando, inclusive, multiplicidade de danos não patrimoniais sofridos pela autora, a singularidade do evento causador dos danos.
52.º
Isto é, muito resumidamente, segundo preceitua o disposto no art. 498º nº1 do Código Civil, o direito a indenização somente é possível no prazo de 03 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe competia.
E, relembrando: estamos a falar que a Autora teve conhecimento em 05/07/2013 e, apresentou o respetivo pedido de indenização somente em 11/12/2020, ou seja, todos os prazos legais já extrapolados.
53.º
Destarte, deveria o tribunal a quo apreciar em causa o prazo de prescrição impedindo que houvesse o alargamento deste, com base em mero inquérito suscitado pela Autora anos depois de ter sido devidamente notificada para querendo, se opor ao tema em discussão, ou seja, se opor alegada assinatura falsificada em contrato.
54.º
E, in casu, inexistiu qualquer causa de interrupção da prescrição do putativo direito da Autora, sendo deste modo irrelevante, para estes efeitos, a eventual interrupção da prescrição quanto da citação para o processo-crime, uma vez que, a própria instauração deste se deu após 04 (quatro) anos da citação do ato lesivo
55.º
Nestes termos, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 498.º do Código Civil, é manifesto que qualquer hipotético direito de indemnização da Autora, com fundamento na responsabilidade civil do Réu já prescreveu, porquanto a ação de inquérito só fora instaurada em 2017 e a respetiva ação de indemnização da qual se recorre instaurada apenas em 11 de Dezembro de 2020.
56.º
Logo, o que pese amor ao debate, qualquer hipotético direito de indemnização exercido pela Autora com fundamento em responsabilidade civil perante o réu baseado no resultado pericial, mediante apresentação de oposição à execução, a qual não foi tempestivamente deduzida pela Autora.
57.º
Porquanto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma outra que determine, a prescrição do direito de exercer o direito de indemnização civil, sob o argumento do que dispõe o texto do artigo 498.º, n.º 1 do CC onde estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição
58.º
Assim, apesar do argumento apresentado pelo tribunal a quo quanto ao nexo causalidade que configura a responsabilidade civil do Réu, é crível relembrar que apesar da existência de assinatura falsa no âmbito do contrato a responsabilidade pela execução deste não deve ser exclusivamente do banco, sendo certo que, o Réu pode ser exonerado se provar que agiu sem culpa e que a conduta negligente do assinante contribuiu para o pagamento irregular.
59.º
Diante disto, se nos basearmos em todo o conjunto de documentos e testemunhos apresentados, se considerarmos ainda que houve pagamento de prestações ao longo do contrato celebrado e, somente anos depois veio a Autora se opor ao ocorrido, não pode ser o Réu acusado e condenado de responsabilidade civil pois, agiu tão somente de forma a tentar recuperar seu crédito.
60.º
Neste sentido, não poderia ser o Réu acusado de negligência, má fé!
61.º
Destacamos: não há nexo de causalidade entre o facto e o dano, até porque, o mesmo poderia ter sido evitado se no âmbito do processo executivo a Autora houvesse deduzido defesa por embargos!
62.º
O facto de a Autora não ter apresentado oposição, uma vez que, os embargos de executado são o meio de oposição idóneo de oposição à alegação de factos que em processo declarativo, se torna fundamento suficiente para quebrar o nexo de causalidade entre o comportamento ilícito apontado a parte Ré e o dano resultante da assinatura falsificada.
63.º
Outrossim, devemos ainda relembrar que nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 421º do C.P.C, para que opere o valor extrajudicial das provas produzidas num outro processo é necessário que se encontrem preenchidos alguns requisitos, sendo certo que, a alegada perícia realizada em sede de inquérito não é oponível ao Réu no presente processo, assim como não o foi no processo executivo.
64.º
Conforme bem exposto em sede de contestação e no decorrer do processo, atuação por parte da Autora ofende o sentimento de justiça e, mediante o presente recurso pretende o Réu se valer de reverter esta situação mediante a exposição dos fatos apresentados.
Posto isto, deveria o tribunal a quo, julgar os fatos, depoimentos, documentos apresentados de forma procedentes, por provados do ponto de vista do Réu, atendendo ao fato de agiu de forma consciente a parte Autora pelo não exercício de seu direito do contraditório, ciente ainda das prescrições legais, determinando desta forma a total improcedência do pedido inicial e condenação do Réu.”
A autora apresentou contra-alegações, nelas pugnando pela improcedência do recurso.
Naquela mesma peça interpôs recurso subordinado, tendo em relação ao mesmo formulado as seguintes conclusões:
“12. É o presente recurso subordinado apresentado para reapreciação do quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal à quo a título de indemnização pelos danos não patrimoniais atribuída à A..
13. Ora, a indemnização a fixar deverá «sempre equivaler à quantia considerada necessária para proporcionar ao lesado prazeres compensatórios do dano, já que tem como objetivo compensá-lo daqueles danos, através de uma quantia em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem estar e de acesso a bens recreativos e culturais, enquanto naturais contrapontos das dores e angústias passadas e futuras, da perda da auto-estima, da frustração da sociabilidade.
14. Na fixação do quantum indemnizatório importa ter em consideração quer a culpa agente, quer a sua situação económico-financeira deste e também a do lesado e as demais circunstâncias que se justifiquem no caso concreto.
15. Assim, em face do quadro fáctico que supra se considerou provado e das regras da normalidade não existem dúvidas que a situação em apreço é grave, o que se alcança do número de anos que a mesma perdurou, das suspeitas de falsificação levadas ao conhecimento do réu no processo executivo, ainda que de forma intempestiva, sem que aquela tomasse qualquer atitude para se inteirar melhor da situação, optando ao invés por descredibilizar a autora e manter o prosseguimento processual contra a A..
16. Por outro lado, importa também considerar a situação económica das partes: a autora, com uma situação financeira diminuta e o réu com uma situação financeira estável por se tratar de instituição bancária.
17. Pelo que, deve a indemnização arbitrada à A. ser fixada em € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros),
18. Devendo no mais manter-se a sentença proferida pelo Tribunal à quo.”
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto dos recursos, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – da nulidade de omissão de pronúncia imputada à sentença recorrida;
b) – se ocorreu preclusão dos direitos acionados pela autora com a presente ação;
c) – do abuso do direito imputado à autora;
d) – da prescrição do direito de indemnização da autora;
e) – da indemnização e seu quantitativo.
II – Fundamentação
A matéria de facto a ter em conta é a da sentença recorrida, pois não foi deduzida qualquer impugnação quanto a qualquer um dos seus pontos (impugnação essa que, como se sabe, teria que preencher os requisitos previstos no art. 640º do CPC, o que no caso manifestamente não acontece).
Apenas se aditará ao nº7 dos factos provados dois detalhes que se mostram provados por documentos juntos aos autos, o que se faz ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 663º nº2 e 607º nº4 do CPC:
- a data da apresentação da queixa crime ali referida, que é a de 17/10/2014 (conforme cópia do auto de denúncia apresentada pela autora junto da GNR, que integra o documento referido no art. 8º da petição como o nº2 junto com tal peça; tal data mostra-se ainda referida no despacho de arquivamento do inquérito crime constante da certidão junta aos autos em 4/2/2022);
- a data do despacho de arquivamento do inquérito ali referido, que é a de 28/3/2017 (conforme decorre da cópia daquele despacho que consta da certidão junta aos autos a 4/2/2022).
Deste modo, o nº7 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
“Em face do sucedido, a A. apresentou queixa-crime em 17/10/2014, que deu origem ao inquérito n.º ..., tendo neste sido proferido despacho de arquivamento em 28/3/2017.”
Assim, é a seguinte a matéria de facto:
Factos provados
1. Em fevereiro de 2013, o R. intentou ação executiva no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, dando origem ao processo executivo n.º ... contra a A. – que atualmente corre termos no Juízo de Execução de Lousada –, alegando o seguinte: «1.º O Banco 1... SA, aqui exequente, exerce a atividade bancária, facto que é público e notório. 2.º No exercício da sua atividade e a pedido da mutuária, agora executada, AA, o exequente celebrou com ela o contrato de mútuo que constitui o título agora dado à execução – cfr. doc. 1 que adiante se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 3.º Por via daquele contrato, o exequente emprestou à executada, a quantia de 5.306,84 euros. 4.º O pagamento do capital mutuado haveria de ser efetuado em prestações mensais iguais e sucessivas, com juros remuneratórios convencionados a favor do credor, calculados à taxa prevista no contrato outorgado. 5.º Contudo, a executada deixou de proceder ao pagamento das prestações devidas a partir de 05.02.2013. 6.º A inadimplência de executada levou ao vencimento imediato de todas as prestações, como resulta do n.º 1 do artigo 781.º do Código Civil e do contrato celebrado entre as partes. 7.º Face ao exposto, o exequente procedeu à resolução do contrato, por carta registada com aviso de recepção – cfr. doc. 2. 8.º Desde então até hoje, nada pagou, pelo que é devedora, ao Exequente, da quantia constante no item “liquidação da obrigação”, referente a capital, juros e demais despesas e encargos convencionados.»
2. Naquele processo, alega o R. que celebrou com a A. o contrato de mútuo n.º ...43, datado de julho de 2008, para aquisição da viatura de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-VE.
3. A. nunca celebrou o referido contrato de mútuo com o Réu.
4. Não assinou o mesmo.
5. Nunca adquiriu a referida viatura, nunca a teve na sua posse, nem nunca viu a mesma.
6. A morada que é indicada nos documentos (Avenida ..., ... ... – morada do fornecedor) nunca pertenceu à A., pois antes da morada atual, entre 2009 a 2016, a A. sempre residiu na Rua ..., ..., ... ... (...).
7. Em face do sucedido, a A. apresentou queixa-crime em 17/10/2014, que deu origem ao inquérito n.º ..., tendo neste sido proferido despacho de arquivamento em 28/3/2017.
8. Contudo, a A. desconhece quem celebrou e assinou o referido contrato.
9. O réu omitiu o dever de controlo devido na outorga do contrato de mútuo, em que permitiu a falsificação de uma assinatura, que não se verificaria se houvesse maior cuidado.
10. O Réu permitiu que alguém, que não a A., tenha subscrito o contrato de mútuo.
11. Colocando em causa o bom nome da A. e o seu direito de crédito, com o incumprimento de um contrato, que não subscreveu, que foi comunicado ao Banco de Portugal pelo réu.
12. O Réu criou o contrato de mútuo n.º ...43 e enveredou pela sua assinatura.
13. Documento este em que a assinatura da A. é forjada, isto é, não é do seu punho.
14. Onde outrem a apôs sem legitimidade para o fazer.
15. A falsificação só se deveu à violação de regras de segurança por parte do R. na feitura do documento.
16. O réu imputou ainda à A. uma dívida, que a mesma não criou.
17. Com base nesse documento (cuja assinatura não é do punho da A.), instaurou processo contra a A. e procedeu a penhoras contra a mesma.
18. E mesmo sabendo que se trata de uma assinatura falsa, que não foi feita pelo punho da A., o R. prosseguiu processualmente contra a A.
19. O que causou à A. transtornos, quer pessoais, quer profissionais.
20. O que a deixou ansiosa e com receio de lhe vir a ser cobrada uma quantia à qual não deu causa.
21. Vê-se perseguida por um cumprimento de um contrato que nunca assinou.
22. A Autora foi citada em 05-07-2013 para deduzir oposição à execução nos termos legais.
23. Em 28/04/2017 a Autora apresentou naqueles autos um articulado superveniente, no qual pode verificar-se a similaridade com os factos vertidos nos artigos 3º e seguintes da petição inicial, pugnando, in fine, que a ação executiva não deveria prosseguir quanto a si.
24. Em 03/10/2017, foi proferido o seguinte despacho, que ora se transcreve: “Veio a executada AA, requerer a extinção da presente execução, porquanto a assinatura constante do documento que foi dado à execução, não é da sua lavra, para além de que, nunca adquiriu o veículo automóvel em causa, nunca o teve na sua posse, nunca o viu e nunca assinou qualquer documento a ele respeitante.
Acrescentou que, quando tomou conhecimento da presente execução, apresentou queixa-crime contra desconhecidos, por se ter então apercebido que alguém teria abusiva e ilegitimamente utilizado a sua identidade e assinatura, tendo daí resultado prejuízos e a instauração da presente execução. Concluiu, dizendo que, essa queixa-crime deu origem ao processo de inquérito que identifica, à ordem do qual foi efectuada perícia à letra, pelo LPC, tendo resultado ser muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura não fosse da sua autoria. Notificada que foi a exequente, veio a mesma pugnar pelo prosseguimento da execução, designadamente para venda do veículo apreendido nos autos, por não se mostrar verificada nenhuma das situações a que alude o art. 849º do CPC. Cumpre apreciar e decidir. Os factos agora invocados pela executada, constituem fundamento de oposição à execução, a qual não foi tempestivamente deduzida por aquela. Com efeito, da análise dos autos, verifica-se que a executada foi citada para se opor à execução em 05 de Julho de 2013, pelo que, tomou conhecimento dos termos da mesma, nessa altura. E, nessa altura, sabendo de antemão que a assinatura constante do título executivo não era da sua autoria podia ter deduzido oposição com esse fundamento, nos termos do preceituado no art. 731º do CPC, independentemente de ter ou não já uma perícia à letra, sendo certo que, nestes autos, sempre a poderia pedir. Acresce que, a perícia efectuada no processo de natureza criminal, não é oponível à exequente, nem tão pouco constitui fundamento para a suspensão ou para a extinção dos presentes autos de execução. Nestes termos, em face do que supra se expôs, indefere-se o requerido pela executada e determina-se o prosseguimento da execução. Notifique. Comunique à Sra Agente de Execução.”
Factos não provados
A) No exercício da sua atividade comercial o Réu, em julho de 2008, celebrou com a Autora um contrato de mútuo.
B) Mediante o qual, concedeu à Autora a título de empréstimo, o montante de 5306,54 € (cinco mil trezentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), destinando-se o aludido valor à aquisição do veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-VE.
C) Mais ficara convencionado que a verba mutuada, bem como os juros e demais encargos contratualmente estabelecidos, num total de 9574,80 € haveriam de ser pagos em 120 prestações mensais e sucessivas, no valor de 79,79 €.
D) Ficara ainda convencionado que as prestações em apreço, seriam pagas através de débito direto da conta bancária sediada no Banco 2..., .... – Rotunda ..., com o NIB ...73.
E) Aquando da celebração do contrato em apreço foi a Autora informada de todas as condições, responsabilidades, obrigações e direitos implicados, tendo a mesma aposto a assinatura e confirmando as declarações ali constantes.
F) Aquando da celebração do contrato em crise, a mutuária não só indicou todos os dados relativos à sua situação pessoal e profissional (nome completo, número de contribuinte e bilhete de identidade, comprovativo de morada, indicação dos contatos.), como também procedeu à junção de documentos, que, pela sua natureza, só a própria poderia ter acesso.
G) Consta ainda dos registos do Réu um documento em que a Autora informa que rececionou o bem objeto do contrato e como tal renúncia ao direito de revogar unilateralmente o mesmo.
H) Consta ainda dos registos do Réu que, em 05 de novembro de 2008, a Autora solicitou a alteração da conta bancária associada ao contrato, tendo indicado a conta sediada no Banco 3... com o seguinte NIB ...72 para efeitos de débito direto.
I) Consta dos registos do Réu que, durante a vigência do contrato foram liquidadas 41 prestações das 120 previstas, as quais foram debitadas das contas bancárias fornecidas pela Autora, num total de 3461,43 €.
Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
A recorrente, ainda que o não faça de forma explícita nas conclusões do recurso – e são estas que delimitam o seu objeto (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), do que decorre que o tribunal “ad quem” não pode conhecer de questão que delas não conste [neste sentido, entre outros, vide o Acórdão do STJ de 6/6/2018 (proferido no proc. nº4691/16.2T8LSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt); na doutrina, vide, designadamente, António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 115 e pág. 156, e José Augusto Pais do Amaral, in “Direito Processual Civil”, 2013, 11ª edição, Almedina, págs. 417/418] –, refere sob a conclusão 53ª que “deveria o tribunal a quo apreciar em causa o prazo de prescrição”, o que faz depois de, sob o nºs 40 e 41 da motivação, imputar à sentença nulidade por omissão de pronúncia quanto a tal prazo.
Considerando-se que por via da combinação daquela expressão constante das conclusões com esta imputação efetuada na motivação resulta satisfatoriamente alegada como objeto do recurso aquela nulidade, passemos ao seu conhecimento.
A exceção de prescrição do direito de indemnização da autora foi invocada pela ré na contestação e em sede de despacho saneador proferido aquando da audiência prévia foi relegada a sua apreciação para a sentença final.
Como desta sentença se vê, tal questão não foi ali tratada (referiu-se ali, de forma errónea, que as exceções deduzidas pela ré tinham sido julgadas improcedentes, quando tal só se aplicava à exceção de caso julgado).
Neste conspecto, há que reconhecer que há nulidade por omissão de pronúncia na sentença recorrida quanto à referida questão (art. 615º nº1 d) do CPC).
Porém, porque este tribunal, não obstante a ocorrência da mesma, deve conhecer do objeto da apelação, suprindo-a (art. 665º nº1 do CPC), procederemos ao conhecimento de tal questão em sede de tratamento da questão enunciada sob a alínea d).
Passemos para a segunda questão enunciada.
A recorrente defende que o direito da Autora exercitado na presente ação já se encontra precludido por força da exceção dilatória do caso julgado, o qual, tanto quanto se interpreta, se terá formado com a não dedução de embargos à execução e com as “várias decisões proferidas no âmbito do processo executivo que não foram objeto de oportuna reclamação ou impugnação por parte da Autora” (é o que se conclui da leitura conjugada dos nºs 32 a 37 da motivação e da conclusão referida sob a alínea d.)
Analisemos.
Cumpre referir que a exceção de caso julgado que foi invocada na contestação foi julgada improcedente no despacho saneador e que nas conclusões do recurso ora em análise não consta a invocação de qualquer questão de caso julgado, do que decorre que, em conformidade com o já por nós referido no início do tratamento da primeira questão, esta questão não é objeto do recurso em análise.
De qualquer modo, e ainda que perspetivada pela recorrente a preclusão nos termos que se referiram, desde já se adianta que a mesma não ocorre.
Desde logo, a preclusão invocada nunca poderia implicar com o pedido indemnizatório deduzido na ação, pois este baseia-se em responsabilidade extracontratual imputada à ré por violação de deveres de cuidado aquando da formalização do contrato que baseou o título executivo, que possibilitou a falsificação da assinatura da autora por outrem, e com o ocasionamento de danos não patrimoniais à autora com o prosseguimento da execução com base em tal título, e esta, naturalmente, é questão cuja análise estava necessariamente afastada de ser efetuada no processo de execução.
Já quanto ao pedido efetuado na ação no sentido de ser declarada a inexistência ou nulidade do contrato que baseou a execução, dir-se-á o que se passa a referir.
O facto de a ora autora, enquanto executada no processo referido sob o nº1 dos factos provados, não ter deduzido ali embargos e não ter reclamado de outras possíveis decisões ali proferidas, designadamente da referida sob o nº24 dos factos provados – onde se indefere o seu requerimento de 28/04/2017 (referido sob o nº23 dos factos provados) com fundamento em que o ali alegado deveria ter sido objeto dos embargos não deduzidos –, não inibe a propositura da ação a que respeitam estes autos e formular nela aquele pedido.
Como refere o Prof. José Lebre de Freitas[1], “na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. (…). Com uma diferença, porém, relativamente ao processo declarativo: enquanto neste o efeito preclusivo se dissolve, com a sentença, no efeito geral do caso julgado (…), tal não acontece no processo executivo, em que não há caso julgado (..), pelo que nada impede a invocação duma exceção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo” (as expressões em itálico estão assim no texto; o sublinhado é nosso).
Nesta mesma linha, diz-se no Acórdão do STJ de 4/4/2017 (proc. nº1329/15.9T8VCT.G1.S1), e repete-se no Acórdão daquele mesmo Tribunal de 19/3/2019 (proc. nº751/16.8T8LSB.L2.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que “o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (…) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (…) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição.” (os sublinhados são nossos).
Neste mesmo sentido, vide ainda, por exemplo, o Acórdão do STJ de 3/5/2023[2], o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/10/2018[3] e ainda os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15/12/2020 (proc. nº20509/19.1T8LSB.L1-7) e de 5/12/2024 (proc. nº6307/23.1T8LSB.L1-8), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, conclui-se, não se verifica a preclusão invocada pela recorrente, pelo que improcede a questão recursória em apreço.
Vamos agora à questão enunciada sob a alínea c).
Trata-se aqui de apurar se ocorre abuso do direito por parte da autora.
O abuso do direito é de conhecimento oficioso [neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 4/4/2002 (proc. nº849/01), 29/11/2001 (proc. nº3248/01), 11/12/12 (proc. nº116/07.2TBMCN.P1.S1) e 28/11/2013 (proc. nº161/09.3), todos disponíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, vide António Menezes Cordeiro, in Código Civil Comentado I – Parte Geral”, coordenação de António Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina 2020, anotação 41 ao art. 334º do C.Civil, págs. 941 e 942], pelo que cumpre dele conhecer ainda que sobre ele não tenha ocorrido pronúncia pelo tribunal recorrido.
Entremos então no seu tratamento.
Como se preceitua no art. 334º do C. Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
A boa fé, referida naquele preceito como limite para a atuação do titular do direito, integra um princípio de atuação e significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros (citamos o acórdão do STJ de 17/5/2017, proferido no proc. nº309/07.2TBMLG.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
A recorrente defende que a propositura da ação dos autos pela autora integra abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Mas não lhe pode ser reconhecida razão.
Desde logo, e como resulta dos factos não provados referidos sob as alíneas A), B), C), D), E), F), G), H) e I), não se provaram os factos alegados pela exequente na contestação para basear tal exceção perentória, que nessa peça também invocou.
Isto é, não se provou qualquer conduta da autora no sentido de que a mesma, antes da propositura da ação, algo tenha dito, comunicado, feito ou atuado em contrário da pretensão que exerce por via dela.
Assim, a conduta de propositura da ação por parte da autora, além de legitimada legalmente nos termos que se referiram em sede de tratamento da questão anterior, não está em contradição com conduta antes por si assumida ou proclamada, não ocorrendo por isso qualquer venire contra factum proprium.
Como tal, improcede também esta questão recursória.
Passemos para a questão enunciada sob a alínea d).
A recorrente alegou a prescrição do direito de indemnização da autora, na sequência aliás da alegação dessa mesma exceção na contestação, a qual, como se analisou em sede da primeira questão, não veio a ser objeto de pronúncia pelo tribunal recorrido.
Passemos então a conhecer de tal exceção, suprindo tal omissão de pronúncia, como já em sede daquela primeira questão se anunciou.
Como já se precisou antes, a ação baseia-se em responsabilidade extracontratual imputada à ré por violação de deveres de cuidado aquando da formalização do contrato que baseou o título executivo, que possibilitou a falsificação da assinatura da autora por outrem, e com o ocasionamento de danos não patrimoniais à autora com o prosseguimento da execução com base em tal título.
Mostra-se provado que a autora, já depois de citada para a execução (em 5/7/2013), apresentou queixa-crime em 17/10/2014 relativamente àquela falsificação da sua assinatura, a qual deu origem ao inquérito nº ... e que neste foi proferido despacho de arquivamento em 28/3/2017 (nºs 7 e 22 dos factos provados)
Não obstante no art. 498º nº1 do C. Civil se prever que o direito de indemnização decorrente de responsabilidade por factos ilícitos prescreve no prazo de 3 anos a contar do conhecimento de tal direito pelo lesado, tal prazo de prescrição, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, passa a ser este, como se prevê no nº3 daquele mesmo artigo.
Assim, estando em causa crime de falsificação de documento previsto e punido no art. 256º nº1, al. c), do C. Penal com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, o prazo de prescrição do procedimento criminal quanto ao mesmo é de 5 anos, como previsto no art. 118º nº1, al. c), daquele mesmo diploma.
Como tal, é com este prazo de 5 anos que se tem que contar.
Por outro lado, havendo processo crime e uma vez que, como se prevê no art. 71º do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado nos casos previstos no nº1 do art. 72º daquele mesmo diploma, onde se conta o arquivamento do processo crime, deve considerar-se, em sede de ação cível baseada em factos constitutivos de crime, que só se inicia a contagem daquele prazo de prescrição com o conhecimento de tal decisão de arquivamento pelo lesado, conforme tem sido afirmado unanimemente pela jurisprudência, por aplicação do critério definido no art. 306º nº1 do C. Civil[4].
Ora, tendo a decisão de arquivamento do inquérito sido proferida em 28/3/2017 e a ação dado entrada em 10/12/2020, com a citação de seguida da ré e dedução por esta de contestação em 28/1/2021 (como resulta dos autos), é óbvio que aquando destes atos ainda não tinha decorrido aquele prazo de 5 anos.
Como tal, é de concluir que não se verifica a prescrição em apreço.
Vamos à última questão enunciada.
A responsabilização da ré e sua condenação no pagamento de indemnização à autora decididas na sentença recorrida mostram-se claramente fundamentadas: basta atentar nos factos dados como provados sob os nºs 9, 10, 11, 15, 17, 18, 19, 20 e 21, factos estes que, como já anteriormente se deu nota, nem sequer vieram a ser impugnados no recurso interposto.
Efetivamente, deles decorre a prova da violação de deveres de cuidado por parte da ré possibilitadora da falsificação da assinatura da autora (veja-se especialmente o facto provado sob o nº15) e o prosseguimento da execução pela sua parte mesmo sabendo que se tratava de uma assinatura falsa (nº18 dos factos provados), ocasionando com isso os danos de natureza não patrimonial referidos sob os nºs 9 (ofensa ao bom nome da autora, comunicando ao Banco de Portugal uma dívida por si não contraída), 19 (transtornos pessoais e profissionais), 20 (receio de lhe vir a ser cobrada uma quantia à qual não deu causa) e 21 (sentimento de perseguição por um cumprimento de um contrato que não assinou).
Neste conspecto, não faz sentido a argumentação deduzida pela recorrente sob as conclusões 61 e 62 do seu recurso, no sentido da falta de nexo causal entre o facto e o dano. Note-se que, além da prova que se logrou fazer da sua violação de deveres de cuidado possibilitadora da falsificação da assinatura, mostra-se provado (nºs 23 e 24 dos factos provados) que a autora foi ao processo de execução com o requerimento de 28/4/2017, neste dando conta da falsificação da sua assinatura no contrato e da existência de processo crime e de realização de exame pericial neste onde se concluía ter resultado “ser muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura não fosse da sua autoria”, e a ré, ali exequente, não obstante tal, entendeu ser de prosseguir com a execução…
Resta agora apurar se é de manter o quantitativo indemnizatório decidido pela primeira instância ou se é de fixar o valor de 7.500 euros, pretendido com a autora através do recurso subordinado que interpôs.
Para a fixação daquele valor, na sentença recorrida ponderou-se nos seguintes termos:
“Assim, em face do quadro fáctico que supra se considerou provado e das regras da normalidade inexistem dúvidas que a situação em apreço é grave, o que se alcança do número de anos que a mesma perdurou, das suspeitas de falsificação levadas ao conhecimento do réu no processo executivo, ainda que de forma intempestiva, sem que aquela tomasse qualquer atitude para se inteirar melhor da situação, optando ao invés por descredibilizar a autora. Por outro lado, importa também considerar a situação económica das partes: a autora, com uma situação financeira diminuta e o réu com uma situação financeira estável por se tratar de instituição bancária.
Por todo o exposto, tendo em conta a multiplicidade de danos não patrimoniais sofridos pela autora, a singularidade do evento causador dos danos, o tempo decorrido e o grau de culpa do réu, afigura-se-nos justa e equilibrada fixar em € 5000,00 (cinco mil euros), a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora em consequência da conduta ilícita do réu e dos danos morais que daí advieram.”
Como se vê do argumentado sob as conclusões do recurso subordinado que interpôs, a autora não aduz em abono da sua pretensão o que quer que seja que não tenha já sido ponderado na sentença recorrida quanto à fixação da indemnização ali decidida.
Assim, a pretensão recursiva da autora traduz apenas uma pura discordância quanto ao valor ali fixado, sendo certo que este, a nosso ver, considerando o critério da equidade previsto no art. 496º nº3 do C. Civil, se mostra claramente equilibrado.
Deste modo, há que manter tal valor, do que decorre a improcedência do recurso subordinado.
Por tudo quanto se expôs, há que julgar improcedente quer o recurso (principal) da ré quer o recurso (subordinado) da autora e manter a sentença recorrida.
As custas de cada um dos recursos ficam a cargo da respetiva recorrente, que em cada um deles decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso da ré e o recurso da autora, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas de cada um dos recursos pela respetiva recorrente.
Mendes Coelho
Ana Paula Amorim
Teresa Fonseca
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[1] “A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 217.
[2] Onde, na sequência de análise minuciosa do regime processual dos embargos de executado, se sumaria que “(…) não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e tal ónus também não é extraível, por interpretação, dos artigos 728º/1 e 2 e 732º/6, ambos do CPC, o que significa, não estando consagrado tal ónus de embargar, que não ficam precludidos os fundamentos não invocados (e que não há preclusão decorrente da não dedução de embargos)”.
[3] Onde se refere, citando-se Acórdão da Relação de Lisboa de 16/01/2018 (proc. nº1301/12.0TVLSB.L1-1), consultável em http://www.dgsi.pt), que “(…) a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo)”.
[4] Neste sentido, entre outros, vide os Acórdãos do STJ de 22/1/2004 (proc. nº03B4084), de 4/11/2008 (proc. nº 08A2342) e de 13/10/2009 (proc. nº206/09.7YFLSB); o Acórdão da Relação de Lisboa de 24/5/2011 (proc. nº1320/09.4YXLSB.L1-7) e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 2/3/2011 (proc. nº1279/08.5TBCBR-B.C1), de 3/5/2011 (proc. nº223/07.1TBPCV.C1), de 9/1/2012 (proc. nº113/11.3TBTND-A.C1) e de 28/1/2014 (proc. nº631/09.3TBPMS.C1).