I - O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, sob pena de rejeição da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto.
II - Sobre o recorrente recai, ainda, o ónus de especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos que considera incorrectamente julgados.
III - Sobre o ónus da prova, em termos gerais, opera o preceituado no artigo 342º do Código Civil: àquele que invoca um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo (nº1) e a prova dos factos extintivos, modificativos e impeditivos do direito, compete àquele contra quem a invocação é feita (nº2).
IV - Recai sobre o Autor/Reconvindo o ónus de alegar, na réplica, os factos extintivos, modificativos e impeditivos do direito à mudança da servidão, invocado pelo réu/Reconvinte.
V - A mudança da servidão a que alude o art. 1568º, nº 1, do C.C. é um expediente conferido pela lei ao proprietário do prédio serviente com vista a diminuir as incidências negativas desse encargo ou mesmo eliminá-lo e tem como requisitos: a) a conveniência para o proprietário do prédio serviente; b) não causar prejuízos sérios e graves para os interesses do proprietário do prédio dominante; c) os custos inerentes à mudança são suportados por quem a requer; o que releva para este efeito “são os interesses dignos de ponderação, não os mero caprichos ou a mera conveniência ou comodidade do titular da servidão”; d) caso a mudança se faça para o prédio terceiro este dê o seu consentimento (não exigindo a lei forma especial).
Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Mendes Morais;
Primeira Adjunta: Teresa Maria Sena Fonseca
Segunda Adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
I_ Relatório
AA intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, pedindo:
a) a condenação do Réu a reconhecer que sobre a faixa do terreno do Réu incide uma servidão de passagem a favor dos terrenos “1...” e “2...”, consistente no direito de aí passar da e para a via pública, para acesso aos prédios, a pé, de carro, com tractores, para serem executados os trabalhos agrícolas adequados nas épocas próprias, não estando o mesmo intransitável, nomeadamente porque foi lavrado, e que esse direito fique registado na Conservatória do Registo Predial;
b) que seja retirado o portão colocado há cerca de um ano na passagem porque a servidão existe há mais de 80 (oitenta) anos e nunca teve qualquer tipo de vedação ou portão e a sua existência prejudica a circulação e acesso aos prédios do “1...” e “2...”;
c) a condenação do Réu a abster-se de praticar actos sobre a dita faixa de terreno, com todas as consequências legais.
Alegou, em síntese, que:
_ O Autor é usufrutuário dos seguinte prédios rústicos:
i. do prédio denominado "1..." sito no lugar ... na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o nº ...66 da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...23;
ii. e do prédio rústico, denominado por "2...", sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o nº ...48, da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...24;
_ O usufruto encontra-se registado a seu favor na Conservatória;
_ Os prédios em questão, não confrontam por qualquer dos lados com a via pública, sendo o acesso, a partir da via pública, hoje Rua ..., feito por uma faixa de terreno em terra batida e trilhada pelo uso, com cerca de 2,5 metros de largura, que se inicia na via pública, passando no prédio actualmente pertencente ao réu BB, e se desenvolve a partir daí em linha recta até aos prédios do autor.
_ Em Dezembro de 2019, o réu enviou uma carta à anterior proprietária dos prédios, CC, que foi entregue ao autor e na qual informava que iria colocar um portão por onde presentemente dá servidão aos prédios rústicos, inscritos na matriz sob os nºs ...23 e ...24.
_ O fundamento alegado para a colocação do portão foi para evitar a entrada de animais, estacionamento abusivo de viaturas e não destruição da nova plantação de vinha.
_ O autor comunicou verbalmente ao réu que tal atitude não seria por ele aceite, pois nunca lá existiu nenhum portão e que ter de sair do carro para o abrir o portão ia dificultar-lhe imenso o acesso aos seus terrenos.
_ Apesar disso, o réu colocou o portão, lavrou ou mandou lavrar o caminho impossibilitando assim o acesso do autor aos seus terrenos.
_ Não obstante o caminho já ter existido do lado direito do mesmo prédio do réu e este ter alterado o lugar onde há mais de 40 anos é dada servidão de passagem para os prédios encravados denominados por "2... e "1...", pretende o autor que esse caminho fique registado como caminho de servidão de passagem para os seus prédios e que não seja lavrado ou obstruído ou por qualquer forma o seu uso impedido, nomeadamente através de um portão que obriga a quem o quer usar, ou fazer se transportar por veículo automóvel, ter que sair do veículo, faça chuva ou faça sol para abrir um portão de um caminho, que nunca lá existiu.
Concluiu que pretende ver reconhecido o seu direito, como titular de uma servidão legal de passagem a favor dos seus prédios “ 1...” e “2...”.
I.1_ Citado, o réu apresentou contestação, deduziu reconvenção e incidente de intervenção principal, pedindo que:
_a acção seja julgada totalmente improcedente, por não provada;
_ seja admitida a intervenção principal provocada de DD e nomeado curador ad litem, por força da sua incapacidade em virtude da menoridade;
- seja julgada totalmente procedente a reconvenção, por provada, e a servidão de passagem alterada, passando o acesso aos prédios identificados no artigo 1º da petição a fazer-se pelo caminho existente na extrema poente do prédio rústico do réu e esposa identificado no artigo 1º do seu articulado, até desembocar no campo denominado dos “2...”, por entre a cabine de rega e a presa aí existentes, ambas sitas no prédio do réu e esposa.
Alegou, em síntese, que:
_ O réu e sua esposa são donos e legítimos possuidores do prédio rústico, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta a Norte com EE e outros, Sul com caminho, Nascente com prédio do próprio e Poente caminho de servidão, descrito na CRP de Penafiel sob o nº ...9 / ... e inscrito na respectiva matriz rústica no artigo ...22.
_ Encontra-se registada a aquisição desse prédio por arrematação judicial a 9 de Novembro de 1995, no âmbito do processo de execução com processo sumário nº 90/A/94, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Penafiel.
_ São ainda o réu e esposa donos e legítimos proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito no mesmo Lugar ..., hoje número de polícia ...50 da Rua ..., da mesma freguesia ..., descrito na CRP de Penafiel com o nº ...45 / ... e inscrito na respectiva matriz rústica no artigo ...96 da freguesia ....
_ Encontra-se a aquisição a favor do réu e esposa, por escritura pública de doação de 12/04/1999, registada pela apresentação nº 44 de 16/04/1999.
_ Confronta o aludido prédio urbano do réu e esposa a Poente com prédio rústico descrito na CRP de Penafiel sob o nº ...9.
_ O R. e seu agregado familiar fixaram a sua residência neste prédio urbano.
_ Admitiu que os prédios dos quais o autor é usufrutuário confrontam um com o outro e que aos proprietários desses prédios assiste o direito de aceder aos mesmos, a pé ou de tractor, através do prédio rústico do réu, percorrendo para tal um caminho com cerca de 67 metros de extensão, descrito no artigo 4º da petição inicial.
_ Nunca obstruiu, limitou ou negou o direito do A., e antes deste, a qualquer um dos donos dos prédios rústicos identificados em 1º da pi. de acederem aos seus prédios, através do caminho que percorre o interior do prédio do R.
_ No seguimento da missiva, ou seja, no fim do ano de 2019, o R. colocou junto à Rua ..., um portão de correr e vedou todo o seu terreno, com rede ovelheira, muro em pedra e o referido portão.
_ O A., e antes disso CC, com quem aquele vive em situação análoga à dos cônjuges, não se dignaram a receber do R. as chaves do portão, tendo este ficado até aos dias de hoje, apenas batido, fechado com o trinco, podendo ser aberto à mão, sem usar qualquer chave.
_ O portão nunca impediu, nem impede, o A. de aceder aos seus prédios, como aliás tem feito, ainda que não para cultivar ou retirar frutos, já que o A. tem os seus prédios rústicos, sem qualquer cultura e a mato.
_ É falso que o R. tenha lavrado o caminho de servidão, que o mesmo esteja intransitável ou que o A. esteja impedido de aceder aos seus prédios.
_ O R. plantou no seu terreno uma vinha moderna, com sistema de rega mecânica, destinada à produção de vinho verde.
_ Atento o investimento aí implantado, o cuidado que o R. dispensa à sua vinha, entendeu por bem vedar a sua propriedade, protegendo-a da invasão de pessoas e animais.
_ O uso por banda do A., hoje usufrutuário, ou dos proprietários dos prédios rústicos identificados no artigo 1º da p.i., junto à casa de habitação do R. e seu agregado familiar, retira a privacidade a estes e devassa a sua propriedade: o aludido caminho esventra a meio as propriedades do réu.
_ Na extrema Poente do prédio rústico do R. e esposa, o A. dispõe de caminho, com a largura de cerca de 2,5 metros, desde a Rua ... até aos prédios rústicos em que é usufrutuário.
_ Tal caminho, perfeitamente trilhado, já onera o prédio do R. para servir outros prédios rústicos dominantes, a poente desse caminho até chegar ao prédio rústico denominado dos “2...”.
_ O aludido caminho tem actualmente uma extensão de cerca de 140 metros e desemboca a cerca de 5 metros do prédio rústico denominado “2...”.
_ Pretende o R. alterar a servidão de passagem, por forma a que o A. e proprietários dos prédios rústicos identificados no artigo 1º da p.i., se sirvam do caminho na extrema Poente do prédio do R., ao invés do caminho existente na extrema Nascente.
_ Para tanto, obriga-se o R. a prolongar pelos cerca de 5 metros em falta o caminho já existente até desembocar no prédio dos “2...”, por forma a passar entre a cabine construída em blocos de cimento, onde o R. tem os motores de rega, e entre a presa de água.
_ Utilizando este caminho, o A. e donos dos seus prédios identificados no artigo 1º da p.i. não estão sujeitos a limitações temporais, têm entrada pela mesma Rua ..., a cerca de 125 metros da entrada actual, e num ponto mais próximo de uma construção que A. e seu agregado familiar têm no local.
_ A alteração que requer é indubitavelmente mais conveniente ao R. e esposa, já que deixariam de ver a sua propriedade atravessada a meio e devassada pelo A., e no ponto mais próximo da sua habitação, e não prejudica os interesses do A. e titulares do direito de propriedade dos prédios dominantes, já que, a alteração se faz à custa do R., e tem o caminho início no mesmo ponto, ou seja, Rua ..., numa extensão que, sendo mais longa em cerca de 70 metros (e num total de cerca de 140 metros) não prejudica o seu exercício, nem está limitada temporalmente.
Para fundamentar o incidente de intervenção principal, alegou que o autor é usufrutuário, sendo o titular inscrito e dono da raiz sua neta, DD, menor de idade, e cuja intervenção se mostra necessária para assegurar o efeito útil da decisão a proferir na reconvenção. Atenta a menoridade da interveniente, impõe-se ainda a nomeação de curador “ad litem”, por forma a obviar a sua incapacidade em razão da idade, nos termos do artigo 17.º, n.º 4 do CPC.
I.2_ O Autor apresentou réplica, pedindo a improcedência do pedido reconvencional.
Alegou que a mudança pretendida prejudica os interesses do Autor Reconvindo que veria o acesso aos seus prédios a ser feito por uma servidão extremamente longe da estrada principal, por onde estes sempre foram servidos, não aceitando que a servidão de passagem passe a ser feita pela extrema Poente, porquanto a servidão ora existente na extrema Nascente é a que melhor serve os seus dois prédios. Pelas contas apresentadas, na Contestação /Reconvenção, a distância entre a Rua ... e os prédios do Autor, duplicaria, em vez de percorrer uma distância de 70 metros teria que percorrer uma distância de 140 metros.
I.3_ Foi admitida a intervenção de DD e nomeado seu curador ad litem o seu pai FF. Citada a menor representada pelo curador nomeado, aderiu aos articulados apresentados pelo Autor AA e impugnou “toda a matéria da reconvenção”.
I.4_ Em 22/2/2023, foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador, fixados o objecto do litígio e temas da prova.
I.5_ Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença constando do dispositivo:
“Nestes termos:
- Julgo a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, declaro que sobre o terreno identificado em 8 dos factos provados incide uma servidão de passagem a favor dos prédios identificados em 1 dos factos provados, nos termos consignados em 3 a 4 dos factos provados.
- No mais absolvo o Réu.
- Julgo a reconvenção procedente, por provada e, em consequência, autorizo a alteração da servidão de passagem declarada existente acima e nesta ação, às custas do Réu, para o caminho identificado em 21 a 25 dos factos provados.
Custas na ação pelos Autores e Réus na proporção do respetivo decaimento, que se fixa 2/3 para os Autores e 1/3 para o Réu e na Reconvenção pelos Autores/reconvindos, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC.
Registe e notifique.”.
I.6_ Inconformados com essa decisão, o Autor e a interveniente principal interpuseram recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
“A. O Autor pede que se reconheça a servidão de passagem existente na Rua ..., que se inicia na via publica, se faz em linha reta e termina nos prédios do Autor denominados "2...” e "1...".
B. O Autor pede ainda que o Réu se abstenha de atos que perturbem o uso do direito de passagem, nomeadamente lavrando a passagem, obstruindo-a com o seu veículo e colocando um portão.
C. O Réu enviou uma carta a comunicar que ia colocar um portão, logo que tomou conhecimento que o Autor tinha comprado os prédios "2..." e "1...", para a sua neta, ficando ele com o usufruto dos mesmos, mas o Réu, enviou a carta, mas não enviou a chave do portão.
D. O Autor deixou os dois prédios, sem cultura por ter lá chegado uma vez e não ter acesso aos
prédios, por ter o veículo do Réu estacionado no caminho e da segunda vez, não pode passar com a camioneta por o caminho estar lavrado. Então esperou dois anos para que este diferendo se resolvesse em Tribunal.
E. O Réu Reconvindo vem pedir a alteração da servidão de passagem.
F. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, ignorou por completo a Réplica apresentada pelo Autor.
G. Nesta o Autor, explica que o Autor já havia alterado a servidão de passagem do início do seu prédio, onde agora tem um jardim, para o lugar onde hoje se encontra e que o mesmo admite ser o caminho de servidão aos prédios do Autor "2..." e "1...".
H. A alteração do local da servidão, ficou bem de forma inequívoca provada pelos testemunhos das testemunhas tanto do Autor como do Réu CC e GG.
I. A ser aceite o pedido Reconvencional, seria a segunda vez que o Réu altera a Servidão de passagem, não tendo em consideração se essa alteração prejudica ou não neste caso o acesso do Autor aos seus prédios.
J. A decisão de alteração da Servidão decretada na sentença ora em crise, não é exequível e é de ficar pasmado quem esteve no local e verificou a impossibilidade de circulação de um veículo por aquele caminho.
K. Primeiro esse caminho termina cinco metros antes dos prédios do Autor.
L. Segundo o prolongamento do mesmo é inexequível porque existem presas de águas, que servem os prédios e que não podem ser desviadas para que se faça cinco metros de caminho.
M. Terceiro, além do terreno nessa zona ser desnivelado, não tem largura suficiente para passar um trator como tem o caminho que o Autor aqui reclama.
N. Quarto, a extensão do caminho que o Autor reclama é de 67 metros e a servidão que a Meritíssimo juiz do Tribunal ad quo decretou tem 140 metros de extensão com curvas e não serve os prédios do Autor, porque lhe falta ainda 5 metros para lá chegar.
O. Além de que dista da servidão que se reclama 125 metros.
P. De uma forma simples e clara, a atual servidão é a direito, tem largura para passar um trator e serve os dois prédios do Autor, o Réu só não pode obstruí-la com os seus veículos ou deixá-la intransitável.
Q. Aquela que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo, determinou por sentença, que seria a nova servidão de passagem do Autor para os seus prédios, não os serve, porque lhe faltam cinco metros para lá chegar, não tem largura, para passar um trator, é desnivelada e tem uma extensão de 140 metros.
R. O Réu à medida que vai comprando terrenos e vai alterando o sítio da servidão de passagem, sem ter em consideração que o seu benefício não pode ser à custa do prejuízo do dono do prédio dominante, neste caso do Autor.
S. Além do que a alteração da servidão para outro local, irá impedir o Autor de entrar na sua propriedade,
T. Não existe acesso direto para os seus terrenos rústicos,
U. Porque falta construir cerca de 5 metros de acesso aos terrenos
V. Esta alteração, foi decreta por sentença para um local mais longe cerca de 125 metros dista da atual servidão.
X. E esta servidão é maior, porque tem cerca de 140 metros faltando ainda construir 5 metros até chegar ao prédio rústico do Autor.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão, deverá o presente recurso ter total e integral provimento, decretando a condenação do Réu a retirar o portão colocado na servidão de passagem e que se abstenha de praticar atos que impeçam o uso pelos Autores do referido direito de passagem; que em sede de Pedido Reconvencional, não seja reconhecido ao Réu o direito de voltar a alterar a servidão de passagem, porquanto essa alteração prejudica os interesses do proprietário do prédio dominante, por a servidão de passagem não ter largura para passar um trator, o solo ser desnivelado, ser a direito, ser mais extensa 78 metros e nem ser possível fazer a extensão da mesma até aos prédios do autor, por aí existir uma presa de água. A decisão que o Tribunal ad quo tomou, alterar a servidão para uma que não serve os prédios do Autor, pois faltam 5 metros extensão da servidão, que não é exequível, por ter presas de água nesse 5 metros a construir, e fica o Autor impedido de entrar nos seus prédios.”.
I.7_ O Réu apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
“A. A sentença recorrida é clara e bem fundamentada, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de Direito, não lhe podendo ser apontada qualquer nulidade, erro e/ou violação da lei, insuficiência da matéria de facto dada como provada e/ou contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação.
B. No recurso da matéria de facto os Recorrentes não cumprem o ónus previsto no artigo 640º do CPC, fazendo uma impugnação genérica, naquilo que parece ser uma impugnação “em bloco”.
C. Os Recorrentes não fizeram, como estavam obrigados, a especificar os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 123/11.0TBCBT.G1, datado de 28-06-2018, disponível para consulta em www.dgsi.pt
D. O recurso deve ser rejeitado por incumprimento do artigo 640º, nº 1 e alínea a), n.º 2 do CPC.
E. Não cumprem os requisitos do artigo 640º do CPC ainda que os Recorrentes transcrevam integralmente as declarações das testemunhas. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/02/2017, processo n.º 52/12.0TBMBR.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt
F. O incumprimento daqueles requisitos não dão lugar ao convite ao aperfeiçoamento, conforme também é entendimento da jurisprudência. Neste sentido, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1680/19.9T8BGC.G1.S1, datado de 14/02/2023.
G. Quanto ao recurso da matéria de facto, concretamente os factos provados 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 os pontos a) e b) dos factos não provados, não assiste razão aos Recorrentes.
H. A prova que sustenta a manutenção da sentença recorrida:
a. testemunha CC, em depoimento gravado em suporte digital do dia 23/01/2024, das 11:22 às 11:50, concretamente aos minutos 13:30 a 16:30, 22:05 a 23:00, 24:00 a 27:00 e 01:00 a 03:00.
b. a testemunha HH, em depoimento do dia 23/01/2024, gravado em suporte digital das 11:10 às 11:14, concretamente aos minutos 05:00 a 06:30.
I. A prova referida, na sua globalidade, não pode levar à alteração da matéria de facto constante da sentença recorrida, pelo que deverá a mesma ser integralmente mantida.
J. O Tribunal a quo não deixou de analisar e valorar os meios probatórios invocados pelos Recorrentes no recurso a que se responde, estando tão-só aqueles em desacordo com a decisão proferida, que é contrária àquilo que alegaram e peticionaram.
K. “Perante uma convicção do julgador de facto baseada em múltiplos elementos probatórios documentais, os recorrentes não podem fundar a sua impugnação numa afirmação genérica, não concretizada e desrespeitadora do ónus de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 294/08.3TBTND.C3.S1, datado de 03/11/2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt
L. A sentença recorrida também não merece reparo quanto à matéria de Direito, concretamente do artigo 1568º do Código Civil.
M. A alteração da servidão foi bem decidida, não estando o Tribunal a quo impedido de o fazer, até porque tal foi peticionado pelo R. na sua reconvenção.
N. A mudança é conveniente ao proprietário do prédio serviente, aqui R./Recorrido e não prejudica os interesses do proprietário do prédio dominante.
O. “A ponderação deve fazer-se segundo o critério da proporcionalidade, sem que implique partir ou pressupor uma situação de paridade entre os proprietários dos prédios serviente e dominante, não relevando, para o efeito, os meros caprichos ou a pura comodidade do titular da servidão.” - Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 67/09.6TBSPS.C1, datado de 12/10/2010, disponível para consulta em www.dgsi.pt
P. Os AA./Recorrentes não ficam impedidos, nem afectados, de exercerem o seu direito de propriedade sobre os prédios dominantes, muito menos sofrerão qualquer prejuízo com a alteração da servidão, até porque, conforme resulta da lei, quem requer a alteração da servidão fá-lo a expensas suas.
Q. Pelos motivos expostos, o Recurso a que se responde deve improceder integralmente, devendo a decisão recorrida ser mantida.”.
I.8_ Por despacho de 4/7/2024, foi admitido o recurso.
Foram cumpridos os vistos.
II_ Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Na sua resposta, o Réu/Reconvinte/Recorrido invocou o não cumprimento, pelo Recorrente, dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
1_ Rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na não verificação dos pressupostos de índole formal, referidos no artigo 640º,nº1, do Código de Processo Civil.
2_ Impugnação da decisão da matéria de facto.
3_ Verificação dos pressupostos para a mudança do sítio da servidão de passagem.
III_ Fundamentação de facto
Pelo Tribunal a quo foram considerados os seguintes factos:
“1. O Autor AA é usufrutuário e DD é proprietária da raiz dos prédios rústicos denominados:
a) de “1...”, sito no Lugar ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...66 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...23;
b) de “2...”, sito no Lugar ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...48 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...24.
2. Os identificados prédios não confrontam por qualquer dos seus lados com a via pública.
3. Sendo que o seu acesso, a partir da via pública, hoje Rua ..., faz-se por uma faixa de terreno em terra batida e trilhada pelo uso, com cerca de 2,5 metros de largura, que se inicia na via pública, passando no prédio que atualmente pertence a BB e daí se desenvolve em linha reta até aos prédios identificados em 1.
4. Faixa essa que desemboca no dito “1...” e deste passa-se para os “2...”.
5. Em dezembro de 2019, o Réu enviou uma carta à anterior proprietária dos prédios identificados em 1, CC, carta essa que foi entregue ao Autor AA e que informava que iria colocar um portão por onde presentemente se acede aos ditos prédios identificados em 1.
6. O fundamento alegado para a colocação do portão foi para evitar a entrada dos animais, estacionamento abusivo de viaturas e a não destruição da nova plantação de vinha.
7. O Réu colocou o portão no início da servidão de passagem o dito portão.
8. O Réu e a sua esposa são donos e legítimos possuidores do prédio rústico, sito no Lugar ..., ..., ..., que confronta a norte com EE e outros, a sul com caminho, nascente com prédio do próprio e poente com servidão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o nº ...9 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...22.
9. Tal prédio veio à sua posse por arrematação judicial de 9 de novembro de 1995, no âmbito do processo de execução com o n.º 90/A/94, que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial de Penafiel.
10. A sua aquisição a favor do Réu e sua esposa encontra-se registada pela ap. ...4 de 28.12.1995.
11. O Réu e sua esposa são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito no Lugar ..., com o n.º de policia ...50, da Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ...45 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...69.
12. O prédio identificado em 11 confronta a poente com o prédio identificado em 8.
13. O prédio identificado em 11 foi adquirido pelo Réu e esposa por escritura pública de doação, outorgada em 12.4.1999, no Cartório Notarial ....
14. A aquisição do mencionado prédio a favor do Réu e esposa encontra-se registada pela ap. ...4 de 16.4.1999.
15. O prédio rústico denominado de “2...” confronta a nascente com o prédio rústico denominado de “1...”.
16. Os prédios identificados em 1 encontram-se, pelo menos, desde há 15 (quinze) anos sem qualquer tipo de cultura e há, pelos menos, 3 anos a mato, sem qualquer tipo de limpeza.
17. O caminho referido em 3 tem uma extensão de cerca de 67 metros.
18. E encontra-se trilhado junto à estrema nascente do prédio rústico identificado em 8, precisamente entre esse prédio e o prédio identificado em 11, que se encontra delimitado por um muro em pedra, e num plano superior face ao prédio identificado em 8 até desembocar no prédio dominante, junto a um castanheiro aí existente ainda propriedade do Réu.
19. O Autor e antes dele CC não aceitaram receber a chave do portão colocado pelo Réu, tendo o mesmo ficado apenas batido com o trinco, podendo ser aberto à mão.
20. O Réu plantou no prédio identificado em 8 uma vinha, com sistema de rega mecânica, destinada à produção de vinho verde.
21. Na estrema poente do prédio identificado em 8, existe um caminho com a largura de cerca de 2,5 metros, com início na Rua ....
22. Tal caminho encontra-se perfeitamente trilhado e já onera o prédio identificado em 8 para servir outros prédios rústicos, a poente desse caminho, até chegar ao prédio rústico denominado de “2...”.
23. Tal caminho tem uma extensão de cerca de 140 metros e desemboca a cerca de 5 metros do prédio rústico denominado de “2...”.
24. A entrada deste caminho dista cerca de 125 metros da entrada atual e mais próximo a uma construção que o Autor e seu agregado familiar têm no local.
25. O Réu obriga-se a prolongar pelos cerca de 5 (cinco) metros em falta do caminho já existente até desembocar no prédio “2...” por forma a passar entre a cabine construída em blocos de cimento, onde o Réu tem os motores de rega e entre a presa de água.
Factos não provados com interesse para a decisão da causa:
a) O Réu lavou ou mandou lavrar o dito caminho de servidão;
b) O Réu impediu os Autores de acederem à servidão de passagem existente.
IV_ Fundamentação de direito
1ª Questão
No corpo das suas alegações, os Recorrentes expressam a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal a quo. Após terem transcrito os pontos 1 a 25 e dos factos provados e pontos a) e b) dos factos não provados, referem “o presente recurso tem por objeto a alteração da decisão, quer de facto, quer de direito, da sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou, quanto a nós mal. Ora, é nestes precisos pontos que os Recorrentes discordam totalmente com a sentença, pois entendem, que não deveriam ter sido dados como provados e não provados os factos que constam na matéria de facto…”.
Ainda no corpo das motivações, os Recorrentes cingem-se a transcrever a prova que se encontra gravada sem da mesma fazer a apreciação crítica, estabelecer a conexão entre a prova transcrita e cada facto ou bloco de factos impugnados e explicar a razão ou razões pelas quais essa prova impõe decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.
Por último, não indicam qual a decisão que pretendem ver proferida em substituição da proferida pelo Tribunal a quo por referência a cada facto impugnado.
Na sua resposta, o Recorrido invoca o não cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº1, do Código de Processo Civil. Sustenta que os Recorrentes fazem uma impugnação genérica «naquilo que parece ser uma impugnação “em bloco”; [não] fizeram, como estavam obrigados, a especificar os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Refere o Recorrido, ainda que os Recorrentes transcrevam integralmente as declarações das testemunhas, não cumprem o ónus imposto na alínea a) do nº1 do artigo 640º do CPC.
Conclui que se impõe a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, por não se mostrarem cumpridos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC. Acrescenta que estes vícios relativos à impugnação da decisão relativa à matéria de facto não são susceptíveis de serem objecto de um despacho convite.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o nº1 do artigo 639º do Código de Processo Civil que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Nos termos do artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Dispõe o n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil,, do Código de Processo Civil, ”No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”.
De harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR 220, 1ª série, de 14 de Novembro de 2023), «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa».
Pode ler-se, na fundamentação - que permitimo-nos respeitosamente transcrever - do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado:
«Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…].
5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.».
Ensina António Abrantes Geraldes[1] que o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;…”.
Transpondo tais princípios para o caso dos autos, não consta das conclusões a enunciação de qualquer facto concreto que considere incorrectamente julgado. Na motivação, os Recorrentes transcreveram prova que se encontra gravada sem estabelecer a conexão entre essa prova e factos concretos que consideram incorrectamente julgados. Não consta, quer do corpo das alegações, quer das conclusões, qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, impõe-se a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, com fundamento no não cumprimento dos ónus impostos pelo nº1 do art. 640º do CPC.
2ª Questão
Rejeitado o recurso quanto à impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, mostra-se prejudicada a apreciação desta questão.
3ª Questão
Dissentem os Recorrentes da decisão proferida pelo Tribunal a quo sustentando que:
_ O Tribunal a quo ignorou por completo a réplica apresentada pelo Autor na qual explica que já havia sido alterada a servidão de passagem do início do seu prédio onde agora tem um jardim, para o lugar onde hoje se encontra.
_ A ser aceite o pedido reconvencional seria a segunda vez que o réu altera a servidão de passagem, não tendo em consideração se essa alteração prejudica ou não o acesso do Autor aos seus prédios.
_ A decisão de alteração da servidão decretada na sentença ora em crise não é exequível não permitindo a circulação de um veículo por aquele caminho.
_ Esse caminho termina cinco metros antes dos prédios do Autor, não sendo o seu prolongamento inexequível porque existem presas de águas que servem os prédios e que não podem ser desviadas.
_ Além do terreno nessa zona ser desnivelado, não tem largura suficiente para passar um tractor como possui o caminho que o Autor reclama.
_ A extensão do caminho que o Autor reclama é de 67 metros e a servidão decretada tem 140 metros de extensão com curvas e não serve os prédios do Autor porque lhe falta ainda 5 metros para lá chegar e dista 125 metros da servidão que reclama.
_ A actual servidão é a direito, tem largura para passar um tractor e serve os dois prédios do Autor, não podendo o Réu obstruí-la com os seus veículos ou deixá-la intransitável.
_ A alteração da servidão para outro local irá impedir o Autor de entrar na sua propriedade, não existindo acesso directo para os seus terrenos rústicos porque falta construir cerca de 5 metros de acesso aos terrenos.
Advoga o Recorrente que a alteração da servidão foi bem decidida, não estando o Tribunal a quo impedido de o fazer porque tal foi peticionado pelo Réu, na sua reconvenção. A mudança é conveniente ao proprietário do prédio serviente, aqui R./Recorrido, e não prejudica os interesses do proprietário do prédio dominante. Os AA./Recorrentes não ficam impedidos, nem afectados, de exercerem o seu direito de propriedade sobre os prédios dominantes, muito menos sofrerão qualquer prejuízo com a alteração da servidão, até porque, conforme resulta da lei, quem requer a alteração da servidão fá-lo a expensas suas.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o previsto no nº 1, do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. Por outro lado, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Sobre o ónus da prova, em termos gerais, opera o preceituado no artigo 342º do Código Civil: àquele que invoca um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo (nº1) e a prova dos factos extintivos, modificativos e impeditivos do direito, compete àquele contra quem a invocação é feita (nº2).
Decorre do citado artigo que sobre os Recorrentes recai o ónus de alegação nos articulados e demonstração dos factos que ora invoca na peça recursiva, ou seja, que:
- a servidão de passagem, com a configuração pretendida pelo Réu, não permite a circulação de um veículo; termina cinco metros antes dos prédios do Autor e o seu prolongamento é inexequível porque existem presas de águas que servem os prédios e que não podem ser desviadas; o terreno em causa é desnivelado e não tem largura suficiente para permitir a passagem de um tractor; a extensão do caminho que o Autor reclama é de 67 metros e a servidão decretada tem 140 metros de extensão com curvas, não serve os prédios do Autor porque lhe falta ainda 5 metros para lá chegar e dista 125 metros da servidão que reclama;
- a alteração da servidão para outro local irá impedir o Autor de entrar na sua propriedade, não existindo acesso directo para os seus terrenos rústicos porque falta construir cerca de 5 metros de acesso aos terrenos.
Percorrida a réplica, verifica-se que, nesse articulado, nada foi alegado quanto:
_ à impossibilidade de circulação de tractores na servidão de passagem pretendida pelo Réu;
_ à inexequibilidade do prolongamento desse caminho por cinco metros até aos prédios do Autor por existirem presas de águas que servem os prédios e que não podem ser desviadas;
_ ao terreno, nessa zona, ser desnivelado e não ter largura suficiente para passar um tractor;
_ à configuração do caminho: apresenta, ao longo da sua extensão, curvas;
_ à alteração da servidão impedir o Autor de entrar na sua propriedade.
Tratando de matéria que consubstancia defesa por excepção, recaia sobre os recorrentes o ónus da sua alegação nos articulados. Assim, mostra-se precludida, em fase de recurso, a alegação desse quadro factual.
Em segundo lugar, invocam os recorrentes que o Tribunal a quo ignorou por completo a réplica, articulado no qual explica que já havia sido alterada a servidão de passagem do início do seu prédio onde agora tem um jardim para o lugar onde hoje se encontra.
Dispõe o artigo 1568.º, n.º 1, do Código Civil que “O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode a todo o tempo, exigir a mudança dela para sitio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a fala à sua custa.” .
Em anotação ao artigo 1568º do Código Civil, escreve Isabel Menéres Campos[2], “A possibilidade de mudar o local da servidão corresponde à aplicação do princípio que aflora toda a matéria das servidões: quod tibi non nocet et Mihi prodest. Esta faculdade não depende de prazo para ser exercida; é por isso imprescritível . além disso, a mudança da servidão pode ser requerida mais de uma vez, sendo certo que havendo litígio, o tribunal apreciará a pertinência da pretensão”.
Assim, é irrelevante a argumentação de que não se trata da primeira alteração.
A mudança da servidão a que alude o art. 1568º nº 1 do C.C. é um expediente conferido pela lei ao proprietário do prédio serviente com vista a diminuir as incidências negativas desse encargo ou mesmo eliminá-lo e tem como requisitos:
a) a conveniência para o proprietário do prédio serviente;
b) não causar prejuízos sérios e graves para os interesses do proprietário do prédio dominante;
c) os custos inerentes à mudança são suportados por quem a requer; o que releva para este efeito “são os interesses dignos de ponderação, não os mero caprichos ou a mera conveniência ou comodidade do titular da servidão”.
d) caso a mudança se faça para o prédio terceiro este dê o seu consentimento (não exigindo a lei forma especial);
Incumbe ao julgador a ponderação casuística dos interesses em causa com recurso a um critério de proporcionalidade entre a referida conveniência na diminuição/eliminação do encargo sobre o prédio serviente e o mencionado prejuízo que a mudança de servidão pode acarretar para o prédio dominante.
Consta da decisão recorrida:
“Da factualidade dada como provada, verifica-se que a mudança da servidão de passagem para o caminho identificado em 21 a 24 dos factos provados mostra-se mais conveniente ao Réu, proprietário do prédio serviente, por se tratar de uma servidão de passagem já existente e já que onera o seu prédio em beneficio de outros prédios servientes. Também é relevante e de ponderar o facto da actual servidão de passagem em benefício dos prédios dos Autores se situar na estrema nascente do prédio rústico do Réu, tendo este Réu plantado vinhas de vinho verde com um sistema de rega mecânica e a mesma se situar entre a estrema nascente desse seu prédio e o prédio urbano identificado em 11 dos factos provados, pelo que a mudança da dita servidão para a estrema oposta – poente, onde existe já outro caminho de servidão, beneficiaria e protegeria aquela plantação de vinhas. Do exposto, resulta que a mudança da servidão é conveniente ao Réu, proprietário do prédio serviente.”.
Por referência ao segundo pressuposto consta da decisão recorrida “foi dado como provado que o caminho para o qual se pretende alterar a servidão existente tem o seu inicio na estrema poente do prédio identificado em 8 dos factos provados, distando cerca de 125 metros do inicio da atual servidão, mas que ficará mais próximo de uma construção que o Autor e o seu agregado familiar têm no local, sendo que ambas têm início junto à Rua ..., como se pode visualizara na fotografia V da ata de inspeção. Mais resultou demonstrado que o caminho por onde o Réu pretende alterar a servidão de passagem se faz por um trilho, com cerca de 2,5 metros de largura, que já é servidão de passagem para outros prédios, como se pode visualizar pelas fotografias VI e VII da ata de inspeção ao local e que se prolonga desde o seu inicio numa extensão de 140 metros, desembocando a cerca de 5 (cinco) metros do prédio dos “2...”, sendo que o Réu se compromete a efetuar as obras de forma a prolongar o dito caminho nos referidos 5 (cinco) metros de molde a desembocar no prédio dos “2...”.
Resultou ainda demonstrado que os prédios servientes são prédios rústicos, de cultura e cultivo, sendo que atualmente estão a monte, e pelo caminho por onde se pretende alterar a servidão de passagem poderão continuar a aceder a pé, de carro e com trator aos seus prédios (o que se pode verificar pela inspeção ao local – cfr. ata de inspeção), tal como fazem pela atual servidão, sendo que nada foi alegado pelos Autores/Reconvindos e consequentemente demonstrado de que pretendam dar uma utilização ou destino diferente aos mencionados prédios.
Demonstrado ficou, ainda, que a atual servidão com início na Rua ... termina no prédio denominado “...” e deste é que se passa para o prédio denominado dos “2...” – cfr. ponto 4 dos factos provados. Pelo caminho que o Réu pretende alterar a servidão esta terá inicio na Rua ... e terminará no prédio denominado dos “2...” e deste os Autores passarão para o prédio denominado de “1...”. Ora, não obstante esta mudança, a verdade é que ambos aqueles prédios pertencem aos Autores/Reconvindos, sendo que nenhuma matéria foi alegada e consequentemente demonstrada que tal alteração prejudique os interesses dos Autores/Reconvindos. Ficou ainda demonstrado que o caminho para o qual o Réu/Reconvinte pretende alterar a servidão existente tem uma extensão superior em 78 metros à anterior, todavia, entendemos que tal, não obstante poder configurar algum incomodo para os Autores/Reconvindos, por terem de andar mais, não prejudica os interesses destes, pois continuam a poder aceder aos seus prédios nos exatos termos em que fazem pela servidão atual.”.
Concluiu o Tribunal a quo que “a alteração da servidão de passagem nos termos em que vem pedida pelo Réu/Reconvinte nenhum prejuízo causará aos Autores/Reconvintes, pelo que, se mostram preenchidos os requisitos para a procedência do pedido reconvencional.”.
Em suma, o acesso dos prédios da interveniente, a partir da via pública, é feito por uma faixa de terreno em terra batida e trilhada pelo uso, com cerca de 2,5 metros de largura e uma extensão de cerca de 67 metros, que se inicia na via pública, passando no prédio que actualmente pertence a BB e daí se desenvolve em linha recta até aos prédios pertencentes à primeira. Essa faixa desemboca no dito “1...” e deste passa-se para os “2...”.
A mudança pretendida pelo Réu implica que o caminho passa a ter a largura de cerca de 2,5 metros, com início na Rua ...; uma extensão de cerca de 140 metros e desemboca a cerca de 5 metros do prédio rústico denominado de “2...”, obrigando-se aquele a prolongar o caminho, nessa extensão até desembocar naquele prédio - prédio “2...” - por forma a passar entre a cabine construída em blocos de cimento, onde o Réu tem os motores de rega e entre a presa de água. A entrada deste caminho dista cerca de 125 metros da entrada actual e é mais próximo de uma construção que o Autor e seu agregado familiar têm no local.
Não tendo a matéria de facto sofrido qualquer alteração e não resultando do quadro factual que da ampliação da extensão do caminho – de cerca de 140 metros ao invés de cerca de 70 metros,- deriva “prejuízos sérios e graves para os interesses do proprietário do prédio dominante”, improcede a pretensão recursória.
Custas
Sendo improcedente a pretensão recursória, os Recorrentes são responsáveis pelas custas do recurso (artigo 527.º, n.ºs1 e 2, do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto e, consequentemente, decide-se confirmar a sentença.
Custas do recurso a cargo dos Recorrentes - cfr. artigo 527.º, n.ºs1 e 2, do Código de Processo Civil.
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Anabela Miranda
Teresa Fonseca
Fernanda Almeida
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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. actualizada, Almedina, 2022, págs. 197 e 198.
[2] Isabel Menéres Campos, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Obra Colectiva, Universidade Católica Editora, 2021, pág.737.