NULIDADE DE SENTENÇA
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
SUCESSÃO DE INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA
REGIME MAIS FAVORÁVEL
EXCEPÇÃO
TRABALHO NOCTURNO
CONCEITO
RETRIBUIÇÃO
Sumário

I – A omissão de pronúncia constitui uma patologia da decisão que consiste na sua incompletude, por referência aos deveres de pronúncia relativamente às questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e, também, relativamente àquelas que sejam de conhecimento oficioso.
II – As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que assumem no desenvolvimento da lide e o tribunal não tem que se pronunciar sobre todos estes argumentos.
III – Não incorre em excesso de pronúncia a sentença que, ao proceder à interpretação da cláusula de um instrumento de regulamentação colectiva, procura descortinar o que da mesma é possível retirar quanto à vontade das partes contratantes do instrumento para aferir o sentido do ali clausulado, em conformidade com os critérios interpretativos plasmados na lei, ainda que não se tenha produzido prova em juízo quanto àquela vontade.
IV – A majoração retributiva para pagamento de trabalho nocturno prevista na cláusula 28.ª da CCT STAD de 2004 deve manter-se após 01 de Janeiro de 2020 para os trabalhadores que antes dela beneficiavam, por se enquadrar na ressalva da cláusula 56.ª, n.º 4 da CCT STAD/FETESE de 2020, que proíbe a diminuição da retribuição pela nova CCT.
V – Já no aspecto da determinação do período relevante para a caracterização do trabalho como nocturno, se deve atender – por ser o novo instrumento globalmente mais favorável e não haver qualquer ressalva expressa em sentido contrário – à cláusula 22.ª, da CCT de 2020, que reflecte o entender dos outorgantes da nova CCT de que o trabalho prestado entre as 06 e as 07 horas da manhã não se reveste da penosidade inerente ao trabalho nocturno.
VI – Apurando-se que a empregadora procedeu a pagamentos à trabalhadora, a partir de 1 de Janeiro de 2020, de valores a título de “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT”, visando garantir que a trabalhadora mantenha o seu nível remuneratório, bem como compensá-la de eventuais perdas, é de considerar que a obrigação de pagamento de diferenças salariais em consequência da aplicação daquela cláusula se mostra parcialmente extinta na medida dos valores efectivamente pagos a tal título.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П
1. Relatório
AA, intentou a presente acção declarativa com processo comum, contra ZZ, S.A., peticionando que a R. seja «condenada a cumprir as Decisões Judiciais em que foi condenada a pagar o trabalho noturno com os acréscimos de 30% e 50%, e,
1. Consequentemente ser condenada a pagar à A. o montante de € 4.024,36 (quatro mil e vinte e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de diferença de acrésámo remuneratório por trabalho noturno de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, e subsídios de férias e de Natal de 2020 e 2021 e Janeiro a março de 2022, bem como os que se vencerem;
2. Deve, ainda a R. ser condenada a manter para o futuro o pagamento do acréscimo remuneratório de 30% e 50% referentes ao trabalho noturno nos salários mensais, subsídios de férias e de Natal;
3. E a discriminar nos recibos de salários as horas pagas a 30% e as pagas a 50% como fez até outubro de 2012;
4. € 97,20 (noventa e sete euros e vinte cêntimos) por conta do acréscimo remuneratório por trabalho aos Domingos (16%) que não pagou com o subsídio de Natal do ano de 2020;
5. Aos valores supra referidos acrescem juros de mora à taxa legal em vigor desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento;
6. Ser condenada no pagamento de custas e demais encargos com o processo
Para tanto alegou, em síntese: que trabalha para a Ré desde Abril de 2007; que exerce ao serviço desta as funções inerentes à categoria profissional de trabalhadora de limpeza no Hospital...; que trabalha no horário de quinta a segunda-feira, das 00:00 horas às 08:00 horas, com pausa das 04 horas às 05 horas, folgando às terças e quartas-feiras, num total de 162,50 horas mensais; que a A. e a R. estão filiadas no STAD e na APFS, respetivamente; que em cumprimento da sentença de 2016.04.14 e decisão sumária da Relação de 2017.02.07 que a confirmou (de que junta cópia), a R. passou a pagar o trabalho noturno prestado pela A. com os acréscimos de 30% e 50%, mas a partir de Janeiro de 2020, começou a pagar o trabalho noturno com o acréscimo remuneratório de 25% e, desde Janeiro de 2021, de 30%, e que tal viola as referidas decisões judiciais
Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação.
A R. apresentou contestação na qual defendeu a sua absolvição do pedido e invocou, em suma: que a Convenção Colectiva de Trabalho do STAD de 2004 caducou pelo menos em 17 de Fevereiro de 2014 por força do artigo 501.º, n.º 1 do CT; que a jurisprudência tem entendido que a mesma Convenção Colectiva de Trabalho deve ser aplicada aos trabalhadores filiados no STAD à data da caducidade por força do regime da sobrevigência constante do artigo 501.º, n.º 8 até à entrada em vigor de nova Convenção; que com a nova Convenção Colectiva de Trabalho entre a APFS e o STAD e a FETESE publicada no BTE nº 2 de 15 de Janeiro de 2020 deve aplicar-se a regra do artigo 503.º do Código do Trabalho, relativamente a sucessão de convenções coletivas; que a nova Convenção Colectiva de Trabalho tem de ser aplicada em bloco, não se tendo salvaguardado a não revogação das regras referentes à definição e remuneração do trabalho nocturno; que a nova Convenção tem cláusulas de expressão pecuniária mais vantajosas do que a CCT de 2004 e esta já não pode ser aplicada ao caso concreto; que os valores pagos a título de trabalho noturno não estão sujeitos ao princípio da irredutibilidade da retribuição; que o somatório das prestações remuneratórias abonadas à A. não foi reduzido e que a condenação constante das decisões judiciais juntas pela A. tem como limite a entrada em vigor de uma nova Convenção, o que aconteceu a partir de 1 de Janeiro de 2020. Termina defendendo a sua absolvição do pedido.
Foi determinada a notificação da A. para se pronunciar quanto à execepção peremptória de pagamento invocada, não vindo a mesma apresentar qualquer resposta.
Cumprido o contraditório quanto à possibilidade de prolação de decisão de mérito no despacho saneador, ambas as partes se pronunciaram no sentido de que consideram desnecessária a produção de prova adicional e de que não se opõem à prolação de decisão de mérito.
Foi então proferido despacho saneador-sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgando a presente ação totalmente procedente, decide-se:
a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 4.024,36 (quatro mil e vinte e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de diferença de acréscimo remuneratório por trabalho noturno de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, e subsídios de férias e de Natal de 2020 e 2021 e janeiro a março de 2022, bem como os que se venceram desde abril de 2022, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento;
b) Condenar a ré a manter para o futuro o pagamento à autora do acréscimo remuneratório de 50% respeitante ao trabalho noturno prestado entre as 0 horas e as 5 horas e 30% além do trabalho normal, referente ao restante trabalho noturno, nos salários mensais, subsídios de férias e de Natal;
c) Condenar a ré a discriminar nos recibos de salários as horas de trabalho noturno pagas a 30% e as pagas a 50%;
d) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 97,20 (noventa e sete euros e vinte cêntimos) por conta do acréscimo remuneratório por trabalho aos Domingos (16%) que não pagou com o subsídio de Natal do ano de 2020;
e) Condenar a ré a pagar as custas.
Valor da causa:
Fixo à presente causa o valor de € 34.121,57 (trinta e quatro mil, cento e vinte e um euros e cinquenta e sete cêntimos).
[…]”
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão cujo conhecimento se lhe impunham, que foram suscitadas pela recorrente e que eram determinantes para boa resolução da causa e aplicação do direito, a saber: a caducidade do CCT STAD / 2004; aplicação das regras constantes do Código do Trabalho, relativamente a sucessão de convenções coletivas; a circunstância da nova convenção ter de ser aplicada em bloco e o facto de os acréscimos por trabalho noturno não integrarem a retribuição stricto senso, não estando, como tal, sujeitos ao princípio da irredutibilidade.
2. A sentença é, pois, nula por omissão de pronúncia.
3. De igual modo, a considerar que as partes quiserem salvaguardar na cláusula 56ª, n° 4 do CCT a fórmula de cálculo dos acréscimos de trabalho noturno, previstos no CCT de 2004, o Tribunal a quo incorre em excesso de pronúncia, porquanto tal não decorre expressamente desse preceito (do elemento literal resulta unicamente a referência à retribuição em geral), não decorre da sua análise sistemática, nem tão pouco foi feita qualquer prova que nos permita apelar ao elemento teleológico, sendo certo que tal prova cabia à A.
4. A sentença conheceu de questões que não podia conhecer, sendo nula, também, por excesso de pronúncia.
5. A solução jurídica para o diferendo em causa nos autos coloca-se no campo da sucessão de convenções coletivas e não no campo da caducidade do CCT do STAD de 2004 ou do princípio da irredutibilidade da retribuição.
6. A posição sustentada na douta sentença em crise não se coaduna com a as regras de sucessão de convenções coletivas previstas no Código do Trabalho (art. 503°); nem com a solução consagrada no próprio CCT de 2020 (cláusula 56ª), CCT este que o próprio STAD também negociou e subscreveu.
7. No que concerne à sucessão de instrumentos de regulamentação coletiva, verifica-se que durante anos a fio o setor das limpezas regeu-se pelos CCT’s celebrados entre a AEPSLAS / APFS e o STAD, o último em 2004.
8. Após algum impasse e não sendo possível chegar a qualquer acordo com o STAD, a APFS logrou abrir um processo negociai com a FETESE, o qual culminou em 2008, com a publicação no B.T.E., n° 15 de 22 de abril, de um novo CCT, o qual foi objeto de Portaria Extensão no dia 24 de dezembro de 2008 - a Portaria n° 1519/2008.
9. Com a publicação desta Portaria, verificou-se a existência de um conflito de instrumentos de regulamentação que teve de ser resolvido em conformidade com o disposto no art. 536° do antigo Código do Trabalho - passou a aplicar-se o CCT mais recente, com Portaria de Extensão.
10. O CCT da FETESE foi objeto de revisão em 2010 e 2015 (B.T.E. n° 8, de 28 de fevereiro de 2010 e n° 34, de 15 de setembro de 2015), tendo a alteração sido, igualmente, objeto de extensão, em 14 de abril de 2016, por via da Portaria n° 89/2016.
11. Quanto ao CCT do STAD, não mais foi revisto desde 2004.
12. Em 2019 foi possível sentar, novamente, à mesa das negociações a APFS, a FETESE e o STAD e em resultado celebrar um novo CCT para o setor, que foi publicado no B.T.E. n° 2, de 15/01/2020, e alvo de Portaria de Extensão - Portaria n.° 72/2020, de 16 de março.
13. O CCT de 2020 constitui um marco muito importante para o setor, permitindo, depois de longos anos de incerteza e duplicidade de regimes, promover e alcançar alguma igualdade entre todos os trabalhadores do setor e empresa, com reflexos ao nível da justiça social e leal concorrência.
14. De acordo com o art. 503° do CT a convenção coletiva posterior revoga integralmente a convenção anterior, salvo nas matérias expressamente ressalvadas pelas partes.
15. Ainda de acordo com o citado preceito, os direitos decorrentes de convenção só podem ser reduzidos por nova convenção de cujo texto conste, em termos expressos, o seu carácter globalmente mais favorável.
16. No n° 1 da cláusula 56ª do CCT de 2020, as partes outorgantes deixaram bem expresso que:
“O presente CCT revoga e substitui inteoralmente o CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Facilitv Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego. n.° 12. de 29 de marco de 2004 ...”
17. O n° 3 da mesma cláusula reconhece expressamente a maior favorabilidade do cláusula do novo CCT, por referência aos CCTs anteriores.
18. Para ultrapassar a discussão sobre a eventual caducidade do CCT de 2004, as partes clarificaram no n° 2 da cláusula 56ª que nenhuma delas prescindia do seu entendimento.
19. Sendo certo que, após a publicação do CCT anterior e devido à revogação expressa do CCT de 2004 a questão da caducidade apenas passa a ter importância para o passado, ou seia, para créditos vencidos até dezembro de 2019.
20. A partir de janeiro de 2020 só uma Convenção Coletiva do Trabalho releva - a nova Convenção publicada no B.T.E. n° 2, de 15/01/2020, a qual, como as partes subscritoras reconheceram, tem um carácter globalmente mais favorável aos trabalhadores.
21. A maior favorabilidade do CCT de 2020 resulta, desde logo, das tabelas salarias; do incremento do subsídio de alimentação; da forma como passa a ser calculado o subsídio de Natal; do acréscimo devido pela prática de trabalho noturno (para todos os trabalhadores que antes beneficiavam da aplicação do CCT da FETESE); da cláusula que regula o trabalho aos domingos e, finalmente, da cláusula 55° do CCT que fez com que as remunerações mínimas do setor descolassem, de vez, do salário mínimo nacional.
22. Não faz sequer sentido apelar ao art. 501°, n° 8 do CT, na medida em que já entrou em vigor uma nova convenção coletiva, de carácter globalmente mais favorável aos trabalhadores, que foi subscrita pelo STAD e que revogou, a partir da data em que entrou em vigor, o CCT de 2004.
23. As relações entre A. e recorrente, a partir de janeiro de 2020, regem-se pelo CCT de 2020 (B.T.E. n° 2, de 15/01/2020).
24. Este CCT deve ser aplicado em bloco, não podendo a A. beneficiar do “melhor de 2 mundos”, isto é, das cláusulas e tabelas salariais mais vantajosas do CCT de 2020 e do acréscimo superior previsto para a laboração em período noturno, no CCT de 2004.
25. O CCT de 2020, como já se referiu, tem um carácter globalmente mais favorável aos trabalhadores; sendo certo que, como ficou provado, por força da entrada deste CCT e dos pagamentos realizados pela recorrente, a título de “ajuste compensatório cláusula 56ª do CCT’, a retribuição global líquida mensalmente auferida pela trabalhadora não foi, tão pouco, reduzida.
26. O n° 4 da cláusula 56ª, estabelece que:
“Sem prejuízo do disposto no número 1 desta cláusula, da aplicação do presente contrato não poderá resultar prejuízo para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição ou supressão de quaisquer regalias de caráter regular ou permanente.”
27° Este preceito não alude expressamente ao trabalho noturno mas antes à retribuição em geral, enquanto totalidade das respetivas parcelas e tem como única finalidade, garantir que o trabalhador não vai auferir, mensalmente, por efeito da mera entrada em vigor de uma nova convenção, uma retribuição global inferior à que anteriormente auferia.
28° - Por força da entrada em vigor do CCT / 2020 os trabalhadores, no final do mês e em termos globais, não podem receber valores líquidos inferiores aos que recebiam anteriormente.
29° - Foi precisamente para garantir que tal não sucedia, que a recorrente passou a pagar, mensalmente, à autora, a verba referente ao ajuste compensatório.
30° - Ficou provado, no ano de 2019, a A. auferia o salário base mensal de € 562,50, acrescido de € 213,75 a título de horas noturnas, € 90,00 correspondente aos 16% por trabalho aos domingos e € 67,57 de prémio de assiduidade, tudo perfazendo, o valor bruto de € 933,82:
31° - No ano de 2020, a R. começou a pagar, à A., o trabalho noturno com o acréscimo remuneratório de 25% e desde janeiro de 2021 de 30%, sendo que em setembro de 2020, abonou à A, uma verba denominada de “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT”, para garantir que a A. mantinha o seu nível remuneratório.
32° - Os recibos de vencimento da A., juntos com a P.I., evidenciam que a sua retribuição não foi diminuída., por força da entrada em vigor do novo CCT - em abono da verdade, resulta do doc. 18, junto com a P.I.. em 2020 a A. auferiu valores superiores aos que auferiu em 2019.
33° - Também não se alcança como pode preconizar o Tribunal que a recorrente não explica como chegou ao valor de € 302.25. nem ao valor de € 31,83. na medida em que esta explicação está bem explicita no documento 2. junto com a contestação...
34° - É inexato invocar que nem sequer foi alegado a que “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT” é que se refere quando ficou provado que este valor se destinada a compensação eventuais perdas que a A. pudesse ter, por forca da aplicação do CCT / 2020.
35. O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso do trabalho noturno.
36. Não estando submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, as prestações retributivas apenas são devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
37. E no caso concreto as regras quanto à determinação e remuneração do trabalho noturno foram alteradas.
38. Os acréscimos pagos à A. pela prática de trabalho noturno decorriam do CCT aplicável e não de qualquer acordo individual firmado entre as partes, como os autos bem evidenciam.
39. É em conformidade com as regras desse CCT, vigentes em cada momento, que a entidade empregadora deve remunerar os seus trabalhadores e em conformidade com essas regas que a recorrente remunerou a A.
40. A condenação para o futuro, constante da sentença junta com a P.l. sob doc. 2, tem como limite expresso a entrada em vigor de uma nova convenção.
41. E dúvidas não restam que, a partir de janeiro de 2020, entrou em vigor uma nova convenção, que foi subscrita pelo STAD e pela APFS (uma nova convenção entre as mesma partes que subscreveram o CCT de 2004) e como tal aplicável a todos os seus associados, por força do princípio da filiação (como é o caso da A. e da R.). 
42. A douta sentença em crise viola, entre outros, os arts. 129°, 501°, 503° e 536° do Código do Trabalho, bem como a cláusula 56ª do CCT APFS/FETESE/STAD de 2020.
43. Por todo exposto, andou mal o Tribunal a quo ao decidir a questão controvertida, razão pela qual a douta sentença em crise deve ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente de todo o peticionado.
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido com efeito suspensivo, atenta a caução prestada. A Mma. Juiz a quo pronunciou-se no sentido de que a sentença não padece de nulidade.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se em douto Parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Notificadas as partes, nenhuma delas se pronunciou sobre tal douto Parecer.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1.ª – da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2.ª – da nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
3.ª – saber se, após a substituição do CCT celebrado entre a AEPSLAS, actualmente APFS, e o STAD, com último texto consolidado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 12, de 29 de Março de 2004 (CCT/2004), pelo CCT celebrado entre a APFS, e o STAD e a FETESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 2, de 15 de Janeiro de 2020 (CCT/2020), a A. mantém o direito aos acréscimos retributivos de 30% e 50% de que antes beneficiava pela prestação de trabalho nocturno, e perante a sua anterior definição, com as consequências daí decorrentes, tendo em conta o peticionado na acção;
4.ª – da relevância do valor pago pela R. a título de “ajuste compensatório Cláusula 56.ª do CCT”.
Mostra-se definitivamente decidida – por não impugnada em via de recurso, o que acarretou o seu trânsito em julgado (cfr. o artigo 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil) –, a questão relacionada com o reconhecimento à trabalhadora do direito ao acréscimo remuneratório do subsídio de Natal do ano de 2020 por trabalho prestado ao domingo e a consequente condenação da recorrente contida na alínea d) do dispositivo da sentença.
*
3. Fundamentação de facto
*
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
i. A R. é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de limpeza. 
ii. Originariamente a R. tinha como denominação comercial “XX, S.A.”;
iii. Por Inscrição n.° 16 - AP. 2/20191231, alterou a denominação para “ZZ, S.A.”;
iv. A R. é membro da APFS, anteriormente denominada AEPSLAS.
v. A.A. trabalha sob ordens, direcção e fiscalização da R. desde abril de 2007;
vi. A A. é associada do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD), desde 26/02/2007, com o número de sócia 64644;
vii. A A., detém a categoria profissional de trabalhadora de limpeza hospitalar,
viii. Desempenha as funções para as quais foi contratada no cliente da R., Hospital..., em ....
ix. Durante vários anos, o horário de trabalho da A. foi de Quinta-feira a Segunda-feira, das 24 horas às 07 horas, perfazendo um total de 151,67 horas mensais,
x. Auferindo, até outubro de 2012, o salário base mensal de € 424,38, acrescido de € 36,38 correspondente a 43,33 horas de trabalho noturno pago com o acréscimo remuneratório de 30%, € 151,56 correspondente a 108,33 horas de trabalho noturno pago com o acréscimo remuneratório de 50%, € 69,84 de complemento retributivo por trabalhar aos domingos e € 67,57 de prémio de assiduidade;
xi. Tendo a R. reduzido, a partir de outubro de 2012, o acréscimo remuneratório de 30% e 50% que pagava, à A., a título de trabalho noturno, para 25%;
xii. Na sequência dessa redução a A. instaurou uma ação para reclamar a reposição dos referidos acréscimos remuneratórios,
xiii. Ação essa que correu termos neste Tribunal - Processo n.° 3522/15.5T8LRS, que foi apensado ao Processo n.° 2581/15.5T8LRS, com o número 2581/15.5T8LRS-A,
xiv. Por Sentença datada de 14/04/2016, proferida pelo Juiz 1, foi decidido, na parte que interessa para a agora autora (o processo tinha duas autoras):
«(...)
Julgo improcedente a invocada excepção de caducidade da CCT celebrada entre Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares (AEPSLAS) e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, publicadía no BTE, n08, de 28/211993, e sucessivas alteraçõespublicadías no BTE, n°9, de 8/3/2002, BTE, n09, de 8/03/2003 e BTE n0 12, de 29/03/2004, o qualfoi tornado extensível a todo o sector pelas PE, publicadas nos BTE, n.0 30, de 15/08/95, n.0 22 de 15/06/2002 ePortaria n0 478/2005, de 13 de Maio (D.R. n° 93 — I série — B);
E condenou a ré:
2. A pagar à A. AA:
- €852,58 (oitocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de diferença no pagamento do trabalho nocturno entre a fórmula de cálculo de 25% e a fórmula de cálculo aplicando o valor de 30% e 50%, por cada hora, entre Novembro de 2012 e Fevereiro de 2015, e a quantia que se apurar em sede de liquidação de sentença relativamente à diferença entre a fórmula de cálculo de 25% e a fórmula de cálculo aplicandío o valor de 30% e 50% entre Março de 2015 e o trânsito em julgado da presente sentença;
- €187,94 (cento e oitenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos) de diferencial de subsidio de Natal do ano de 2012;
- €96,29 (noventa e seis euros e vinte e nove cêntimos) de diferença de subsidio de Natal de 2013;
- €191,35 (cento e noventa e um euros e trinta e cinco cêntimos) de dferença do subsídio de Natal de 2014;
- €81,85 (oitenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos) de diferença no subsidio de férias de 2013;
- €13,10 (tresçe euros e de\ cêntimos) de diferença no subsídio de férias de 2014;
- €135,80 (cento e trinta e cinco euros e oitenta cêntimos) a títuh de acréscimo remuneratório de 16% por trabalho aos Domingos que não foi pago com os subsídios de Natal dos anos de 2012 e 2013, e a quantia que se apurar em sede de liquidação de sentença relativamente ao acréscimo remuneratório nos subsídios de Natal de 2014 e subsequentes até ao trânsito em julgadío da presente sentença;
C) Às quantias indicadas para ambas as AA. acrescem juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, vencidos desde a data de vencimento de cada prestação até integralpagamento, nos termos dos artigos 805.° e 806.° do Código Civil.
D) Manter o pagamento às AA. BB e AA do trabalho noturno com a fórmula de cálculo aplicandío o valor de 30% e 50%, constante da cláusula 28.° da CCT/STAD;
E) Manter o pagamento à A. AA do acrésámo remuneratório de 16% por trabalho aos Domingos nos subsídios de Natal;
(…)»
xv. Desta Sentença recorreu a R., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido pela improcedência do Recurso, em Decisão Singular de 07-02-2017, que se considera notificada às partes em 13-02-2017;
xvi. No cumprimento das Decisões judiciais, a R. passou a pagar o trabalho noturno prestado pela A. com os acréscimos de 30% e 50%, embora não mais tenha feito essa indicação nos recibos de salários;
xvii. Desde há algum tempo, pelo menos desde janeiro de 2019, a A. passou a trabalhar de Quinta-feira a Segunda, das 00:00 horas às 08:00 horas, com pausa das 04 horas às 05 horas, folgando as Terças e Quartas num total de 162,50 horas mensais;
xviii. Passando a A. a auferir no ano de 2019, o salário base mensal de € 562,50, 213,75 a título de horas noturnas, € 90,00 correspondente aos 16% por trabalho aos domingos e € 67,57 de prémio de assiduidade;
xix. No ano de 2020, a R. começou a pagar, à A., o trabalho noturno com o acréscimo remuneratório de 25% e desde janeiro de 2021 de 30%,
xx. Em setembro de 2020, a R. abonou à A, uma verba denominada de “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT”.
xxi. Para garantir que a A. mantinha o seu nível remuneratório, a R. apurou as eventuais diferenças registadas em termos de valores líquidos.
xxii. E abonou à A. a quantia ilíquida de € 302,35, para a compensar de eventuais perdas;
xxiii. Em síntese, levando em consideração o aumento do subsídio de alimentação, foi apurada uma diferença mensal no valor de € 31,83;
xxiv. Que a R. abonou de uma só vez até setembro de 2020;
xxv. E que a partir de então passou a abonar mensalmente.
[…]».
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4. Fundamentação de direito
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4.1. A recorrente começa por alegar que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões cujo conhecimento se lhe impunha, que foram suscitadas pela recorrente e que eram determinantes para boa resolução da causa e aplicação do direito, a saber: a caducidade do CCT STAD/2004; a aplicação das regras constantes do Código do Trabalho, relativamente a sucessão de convenções coletivas; a circunstância da nova convenção ter de ser aplicada em bloco e o facto de os acréscimos por trabalho noturno não integrarem a retribuição stricto senso, não estando, como tal, sujeitos ao princípio da irredutibilidade.
Entende, por isso, ser a sentença nula por omissão de pronuncia.
As decisões judiciais padecem de omissão de pronúncia quando deixam de pronunciar-se sobre questões que devessem apreciar – primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC de 2013 –, o que constitui cominação à violação do dever imposto ao tribunal, na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo Código, de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra”.
A omissão de pronúncia constitui uma patologia da decisão que consiste na sua incompletude, por referência aos deveres de pronúncia relativamente às questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e, também, relativamente àquelas que sejam de conhecimento oficioso e constituam um passo necessário no iter decisório.
Cabe ainda ter presente que as questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que assumem no desenvolvimento da lide1. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das excepções e contra-excepções invocadas.
Ora no caso em análise a sentença enfrentou a questão que lhe era colocada de saber se à A. poderia reconhecer-se o direito a ser paga do trabalho nocturno prestado a partir de 1 de Janeiro de 2020 com os acréscimos de 30% e 50% tal como antes havia sido judicialmente decidido.
E desenvolveu para tanto a argumentação que entendeu pertinente, designadamente afirmando que a partir de partir do dia 1 de Janeiro de 2020 passou a vigorar entre as partes o CCT/2020, publicado no BTE n.° 2, de 15 de Janeiro de 2020, analisando o regime deste instrumento de regulamentação colectiva por comparação com a Convenção Colectiva de Trabalho de 2004 e questionando se a empregadora poderia ter deixado de pagar o trabalho nocturno nos termos em que fora condenada e que, no fundo, correspondem ao que dispunha a cláusula 28.ª do CCT STAD/2004, e passar a pagar em conformidade com as cláusulas 22.ª e 26.ª do CCT APFS/STAD 2020, mesmo que, como é o caso, esta específica remuneração deste trabalho prestado durante a noite seja liquidada por valores inferiores.
Veio a concluir em termos negativos, conclusão que alicerçou na análise do regime legal previsto no artigo 503.º do Código do Trabalho e no convencionado na cláusula 56.ª da CCT/2020, a cuja interpretação procedeu em termos de considerar que “com a referência expressamente feita à retribuição, no n.° 4 da Cláusula 56ª, parece-se ter sido expressamente ressalvado o cálculo do acréscimo remuneratório devido pelo trabalho noturno, pelo que este novo CCT não pode prejudicar o direito à retribuição do acréscimo pelo trabalho noturno segundo a fórmula que já vinha do CCT/2004”.
Enfrentou, pois, a questão colocada, sendo de notar que, ao invés do dito pela recorrente:
- não deixou de aludir à caducidade da Convenção Colectiva de Trabalho STAD de 2004 – afirmando estar “definitivamente decidido entre as partes, designadamente, que o CCT STAD não caducou, pelo menos enquanto durou a situação fáctica e jurídica em que aquela sentença foi proferida” e afirmando, depois, que a partir do dia 1 de Janeiro de 2020 passou a vigorar entre as partes o CCT/2020, publicado no BTE n.° 2, de 15 de janeiro de 2020;
- invocou expressamente as regras constantes do Código do Trabalho, relativamente a sucessão de convenções coletivas, que aplicou, vg. o n.º 4, do artigo 503.º do Código do Trabalho;
- aludiu às razões por que, no caso, a nova Convenção Colectiva de Trabalho não era aplicada em bloco apesar de expresso o seu carácter globalmente mais fvorável, vg. por entender que “com a referência expressamente feita à retribuição, no n.° 4 da Cláusula 56ª parece-se ter sido expressamente ressalvado o cálculo do acréscimo remuneratório devido pelo trabalho noturno, pelo que este novo CCT não pode prejudicar o direito à retribuição do acréscimo pelo trabalho noturno segundo a fórmula que já vinha do CCT/2004”.
Das faltas apontadas pela recorrente, apenas não descortinamos na sentença uma referência inequívoca à alegação da R. de que o trabalho nocturno não se encontraria sujeito ao princípio da irredutibilidade da retribuição, mas não deixa também a sentença de, embora implicitamente, denotar que não sufraga este argumento pois que afirmou claramente que o novo CCT “não pode prejudicar o direito à retribuição do acréscimo pelo trabalho noturno” segundo a fórmula de que a A. anteriormente beneficiava, que já vinha do CCT/2004, o que evidencia, sem sombra para dúvida, que não acolhe esta vertente da argumentação da R. no âmbito do caso em análise.
Não se detecta, pois, que o tribunal a quo tenha de algum modo violado o dever que lhe era imposto, na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo Código, de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, razão por que não lhe pode assacar-se o vício de omissão de pronúncia.
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4.2. A recorrente invoca ainda que a sentença conheceu de questões que não podia conhecer, sendo nula, também, por excesso de pronúncia.
Segundo aduz, ao considerar que as partes quiserem salvaguardar na cláusula 56ª, n° 4 do CCT a fórmula de cálculo dos acréscimos de trabalho noturno previstos no CCT de 2004, o tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, porquanto tal não decorre expressamente desse preceito (do elemento literal resulta unicamente a referência à retribuição em geral), não decorre da sua análise sistemática, nem tão pouco foi feita qualquer prova que nos permita apelar ao elemento teleológico, sendo certo que tal prova cabia à A.
Não lhe assiste razão.
Nos termos da 2.ª parte, da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta causa de nulidade está também directamente relacionada com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, na parte em que dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Resulta da combinação destes preceitos que a sentença padece de excesso de pronúncia quando conhece de questões que nem foram suscitadas pelas partes nem são de conhecimento oficioso.
Ora, ao proceder à interpretação da cláusula 56.ª, conjugando os seus diversos números e analisando as suas prescrições, bem como procurando descortinar o que das mesmas era possível retirar quanto à vontade das partes contratantes do instrumento de regulamentação colectiva e quanto ao sentido do ali clausulado, o tribunal a quo moveu-se dentro da questão suscitada na acção – para o que era imprescindível aferir se o regime plasmado no novo instrumento de regulamentação colectiva salvaguardava a manutenção do direito que a A. pretendia fazer valer através da presente acção –, interpretando as regras legais (artigo 503.º do Código do Trabalho) e convencionais (cláusula 56.ª do CCT/2020) em presença para a resolução do litígio, e fixando o seu sentido e alcance, o que se lhe impõe fazer em conformidade com os critérios interpretativos plasmados no artigo 9.º do Código Civil e constitui um passo necessário no iter a seguir para a elaboração da sentença. É o que resulta claramente do disposto no n.º 3, do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
Note-se que na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts. 236.º e ss. do Código Civil quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artigo 9.º do Código Civil, no respeitante à parte regulativa – como o é claramente a referida clúsula 56.ª –, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros2.
Deve acrescentar-se que, quando na tarefa de interpretação da lei se procura alcançar a vontade ou pensamento do legislador (aqui das partes outorgantes), ou seja, descortinar o fim por ele visado com a norma, nem sempre o intérprete tem ao seu alcance a possibilidade de conhecer o real intento do legislador, necessitando de se socorrer de elementos interpretativos vários (o elemento literal, sistemático e histórico) para compreender a ratio legis e ponderar o seu contributo para alcançar o sentido decisivo da lei interpretanda. Não tem por isso pertinência, a este propósito, a alegação da recorrente de que caberia à A. “fazer prova” do elemento teleológico, como se o apelo a este elemento interpretativo dependesse necessariamente da produção de meios de prova.
No caso em análise, o Mmo. Juiz a quo infere do elemento literal da cláusula que “com a referência expressamente feita à retribuição, no n.° 4 da Cláusula 56ª”, lhe parece “ter sido expressamente ressalvado o cálculo do acréscimo remuneratório devido pelo trabalho noturno” e que “as partes contratantes, ao mesmo tempo que consideraram a nova convenção coletiva como sendo globalmente mais favorável do que a anterior, não quiseram deixar de acautelar, ressalvando-as expressamente, que nas situações especificas, elencadas no seu n.° 4 — baixa de categoria, diminuição da retribuição e regalias de carácter permanente — não poderia da nova convenção coletiva resultar prejuízo para os trabalhadores, ou seja, manter-se-iam os direitos dos trabalhadores referentes a essas matérias”.
Se esta interpretação é correcta, ou não, é questão que poderá implicar, ou não, um erro de julgamento de direito, mas que não atine à correcção formal da sentença.
O tribunal a quo não conheceu de nenhuma questão que não lhe foi colocada nem, de algum modo, incorreu em excesso de pronúncia.
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4.3. A questão essencial de direito a enfrentar consiste em saber se, após a substituição da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AEPSLAS, actualmente APFS, e o STAD, com último texto consolidado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 12, de 29 de Março de 2004 (CCT/2004), pela Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a APFS, e o STAD e a FETESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 2, de 15 de Janeiro de 2020 (CCT/2020), a A., ora recorrida, mantém o direito aos acréscimos retributivos de 30% e 50% de que antes beneficiava pela prestação de trabalho nocturno, e perante a sua anterior definição.
No âmbito da Convenção Colectiva de Trabalho de 2004, a respectiva cláusula 24.ª, dispunha que se considera trabalho nocturno “o prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte” e sua cláusula 28.ª, nos seus n.ºs 1 e 2, respectivamente, que “[o] trabalho nocturno prestado entre as 0 e as 5 horas será remunerado com um acréscimo de 50% além do trabalho normal” e que “[o] restante trabalho nocturno será remunerado com um acréscimo de 30% além do trabalho normal”. Prescrevia ainda o n.º 3 desta mesma cláusula 28.ª, que “[o] acréscimo da remuneração devida pela prestação de trabalho nocturno integrará, para todos os efeitos legais e obrigacionais, a remuneração do trabalhador, devendo ser paga mensalmente, pelo valor do seu cômputo médio, e devendo integrar a remuneração respeitante ao período de férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal”.
A Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 2, de 15 de Janeiro de 2020, tratou de modo distinto as prestações de trabalho nocturno, reduzindo a faixa horária em que o mesmo deve ser considerado e a percentagem que constitui a base do seu cálculo, ao dispor na respectiva cláusula 26.ª que:
«O trabalho noturno será remunerado com os seguintes acréscimos:
Em 2020, 25 % além do trabalho normal, entre as 21 e as 6 horas;
A partir de 2021 inclusive, 25 % além do trabalho normal, entre as 21 e as 24 horas e 30 % entre 0 e as 6 horas.»
Perante os termos da sentença e o desenho recursório, cabe aferir se nos termos do disposto no artigo 503.º, n.º 4, do Código do Trabalho em conjugação com a salvaguarda da cláusula 56.ª, n.º 4 da CCT/STAD FETESE de 2020, que proíbe a diminuição da retribuição pela nova CCT garantindo que a maior favorabilidade não pode ser entendida em detrimento daquela proibição, deve ser reconhecido à recorrida o acréscimo remuneratório por trabalho nocturno com a majoração retributiva e o âmbito previstos na Convenção Colectiva de Trabalho do STAD na versão de 2004, tal como era seu direito antes da vigência da nova Convenção.
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4.4. O pedido formulado na petição inicial apresentada nos presentes autos remonta ao período que se inicia em 1 de Janeiro de 2020.
É a partir da identificação do regime jurídico a que se entende estar submetida a relação laboral sub judice que poderá identificar-se se existe, ou não, uma disciplina normativa associada ao reconhecimento do direito aos indicados acréscimos salariais e se o empregador observou, ou não, tal disciplina, havendo valores que não pagou e deveria ter pago.
Mostra-se definido, com trânsito em julgado, que a recorrida tem direito a auferir o trabalho nocturno com o acréscimo de 30% e 50%, tal como previsto na referida Convenção Colectiva de Trabalho de 2004 celebrada entre a APFS e o STAD – vide os factos xii. a xv. – tendo a recorrente cumprido a decisão judicial que reconheceu esse direito e a condenou no pagamento das inerentes quantias – facto xvi..
É também neste momento pacífico, tendo em conta as filiações da recorrente e da recorrida na APFS e no STAD, respetivamente, que a partir do dia 1 de Janeiro de 2020 passou a vigorar entre as partes a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a APFS e o STAD e a FETESE, publicada no BTE n.° 2, de 15 de Janeiro de 2020 – cfr. o artigo 496.º do Código do Trabalho, que consagra o princípio da filiação ao dispor que “[a] convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante”.
Partindo destas asserções indiscutidas, afigura-se-nos desde logo evidente que carece de relevo na presente acção a discussão sobre a verificação, ou não, da caducidade da Convenção Colectiva de Trabalho/STAD de 2004. Pois se foi celebrada uma nova Convenção Colectiva de Trabalho entre as mesmas entidades outorgantes, com efeito a 1 de Janeiro de 2020, esta “revoga integralmente a convenção anterior, salvo nas matérias expressamente ressalvadas pelas partes”, nos exactos termos previstos no artigo 503.º, n.º 1, do Código do Trabalho
É aliás o que também resulta da cláusula 56.ª, n.º 1, da Convenção Colectiva de Trabalho de 2020, quando nela se expressa que “[o] presente CCT revoga e substitui integralmente o Convenção Colectiva de Trabalho celebrado entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD , publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 12, de 29 de março de 2004 e o CCT entre a mesma associação patronal e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e os sindicatos outorgantes, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de setembro de 2015”.
A esta conclusão não obsta o que as partes deixaram ressalvado no n.º 2 desta mesma cláusula, a saber, que “[n]ão obstante o acordo alcançado no âmbito da presente convenção, nem a APFS, nem o STAD renunciam às suas posições a respeito da caducidade do CCT de 2004 referido no número 1 (entendendo a APFS que a caducidade já ocorreu e o STAD defendendo que não), e o disposto no número 1 não interfere, nem preclude os efeitos que devam decorrer da eventual publicação do aviso de cessação de vigência dessa convenção”. Como nos parece evidente, esta ressalva só contende com direitos que se formaram em período anterior a 1 de Janeiro de 2020, data da entrada em vigor da Convenção Colectiva de Trabalho de 2020.
Pelo que é à luz do novo quadro emergente deste instrumento de regulamentação colectiva, que veio revogar e substituir a Convenção Colectiva de Trabalho de 2004 e não foi ponderado nas decisões judiciais pretéritas, proferidas na acção n.º 2581/15 identificada nos factos xii. a xv, por anteriores à sua publicação, que deve ser analisado o diferendo em causa nos autos.
Como bem diz a recorrente, a sua solução jurídica coloca-se no campo da sucessão de convenções coletivas, perante o regime legal e convencional constante, respectivamente, do artigo 503.º do Código do Trabalho e da já indicada cláusula 56ª da Convenção Colectiva de Trabalho de 2020.
Campo este em que se nos afigura ter-se também movido a sentença, ainda que procedendo a uma interpretação do regime emergente das regras de sucessão de convenções coletivas previstas na lei e no instrumento de regulamentação colectiva distinta da sufragada pela recorrente.
Vejamos pois.
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4.5. Decorre do disposto no artigo 503.º do Código do Trabalho que “[o]s direitos decorrentes de convenção só podem ser reduzidos por nova convenção de cujo texto conste, em termos expressos, o seu carater globalmente mais favorável” (n.º 3), e que, nesse caso, “a nova convenção prejudica os direitos decorrentes de convenção precedente, salvo se foram expressamente ressalvados pelas partes na nova convenção” (n.º 4).
Na nova Convenção Colectiva de Trabalho de 2020 ficou convencionado na respectiva cláusula 56.ª o seguinte:
«Disposições finais e manutenção de regalias anteriores
1- O presente CCT revoga e substitui integralmente o CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD , publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 12, de 29 de março de 2004 e o CCT entre a mesma associação patronal e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e os sindicatos outorgantes, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de setembro de 2015.
2- Não obstante o acordo alcançado no âmbito da presente convenção, nem a APFS, nem o STAD renunciam às suas posições a respeito da caducidade do CCT de 2004 referido no número 1 (entendendo a APFS que a caducidade já ocorreu e o STAD defendendo que não), e o disposto no número 1 não interfere, nem preclude os efeitos que devam decorrer da eventual publicação do aviso de cessação de vigência dessa convenção.
3- As disposições do presente contrato coletivo têm um caráter globalmente mais favorável para os trabalhadores por ela abrangidos do que as disposições das anteriores convenções coletivas que lhes foram aplicáveis, incluindo as de caráter administrativo.
4- Sem prejuízo do disposto no número 1 desta cláusula, da aplicação do presente contrato não poderá resultar prejuízo para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição ou supressão de quaisquer regalias de caráter regular ou permanente.»
Decorre do n.º 3 desta cláusula convencional a maior favorabilidade da convenção, em conformidade com o que se prevê no artigo 503.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
Não obstante, a Convenção Colectiva de Trabalho ressalva da sua aplicação os casos em que esta possa implicar alguma “diminuição de retribuição” ou supressão de quaisquer regalias de caráter regular ou permanente, ressalva esta que a lei consente, como resulta do disposto no artigo 503.º, n.º 4, segunda parte do Código do Trabalho, ainda que na mesma convenção se convencione o seu carácter globalmente mais favorável.
Cremos não haver dissenso quanto ao carácter retributivo da remuneração por trabalho nocturno e dos inerentes acréscimos remuneratórios.
Concretamente no caso da ora recorrida, que exerce a sua actividade essencialmente em período considerado nocturno à luz de ambos os instrumentos de regulamentação colectiva sucessivos – pois que trabalha entre as 00:00 horas e as 08:00 horas, com pausa das 04:00 horas às 05:00 horas (facto xvii.) –, é patente que os valores pagos a este título constituem contrapartida do seu trabalho nas específicas condições em que o mesmo é desenvolvido e o seu pagamento não pode senão considerar-se regular e periódico, porque resulta do cumprimento de um horário de trabalho, o que justifica a legítima expectativa do seu percebimento em todos os meses de trabalho (cfr. o artigo 258.º do Código do Trabalho).
Ora, regendo-se a relação laboral entre as partes pela CCT/STAD de 2004, na sequência de decisão judicial transitada em julgado, e auferindo a recorrida prestações majoradas de trabalho nocturno em conformidade com os acréscimos retributivos previstos na cláusula 28.ª desse instrumento de regulamentação colectiva, é claro que da aplicação da nova Convenção Colectiva de Trabalho de 2020 , em face dos valores percentuais inscritos na sua cláusula 26.ª, resulta para a trabalhadora “diminuição da retribuição” que auferia pela prestação de trabalho que devesse qualificar-se como trabalho nocturno.
Esta é uma constatação evidente e resulta do simples cotejo das cláusulas dos dois instrumentos de regulamentação colectiva sucessivos a propósito da retribuição do trabalho nocturno.
Alega a recorrente, para infirmar que esta diminuição se enquadra na ressalva da cláusula 56.ª, n.º 4, que a partir de janeiro de 2020 só releva a nova Convenção publicada no B.T.E. n° 2, de 2020, a qual, como as partes subscritoras reconheceram, tem um carácter globalmente mais favorável aos trabalhadores, e indica segmentos da Convenção que entende serem mais favoráveis. Alega, também que esta Convenção deve ser aplicada em bloco, não podendo a A. beneficiar do “melhor de 2 mundos”, isto é, das cláusulas e tabelas salariais mais vantajosas do CCT de 2020 e do acréscimo superior previsto para a laboração em período noturno, no CCT de 2004.
Não atenta a recorrente, contudo, em que, como se viu, os outorgantes da Convenção, além de nela indicarem que a mesma tem um carácter globalmente mais favorável aos trabalhadores (n.º 3, da cláusula 56.ª), clausularam também que da sua aplicação “não poderá resultar prejuízo para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição ou supressão de quaisquer regalias de caráter regular ou permanente” (n.º 4, da cláusula 56.ª).
Ainda que a cláusula não referencie especificamente a retribuição por trabalho nocturno, alude a um conceito – o de “retribuição” – que compreende a mesma, pelo que onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir.
Invoca também a recorrente que o preceito alude antes à retribuição em geral, enquanto “totalidade das respetivas parcelas” e tem como única finalidade garantir que o trabalhador não vai auferir, mensalmente, por efeito da mera entrada em vigor de uma nova convenção, uma retribuição global inferior à que anteriormente auferia.
Ora, nem as partes outorgantes o explicitaram no escrito, nem deste resulta qualquer contributo que autorize o intérprete a concluir que a referência à “retribuição” tenha o significado de se referir ao cômputo global das parcelas em que a mesma eventualmente se pudesse decompor e pretendesse especificamente garantir aquele objectivo. Nada resulta da cláusula susceptível de suportar esta interpretação, pelo que não pode o intérprete acolher a mesma (cfr. o artigo 9.º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil).
A recorrente alega ainda que a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas, uma vez que aquele princípio não incide sobre a globalidade da retribuição, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas, como é o caso do trabalho noturno.
É certo que a garantia legal da irredutibilidade da retribuição do trabalhador prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho – onde se proíbe a diminuição da retribuição dos trabalhadores – não incide sobre toda e qualquer parcela retributiva, havendo prestações que, ainda que tenham carácter retributivo são redutíveis, no sentido de poderem vir a ser retiradas ao composto salarial do trabalhador se a razão pela qual foram atribuídas deixar de existir.
Constituem doutrina e jurisprudência uniformes que o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição auferida pelo trabalhador, mas respeita tão só à retribuição estrita não incluindo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho nocturno ou por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido. Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição3.
Ou seja, pese embora a natureza retributiva da remuneração devida por trabalho nocturno prestado regularmente, tal remuneração não se encontra submetida ao princípio da irredutibilidade da retribuição, sendo apenas devida enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento e podendo o empregador, em princípio, suprimi-la quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que viole o principio da irredutibilidade da retribuição.
Ora não é esta a situação dos autos.
Como expressivamente refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer:
«[…]
Questão diferente, que a Recorrente parece baralhar, é a de se considerar que a retribuição relativa ao trabalho noturno (e à isenção do horário de trabalho, ao trabalho suplementar, ao trabalho em regime de turnos e a várias outras componentes salariais relativas às contingências especiais da prestação do trabalho) pode ser objeto de redução por vontade unilateral do empregador sem que isso implique uma violação do princípio da irredutibilidade salarial prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho, e, no caso que para estes autos interessa, no n.º 4 da Cláusula 56.º do CCT APFS/STAD 2020. O princípio da irredutibilidade salarial não impede que o empregador diminua ou extinga o número de horas de trabalho noturno e o respetivo pagamento (a não ser isso esteja fixado no contrato de trabalho). Mas proíbe que o empregador reduza o valor hora do trabalho noturno que vem sendo pago ao trabalha[do]r.
A diminuição de retribuição que a referida Cláusula 56.º do CCT impede, não alude à soma das várias componentes salariais, como pretende a Recorrente (no sentido de que ali se está a referir ao valor global da retribuição e não ao valor de cada uma das parcelas). De acordo com a Recorrente, desde que o trabalhador não passe a ganhar menos (designadamente porque entretanto se verificou um aumento do valor do subsídio de alimentação, ou porque o trabalhador passou a prestar trabalho suplementar regular que antes não fazia) já não se pode considerar que ocorreu a referida diminuição salarial, ainda que o valor hora do subsídio de trabalho noturno tenha efetivamente diminuído.
Embora, como se referiu, se admita que a retribuição relativa ao trabalho noturno não esteja sujeita ao princípio da irredutibilidade salarial, a diminuição do valor pago por cada hora de trabalho noturno ficou vedada pelo n.º 4 da Cláusula 56.º do CCT APFS/STAD 2020. Tal como ficou proibida a diminuição do valor hora do trabalho suplementar, a diminuição do valor pago pela isenção do horário de trabalho e, por exemplo, a diminuição do valor do subsídio de turno.
[…]»
Sufragamos estas considerações.
E por isso se compreende a afirmação da sentença de que as partes contratantes, ao mesmo tempo que consideraram a nova convenção coletiva como sendo globalmente mais favorável do que a anterior, não quiseram deixar de acautelar, ressalvando-o expressamente, que nas situações especificas, elencadas no seu n.º 4 – baixa de categoria, diminuição da retribuição e regalias de carácter permanente – não poderia da nova convenção coletiva resultar prejuízo para os trabalhadores, ou seja, manter-se-iam os direitos dos trabalhadores referentes a essas matérias, assim concluindo que no caso dos autos, “uma vez que a autora vinha prestando trabalho noturno de modo regular e periódico, auferindo a esse título a retribuição prevista na Cláusula 28.ª do CCT STAD de 2004, deve a mesma manter-se”.
Este entendimento de que a retribuição prevista na cláusula 28.ª da CCT STAD de 2004 deve manter-se após 01 de Janeiro de 2020 para os trabalhadores que antes beneficiassem dos inerentes acréscimos retributivos por se enquadrar na ressalva da cláusula 56.ª, n.º 4 da CCT STAD/FETESE de 2020 (“diminuição da retribuição”) tem sido acolhido na jurisprudência deste Tribunal da Relação de Lisboa, do que são exemplo os Acórdãos da Relação:
• de 18 de Janeiro de 2023, proferido no processo n.º 3694/21.0T8LSB.L1,
• de 28 de Junho de 2023, proferido no processo n.º 15644/20.6T8LSB.L1,
• de 24 de Janeiro de 2024, proferido no processo n.º 29711/22.8T8LSB.L1 e
• de 21 de Fevereiro de 2024, proferido no processo n.º 1499/23.2T8LSB.L1,
não se vendo razões ponderosas para alterar este entendimento, maxime tendo em consideração o prescrito no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil no sentido de que “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
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4.6. Mas a recorrente, distinguindo as regras quanto à determinação e quanto à remuneração de trabalho nocturno, defende que a Convenção Colectiva de Trabalho de 2020, por ter um carácter mais favorável aos trabalhadores, deve ser aplicada quanto a todas elas, incluindo portanto as referentes à determinação ou qualificação do trabalho como trabalho nocturno.
Ora, se no que concerne à remuneração do trabalho nocturno podemos aceitar que a alteração dos correspondentes acréscimos remuneratórios se enquadre na reassalva do n.º 4 da cláusula 56.ª (“diminuição da retribuição”) da Convenção Colectiva de Trabalho de 2020, já no que respeita ao arco temporal previsto nos dois instrumentos de regulamentação colectiva sucessivos para a qualificação do trabalho como nocturno, não cremos que a referida ressalva constante da cláusula 56.ª, n.º 4, seja susceptível de abarcar a distinta previsão da cláusula 24.ª da Convenção Colectiva de 2004, ao dispor que se considera trabalho nocturno “o prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte”.
Com efeito, a definição convencional dos períodos relevantes para a caracterização do trabalho como nocturno relaciona-se directamente com uma opção (do legislador ou das associações outorgantes de uma CCT) no sentido de se considerar que o trabalho prestado em determinados períodos geralmente destinados ao descanso nocturno se reveste de maior penosidade e deve, por isso, merecer aquela caracterização.
Na Convenção Colectiva de Trabalho de 2020, a APFS e o STAD consideraram que o trabalho prestado entre as 06 e as 07 horas da manhã não se processa já em período que deva ser qualificado como nocturno, alterando em conformidade a sua previsão convencional.
Trata-se pois de uma caracterização que, ainda que mediatamente possa ter reflexos remuneratórios – como aliás a têm praticamente todas as previsões de um instrumento de regulamentação colectiva –, resulta de uma opção com motivação distinta da da simples fixação de contrapartidas ou acréscimos remuneratórios.
Nada justificando, a nosso ver, atento o modo como no artigo 503.º, n.º 4, do Código do Trabalho se exige a expressa ressalva na nova convenção para obstar aos efeitos da declaração do carácter globalmente mais favorável da mesma constante, que se enquadrem na previsão do n.º 4, da cláusula 56.ª da CCT as regras que enunciam os períodos relevantes para a caracterização do trabalho como nocturno.
Cabe lembrar que, em consonância com o princípio laboral geral da autonomia colectiva, é suficiente a declaração das partes na determinação do carácter globalmente mais favorável da nova convenção. como refere Maria do Rosário Palma Ramalho “[s]e num determinado circunstancialismo, após ampla negociação e muitos compromissos – que só os outorgantes da convenção podem avaliar e que, por isso mesmo, são dificilmente sindicáveis – a nova convenção se declarar globalmente mais favorável, tal juízo formal de maior favorabilidade deve bastar, porque tal declaração corresponde, ela própria, ao exercício da autonomia colectiva. Assim, apenas em situações extremas de abuso do direito se considera sindicável aquela declaração”4.
Sendo de considerar que neste aspecto da determinação do período relevante para a caracterização do trabalho como nocturno, se deve atender – por ser o novo instrumento globalmente mais favorável e não haver qualquer ressalva expressa em sentido contrário – à cláusula 22.ª, da Convenção Colectiva de 2020, segundo a qual se tem como trabalho nocturno, o trabalho “prestado entre as 21h00 de um dia e as 06h00 do dia seguinte”, o que tem plena aplicabilidade ao contrato de trabalho sub judice.
Assim, tendo em atenção o que ficou provado quanto ao horário de trabalho da trabalhadora, é de considerar que a mesma tem direito, em conformidade com o regime da cláusula 28.ª da Convenção de 2004 de que continua a beneficiar, ao “acréscimo de 50% além do trabalho normal” quanto ao trabalho nocturno prestado entre as 00 e as 05 horas (n.º 1 da cláusula 28.ª) e ao “acréscimo de 30% além do trabalho normal” no restante trabalho nocturno até às 06 horas (n.º 2 da cláusula 28.ª), em vez dos acréscimos percentuais de 25% e 30% que a recorrente lhe satisfez, tal como ficou a constar do facto xix.
A sentença da 1.ª instância não autonomizou expressamente as duas vertentes do regime – a qualificação do trabalho como nocturno e a sua remuneração –, enquadrando a questão a analisar do seguinte modo: “saber se a empregadora poderia ter deixado de pagar o trabalho noturno nos termos em que fora condenada e que, no fundo, correspondem ao que dispunha a Cláusula 28.ª do CCT STAD/2004, passando a pagar em conformidade como o CCT APFS/STAD 2020, mesmo que, como é o caso, esta específica remuneração deste trabalho prestado durante a noite seja liquidada por valores inferiores”.
Circunscreveu pois a questão aos termos da cláusula 28.ª da CCT e aos acréscimos nela previstos.
E veio a final a concluir que: “No presente caso, uma vez que a autora vinha prestando trabalho noturno de modo regular e periódico, auferindo a esse título a retribuição prevista na Cláusula 28.ª do CCT/STAD de 2004, deve a mesma manter-se”, invocando em abono da sua decisão o Acórdão desta Relação de Lisboa de 24 de Janeiro de 2024, proferido no processo n.° 29711/22.8T8LSB.L15, cujo sumário reproduziu e do qual ficou a constar o seguinte: «I — Atento o disposto no n°4 da cl.ª 56.ª [ou seja: 4- Sem prejuízo do disposto no número 1 desta cláusula, da aplicação do presente contrato não poderá resultar prejuízo para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição ou supressão de quaisquer regalias de caráter regular ou permanente.] do Contrato Coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD e outra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 2, 15/1/2020, é de manter a fórmula remuneratória do trabalho nocturno [O trabalho nocturno prestado entre as 0 e as 5 horas será remunerado com um acréscimo de 50/prct. além do trabalho normal O restante trabalho nocturno será remunerado com um acréscimo de 30/prct. além do trabalho normal anteriormente vigente nos termos da clª 28.a do CCT entre a Assoc. das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD — Sind. dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e outros — Alteração salarial e outras e texto consolidado publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1a série, n° 12, 29/3/2004.]»
Ou seja, apenas convocou como mantendo-se aplicável após 1 de Janeiro de 2020 o regime remuneratório previsto na cláusula 28.ª da Convenção Colectiva STAD de 2004, não fazendo alusão – a nosso ver correctamente, como resulta do exposto – à manutenção da aplicabilidade da cláusula 22.ª do mesmo instrumento de regulamentação colectiva, na qual se definia o arco temporal em que o trabalho é qualificado pelo instrumento de regulamentação colectiva como trabalho nocturno.
Não obstante, resulta dos cálculos efectuados na petição inicial que a ora recorrida abarcou no seu articulado como susceptível de acréscimo remuneratório um período temporal mais amplo do que o efectivamente pago, o que a sentença acolheu.
Assim emitindo decisão sobre esta matéria e condenando a recorrente, por isso, em acréscimos remuneratórios por trabalho noturno – o prestado entre as 06 horas e as 07 horas de cada dia – que o não é à luz da definição constante da cláusula 26.ª da Convenção Colectiva de Trabalho de 2020.
O que, como resulta do exposto quanto ao âmbito do período relevante para a caracterização do trabalho como nocturno, não pode subsistir.
Deve dizer-se que se nos afigura ser conforme com a perspectiva acolhida no presente aresto o decidido no Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Abril de 2023, que versava sobre uma situação em que os ali autores deixaram de praticar trabalho nocturno à luz da noção estabelecida na nova CCT. Como se pondera em tal aresto, refutando que se verifique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, “[d]ado que os trabalhadores deixaram de prestar trabalho classificado como nocturno (nos termos de convenção colectiva de trabalho considerada globalmente mais favorável), não cumpre remunerar os mesmos de acordo as regras previstas para o trabalho nocturno na convenção colectiva anterior6.
Em suma, procede o recurso na parte relativa à condenação da recorrente no pagamento de acréscimos remuneratórios por trabalho prestado em períodos que não devem ser qualificados como de trabalho nocturno à luz da claúsula 22.ª da Convenção Colectiva de Trabalho de 2020, devendo a mesma ser absolvida de tal.
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4.7. Cabe finalmente enfrentar a alegação da recorrente de que pagou mensalmente, à A., uma verba referente a ajuste compensatório, para garantir que por força da entrada em vigor da CCT/2020 os trabalhadores, no final do mês e em termos globais não recebessem valores líquidos inferiores aos que recebiam anteriormente.
Os factos provados xx. a xxv. revelam que a recorrente abonou à recorrida uma verba denominada de “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT” para garantir que esta mantinha o seu nível remuneratório, tendo apurado as eventuais diferenças registadas em termos de valores líquidos e abonado a quantia ilíquida de € 302,35, para compensar a recorrida de eventuais perdas. Revelam ainda que, levando em consideração o aumento do subsídio de alimentação, a recorrente apurou uma diferença mensal no valor de € 31,83 que abonou de uma só vez até setembro de 2020, passando a partir daí a abonar mensalmente.
A este propósito a sentença afirmou que a recorrente não explica como chegou ao valor de € 302,25, nem ao valor de € 31,83, tal como não sabemos a que “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT” se refere, não conferindo qualquer relevo a estes factos em termos de veredicto final.
A recorrente, por seu turno, alega que a explicação está bem explicita no documento 2. junto com a contestação e que ficou provado que este valor se destina a compensação de eventuais perdas que a A. pudesse ter por forca da aplicação do CCT/2020.
Ora quanto à explicação que a recorrente pretende retirar do que apelida “documento 2. junto com a contestação”, deve dizer-se que não há documentos numerados a par da contestação. Estão juntos aos autos com a contestação 9 documentos, ao invés dos 3 que a R. anuncia juntar no final do seu articulado e nenhum deles se mostra numerado. Seja como for, analisando o segundo documento junto após um primeiro documento com 9 folhas, verifica-se que o mesmo consiste num quadro com valores que em momento algum do articulado são explicados, o mesmo sucedendo com a alegação da apelação, onde a R. se limita a dizer que ali está bem explícita a explicação.
Ainda que se conceda que os factos que servem de fundamento à acção ou à defesa – que devem ser expostos articuladamente na petição inicial ou na contestação (artigos 552º, n.º 1, alínea d), e 572.º, alínea c), do Código de Processo Civil) – poderão ser alegados por via indirecta, por remissão para documentos, a jurisprudência tem admitido que assim suceda sempre e só na perspectiva da estrita “complementação” do alegado no articulado7, jamais podendo uma tal remissão colmatar a falta da enunciação directa da questão que se pretende suscitar e a falta da alegação, ainda que sumária, dos factos essenciais a ela respeitantes.
Seja como for, ainda que se desconheça o modo como a recorrente chegou aos valores pagos, extrai-se dos factos xx. a xxv. que a finalidade do pagamento destes abonos é garantir que a A. mantenha o seu nível remuneratório nos termos da cláusula 56.º da CCT., bem como compensá-la de eventuais perdas.
Assim, tendo em consideração a apurada finalidade do pagamento destes abonos – intitulados “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT” e visando garantir que a A. mantenha o seu nível remuneratório, bem como compensá-la de eventuais perdas –, entendemos que a obrigação retributiva reconhecida no presente aresto deve considerar-se parcialmente extinta na medida dos valores efectivamente satisfeitos a tal título, nos termos prescritos no artigo 762.º do Código Civil.
Nesta medida também procedendo as conclusões da apelação.
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4.8. Em suma, ressalvando a nova convenção os efeitos produzidos pela anterior nas matérias expressamente mencionadas na sua cláusula 56.ª, n.º 4 – não podendo ser negada a melhor retribuição resultante da anterior aos trabalhadores que dela beneficiaram ou deviam ter beneficiado – é de concluir que no período decorrido após 1 de Janeiro de 2020 é devida à recorrente a retribuição do trabalho nocturno com os acréscimos previstos na cláusula 28.ª da Convenção Coletiva de Trabalho de 2004, tendo a mesma direito às diferenças entre o que recebeu da R. a título de acréscimo remuneratório por trabalho nocturno e o que lhe devia ter sido pago em conformidade com os acréscimos previstos nesta cláusula, entre as 00:00 horas e as 06:00 do seu período normal de trabalho diário.
Ao valor final devido, deverá ser abatido o valor pago pela R. à A. a título de “ajuste compensatório Cláusula 56ª do CCT” desde 1 de Janeiro de 2020, considerando-se nessa medida extinta a sua obrigação.
Concede-se, nestes termos, parcial provimento ao recurso.
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4.9. Procurando liquidar o direito da recorrida (artigo 75.º do Código de Processo do Trabalho) tendo em consideração a restrição referida em 4.6. e a extinção parcial da obrigação referida em 4.7., depara-se este Tribunal da Relação com a ausência de elementos suficientes para quantificar o devido a título de diferenças salariais, bem como os concretos valores efectivamente pagos.
Neste concreto circunstancialismo, mas não deixando de ser quantificáveis os valores ainda devidos tendo em consideração os dias e horas efectivamente trabalhados, e de haver a possibilidade de, em fase de liquidação, alcançar o valor pecuniário correspondente, deve recorrer-se ao mecanismo da condenação genérica, relegando o apuramento final do valor efectivamente devido para incidente de liquidação de sentença nos termos prescritos nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, se tal se revelar necessário.
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4.10. Sobre as referidas quantias são devidos juros de mora, computados à taxa legal de 4% desde o vencimento das prestações, como peticionado e reconheceu a sentença, sem que nesse segmento fosse autonomamente impugnada (cf. artigos 804º, 805º nº 2, al. a) e 806º, todos do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 08.04).
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4.11. Atendendo ao princípio do decaimento expresso no artigo 527.º do Código de Processo Civil, as custas do recurso interposto – que genericamente englobam a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – ficam a cargo da A. e da R. na proporção do seu decaimento sendo, todavia, suportadas provisoriamente, e até posterior liquidação, na proporção de 4/5 para a R. e 1/5 para a A. (cfr. artigo 527.º, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que a parte contrária venha a reclamar.
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5. Decisão
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Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso alterando o segmento decisório da sentença para o seguinte:
a) Condena-se a ré a pagar à autora as diferenças de acréscimo remuneratório por trabalho nocturno de Janeiro de 2020 a Dezembro de 2021, e subsídios de férias e de Natal de 2020 e 2021 e Janeiro a Março de 2022, bem como as que se venceram desde Abril de 2022 em diante, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, tendo-se em consideração ser devido o acréscimo remuneratório de 50% além do trabalho normal pelo trabalho nocturno prestado pela autora entre as 00 horas e as 05 horas e o acréscimo remuneratório de 30% além do trabalho normal pelo restante trabalho nocturno prestado até às 06 horas, nos salários mensais e subsídios de férias e de Natal, abatendo-se ao valor final devido o montante já pago pela R. a título de “ajuste compensatório cláusula 56ª CCT", tudo a apurar em liquidação de sentença;
c) Condena-se a ré a discriminar nos recibos de salários as horas de trabalho noturno pagas a 30% e as pagas a 50%;
d) Condena-se a ré a pagar à autora a quantia de € 97,20 (noventa e sete euros e vinte cêntimos) por conta do acréscimo remuneratório por trabalho aos Domingos (16%) que não pagou com o subsídio de Natal do ano de 2020.
Condenam-se A. e R. nas custas de parte que haja a contar, na proporção do respectivo decaimento, sendo todavia, até posterior liquidação, suportadas provisoriamente na proporção 1/5 para a A. e 4/5 para a R.
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Lisboa, 26 de Fevereiro de 2025
Maria José Costa Pinto
Francisca Mendes - Revendo anterior posição na parte em que o recurso não mereceu provimento.
Leopoldo Soares
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1. Vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra 2017, pp. 712-714.
2. Entre outros, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.13, Recurso n.º 4220/07 - 4.ª Secção, e de 2007.09.12, Recurso n.º 1519/07 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
3. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.01.17, Proc. 06S2188 e de 2011.09.22, Processo 913/08.1TTPNF.P1.S1, o Acórdão da Relação do Porto de 2024.03.18, Processo n.º 8113/22.1T8VNG.P1, e Acórdão da Relação de Guimarães de 2017.07.11, Processo n.º 246/14.4TTBRG.G1, todos in www.dgsi.pt. Vide ainda Menezes Cordeiro, in Manual do Direito do Trabalho, Coimbra, 1997, p. 735 e Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª edição, pp. 594 e ss..
4. In Tratado de Direito do Trabalho, Parte III – Situações Laborais Colectivas, 2.ª edição, Coimbra, 2015, pp. 335-336.
5. Relatado pela Exmo. Sr. Desembargador ora segundo adjunto.
6. Proferido no processo n.º 2810/22.9T8LSB.L1-4, in www.dgsi.pt, e relatado pela Exma. Sra. Desembargadora ora primeira adjunta.
7. Decidindo que a remissão feita na petição inicial para documentos, é admitida, desde que seja para complementar o que foi directamente alegado na petição inicial vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2099.06.17, processo. nº 08S3967, de 2002.05.06, proc nº 03B560, de 2001.03.15, proc. nº 535/01, e de 1998.01.22, processo nº 98A605, bem como os Acórdãos da Relação de Lisboa de 2005.11.03, processo nº 5787/2005, de 2011-05-26, processo n.º 3291/10.5TBCSC.L1, e de 2014.05.15, processo n.º 26903/13.4T2SNT.L1-2.