SUSPEIÇÃO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
IMPARCIALIDADE
PRÉ-JUÍZO
Sumário

I. A previsão da possibilidade de conhecimento do mérito da causa no momento do saneamento dos autos, se o estado do processo o permitir, bem como, a da necessidade de tal possibilidade ser previamente dada a conhecer pelo juiz às partes– traduzindo uma elementar exigência do respeito pelo contraditório – constitui um regime proporcional e justificado em face da ponderação da diversidade de situações que cabe ao julgador apreciar e explicado pelo já aludido princípio da economia processual, não se mostrando incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça.
II. Da sua exercitação pelo julgador não resulta a formulação de qualquer tomada de decisão sobre o objeto do processo, nem sobre os direitos em contraposição, mas sim, a expressão, de índole processual, no sentido de que o juiz se propõe conhecer, com respaldo no regime legal vigente, sobre o mérito da causa. Certo é que, não se infere de tal mera exercitação, algum pré-juízo ou parcialidade do julgador.
III. Do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade.
IV. O incidente de suspeição não é o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual de uma diligência ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador.
V. O processo de decisão do juiz não se inicia apenas depois de terminadas as alegações orais, pois, inevitavelmente, ele vai analisando e confrontando os diversos depoimentos e fazendo juízos sobre a credibilidade de cada um deles, mas o importante é que, até ao final das alegações, não feche o espírito à possibilidade de valorar todas as contribuições para a prova, quer confirmem ou infirmem os juízos que foi fazendo.
VI. No caso em apreço, nenhuma das menções efetuadas pela Sra. Juíza no âmbito do despacho proferido na audiência prévia patenteia algum “pré-juízo” sobre a motivação decisória do mérito da causa ainda a apreciar, mostrando-se circunscritas à respetiva finalidade apreciativa e decisória então proferida, ou seja, à observância do respetivo dever de administrar a Justiça.

Texto Integral

I.
1. Nos autos de ação de processo comum, em que são autores “A”, “B”, “C” e “D” e réus “E”, “F” e “G”, vieram os autores, por requerimento apresentado em juízo em 25-09-2024, deduzir incidente de suspeição, relativamente à Sra. Juíza de Direito “H”, alegando, em suma, que:
- No dia 10 de setembro de 2024, realizou-se a Audiência Prévia no âmbito dos referidos autos, tendo sido tentada a conciliação das partes que não foi conseguida;
- De seguida, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando que os AA. fundamentam o pedido da ação na responsabilidade extracontratual dos RR. e resultando da análise do processo que os AA. não invocaram factos que fundamentem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido, impõe-se que o processo já reúne todos os elementos para ser proferida decisão final.", tendo ainda as partes sido notificadas para, querendo, alegarem por escrito em 10 dias;
- Encerrado o despacho com: Decorrido o referido prazo conclua para ser proferida decisão, não se designando nova audiência prévia para o efeito;
- Com o despacho proferido, a MM.a Juiz acaba por condicionar o exercício do direito dos AA., decidindo pelo mérito da ação, quando o pedido é fundado na responsabilidade civil por ato ilícito praticados pelos RR, encontrando-se ao longo da Pi objetivamente alegados todos os factos indiciadores da prática dos atos ilícitos cometidos pelos RR. - afirmações numa reportagem jornalística sobre os AA. emitida dias antes do ato eleitoral da ia A. aos seus órgãos sociais;
-Relativamente à peça jornalística em causa, emitida pela CMTV, canal detido pela Cofina, também a 1a A. propôs ação contra aquela entidade, cujos termos correram no Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz (…) sob o nº (…)18/21.5T8LSB, tendo o processo corrido os seus trâmites com a realização da audiência de julgamento e com a prolação de sentença a julgar a ação procedente condenando aquela Cofina no pagamento de indemnização à ia A.;
- Ora, ao dirigir-se aos AA. utilizando expressões como: “não invocaram factos que fundamentem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido”, não está a MM.a Juiz a ser imparcial como lhe é imposto por lei, nem a assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos AA. porquanto tais expressões poderão levar-nos a concluir não só que já há um juízo preconcebido de uma decisão, cuja causa ainda não foi julgada, faltando fazer a prova mais importante de todas, que é a prova testemunhal, como poderemos facilmente concluir que independentemente da prova que os AA. venham a produzir em julgamento, a decisão foi tomada ainda antes de ter decorrido o julgamento;
- Frustrada a tentativa de conciliação, a Mm.a Juiz desde logo informou os presentes que estaria em condições de proferir decisão, dizendo mesmo - decidindo - que: os AA. fundamentam o pedido da ação na responsabilidade extracontratual dos RR. e resultando da análise do processo que os AA. não invocaram factos que fundamentem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido, sendo que os factos são na sua génese os mesmos que foram discutidos nos autos cujos termos correram no Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz (…) sob o n° (…)18/21.5T8LSB, sendo que ali, ao contrário dos presentes autos, é pedida a condenação da Cofina no pagamento de indemnização com fundamento na responsabilidade civil por atos ilícitos da própria jornalista autora daquela peça, factos que os AA. procuram também demonstrar com a junção dos documentos entregues com a petição inicial e que nos parecem que não terão sido tidos em conta pela Mm.a Juiz, assim como a solicitada junção da cópia da própria peça jornalística;
- O comportamento do julgador deverá ser desde o início até ao término do processo isento e independente, requisitos que não se encontram preenchidos perante as declarações proferidas pela Juiz recusada, criando nos AA. a convicção de que a decisão já estará tomada, independentemente da prova que venha a ser produzida em julgamento;
- No caso concreto, perante o discurso proferido pela Juiz recusada o bonus pater familiae seria levado a concluir não só que se estava a tentar demover as AA. de prosseguirem com a lide, como que, ainda antes de qualquer julgamento, de quaisquer diligências probatórias a realizar, a Juiz recusada já teria formulado a sua decisão independentemente do que se vier a provar em sede de julgamento.
Concluíram os requerentes da suspeição nos seguintes termos:
“(…) Atento o supra exposto, resulta provado que a senhora juiz ora recusada, optou por demonstrar uma situação de parcialidade ao pronunciar as expressões que se indicam supra, entrando assim numa clara violação dos seus deveres profissionais,
(…) Bem como violando assim o princípio da confiança que se impõe em qualquer fase de um processo judicial.
(…) Pelo que se torna assim necessário alterar tal situação, levando a que o cidadão que recorre à justiça para ser ressarcido dos danos que lhe foram causados possa sair de um processo onde impere a isenção e imparcialidade e possa concluir que o julgador/decisor não estava comprometido.
(…) A suspeição, tem o seu fundamento não na convicção ou temor dos AA. criadas com a intervenção excessiva, da Exma. Senhora Juiz, mas sim na evidente tomada prévia de posição sobre a viabilidade ou não da ação.
(…) Ora, se uma determinada matéria ou quantum petitório é inviável, nos termos em que foi expresso pela Exma. Senhora Juiz, sem necessidade de mais análise de qualquer elemento probatório, a verdade é que deveria ter ocorrido um despacho que anteriormente o tivesse assim definido conferindo às partes o direito de se pronunciar ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento da Pi;
(…) E não, simplesmente, notificar as partes para alegações.
(…) Estas expressões revelam a declarada convicção do tribunal, demonstram um pré-juízo da causa, o que lhe está vedado; Este juízo de prognose, quando realizada por aquele que será o decisor, antes de realizada a prova, confirma de forma séria e grave, uma suspeita de um condicionamento prévio na análise da prova e que possa tornar parcial a decisão da causa;
(…) Por último sempre se dirá que não se considera que a Mm.a Juiz em causa tenha intencionalmente querido prejudicar qualquer uma das partes, mas que o fez, quando de forma inusitada, foi mais longe do que simplesmente apontar os riscos e dificuldades probatória (o que poderia ser lícito que o fizesse).
(…) Esta intervenção, prejudicou anormalmente no que concerne às Autoras (única hipótese que se poderá avançar) a força da sua demanda, o que é evidente tendo por base as regras da experiência;
(…) Ao declarar o que declarou sobre a viabilidade do petitório dos AA., antecipa de forma grave o seu juízo, sendo que naquele momento o Tribunal tomou uma decisão sobre a inviabilidade do pedido;
(…) É este o condicionamento que em concreto nos levam a considerar que a imparcialidade da Exma. Senhora Juiz, encontra-se prejudicada, devendo nessa medida ser substituída (…)”.
2. Na referida audiência prévia, de 10-09-2024 – designada na sequência dos despachos proferidos em 09-04-2024, 29-05-2024 e 18-06-2024 - consta da respetiva ata escrito, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Presentes: Os ilustres mandatários, dos autores, Dr. “I”, da primeira e terceiro réus, Dra. “J” e do segundo réu, Dra. “K”, os autores “A” e “B” e os réus “F” e “G”.
Pelas 14:23 horas foi dado início à diligência tendo a mesma sido gravada na aplicação "h@bilus média studio".
Aberta a audiência, pela Mm.ª Juiz de Direito, foi tentada a conciliação das partes não tendo a mesma sido conseguida pelo que pela Mm.ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Considerando que os AA. fundamentam o pedido da ação na responsabilidade extracontratual dos RR. e resultando da análise do processo que os AA. Não invocaram factos que fundamentem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido, impõe-se que o processo já reúne todos os elementos para ser proferida decisão final.
Notifique assim as partes para, querendo, alegarem por escrito em 10 dias.
No mesmo prazo, os AA. e o co-R. “E” poderão pronunciar-se sobre o requerimento apresentado pelos co-RR. em 09-09-24 e 10-09-24.
Decorrido o referido prazo conclua para ser proferida decisão, não se designando nova audiência prévia para o efeito.”.
3. Em 29-05-2022 havia sido proferido, nos autos principais, o seguinte despacho:
“De acordo com o disposto nos arts.º 552º e seguintes e 569º e seguintes do Cód. Proc. Civil só é permitida às partes a apresentação de dois articulados, tendo sido suprimido o articulado de resposta à contestação, excepto quando tenha sido deduzido pedido reconvencional.
Não foi, porém, eliminada a possibilidade de exercício do contraditório relativamente a matéria de exceção que seja arguida em sede de contestação, conforme decorre do previsto nos arts.º 3º, nº 3 e 4º do mesmo diploma.
Com a eliminação do articulado de resposta à contestação, o exercício do contraditório relativamente à matéria de exceção pode ser exercido na audiência prévia ou no início da audiência final, quando àquela não haja lugar, nos termos do art.º 3º, nº 4, do Cód. Proc. Civil.
Todavia, nada obsta a que, ao abrigo dos poderes que lhe são concedidos pelos princípios da adequação formal e de gestão processual, o juiz, caso entenda por bem garantir o contraditório em momento anterior à audiência prévia, quer como forma de agilizar essa mesma diligência, quer até como forma de poder, eventualmente, dispensar essa mesma diligência, possa facultar à parte a possibilidade de apresentar o contraditório por escrito, em articulado inominado.
Nas contestações apresentadas nos autos os réus invocam matéria de exceção.
Assim, nos termos do disposto nos arts.º 6º e 547º do Cód. Proc. Civil, notifiquem-se os autores para, querendo, em 10 dias, responder à matéria de exceção invocada na contestação.”.
4. E em 20-03-2023 – notificado às partes por notificação expedida em 22-03-2023 - foi proferido despacho, nos autos principais, onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“Deixa-se consignado que, apesar de notificados para tanto, os AA não responderam às excepções invocadas pelos RR, mostrando-se precludido o exercício do direito ao contraditório quanto a tal matéria uma vez que já lhes foi facultado (…)”.
5. Na sequência do referido em 1., a Sra. Juíza de Direito visada, por despacho de 30-09-2024, veio responder – nos presentes autos – nomeadamente, que:
“(…) 1. No dia 02.09.2024, tomou posse como Juiz (…), do Juízo Central Cível de Lisboa.
2. A audiência prévia, que se realizou no dia 10 de Setembro de 2024, foi agendada por despacho datado de 18.06.2024, com as finalidades enunciadas no despacho datado de 29.05.2024.
3. Na contestação apresentada pelos co-RR. “F” e “G”, foram invocadas as exceções de ineptidão da petição inicial (por falta ou insuficiência ou falta de causa de pedir) e preterição de litisconsórcio necessário.
4. Por despacho datado de 29.05.2022, foi determinada a notificação dos AA. para se pronunciarem sobre a matéria de exceção invocada na contestação.
5. Por despacho datado de 20.03.2023, foi declarado precludido o direito dos AA ao exercício ao contraditório quanto à matéria das exceções, considerando que apesar de notificados, os AA. nada disseram.
6. A audiência prévia realizou-se no dia agendado, tendo sido gravada.
7. Em face das exceções aduzidas pelos RR. e do exercício do contraditório já verificado, a signatária entendeu que o processo já reunia as condições para ser proferida decisão final, indicando que tal situação decorria da falta de alegação de factos que fundamentassem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido.
8. A signatária proferiu o despacho que se encontra reproduzido em ata e que consta da gravação da audiência prévia, concedendo ainda o prazo de 10 dias para as partes alegarem, por escrito, querendo.
9. Ao proferir tal despacho, a signatária visou o cumprimento da lei, nomeadamente o disposto no art. 595º, nº1 do CPC conferindo às partes, mais uma vez, a oportunidade de exercerem o respetivo contraditório, evitando-se as decisões “surpresa” e não, conforme invocado pelos AA., que estivesse a demovê-los de prosseguir a lide ou a prejudicar anormalmente o direito dos AA., por ter sido parcial.
10. Há ainda a salientar que os AA. não estão impedidos, pelo valor da ação, de recorrer das decisões que sejam proferidas, no âmbito destes autos.
11. Além do que, a signatária não tem qualquer relação pessoal ou familiar com quaisquer das partes ou respetivos Ilustres Mandatários e a única intervenção que teve no processo foi na realização da audiência prévia (previamente agendada), que foi gravada, sendo que da audição da mesma se poderá concluir que a conduta imputada à signatária é desprovida de fundamento.
12. Por todo o exposto, entende-se que não se encontra preenchida a previsão do art. 120º do CPC e que o alegado neste incidente põe em causa o bom nome da signatária e o seu zelo profissional, o que se lamenta, devendo o mesmo ser julgado improcedente (…)”.
6. Os réus “F” e “G”, ainda se pronunciaram invocando, nomeadamente, o seguinte:
- A alegada suspeição da Mm.ª Juíza outra coisa mais não é do que a mera constatação, para qualquer observador imparcial e atento, de que objetivamente o processo fornece todos os elementos para ser decidido sem necessidade de ser realizada audiência de julgamento, daí não se podendo inferir que o julgador está determinado ou se encontra em situação tal que possa indiciar um propósito subliminar de beneficiar uma das partes;
- Para os RR., a dedução do presente incidente, tem apenas um objetivo: atrasar a prolação da decisão final, à espera do desfecho do propalado (pelos AA., no site da A. “A”…) recurso para o STJ, que foi interposto do acórdão desse TRL, proferido no processo n.º (…)18/21.5T8LSB.L1, que considerou procedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e Ré (…), S.A. contra a recorrida e ora A. “A”, decisão essa que julgou improcedente a ação relacionada com a mesma reportagem televisiva que está em jogo nos presentes autos, donde, ser o presente incidente destituído de qualquer fundamento sério, o que merece a condenação dos requerentes em multa por litigância de má-fé, nos termos do artigo 123.º, n.º 3, do CPC.
7. Pelo signatário foi proferido despacho, em 02-10-2024, nos seguintes termos:
“Os réus, por requerimento de 01-10-2024, vieram pronunciar-se sobre o incidente de suspeição requerido pelos autores.
De harmonia com o disposto no artigo 122.º, n.º 4, do CPC, “a parte contrária ao recusante pode intervir no incidente como assistente”.
Sobre a assistência regulam os artigos 326.º e ss. do CPC, destacando-se, em particular, o n.º 1 do artigo 327.º do CPC, que estabelece que o assistente pode intervir a todo o tempo, mas tem de aceitar o processo no estado em que se encontrar.
Nos termos do n.º 3 do artigo 327.º do CPC, não havendo motivo para indeferir liminarmente o pedido de intervenção, ordena-se a notificação da parte contrária à que o assistente se propõe auxiliar.
No caso, inexistindo motivo para o indeferimento liminar da intervenção, os autos devem aguardar eventual pronúncia da contraparte – já notificada de tal requerimento - relativamente ao requerimento de 01-10-2024, o que se determina.
Notifique”
8. Na sequência, os autores – por requerimento de 17-10-2024 – concluíram “estar verificados os necessários pressupostos para que o presente incidente de suspeição seja julgado procedente por provado”.
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II. O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC.
O pedido de suspeição contém a indicação precisa dos factos que o justificam (cfr. artigo 119.º, n.º 3, do CPC).
Pela regra geral sobre os prazos para a prática de atos processuais (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do CPC), o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (assim, a decisão individual do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2021, Pº 75/14.5T8OLH-DJ.E1, rel. CANELAS BRÁS).
O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta.
O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC.
Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opôr suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP (cfr. artigos 32.º, n.º 9 e 203.º), só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
A dedução de um incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
“A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL).
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
“De acordo com o entendimento uniforme da jurisprudência (…), a imparcialidade pode ser avaliada sob duas vertentes, a subjetiva e a objetiva, radicando a primeira na posição pessoal do juiz perante a causa, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e consistindo a segunda na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tem um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afectando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-05-2024, Pº 5423/22.1JAPRT-A.P1, rel. PAULA PIRES).
Por outra parte, a consideração da existência de motivo sério e grave adequado a pôr em causa a imparcialidade do julgador, há-de fundar-se em concretas circunstâncias e não em juízos ou conjeturas genéricas e imprecisas.
Conforme se referiu na decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2024 (Pº 254/22.1T8LGS.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO):
“Para que se possa suscitar eficazmente a suspeição de um juiz não basta invocar o receio da existência de uma falta de imparcialidade é necessário que esse receio nasça de alguma das circunstâncias integradas na esfera de protecção da norma.
A aferição da suspeição deve ser extraída de factos ou eventos concretos, inequívocos e concludentes que sejam susceptíveis de colocar em causa a independência e a imparcialidade do julgador e a objectividade do julgamento”.
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III. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar – e mostrando-se tempestivamente deduzido o incidente de suspeição (sendo que a parte se aprestou a apresentar requerimento no 3º dia útil posterior ao termo do prazo dos 10 dias após a data da realização da audiência prévia, tendo satisfeito as exigências processuais, nomeadamente, decorrentes do disposto no artigo 139.º, n.º 5. al. c) do CPC) -, analisemos a situação concreta apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder.
O princípio da independência dos tribunais, consagrado no artigo 203.º da Constituição (“os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”), implica uma exigência de imparcialidade.
A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir, opondo as partes contrapostas, perante um terceiro – o Tribunal – que se quer imparcial, para que a decisão a proferir seja absolutamente justa.
O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade.
Com efeito, os juízes têm por função ser imparciais e objetivos, fundando as suas decisões na lei e na sua consciência.
Como dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos.
Os requerentes da suspeição invocaram para sustentar o incidente que deduziram, em suma, a seguinte linha de argumentação:
1ª) Que na audiência prévia realizada, a Sra. Juíza proferiu um despacho que – entendem os autores – condiciona o exercício do seu direito, decidindo pelo mérito da ação, considerando, ao invés, que o pedido que formularam é fundado, que, ao longo da petição inicial, foram alegados os factos que fundamentam a responsabilidade civil que peticionaram (o nexo de causalidade e os danos) e que justificou a procedência de outra ação que correu termos relativamente à mesma peça jornalística em causa;
2ª) Que a Sra. Juíza, ao dirigir-se aos AA. utilizando expressões como: “não invocaram factos que fundamentem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido”, não está a ser imparcial, podendo tais expressões levar os autores a concluir que já há um juízo preconcebido de uma decisão, cuja causa ainda não foi julgada e independentemente da prova que venha a ser produzida em julgamento, violando também o princípio da confiança que se impõe em qualquer fase de um processo judicial;
3ª) Que se uma determinada matéria ou quantum petitório é inviável, nos termos em que foi expresso pela Exma. Senhora Juiz, sem necessidade de mais análise de qualquer elemento probatório, a verdade é que deveria ter ocorrido um despacho que anteriormente o tivesse assim definido conferindo às partes o direito de se pronunciar ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento da Pi e não, simplesmente, notificar as partes para alegações.
A Sra. Juíza visada contrapôs, como se viu, efetuando um relato da tramitação processual havida no processo principal, considerando que, “[e]m face das exceções aduzidas pelos RR. e do exercício do contraditório já verificado, (…) entendeu que o processo já reunia as condições para ser proferida decisão final, indicando que tal situação decorria da falta de alegação de factos que fundamentassem o nexo de causalidade entre a atuação dos RR. e os danos que alegam terem sofrido”, proferindo o despacho reproduzido em ata e concedendo o prazo de 10 dias para as partes alegarem por escrito, querendo, referindo visar, com tal despacho, o cumprimento da lei, “nomeadamente o disposto no art. 595º, nº1 do CPC conferindo às partes, mais uma vez, a oportunidade de exercerem o respetivo contraditório, evitando-se as decisões “surpresa” e não, conforme invocado pelos AA., que estivesse a demovê-los de prosseguir a lide ou a prejudicar anormalmente o direito dos AA., por ter sido parcial”.
Mais referiu a Sra. Juíza, concluindo pela improcedência do incidente, que os autores não estão impedidos de recorrerem das decisões que sejam proferidas nos autos, não tendo qualquer relação pessoal ou familiar com quaisquer das partes ou respetivos Ilustres Mandatários e a única intervenção que teve no processo foi na realização da audiência prévia (previamente agendada), que foi gravada, sendo que da audição da mesma se poderá concluir que a conduta imputada à signatária é desprovida de fundamento.
Liminarmente, importa salientar que não se patenteia – não se encontrando preenchida a correspondente previsão normativa - qualquer das circunstâncias a que se referem as alíneas a) a f) do n.º 1, do artigo 120.º do CPC, que determinariam o deferimento da suspeição.
Quanto à alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – do n.º 1 do artigo 120.º do CPC, tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148).
Conforme resulta do que vem invocado pelos requerentes da suspeição, este incidente vem fundado, exclusivamente, na intervenção levada a efeito pela Sra. Juíza visada no âmbito do processo a seu cargo e, mais propriamente, em razão da sua intervenção na audiência prévia ali realizada.
Discordam os requerentes do despacho proferido em tal audiência, nos termos constantes do requerimento de suspeição, considerando que o mesmo revela parcialidade da Sra. Juíza e quebra a confiança devida no julgador, em virtude de dele resultar um juízo preconcebido de uma decisão sobre a causa, ainda não proferida, para além de que, entendem que deveria ter havido prévio despacho a conferir às partes o direito a se pronunciarem sobre a inviabilidade da pretensão ou pelo aperfeiçoamento da petição.
Vejamos, ainda que brevemente, em que termos decorre a intervenção do julgador no âmbito da audiência prévia.
Na fase imediatamente ulterior à apresentação dos articulados das partes, o Código do Processo Civil regula, no artigo 590.º e ss., os termos da gestão inicial do processo e da audiência prévia.
Nesta fase, com diversos e amplos objetivos, o juiz assume um papel determinante, assumindo a direção do processo, procura verificar a regularidade da instância ao nível dos pressupostos processuais e eventuais exceções dilatórias, promovendo pelo seu suprimento, convida as partes à erradicação de irregularidades e deficiências verificadas nos articulados, podendo ainda determinar a junção de documentos, o que ocorre no âmbito do despacho pré-saneador.
Ultrapassados estes eventuais entraves ao prosseguimento da causa, é convocada a audiência prévia, por despacho que indique concretamente as finalidades da sua realização.
Como refere Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, vol. II, 2015, p. 190): “Uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 3 do artº 590º - correcção das irregularidades formais dos articulados), ou, não tendo a ele havido lugar, logo que o processo lhe seja feito concluso, após a fase dos articulados, o juiz, observado o preceituado pelo artº 151º, nºs 1 e ss., designa dia para a audiência prévia indicando o seu objecto e finalidade de entre os constantes do nº 1 do artº 591º, a realizar num dos 30 dias subsequentes, salvo se ocorrer alguma das hipóteses previstas no artº 592º (em que a mesma não pode ex-lege realizar-se) ou no artº 593º (em que o juiz a entenda dispensável). Conforme a exposição de motivos da Reforma de 2013, «a audiência prévia é, por princípio, obrigatória. Porquanto só não se realizará: - nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante; - nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados» (sic). E obviamente que também se não realizará no caso de revelia absoluta (operante) do réu, hipótese em que haverá lugar ao julgamento abreviado previsto no artº 567º, por reporte ao artº 56º.»
Assim, “por princípio, no processo comum de declaração, é obrigatória a realização de audiência prévia” (cfr. João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira; Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 73) referindo os mesmos Autores (ob. cit., p. 77) que, “(…) sempre que o juiz projecte conhecer no despacho saneador de uma excepção peremptória ou de algum pedido (independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artº 591º.1.b)”, considerando estar em causa o assegurar do contraditório, designadamente, na acepção do direito a produzir alegações antes de uma decisão final.
A audiência prévia contempla um vasto leque de finalidades possíveis, segundo o preceituado no artigo 591.º.
Assim, a audiência prévia pode comportar uma tentativa de conciliação, embora esta possa, ainda, ser tentada numa fase processual posterior.
Para além disso, outra finalidade da audiência prévia é a promoção da discussão de questões a decidir de imediato relativas a exceções dilatórias ou ao mérito da causa e assim fazer cumprir o contraditório, tal como pode também ser convocada no intuito de possibilitar a discussão das posições das partes sobre a delimitação dos termos do litígio e proporcionar a supressão de deficiências ao nível da exposição da matéria de facto que ainda subsistam.
Na audiência prévia pode, igualmente, ser proferido o despacho saneador que será ditado para a ata e poderá ainda haver lugar à programação da audiência final que terá lugar na fase seguinte, com a designação das respetivas datas, número de sessões previsivelmente necessárias e programação dos atos a desenvolver em cada uma delas.
A audiência prévia pode também ter cabimento para a possibilidade de determinação da adequação formal, da simplificação ou da agilização processuais que pode consistir na adoção da tramitação processual mais adequada e na adaptação do conteúdo e da forma dos atos processuais, em função das particularidades do caso e uma vez ouvidas as partes.
Finalmente, um dos fins da audiência prévia é também o de nela se proceder à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
A audiência prévia poderá não se realizar em duas situações: quando a lei assim o determine ou quando o juiz dispense a sua realização. Assim, estabelece o artigo 592.º do CPC que não há lugar à realização da audiência prévia quando em ações não contestadas a revelia seja inoperante e também sempre que o juiz entenda que deve proferir despacho saneador a julgar procedente exceção dilatória debatida nos articulados e assim absolver o réu da instância.
Para além disso, o juiz pode considerar, por via de despacho devidamente fundamentado, que não se justifica a realização desta audiência quando se destine apenas a proferir despacho saneador, a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processuais ou a proferir despacho que identifique o objeto do litígio e enuncie os temas da prova, situação em que proferirá esses despachos nos vinte dias subsequentes ao termo da fase dos articulados.
Conforme se mencionou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2018 (Pº 3054-17.7T8LSB-A.L1-6, rel. CRISTINA NEVES), “no NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artº 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº1 b). A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º. A dispensa da audiência prévia fora destes casos, só é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no artº 547 e 6 do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC”.
No caso de o juiz pretender conhecer do mérito da causa, há que distinguir consoante esse conhecimento seja parcial ou total.
Sobre o ponto discorrem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil; Vol. I, Almedina, 2013, p. 494) o seguinte: “A audiência prévia é de realização necessária, com o fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer parcialmente do mérito da causa (art. 591.º, n.º 1, al. b) ), se a questão parcelar não tiver sido debatida nos articulados. O conhecimento da totalidade do mérito não é de considerar, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: ‘ações que hajam de prosseguir’.
A audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa, se a questão não tiver sido debatida nos articulados, o que vele dizer que pode ser dispensada no caso oposto (art. 547.º). Esta decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes (art. 3.º, n.º 3), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa”.
Assim, no caso de pretender conhecer integralmente do mérito da causa o juiz apenas poderá dispensar a realização da audiência prévia, depois de auscultadas as partes e usando dos mecanismos de gestão processual e de adequação formal, em conformidade com o disposto nos artigos 6.º e 547.º do CPC.
O princípio da adequação formal, ínsito no artigo 547.º do CPC, permite ao juiz, precisamente, adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, cabendo no seu exercício a aludida possibilidade de não realização de audiência prévia para os fins de conhecimento integral do mérito da causa, desde que, verificadas as condições, acima mencionadas, para tal efeito.
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 591.º do CPC, o juiz, no despacho que marque a audiência prévia deve indicar o seu objeto e finalidade, mas o mesmo não constitui caso julgado quanto à possibilidade de imediata apreciação do mérito da causa.
Ora, revertendo à situação dos autos, verifica-se que o juiz, no despacho exarado na audiência prévia, anunciou às partes pretender conhecer do mérito da causa, com dispensa da realização de nova audiência prévia.
Foi, pois, no estrito âmbito do conhecimento do mérito da causa – que o Tribunal se propôs efetuar – que foi proferido o despacho a que se reportam os requerentes do incidente de suspeição.
Note-se que, em causa neste incidente não está qualquer apreciação substantiva sobre a correção ou incorreção do despacho proferido em 10-09-2024, a qual não cabe efetuar e, para a qual, o meio próprio, seria a interposição de recurso.
Isto é: A apreciação sobre se o Tribunal se encontrava em condições de proferir, de imediato, decisão sobre o mérito da causa não é tema deste incidente de suspeição, pois, deveria ser objeto do recurso que a parte que nisso visse interesse, tivesse oportunamente deduzido.
Por outro lado, importa referir que o conhecimento do mérito da causa na fase do saneamento dos autos preclude a necessidade de produção de provas adicionais, não decorrendo de tal circunstância, a possibilidade de formação de algum juízo sobre a parcialidade do julgador.
De facto, o CPC permite o conhecimento do mérito na fase do saneador: “O despacho saneador destina-se a: (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória” (cfr. artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC).
O juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente.
Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 204) enuncia diversos casos em que é admissível ao juiz conhecer do mérito da causa no despacho saneador. Tal sucederá quando:
“a) os factos alegados pelo autor em qualquer dos articulados legalmente admitidos forem inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência), caso em que o réu será absolvido do pedido;
b) todos os factos integradores de uma exceção perentória se encontrem já provados, com força probatória plena (ou pleníssima), por confissão, admissão ou documento, do que resultará a absolvição do réu do pedido;
c) se deverem ter por provados todos os factos integradores da causa de pedir por não existirem exceções perentórias, serem os factos em que se fundariam inconcludentes ou plenamente provada a inocorrência de alguns desses factos, v.g., por prova dos factos contrários (procedência do pedido);
d) se se evidenciar a inconcludência dos factos em que se funda a exceção perentória ou prova, com força probatória plena, dos factos contrários (do que resulta ter a ação que prosseguir para apuramento dos factos que integram a causa de pedir)”.
O mesmo Autor (ob. cit., p. 205) considera que constitui ainda situação admissível de imediato conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, aquela em que todos os factos probandos principais integrem causa de pedir (ou fundem exceções) apenas suscetíveis de prova documental, constituindo o documento uma formalidade legal ou ad substantiam (art.º 364.º, n.º 1, do CC) ou pelas próprias partes (art.º 223.º, n.º 1, do CC) e, como tal, ser insubstituível por qualquer outra prova (cfr. artigo 364.º, n.º 1, al. c) do CC).
Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, Almedina, 2018, pp. 696-698) referem que “a antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas, e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes”, enumerando diversas situações em que o juiz pode conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o que sucederá sempre que não existam matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e de realização da audiência final.
Tal sucederá quando:
“a) Toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento: nestas circunstâncias, é inviável a elaboração de temas da prova e, por isso mesmo, mostra-se dispensável a audiência final, nada obstando a que o juiz proceda à imediata subsunção jurídica;
b) Quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito; se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da ação para audiência final; mutatis mutandis quando se trate de apreciar de que forma os factos alegados pelo réu poderão interferir na decisão final, pois se tais factos, enquadrados na defesa por exceção, ainda que provados, se revelam insuficientes ou inócuos para evitar a procedência da ação, inexiste qualquer razão justificativa para o adiamento da decisão;
c) Quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental, caso em que o juiz proferirá despacho saneador-sentença (…). Com efeito, a audiência final, em torno dos factos abarcados pelos temas da prova, não se destina no essencial à apresentação de documentos, antes à produção de outros meios de prova, sujeitos a livre apreciação, pelo que se impõe a antecipação da decisão sobre o mérito da causa;
d) Nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação do mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), in fine); na verdade, a sua eventual revogação (…) pode prejudicar o efeito de aceleração emergente da antecipação parcial da apreciação do mérito da causa; é aqui que a utilização do prudente critério do juiz pode servir para selecionar os casos em que, apesar das divergências, se justifica o julgamento antecipado, no confronto com aqueles em que será preferível a enunciação dos temas da prova e a posterior atividade instrutória, com vista ao apuramento dos factos que interessem à correta e completa integração jurídica; como critério geral de atuação, deve o juiz optar entre proferir a decisão de mérito da causa ou relegá-la para depois da audiência final, depois de fazer um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos;
e) Tratando-se de pedido único, conquanto a lei admita a decisão parcial, julgamos que, em regra, o juiz deve abster-se de tal decisão e deixá-la para final, opção que reflete o equilíbrio entre a celeridade do processo e a coerência das decisões; tratando-se de um pedido principal (v.g. capital mutuado ou reivindicação de prédio) e de pedido acessório (v.g. juros de mora ou avaliação dos prejuízos decorrentes da ocupação ilegal), parece ser mais vantajoso o conhecimento antecipado daquela pretensão; o mesmo ocorrerá quando tenham sido cumulados diversos pedidos principais ou quando tenha sido formulado um pedido principal e um pedido subsidiário e existam fundamentos para conhecer do primeiro”.
Em síntese, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2019 (Pº 3610/18.6T8MTS.P1, rel. NELSON FERNANDES): “I - O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. II - Face ao referido em I, apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertidos com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa”.
Ora, sem revelar qualquer a existência de qualquer pré-juízo, reserva ou reticência, relativamente à pretensão dos autores, a Sra. Juíza visada limitou-se a operar as disposições normativas referidas e a entender, no âmbito do que lhe viabiliza o respetivo poder de atuação que exerceu, encontrar-se a causa – segundo o seu juízo – em condições de ser proferida decisão de mérito.
“O juiz conhece (total ou parcialmente) do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais para além das já processualmente adquiridas, encontrando-se, por isso, já cabalmente habilitado a decidir conscienciosamente (artº 595º, nº 1, al. b))” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil; Vol. II, Almedina, 2015, p. 204).
O anúncio de tal disposição às partes não pode ser entendido como representando uma quebra de imparcialidade, dado que resulta da estrita aferição (a efetuar “conscienciosamente”), pelo julgador, da verificação das condições legais em que ao Tribunal é vinculado o conhecimento do mérito da causa (cfr. artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC), sendo que, o princípio da economia processual, determina que não deverá prosseguir uma causa para julgamento e produção probatória, cujas condições, desde logo, permitam aferir que a respetiva pretensão de mérito não obterá procedência.
Ademais, no caso concreto, o despacho proferido concedeu às partes a possibilidade de efetuarem ulterior pronúncia sobre tal anúncio que o Tribunal formulou na audiência prévia, o que resulta ter ocorrido sem qualquer quebra da independência ou da imparcialidade exigida ao Tribunal e com a finalidade – referenciada pela Sra. Juíza – de evitar a prolação de uma “decisão-surpresa”, não viabilizando a conclusão de que tal despacho de 10-09-2024 possa ser encarado como determinação no sentido de demover os autores de prosseguirem a lide ou de os prejudicar na defesa dos seus direitos.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2022 (Pº 7074/15.8T8LSB-C.L1-PICRS, rel. SÉRGIO REBELO), “não há qualquer decisão surpresa, violadora do comando contido no art. 3º, nº do CPC (com desrespeito, pois, pelo princípio basilar do contraditório), quando (…) a parte invocou que a decisão proferida em saneador-sentença foi precoce por haver factualidade controvertida que deverá ser apreciada apenas em audiência de julgamento”.
Nos termos do artigo 20.º, n.º 4 da CRP, o direito de ação (direito de agir em juízo) terá de efetivar-se através de um processo equitativo.
“Todo o processo – desde o momento de impulso de acção até ao momento da execução – deve estar informado pelo princípio da equitividade, através da exigência do processo equitativo (…). O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. (…) O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva” (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 415).
O direito à tutela jurisdicional comporta várias facetas: o direito à igualdade de armas; o direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso; o direito à fundamentação das decisões; o direito à decisão em tempo razoável; o direito ao conhecimento dos dados processuais; o direito à prova; o direito de defesa; o direito a um processo orientado para a justiça material, sem demasiadas peias formalísticas (cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 415-416).
A exigência de um processo equitativo impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/99).
Um processo equitativo postula a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.
Contudo, o respeito por estes princípios não exclui a possibilidade de o legislador conformar o processo de acordo com regras, cuja inobservância tem por consequência a preclusão de direitos ou a restrição dos poderes cognitivos dos tribunais.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efetivação da garantia de acesso aos tribunais (cfr., Rui Medeiros em anotação ao artigo 20.º da Constituição, em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 436).
O legislador dispõe, assim, de uma ampla margem de liberdade, na concreta modelação do processo, cabendo-lhe, nas soluções que consagra, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes e, em conformidade, disciplinar o âmbito do processo, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e o processo de execução.
De todo o modo, o regime processual ou adjetivo deve estar funcionalmente adequado aos fins do processo e ter um fundamento razoável, de justificação objetiva e racional, bem como conformar-se com o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio legislativo, sendo vedado ao legislador criar obstáculos ao exercício de direitos das partes, que dificultem ou prejudiquem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
A previsão da possibilidade de conhecimento do mérito da causa no momento do saneamento dos autos, se o estado do processo o permitir, bem como, a da necessidade de tal possibilidade ser previamente dada a conhecer pelo juiz às partes– traduzindo uma elementar exigência do respeito pelo contraditório – constitui um regime proporcional e justificado em face da ponderação da diversidade de situações que cabe ao julgador apreciar e explicado pelo já aludido princípio da economia processual, não se mostrando incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça.
Da sua exercitação pelo julgador não resulta, nos apontados termos, a formulação de qualquer tomada de decisão sobre o objeto do processo, nem sobre os direitos em contraposição, mas sim, a expressão, de índole processual, no sentido de que o juiz se propõe conhecer, com respaldo no regime legal vigente, sobre o mérito da causa. Certo é que, não se infere de tal mera exercitação, algum pré-juízo ou parcialidade do julgador.
Todavia, assim não sendo entendido, sempre cumpre referir que, o meio adequado para colocar em crise o despacho proferido pelo Tribunal não é o mecanismo da suspeição.
Com efeito, do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2002, Pº 01P3914, rel. SIMAS SANTOS).
A função jurisdicional “implica, pela sua própria natureza e quase sem excepções, a necessidade de dar razão a uma das partes e negá-la à outra, rejeitando as suas pretensões e sacrificando os seus interesses concretos. Daí que não seja possível retirar do facto de alguma, ou algumas, das pretensões formuladas por uma das partes terem sido rejeitadas a conclusão de que o julgador está a ser parcial ou a revelar qualquer inimizade contra a parte que viu tais pretensões indeferidas" (despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 14-06-1999, in CJ, XXIV, 3.º, p. 75).
Não se conformando com as decisões judiciais proferidas, os requerentes da suspeição tem ao seu dispor todos os mecanismos legais de impugnação que sejam processualmente admissíveis, mas não, o incidente de suspeição.
O incidente de suspeição não é, de facto, o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual de uma diligência ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem, de forma constante, evidenciado esta asserção (disso são exemplo as decisões expressas nos seguintes acórdãos: STJ de 09-12-2004, Pº 04P4308, rel. SIMAS SANTOS; STJ de 09-03-2022, Pº 5/22.0YFLSB, rel. HELENA FAZENDA; STJ de 23-09-2020, Pº 685/13.8JACBR.C1-A.S1, rel. MANUEL AUGUSTO DE MATOS; TRL de 11-10-2017, Pº 6300/12.0TDLSB-A-3, rel. JOÃO LEE FERREIRA; TRP de 21-02-2018, Pº 406/15.0GAVFR-A.P1, rel. ELSA PAIXÃO; TRP de 11-11-2020, Pº 1155/18.3T9AVR-A.P1, rel. JOSÉ CARRETO; TRE de 07-01-2014, Pº 91/10.6TDEVR-A.E1, rel. MARIA LEONOR ESTEVES ; TRE de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO).
Conforme se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2006 (Pº 458/06-2, rel. FERNANDO MONTERROSO):
“As simples expressões através das quais o juiz revele a credibilidade que dá a determinada declaração, ou a outro meio de prova, não bastam para deduzir a sua recusa e a violação de alguma das regras sobre a aquisição da prova pode ser impugnada por vários os meios (desde a arguição de irregularidades ou nulidades até à interposição de recurso), mas nenhum deles passa pela dedução do incidente da recusa do juiz.
O processo de decisão do juiz não se inicia apenas depois de terminadas as alegações orais, pois, inevitavelmente, ele vai analisando e confrontando os diversos depoimentos e fazendo juízos sobre a credibilidade de cada um deles, mas o importante é que, até ao final das alegações, não feche o espírito à possibilidade de valorar todas as contribuições para a prova, quer confirmem ou infirmem os juízos que foi fazendo.
As regras da boa prudência aconselham que o juiz não revele os seus juízos, mas (…), por vezes deve tomar decisões que, ao menos implicitamente, indicam a credibilidade que, até aí, lhe parece merecer determinado depoimento, sem que, em todo o caso, da circunstância da convicção já estar em processo de formação, possa ser tirada a conclusão de que já existia um «pré juízo»”.
No caso em apreço, nenhuma das menções efetuadas pela Sra. Juíza no âmbito do despacho proferido na audiência prévia patenteia algum “pré-juízo” sobre a motivação decisória do mérito da causa ainda a apreciar, mostrando-se circunscritas à respetiva finalidade apreciativa e decisória então proferida, ou seja, à observância do respetivo dever de administrar a Justiça.
Com efeito, na economia do referido despacho, não é possível concluir, ao contrário do que o fazem os requerentes, que possa estar inquinado o processo de julgamento ainda a cargo do julgador, apenas sucedendo que, como tantas vezes ocorre, o juiz tem de, nas concretas circunstâncias de tramitação processual, tomar posição sobre o estado da causa, decidir pretensões e incidentes interlocutórios, de um modo ou de outro, aplicando o Direito, sem que isso possa revelar, em si mesmo, alguma quebra da imparcialidade devida pelo julgador.
Podemos entender que os requerentes se não revejam no conteúdo de posições tomadas pelo julgador, mas tal não revisão, descontentamento ou discordância, não implica parcialidade do julgador.
A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir.
O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade, sabendo-se que nem sempre se consegue passar esta imagem, mas, o que releva é que esta conceção esteja materializada no julgador e que o utente da justiça, a final, a compreenda.
Perante os elementos disponíveis e o contexto em que teve lugar a intervenção da Sra. Juíza, no âmbito da audiência prévia em questão – tomando posição aliás antecedida da prolação de despacho (de 20-03-2023) onde se expressou a consignação da ausência pelos autores, de pronúncia sobre as exceções deduzidas na contestação - não se conclui que, objetiva e subjetivamente, se mostre posta em causa a imparcialidade do julgador.
Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência.
Não se nos afigura a existência de litigância de má-fé dos requerentes da suspeição, não se patenteando alguma das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do artigo 542.º do CPC, designadamente, que o incidente tenha sido deduzido com o objetivo de atrasar a prolação da decisão final, por se aguardar o desfecho de recurso no processo n.º 17218/21.5T8LSB.L1.
*
V. Face ao exposto, indefiro a suspeição deduzida relativamente à Sra. Juíza de Direito “H”.
Não se vislumbra má fé na litigância dos requerentes.
Custas a cargo dos requerentes do incidente.
Notifique.

Lisboa, 21-10-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).