RETRIBUIÇÃO
ACORDO DE EMPRESA
RELAÇÕES ENTRE AS FONTES DE REGULAÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO NOCTURNO
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
Sumário

I – Os valores pagos por trabalho suplementar e nocturno, de modo regular e periódico, pelo menos em 11 meses por ano, devem reflectir-se na retribuição de férias e nos subsídios de férias devidos na vigência do Código do Trabalho de 2009 aos trabalhadores da Scotturb a que é aplicável o Acordo de Empresa entre a Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda, e a FESTRU, publicado no BTE n.º 1, 1ª Série, de 08 de Janeiro de 1997.
II – É perante a cadência dos valores pagos pelo empregador pelo trabalho desenvolvido em termos de ser qualificado como nocturno ou como suplementar, independentemente da específica majoração inerente ao facto de o mesmo ser desempenhado em dias de descanso ou feriado, que deve aferir-se do particular ritmo no pagamento e verificar se atingiu o patamar dos onze meses por ano, para aqueles efeitos.
III - À luz do regime do Código do Trabalho de 2009, não relevam para o cômputo do subsídio de Natal os suplementos remuneratórios por trabalho suplementar e nocturno percebidos de modo regular e periódico.
IV – A previsão no instrumento de regulamentação colectiva de que o subsídio de Natal corresponde a “um mês de retribuição” não contraria a regra supletiva constante do artigo 262.º do Código do Trabalho.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П
1. Relatório
1.1. AA, BB, CC e DD, todos com os sinais nos autos, intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra SCOTTURB – TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA, LDA., pedindo a condenação solidária das RR.:
1. pagar ao Autor AA nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia total de 8.474,17 € (oito mil quatrocentos e setenta e quatro euros e dezassete cêntimos), referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (8.180,31€) e de trabalho nocturno (293,86€) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2014 a 2022;
2. a pagar ao Autor BB nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de 9.648,47€ (nove mil seiscentos e quarenta e oito euros e quarenta e sete cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (8.989,09€) e de trabalho nocturno (659,38€) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2010 a 2022;
3. a pagar ao Autor CC nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de 2.651,54€ (dois mil seiscentos e cinquenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (1.700,49€) e de trabalho nocturno (951,05€) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2017 a 2022;
4. a pagar ao Autor DD nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de 4.777,49€ (quatro mil setecentos e setenta e sete euros e quarenta e nove cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (3.974,25€) e de trabalho nocturno (803,23€) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2012 a 2022;
5. a pagar aos Autores os juros de mora legais vencidos e vincendos até integral pagamento das quantias peticionadas;
6. a pagar custas e demais despesas legais.
Para tanto alegaram, em síntese: que foram, respectivamente admitidos ao serviço da 1.ª Ré, em 01-02-2013 (1.ºAutor), 01-09-2009 (2.º Autor), 21-04-2004 (3.º Autor) e 21-02-2011 (4.º Autor), para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motoristas de pesados de passageiros em regime de agente único; que todos estão sindicalizados no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, e as Rés são associadas na ANTROP, aplicando-se, por isso, às respectivas relações laborais s disposições do Acordo de Empresa da Ré Scotturb, publicado no BTE n.º 1, 1ª Série, de 08 de Janeiro de 1997, e suas sucessivas alterações, e a partir de Agosto de 2022, o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a FECTRANS e a ANTROP, publicado no BTE n.º 27, de 22/07/2022; que em Junho de 2022, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 286.º do Código do Trabalho, a Ré Scotturb, informou que, conjuntamente com a empresa Vimeca Transportes, se apresentou, através da criação de nova entidade empresarial, a Ré Viação Alvorada, Lda., ao concurso público para exploração do serviço de transporte público de passageiros da Área Metropolitano da Lisboa, tendo vencido a área geográfica do Lote 1; que por força de tal factualidade, o serviço de transporte público assegurado pela Ré Scotturb passaria a ser prestado pela Ré Viação Alvorada, Lda., que desenvolveria a sua actividade nas instalações das empresas da Ré Scotturb e da Vimeca Transportes com recurso aos meios e equipamentos destas empresas, o que teve início no dia 01 de Janeiro de 2023, operando-se a partir de tal data a transmissão do estabelecimento e transmitindo-se para a Ré Viação Alvorada a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores da Ré Scotturb por força do disposto nos artigos 285.º e 286.º do Código do Trabalho; que nos termos do art 285.º, n.º6, do CT, até 31/12/2024, a Ré Scotturb é solidária com a Ré Viação Alvorada pelos créditos dos Autores emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, e que o adquirente assume cumulativamente a dívida do transmitente; que os Autores têm um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias, cumprindo com os serviços de carreiras impostos pelas Rés em escalas de serviço diárias que variam consoante a vontade e interesse destas; que a remuneração dos Autores é composta por uma parte certa (a retribuição base mensal) e outra variável, composta pelo subsídio de agente único, trabalho suplementar e trabalho nocturno, as quais foram com regularidade pagas pela 1.ª Ré aos Autores como contrapartida do trabalho por estes prestado; que para pagamento da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal a Ré Scotturb apenas teve em consideração a parte certa da retribuição e o subsídio de agente único, não lhes pagando os demais abonos remuneratórios variáveis apesar de os mesmos terem sempre sido pagos aos Autores com carácter de regularidade e periocidade mensal e que são devidos juros de mora ser calculados à taxa de 10% (Portaria n.º 1171/95, de 25/09) no período de 1/10/1995 até 16/04/1999, à taxa de 7% (Portaria n.º 263/99, de 12/04) no período de 17/04/1999 até 31/04/2003, e à taxa de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08/04) no período após 01/05/2003.
As RR. apresentaram contestação na qual invocaram, em suma: que sempre improcederá o pedido de integração daqueles componentes remuneratórios variáveis no pagamento dos subsídios de Natal, por força do n.º 1, do artigo 262.º, do Código do Trabalho de 2009; que a falta da cadência mensal exigível na realização do trabalho em dia de feriado e em dia de descanso obrigatório e complementar não permite legitimar que os AA. gerassem a expectativa dessas componentes remuneratórias virem considerar-se sua retribuição integrante do valor da subsequente retribuição de férias e do subsídio de férias; que o trabalho suplementar em dia feriado partilha o denominador comum que caracteriza todo o género de trabalho designado de “suplementar”, ou seja, o ser realizado além do período “normal” de trabalho, e, por isso, a sua execução se revestir de uma acrescida penosidade compensada com uma remuneração horária majorada, mas a sua realização era esporádica e não se justifica que o AA. legitimamente nutrissem a expectativa de auferir a especial majoração desse trabalho junto com a do demais trabalho suplementar regular e periódico; que os cálculos das tabelas apresentadas pelos AA., que impugna, não autonomizam as quantias relativas aos abonos pelo trabalho suplementar em dia de feriado e de descanso semanal, o que significa que o valor de tais abonos terá sido, porventura, indistintamente inserido na coluna dessas tabelas relativas aos abonos por trabalho suplementar, e que nesses cálculos se encontram indistintamente contabilizados na coluna do trabalho suplementar valores de trabalho que não é apenas suplementar mas também nocturno.
Findos os articulados, e considerando a Mma. Juiz a quo ser possível decidir do mérito da causa, dispensando a audiência prévia, foi cumprido o princípio do contraditório, em conformidade com o disposto no artigo 61º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho e no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Nenhuma objeção tendo as partes manifestado, antes alegando, por escrito, o que alegariam verbalmente em audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixou-se o valor da causa em € 25.551,67 e foi proferida sentença que conheceu do mérito da causa e terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:
A) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022, do Autor AA a média dos valores recebidos a título de:
a) trabalho suplementar nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017, 2019, 2020, 2021 e 2022, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento;
b) trabalho nocturno nos anos de 2015, 2016 e 2019, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento
B) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA.., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022 do Autor BB a média dos valores recebidos a título de:
c) trabalho suplementar nos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2016, 2017, 2018, 2020, 2021 e 2022, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento;
d) trabalho nocturno nos anos de 2011, 2017e 2018, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento.
C) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022 do Autor CC a média dos valores recebidos a título de trabalho suplementar nos anos de 2018, 2019, 2021 e 2022, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento;
D) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022 do Autor DD a média dos valores recebidos a título de:
a) trabalho suplementar nos anos de 2012 a 2018, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento;
b) trabalho nocturno nos anos de 2012 a 2018, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento
E) Absolvo as Rés SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA. do demais peticionado.
[…]”
1.2. As RR., inconformadas, interpuseram recurso desta decisão e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“A. No que toca ao requisito da periodicidade e da sua repercussão nas expectativas de ganho do trabalhador, é evidente que a falta da cadência mensal exigível na realização do trabalho em dia de feriado e em dia de descanso semanal (obrigatório ou complementar) e, consequentemente, a falta do seu especial pagamento mensal com acréscimo de 200%, não permitia (e não permite) legitimar que o A. gerasse a expectativa dessa componente remuneratória considerar-se sua retribuição integrante do valor da retribuição de férias, do subsídio de férias e de natal vencidos durante esse período de tempo.
B. Os valores mensais acrescidos de 200% pelo trabalho prestado em dias de feriado e em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar não são passíveis de integrar o valor médio do demais trabalho suplementar apurado para efeito de incorporar o pagamento daquelas retribuições caso os AA. não demonstrem o seu abono 11 meses por ano, pelo que nesta parte improcede desde logo o pedido do AA. (pontos 6 a 11, das alegações acima).
C. Revertendo a jurisprudência acima Alegada para o clausulado do Acordo de Empresa celebrado entre a Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda, e a FESTRU (publicado no BTE, n.° 1, de 08.01.1997), aplicável às relações de trabalho sub iudice, verifica-se mutatis mutandis ser igual a ratio decidendi no que toca à interpretação das suas análogas cláusulas 46.a (Remuneração por trabalho nocturno), 47.a (Remuneração do trabalho suplementar) e 48.a (Remuneração do trabalho em dia de descanso semanal ou feriado), para o que importa à boa decisão nos autos.
D. Ora nenhum dos cálculos apresentados pelos AA. nas tabelas anuais sob os artigos 34.° a 37.°, da p.i., obedece a esse critério que a citada jurisprudência vem consolidando ficando, por tal, impugnados todos os valores e cálculos aí apresentados, com os demais efeitos legais.
E. Isto porque, reitera-se, esses cálculos não autonomizam as quantias relativas aos abonos pelo trabalho suplementar em dia de feriado e de descanso semanal
(cl.a 48) o que significa que o valor de tais abonos terá sido indistintamente inserido na coluna dessas tabelas relativas aos abonos por trabalho suplementar (cl.a 47a) e, assim, deles não se distingue, não permitindo apurar se o seu pagamento se verificou, ou não, 11 vezes por ano permitindo alcançar a cifra da sua média mensal anual;
F. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada no que toca ao decidido sobre aos valores peticionados a título de integração das retribuições variáveis, por ter desconsiderado as relativas ao trabalho em dia feriado e de descanso semanal, na retribuição de férias e nos subsídios de férias (e não nos subsídios de Natal como adiante se verá), cujo montante deverá ser remetido liquidar em sede de execução de sentença.
G. Sempre improcederá o pedido de integração daqueles componentes remuneratórios variáveis no pagamento dos subsídios de Natal, bem como do subsídio de agente único, pois, conforme já determinava o artigo 250.° do Código do Trabalho de 2003 e determina o vigente n.° 1, do artigo 262.°, do Código do Trabalho de 2009, sob a epígrafe "Cálculo de prestação complementar ou acessória": "Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo da prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.".
H.O subsídio de Natal é uma prestação complementar, logo, exige-se para a não aplicação do comando do então artigo 250.° do Código do Trabalho de 2003 e do artigo 262.° do vigente que o Acordo de Empresa invocado a contrarie em sentido oposto, o que, manifestamente, não se verifica.
I. Acresce, por força do disposto nessas normas e no artigo 8.°, n.° 1, da Lei n.° 99/2003 de 27 de Agosto que aprovou o Código do Trabalho de 2003, que para efeitos de subsídio de Natal de 2003 em diante apenas se computa a retribuição base, nada mais sendo devido a tal título pelas RR. aos AA.
J. Esses normativos são aplicáveis no caso, já que parte dos subsídios de Natal em causa venceram-se depois da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, reportando-se a efeitos de factos ou situações ainda não totalmente passadas (artigos 3.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, da Lei n.° 99/2003), considerando que Acordo de Empresa aplicável lhes é anterior, pois, foi publicado no ano de 1997.
K. A interpretação que funda a decisão recorrida não é pois aplicável ao caso sub iudice uma vez que o n.° 1, da cláusula 51.a do Acordo de Empresa não afasta expressamente aqueles normativos, em sentido contrário, limitando-se a estipular que "Todos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano.", pelo que deve nessa parte a sentença ser revogada e substituída no sentido propugnado pelas Recorrentes.
L. Também não é suficiente para se instituir como disposição expressa em contrário o genérico decalque do texto legal do n.° 2, do artigo 82.°, da então vigente LCT, e inseri-lo no n.° 2, da cláusula 41.a, do AE/97, determinando que “A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras remunerações regulares eperiódicas directa ou indirectamentefeitas em dinheiro ou espécie." (sic).
M. Assim, essa genérica reprodução convencional, como operada pelas partes outorgantes no AE/97, bem como a sua inalterada permanência até à vigência do AE/2022, demonstra que não cuidaram de contrariar a previsão dos artigos 250.° , n.° 1 e 262.°, n.° 1, dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, respectivamente, pelo que deve a sentença ser nessa parte revogada e substituída no sentido propugnado pelas Recorrentes.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, sem prescindir do mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada parcialmente a decisão proferida pelo tribunal a quo como acima exposto, consequentemente, serem as RR., ora Recorrentes, absolvidas de parte do pedido como acima alegado.”
1.3. Não consta que os AA. tenham apresentado contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido na 1.ª instância.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em douto Parecer, a que apenas as RR. responderam, no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1.ª – saber se as prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno pagas pela recorrente Scotturb, Lda. aos recorridos nos anos enunciados na decisão de facto – o trabalho suplementar abarcando o trabalho diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado, prestado para além da duração diária do trabalho normal e o trabalho nocturno prestado em dia feriado e/ou de descanso complementar/semanal – não devem ser unificadas como retribuição indiferenciada pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noctuno prestado nesses anos para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, como fez a sentença, mas deles deve ser autonomizada a retribuição por trabalho suplementar e nocturno prestado em dia de descanso ou feriado;
2.ª – saber se os AA., ora recorridos, têm direito ao pagamento das diferenças de retribuição de subsídio de Natal correspondentes ao reflexo das quantias médias dos montantes por eles recebidos a título de remuneração do trabalho suplementar e trabalho nocturno prestado entre os anos de 2010 e 2022.
*
3. Fundamentação de facto
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3.1. Nenhuma das partes impugnou a decisão de facto constante da sentença.
Devem contudo expurgar-se os factos fixados na 1.ª instância das referências conclusivas, uma vez que o direito se aplica a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos, razão por que o artigo 607.º, n.º 3 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados”.
Como é patente, a aplicabilidade a determinadas relações de trabalho de um instrumento de regulamentação colectiva objecto de publicação em documento oficial – o Boletim de Trabalho e Emprego – não constitui um facto concreto mas uma afirmação de direito que deve extrair-se de outros factos provados e, por isso, não deveria ter sido incluída no elenco de facto o facto 6., do qual ficou a constar o seguinte:
6 - Aplicando-se às relações laborais entre os Autores e as Rés as disposições do Acordo de Empresa, publicado no BTE n.º 1, 1ª Série, de 08 de Janeiro de 1997, alterado pelo contrato colectivo de trabalho celebrado entre a FECTRANS e a ANTROP, publicado no BTE n.º 27, de 22/07/2022.”
Acresce que é também na referida aplicabilidade que os AA. radicam os pedidos formulados na petição inicial.
O comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação (cfr. o art, 663.º, n.º 2 do CPC), impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em descrições jurídicas.
Assim, elimina-se o ponto 6. da matéria de facto.
*
3.2. A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos:
«[...]
1- O Autor AA foi admitido ao serviço da Ré Scotturb em 01/02/2013, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
2- O Autor BB foi admitido ao serviço da Ré Scotturb em 01/09/2009, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
3- O Autor CC foi admitido ao serviço da Ré Scotturb em 21/04/2004, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
4- O Autor DD foi admitido ao serviço da Ré Scotturb em 21/02/2011, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
5- Os Autores estão sindicalizados no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, e as Rés são associadas na ANTROP.
6- eliminado.
7- Em Junho de 2022, a Ré Scotturb, informou que, conjuntamente com a empresa Vimeca Transportes, se apresentou, através da criação de nova entidade empresarial, a Ré Viação Alvorada, Lda., ao concurso público para exploração do serviço de transporte público de passageiros da Área Metropolitano da Lisboa, tendo vencido a área geográfica do Lote 1.
8- Por força de tal factualidade, o serviço de transporte público assegurado pela Ré Scotturb passaria a ser prestado pela Ré Viação Alvorada, Lda., que desenvolveria a sua actividade nas instalações das empresas da Ré Scotturb e da Vimeca Transportes com recurso aos meios e equipamentos destas empresas.
9- A exploração do serviço de transporte público de passageiros pela Ré Viação Alvorada teve o seu início no dia 01/01/2023, operando-se a partir de tal data, nos termos do n.º 1 do artigo 285.º do Código do Trabalho, a transmissão automática do estabelecimento, transmitindo-se para a Ré Viação Alvorada a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores da Ré Scotturb.
10- Os Autores têm um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias, cumprindo com os serviços de carreiras impostos pelas Rés, em chapas numeradas/escalas de serviço diárias que variam consoante a vontade e interesse destas que, em termos abstractos, pode ser efectuada por qualquer trabalhador da empresa, sendo assim uma chapa geral de um determinado serviço específico.
11- Sendo, portanto, as Rés que indicam aos Autores o traçado rodoviário e os destinos a atingir, dentro dos horários e escalas por ela pré-estabelecidos, determinando ainda qual o trabalhador concreto que irá efectuar a chapa de serviço geral naquele dia específico.
12- Sendo de concluir que, até à transmissão de estabelecimento, os Autores sempre exerceram um horário de trabalho que lhe era imposto pela Ré Scotturb.
13- A remuneração dos Autores é composta por uma parte certa e outra variável.
14- Nos anos de 2014 a 2022, AA auferiu, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial como documentos n.º 1 a 106, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo sido remunerado,
a) por trabalho suplementar (nele se incluindo o trabalho diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado prestado para além da duração diária do trabalho normal)
i) No ano de 2014, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
ii) No ano de 2015, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
iii) No ano de 2016, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iv) No ano de 2017, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (11 meses);
v) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, (1 meses)
vi) No ano de 2019, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
vii) No ano de 2020, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
viii) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
ix) No ano de 2022, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
b) trabalho nocturno prestado em dia de feriado e/ou de descanso complementar/semanal,
i) No ano de 2014 , nos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Dezembro (9 meses);
ii) No ano de 2015, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iii) No ano de 2016, nos meses de Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (11 meses);
iv) No ano de 2017, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (10 meses);
v) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, (1 meses)
vi) No ano de 2019, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (11 meses);
vii) No ano de 2020, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Dezembro (8 meses);
viii) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Maio, Junho, Setembro, Novembro, (5 meses);
ix) No ano de 2022, nos meses de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Outubro, Novembro, Dezembro (9 meses)
15- Nos anos de 2010 a 2022, BB auferiu, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial como documentos n.º 107 a 240, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo sido remunerado,
a) por trabalho suplementar (nele se incluindo o trabalho diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado prestado para além da duração diária do trabalho normal)
i) No ano de 2010, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
ii) No ano de 2011, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
iii) No ano de 2012, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iv) No ano de 2013, nos meses de Janeiro (1 meses);
v) No ano de 2014, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (11 meses)
vi) No ano de 2015, nos meses de Janeiro (1 meses);
vii) No ano de 2016, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
viii) No ano de 2017, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
ix) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
x) No ano de 2019, nos meses de Janeiro (1 meses)
xi) No ano de 2020, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
xii) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
xiii) No ano de 2022, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
b) trabalho nocturno prestado em dia de feriado e/ou de descanso complementar/semanal,
i) No ano de 2010, nos meses de Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (9 meses);
ii) No ano de 2011, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (11 meses)
iii) No ano de 2012, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Julho, Setembro, Outubro, Dezembro (9 meses);
iv) No ano de 2013, nos meses de Janeiro (1 meses);
v) No ano de 2014, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (10 meses)
vi) No ano de 2015, nos meses de Janeiro (1 meses);
vii) No ano de 2016, nos meses de Janeiro, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (9 meses);
viii) No ano de 2017, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses);
ix) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (11 meses)
x) No ano de 2019, nos meses de Janeiro (1 meses)
xi) No ano de 2020, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro, Dezembro (8 meses)
xii) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Março, Maio, Julho, (4 meses)
xiii) No ano de 2022, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Dezembro (9 meses)
16- Nos anos de 2017 a 2022, CC auferiu, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial como documentos n.º 241 a 311, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo sido remunerado,
a) por trabalho suplementar (nele se incluindo o trabalho diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado prestado para além da duração diária do trabalho normal)
i) No ano de 2017, nos meses de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (10 meses);
ii) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iii) No ano de 2019, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro(11 meses)
iv) No ano de 2020, nos meses de Janeiro (1 meses)
v) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro, Novembro (12 meses)
vi) No ano de 2022, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
b) trabalho nocturno prestado em dia de feriado e/ou de descanso complementar/semanal,
i) No ano de 2017, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Julho, Dezembro(4 meses);
ii) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, Maio, Julho, Dezembro(4 meses)
iii) No ano de 2019, nos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (10 meses)
iv) No ano de 2020, nos meses de Janeiro (1 meses)
v) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Maio, Julho, Setembro, Novembro (5 meses)
vi) No ano de 2022, nos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (9meses)
17- Nos anos de 2018 a 2022, DD, auferiu, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial como documentos n.º 312 a 378, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo sido remunerado,
a) por trabalho suplementar (nele se incluindo o trabalho diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado prestado para além da duração diária do trabalho normal)
i) No ano de 2018, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Dezembro (11 meses)
ii) No ano de 2019, nos meses de Fevereiro, Março, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (8 meses)
iii) No ano de 2020, nos meses de Janeiro (1 meses)
iv) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Novembro, Dezembro (4 meses)
v) No ano de 2022, nos meses de Maio, (1 meses)
b) trabalho nocturno prestado em dia de feriado e/ou de descanso complementar/semanal,
i) No ano de 2018, nos meses de Abril, Junho, Julho, Agosto, Outubro (5 meses)
ii) No ano de 2019, nos meses de nos meses de Janeiro, Fevereiro, Julho, (3 meses)
iii) No ano de 2020, nos meses de Janeiro (1 meses)
iv) No ano de 2021, nos meses de Janeiro, Maio, Julho, Setembro, Dezembro (5 meses)
v) No ano de 2022, nos meses de Maio, Junho, Julho, (3 meses)
18- Nos anos de 2012 a 2017 foi declarado à segurança social ter o referido Autor auferido os montantes constantes dos documentos juntos com a petição inicial como doc. N.º 367 a 378, tendo sido declarado tendo sido remunerado,
a) por trabalho suplementar
i) No ano de 2012, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
ii) No ano de 2013, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iii) No ano de 2014, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iv) No ano de 2015, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
v) No ano de 2016, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
vi) No ano de 2017, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
b) trabalho nocturno,
i) No ano de 2012, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
ii) No ano de 2013, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iii) No ano de 2014, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
iv) No ano de 2015, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
v) No ano de 2016, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
vi) No ano de 2017, meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro (12 meses)
[...]».
*
4. Fundamentação de direito
4.1. Os factos em análise no recurso ocorreram entre os anos de 2010 e 2022, em pleno âmbito de vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 — cfr. os artigos 2.º e 7.º, n.º 1, da Lei – sendo à luz deste compêndio normativo que deve ser analisado.
Haverá ainda a ter em consideração o Acordo de Empresa (AE) subscrito pela Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda. e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 8 de Janeiro de 1997, com as alterações subsequentes publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 4, de 29 de Janeiro de 1999 e n.º 16, de 29 de Abril de 2000.
Na verdade, a FECTRANS sucedeu em todos os direitos e obrigações da FESTRU e, por sua vez, a Scotturb - Transportes Urbanos, Lda. corresponde à atual designação social de Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda., e a FECTRANS e a Scotturb (que assim representam as subscritoras do AE entre a FESTRU e a Stagecoach, Lda.), acordaram a revogação daquele AE, conforme acordo de revogação publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 25, de 8 de Julho de 2023.
Por seu turno a Associação Nacional e Transportes de Passageiros - ANTROP e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações – FECTRANS – celebraram a Convenção Colectiva de Trabalho que veio a ser publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 27, de 22 de Julho de 2022 e entrou em vigor 5 dias após a sua publicação (vide a cláusula 2.ª, n.º 1, do CCT), isto é a 28 de Julho de 2022.
A aplicabilidade dos indicados instrumentos de regulamentação colectiva resulta da filiação sindical dos AA. e da identidade da primeira R. quanto ao AE entre a Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda. e a FESTRU, bem como da associação patronal das RR. quanto à Convenção Colectiva de Trabalho entre a ANTROP e a FECTRANS – facto 5. – em face do princípio da filiação plasmado no artigo 496.º do Código do Trabalho e como é consensualmente aceite pelas partes.
Seja como for, uma vez que na sentença recorrida se considerou que a partir de 28 de Julho de 2022, data da entrada em vigor da Convenção Colectiva de Trabalho entre a ANTROP e a FECTRANS publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 27, de 22 de Julho de 2022 não deve ser incluída nas férias e nos subsídios de férias e de Natal a média dos valores recebidos pelos AA., ora recorridos, por força do regime convencional traçado nessa mesma Convenção Colectiva de Trabalho, o que fez reflectir no segmento absolutório do seu dispositivo, é de considerar que nesse segmento a sentença transitou em julgado – cfr. o artigo 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil – não sendo de convocar para a decisão da apelação este novo instrumento de regulamentação colectiva.
*
4.2. Como resulta do regime constante do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009, a retribuição representa a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador1.
Quanto ao Acordo de Empresa de 1997, dispõe de modo similar na sua Cláusula 41.ª que: “1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras remunerações regulares e periódicas directa ou indirectamente feitas em dinheiro ou espécie. (…)”
O instrumento de regulamentação colectiva estabelece um conceito geral de retribuição com uma remissão para o “contrato” e para “as normas que o regem”, adoptando o critério da regularidade e periodicidade para efeitos de qualificação retributiva (bebido da enunciação legal do conceito de retribuição, quer à luz do artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), então em vigor, quer dos artigos 249.º e 258.º dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, respectivamente).
Sobre a classificação do carácter regular e periódico das prestações, a sentença da 1.ª instância adoptou a doutrina que emerge do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2015, de 01 de Outubro de 2015, proferido no Processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1 e publicado no DR 1.ª série, de 2015.10.29, com valor reforçado, no sentido da densificação dos conceitos indeterminados de regularidade e periodicidade previstos sucessivamente nos artigos 82.º da LCT, 249.º do Código do Trabalho de 2003 e 258.º do Código do Trabalho de 2009, através da fixação de um critério uniforme2, atendendo-se apenas às prestações que hajam sido auferidas em todos os meses de actividade (11 meses) do período anual a atender.
O que não é objecto de controvérsia.
*
4.3. Não sofre também discussão neste momento dos autos que as prestações recebidas pelos trabalhadores a título de trabalho nocturno e trabalho suplementar devem integrar o conceito de retribuição contido no artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009, se percebidas com regularidade (na sequência do desempenho de trabalho suplementar e noturno) por o trabalhador prestar com habitualidade trabalho fora do período normal de trabalho, em período nocturno3.
Na verdade, havendo regularidade e continuidade na prestação do trabalho com tais características, cria-se no trabalhador a justa expectativa do recebimento periódico de respectiva remuneração que, assim, deve considerar-se parte integrante da sua retribuição mensal, à luz do Código do Trabalho de 2009.
À mesma conclusão se chega pela análise do instrumento de regulamentação colectiva, cujo regime não exclui a natureza retributiva da contrapartida pecuniária paga pelo trabalho prestado nestas circunstâncias, no que concerne à prestação de trabalho nocturno e de trabalho suplementar.
A cláusula 24.ª do AE de 1997 dispõe que “[o] trabalho prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte é considerado trabalho nocturno” e a cláusula 46.ª do mesmo AE estabelece que “[o] trabalho nocturno será remunerado com o acréscimo de 25%em relação à remuneração a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia”.
Quanto ao trabalho suplementar, a cláusula 23.ª do AE de 1997 define-o do seguinte modo: “1 - Considera-se trabalho suplementar: a) Em regime de horário fixo, o prestado fora do período normal de trabalho normal diário; b) Em regime de horário móvel, o prestado para além da duração diária do trabalho normal. (…)”. À remuneração deste trabalho dedica-se a cláusula 47.ª, segundo a qual, “[o] trabalho suplementar será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% para a primeira hora; b) 75% para as restantes”.
É pertinente ainda ter presente, no que concerne à remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal ou feriado, o regime estabelecido na cláusula 48.ª do AE de 1997, a saber: “1 - O trabalho prestado em dia feriado ou em dias de descanso semanal e ou complementar é remunerado com o acréscimo de 200%. 2 - Ainda que a duração do trabalho referido no número anterior seja inferior à equivalente ao período normal de trabalho, será sempre pago como dia completo de trabalho. 3 - Cada hora ou fracção trabalhada para além do equivalente ao período normal de trabalho será paga pelo triplo do valor resultante da aplicação da fórmula consignada na cláusula seguinte”.
*
4.3. Avancemos para a resposta à primeira questão de saber se as prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno pagas pela recorrente Scotturb, Lda. aos recorridos nos anos enunciados na decisão de facto não devem ser unificadas como retribuição indiferenciada pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noctuno prestado nesses anos para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, como fez a sentença, mas deles deve ser autonomizada a retribuição por trabalho suplementar e nocturno prestado em dia de descanso ou feriado.
Como temos afirmado em anteriores arestos desta Relação4, quando se mostra necessário encontrar um valor que constitui a base de cálculo para atribuições patrimoniais colocadas na dependência da retribuição (no caso aferir o valor da retribuição por trabalho suplementar e nocturno), a determinação de tal valor faz-se "a posteriori" – operando sobre a massa das atribuições patrimoniais consumadas pelo empregador em certo período de tempo –, devendo o intérprete ter presente o fim prosseguido com a respectiva norma. Alcança-se assim a chamada "retribuição modular"5, no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando, em referência à unidade de tempo, a diversidade inorgânica das atribuições patrimoniais realizadas ou devidas.
O já referenciado critério legal do artigo 258.º e ss. do Código do Trabalho de 2009 (que coincide com o plasmado na cláusula 41.ª do AE aqui aplicável), constitui um instrumento de resposta ao problema da determinação "a posteriori" da retribuição modular, mas não é suficiente, nem se pode aplicar com excessiva linearidade, devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar os componentes ou elementos que imputa na retribuição modular ou "padrão retributivo", para saber quais as prestações que se integram nesse conjunto e quais as que dele se excluem.
Cada norma legal ou cláusula que institui ou regula cada prestação requer uma tarefa interpretativa a fim de lhe fixar o sentido com que deve valer, o que significa que uma atribuição patrimonial pode ter que qualificar-se como elemento da retribuição (face ao art. 258.º do Código do Trabalho de 2009 e, no caso, à cláusula 41.ª do AE de 1997) e, não obstante isso, não dever imputar-se noutras prestações devidas ao trabalhador – como o são a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal – ou dever merecer o reconhecimento de uma pendularidade diversa da que caracteriza os restantes elementos da retribuição, nomeadamente a retribuição-base.
É neste plano da imputação das prestações pagas a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno no específico conceito de retribuição a atender para quantificar os valores devidos a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal que se situa a análise das questões suscitadas na apelação.
A sentença da 1.ª instância entendeu que o valor que a R. pagou aos AA. a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, quando pago em pelo menos 11 meses por ano, além de ter cariz retributivo, deve ser reflectido no pagamento dos subsídios de férias e nas férias.
As recorrentes não refutam este entendimento que, diga-se, se nos afigura correcto.
Com efeito, a cláusula 50.ª, n.º1 e 2, do AE/1997 estabelece, no que concerne ao “subsídio de férias”, que: “1- Até oito dias antes do inicio das suas férias, ou do primeiro período, no caso de férias interpoladas, os trabalhadores receberão da empresa um subsídio de montante igual à retribuição correspondente ao período de férias a que têm direito. 2- Sempre que possível, o subsídio de férias será incluído no processamento de remunerações imediatamente anterior às férias, respeitando-se o disposto no número anterior”.
Regulando apenas o subsídio de férias, e fazendo-o equivaler (é “de montante igual”) ao valor da retribuição correspondente ao período de férias “a que têm direito”, sem dar qualquer contributo para alcançar o montante desta, o AE não disciplina directamente a composição da retribuição de férias, pelo que, quanto à mesma, deverá lançar-se mão do regime legal.
Deve notar-se que nem na epígrafe da norma convencional se faz qualquer referência à retribuição de férias, o que alicerça a convicção de que o AE pretendeu apenas regular o “Subsídio de férias” confiando à lei a tarefa de definir a composição da retribuição de férias.
Segundo o artigo 264.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, “[a] retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo”. E o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que “[a]lém da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias”.
Pelo que, tal como sucedia no âmbito do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro (artigo 6.º) e do Código do Trabalho de 2003 (artigo 255.º), em que a lei estabelecia uma relação de equivalência forçosa entre a retribuição do período de férias e a que “os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo” (para que o período de inactividade correspondente às férias não tenha impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador nesse mês), a retribuição de férias deve continuar a contemplar os valores médios pagos ao trabalhador no ano anterior a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, sempre que este se revista das características da regularidade e periodicidade já enunciadas por ser de considerar, em tais situações, que os mesmos reflectem o que o trabalhador receberia “em serviço efectivo”.
Quanto ao subsídio de férias, a previsão do n.º 2 do artigo 264.º do Código do Trabalho, a nosso ver, abarca também no indicado subsídio a média da retribuição por trabalho suplementar e nocturno prestado de modo regular e periódico pelos ora recorridos no ano anterior, por constituir a mesma, sem dúvida, uma contrapartida do modo específico da execução do seu trabalho enquanto trabalhadores motoristas de transportes públicos ao serviço da R.. Não é, contudo, necessário este raciocínio quanto ao subsídio de férias na medida em que o AE, à semelhança do que sucedia no regime anterior aos Códigos do Trabalho, estabelece uma relação de equivalência entre o subsídio e a retribuição do período de férias, afirmando que o mesmo é de montante igual a esta.
Pelo que, no âmbito do Código do Trabalho de 2009, a retribuição de férias dos recorridos deve continuar a contemplar os valores médios a eles pagos no ano anterior a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, sempre que este pagamento se revista das características da regularidade e periodicidade já enunciadas.
O problema essencial que a este propósito as recorrentes vêm suscitar na apelação, consiste em saber se, para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, as prestações retributivas de trabalho suplementar pagas aos recorridos não deviam ter sido unificadas como retribuição indiferenciada pelo trabalho suplementar prestado, incluindo o prestado além do período normal de trabalho nos dias feriados e de descanso, como fez a sentença, mas devem ser autonomamente avaliadas no que concerne ao trabalho suplementar prestado além do período normal de trabalho nos dias feriados e de descanso.
De acordo com a sua alegação, os valores mensais acrescidos de 200% pelo trabalho suplementar prestado em dias de feriado e em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar não são passíveis de integrar o valor médio do demais trabalho suplementar apurado para efeito de incorporar o pagamento daquelas prestações de férias e subsído de férias caso os AA. não demonstrem o abono em 11 meses por ano desse específico trabalho suplementar, e nenhum dos cálculos apresentados pelos AA. nas tabelas da petição inicial obedece a este critério e autonomiza as quantias relativas aos abonos pelo trabalho suplementar em dia de feriado e de descanso semanal, apesar da jurisprudência em sentido inverso, não permitindo apurar se o seu pagamento se verificou, ou não, 11 vezes por ano.
Defendem, assim, que a sentença recorrida deve ser revogada no que toca ao decidido sobre aos valores peticionados – o que inclui o trabalho suplementar e o trabalho nocturno – a título de integração das retribuições variáveis na retribuição de férias e nos subsídios de férias, por não ter autonomizado as relativas ao trabalho em dia feriado e de descanso semanal.
Adiantando, devemos dizer que não lhes assiste razão.
Com efeito, e desde logo, é irrelevante a censura que, na presente apelação, as recorrentes dirigem às tabelas constantes do articulado inicial dos AA. e aos cálculos por eles apresentados, pois que, nem as indicadas tabelas foram vertidas na decisão de facto, nem a sentença se funda nos cálculos que os AA. efectuaram na petição inicial.
A sentença elencou os factos que teve por provados e foi com base neles que emitiu a sua decisão final. E é também com fundamento em tais factos provados na sentença que este Tribunal da Relação deve emitir o seu veredicto, pois as recorrentes não impugnaram a decisão de facto da 1.ª instância com o necessário cumprimento dos ónus prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
No que diz respeito ao trabalho suplementar – sobre o qual as recorrentes incidem essencialmente a sua atenção – ficou provado na sentença o trabalho suplementar que cada um dos recorridos prestou nos anos a que se reporta o seu pedido, abarcando o trabalho suplementar diurno, nocturno, em dia de descanso complementar/semanal e em dia de feriado prestado para além da duração diária do trabalho normal – vide os factos 14. a), 15. a), 16. a) e17. a).
A sentença sob recurso afirmou que as distinções que devem ser feitas, para este efeito, são tão-só as constantes do instrumento de regulamentação colectiva (distinguir entre a remuneração do trabalho nocturno, a remuneração do trabalho suplementar e a remuneração por prestação de trabalho em dias de descanso e feriados), relevando apenas “a natureza da retribuição em causa, que se alcança pela especificidade que lhe deu causa, e não a forma diferenciada do seu cálculo”.
Afirmou também que “estando os Autores sujeitos a um horário móvel” (invocando as cláusulas 20.ª, n.º 16 do AE/1997, e facto provado 10.) “deverá ainda considerar-se trabalho suplementar o prestado, em dia de feriado e/ou de descanso semanal/compensatório, para além da duração diária do trabalho normal”.
E lembrou que o “regime de horário móvel compreende, pela sua natureza, como período normal de trabalho, os dias não úteis do calendário e os dias feriados”, não sendo de considerar o trabalho prestado nesses dias como trabalho suplementar, pelo que “as importâncias auferidas como acréscimos por serviço prestado em dias feriados, tendo-se como remuneratórias da privação do uso desses dias para os fins associados à instituição dos feriados, deverão considerar-se como remuneração do trabalho em dia de descanso semanal ou de feriado, com excepção dos prestados fora do horário móvel que, neste caso, se considerarão como trabalho suplementar".
Vindo a concluir que, no caso, “cabe apenas apurar se os Autores auferiram ou não, durante onze meses por ano, em separado, remunerações por trabalho suplementar (diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado para além da duração diária do trabalho normal), remunerações do trabalho nocturno (ou trabalho em dias feriados e/ou de descanso semanal nocturno), e, em caso afirmativo, efectuar uma média quanto a cada uma delas para a respectiva integração na retribuição de férias e subsídio de férias de cada ano”.
E fê-lo com acerto.
Com efeito, não se vislumbra justificação para cindir e avaliar autonomamente prestações com a mesma etiologia: prestações que constituem correspectivo de trabalho suplementar, ou seja, de trabalho que se desenvolveu “fora do horário de trabalho” ou “para além da duração diária do trabalho normal”, nos termos prescritos, respectivamente, no artigo 226.º, n.º 1, do CT e na cláusula 23.ª, n.º 1, alínea b) do AE, bem como prestações que constituem correspectivo de trabalho nocturno, ou seja, de trabalho que se desenvolveu em período considerado como nocturno à luz da cláusula 24.ª do Acordo de Empresa que rege neste âmbito nos termos do artigo 223.º do CT.
É perante a individualidade das prestações pagas para remunerar a prestação de trabalho suplementar ou de trabalho nocturno, previstas como tal na lei e no AE, que se deve aferir se, pelo número de vezes em que são efectuados os pagamentos a tal título durante o ano, as mesmas se revestem de carácter periódico e regular.
A majoração retributiva do trabalho suplementar (artigo 268.º do CT) tem em vista “compensar o acréscimo de esforço e a redução da auto-disponibilidade que a respectiva prestação envolve e, simultaneamente, onerar o recurso a esta modalidade de trabalho, contribuindo assim para reforçar os limites estabelecidos para a jornada diária e semanal de trabalho7, mas o grau dessa majoração não lhe retira essa natureza, sendo trabalho suplementar tanto o prestado em dia normal de trabalho, como em dias de descanso e feriados, maxime tendo em consideração que, estando os AA. sujeitos a uma horário móvel – como afirmou a sentença, sem que as recorrentes o refutassem –, podem ser para eles dias de trabalho integrados nas respectivas escalas.
Destas considerações resulta que o trabalho que deva considerar-se suplementar em regime de horário móvel, “por prestado para além da duração diária do trabalho normal” nos termos da cláusula 23.ª, n.º 1, l. b), do AE de 1997, partilha da mesma natureza – de trabalho suplementar –, quer seja prestado em dia normal de trabalho, quer seja prestado em dia de descanso e feriado, não se justificando a autonomização de ambos para efeitos de aferir da regularidade e periodicidade dos valores percebidos a título de trabalho suplementar. Numa ou noutra circunstância, trata-se de trabalho suplementar que se enquadra no conceito previsto na cláusula 23.ª do AE de 1997 e tem associado o gravame inerente ao esforço e penosidade que caracteriza a prestação de trabalho além do período normal de trabalho diário. A nosso ver, não é o facto de ter associada uma contrapartida monetária maior, nos termos da cláusula 48.ª, n.º 3, do AE, que justifica a sua autonomização para efeito de aferir da existência – ou não – da prestação regular e periódica de trabalho que deve qualificar-se como suplementar, com o consequente pagamento regular e periódico da respectiva contraprestação.
O que aduzimos quanto ao trabalho suplementar vale também para o trabalho nocturno. A ratio legis do acréscimo previsto no n.º 1 do art. 266º reside “na necessidade de compensar o maior sacrifício pessoal, familiar e social que o trabalho nocturno exige (quando comparado com trabalho equivalente prestado durante o dia)8, sendo certo que a previsão da contrapartida majorada que resulta do instrumento de regulamentação colectiva quando o trabalho nocturno se desenvolve em dia de descanso ou feriado não interfere com a natureza e qualificação do trabalho como nocturno segundo a definição legal e do AE.
Analisando os factos provados, verificamos que os relativos ao trabalho nocturno se reportam essencialmente a trabalho nocturno prestado em dia feriado e/ou de descanso, pelo que não se coloca a questão da diferente natureza do trabalho nocturno que os pagamentos inerentes visam retribuir – vide os factos 14. b), 15. b), 16. b) e 17. b). Apenas quanto ao 4.º A. se provou ter sido declarada à Segurança Social a prestação de trabalho nocturno tout court – facto 18. b) – pelo que, pelo menos quanto a este A., ora recorrido, se coloca a questão da concorrência. Mas o trabalho que deva considerar-se nocturno nos termos da cláusula 24.ª do AE, por prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte em dia de descanso e feriado, partilha da mesma natureza – de trabalho nocturno – do trabalho prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte em dia normal de trabalho, não se vislumbrando justificação para a autonomização de ambos com vista a aferir da regularidade e periodicidade dos valores percebidos a título de trabalho nocturno.
Não cremos que possam ser convocados para confortar a posição das recorrentes os Acórdãos desta Relação de Lisboa por elas referidos nas alegações da apelação, pois que nenhum deles versava especificamente sobre a matéria do reflexo das prestações percebidas a título de trabalho suplementar e nocturno prestado em dia de descanso e feriado, a par do demais trabalho suplementar e nocturno, nas retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal. Em tais arestos estava em causa, apenas, a ponderação diferenciada – ou não – dos valores majorados previstos no AE para as horas subsequentes à primeira de prestação de trabalho suplementar ou nocturno, perante a alegação da aí recorrente no sentido de que a regularidade e periodicidade das prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno por si pagas com majoração (de “h. extra 50% noturno” ou de “h. extra 25% noturno”) deveria ser autonomamente avaliada, pretensão que este Tribunal da Relação denegou.
Designadamente nos citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 1 de Fevereiro de 2023, de 15 de Fevereiro de 2023 e de 28 de Junho de 20239, apenas se indica, em obiter dictum, e citando o constante das sentenças de 1.ª instância aí sob censura, que as prestações que devem integrar a retribuição de férias e o subsídio de férias devem ser divididas “pela natureza da factualidade que lhes dá origem (e que as distingue das prestações comummente devidas em função da prestação de trabalho em circunstâncias normais), mesmo que se verifique uma concorrência de prestações, com a simplicidade do modo como as mesmas são previstas no AE”, ou seja, tendo como arrimo as categorias previstas no AE de remuneração do “trabalho nocturno”, remuneração do “trabalho suplementar” e remuneração do “trabalho em dia de descanso semanal ou feriado”.
Em tais arestos, o Tribunal da Relação decidiu que as prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno pagas com as majorações de “h. extra 50% noturno” e “h. extra 25% noturno” devem ser ponderadas unitariamente como retribuição pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noctuno prestado nos anos ali em causa, para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, não se avaliando autonomamente os diferentes cambiantes do trabalho suplementar e nocturno prestado em função dos acréscimos distintos da 1.ª hora e das horas subsequentes. Mas, mesmo na estrita vertente do obter dictum, em que os arestos aludem à ponderação das prestações segundo a “natureza da factualidade que lhes dá origem”, jamais referenciam dever ser autonomamente ponderado o trabalho prestado em dia de descanso semanal ou feriado que tenha a especificidade de dever ser qualificado, também, como trabalho suplementar ou trabalho nocturno, pelo que, ao invés do que dão a entender as ora recorrentes, as anteriores pronúncias desta Relação não constituem agasalho para a sua tese.
Como bem nota a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, onde a lei – aqui entenda-se a norma legal e convencional – não distingue, não pode o intérprete distinguir.
Em suma, é perante a cadência dos valores efectivamente pagos pelo empregador pelo trabalho desenvolvido em termos de ser qualificado como nocturno ou como suplementar, independentemente do facto de, concomitantemente, tal trabalho ser prestado em dia de descanso ou feriado, que deve aferir-se do particular ritmo no pagamento (e verificar se atingiu o patamar dos onze meses por ano), sendo certo que o concreto valor das especiais prestações retributivas pagas pela prestação do trabalho suplementar ou nocturno naqueles específicos termos sempre se reflectirá nas médias que se alcançam relativamente a cada ano.
Os valores a ponderar são os montantes efectivamente percebidos pelos trabalhadores a estes títulos e constantes dos documentos referenciados nos factos 14. a 18., sem prejuízo, naturalmente, de não poderem ser duplamente valorados quando se verifique concorrência da natureza do trabalho que os apurados pagamentos visam retribuir (vg. também como trabalho prestado em dia feriado ou de descanso).
Não merece provimento a apelação quanto à primeira questão.
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4.4. Cabe agora enfrentar a segunda questão enunciada, de saber se os AA., ora recorridos, têm direito ao pagamento das diferenças de subsídio de Natal correspondentes ao reflexo neste subsídio das quantias médias dos montantes por eles recebidos a título de remuneração do trabalho suplementar e trabalho nocturno prestado entre os anos de 2010 e 2022.
Decidiu a sentença condenar a ora recorrente, além do mais, no pagamento aos ora recorridos das diferenças de subsídios de Natal correspondentes às quantias médias dos montantes por eles recebidos a título de retribuição por trabalho suplementar e trabalho nocturno, verificado que se mostre o pressuposto da regularidade e periodicidade, até 28 de Julho de 2022 (data da entrada em vigor da Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 27 de 2022), a liquidar ulteriormente.
Em fundamento desta decisão, após indicar o regime legal pertinente, exarou o seguinte:
«[…]
Face ao enquadramento jurídico enunciado, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho, a base de cálculo do subsídio de Natal — salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário — reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, já que o «mês de retribuição» a que se refere o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 262.º do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades.
Consequentemente, à luz do regime do Código do Trabalho, as retribuições em causa nos presentes autos, pagas regular e periodicamente, não relevam para o cômputo dos subsídios de Natal, cuja base de cálculo se cinge à retribuição base e diuturnidades – cf. neste sentido, entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo: 4109/06.9TTLSB.L2.S1, em 17-11-2016 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2022, proferido no Proc. 3002/19.0T8MAI.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Contudo, dispondo a cláusula 51.ª, n.º1 do AE/1997 que Todos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição e a cláusula 41.ª (Retribuição do trabalho), 2, do AE/1997, que a retribuição compreende a remuneração base e todas as outras remunerações regulares e periódicas directa ou indirectamente feitas em dinheito ou espécie, não há lugar à aplicação do regime supletivo contido no n.º 1 do artigo 262.º do mesmo CTrabalho, em face do disposto no art. 3.º, n.º3, do CTrabalho.
[…]»
As recorrentes, por seu turno, alegam que o subsídio de Natal é uma prestação complementar, logo, exige-se para a não aplicação do comando do artigo 262.° do Código do Trabalho vigente que o Acordo de Empresa invocado a contrarie em sentido oposto, o que não se verifica, sendo que o n.° 1, da cláusula 51.ª não afasta expressamente aqueles normativos, em sentido contrário, e não é também suficiente para se instituir como disposição expressa em contrário o genérico decalque do texto legal do n.° 2, do artigo 82.°, da então vigente LCT, no n.° 2, da cláusula 41.ª, do AE/97 (determinando que “A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras remunerações regulares e periódicas directa ou indirectamente feitas em dinheiro ou espécie"), o qual as partes outorgantes do AE mantiveram até à Convenção Colectiva de Trabalho de 2022, não cuidando de contrariar a previsão do artigo 262.º do Código do Trabalho de 2009.
Vejamos.
À data em que foi publicado o AE de 1997 estava em vigor o Decreto-Lei n.º 88/96 de 3 Julho que exceptuava a aplicabilidade do diploma em que estava inserido aos trabalhadores abrangidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que regule especificamente o subsídio de Natal (n.º 2) com excepção das situações em que “o instrumento de regulamentação colectiva preveja a concessão de um subsídio de valor inferior a um mês de retribuição” (nº3), o que não é o caso.
Efectivamente, o AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1 de 1997, dispunha na sua cláusula 51ª, nº 1, que “[t]odos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano”.
Inexistindo norma legal ou convencional que melhor esclarecesse o que para efeitos de contabilização do subsídio de Natal deveria entender-se por “retribuição”, o intérprete podia lançar mão da qualificação retributiva emergente da norma convencional da cláusula 41.ª do instrumento de regulamentação colectiva, que é consonante com a do artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) então em vigor, perspectivando o valor devido tendo em consideração o critério do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais para efeitos de qualificação retributiva.
Com o Código do Trabalho de 2003 alterou-se o regime legal do subsídio de Natal, vindo o artigo 254.º do diploma dispor no seu n.º 1, quanto ao valor do subsídio de Natal que «[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano».
Por seu turno o n.º 1 do artigo 250.º do Código do Trabalho de 2003 estabelecia que, «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades». Este preceito tem um campo de aplicação potencial muito dilatado, valendo como “chave interpretativa” de várias disposições do Código que se referem à retribuição sem mais, a propósito do cálculo de determinadas prestações complementares10.
O subsídio de Natal é inequivocamente uma prestação “complementar”, na medida em que “não tem correspectividade directa com certa quantidade de trabalho”, pelo que o mês de retribuição a que se referia o artigo 254.º, n.º1, é equivalente ao somatório da retribuição base e diuturnidades11.
Assim, face a este regime legal e uma vez que o «mês de retribuição» a que se refere o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 250.º do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho de 2003, a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades12.
Os artigos 262.º e 263.º do Código do Trabalho de 2009, aplicável a caso sub judice, contêm o mesmo regime. Se o artigo 263.º dispõe no seu n.º 1 que “[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano”, o art. 262.º fornece a chave interpretativa para concretizar em que se consubstancia esta genérica referência a “um mês de retribuição”, indicando que “[q]uando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades”.
Assim, inexistindo disposição legal que contemple especificamente a situação dos ora recorridos e não havendo notícia nos autos de cláusula de contrato individual de trabalho que sobre esta matéria disponha, resta analisar se as disposições do instrumento de regulamentação colectiva aplicável contrariam a sobredita solução legal.
Como vimos, o AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1 de 1997, dispunha na sua cláusula 51ª, nº 1, que “[t]odos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano”.
Perante esta solução convencional, e outras similares, entendia a jurisprudência à luz da LCT que «se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve considerar-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram» nos termos do artigo 82.º da LCT13, o que valia quer para a retribuição de férias e subsídio de férias, como acima se explicitou, quer para o subsídio de Natal.
À luz do Código do Trabalho de 2009 – e como já sucedia no âmbito do Código do Trabalho de 2003 –, em face da expressa previsão do seu artigo 262.º, não pode dizer-se, como outrora, que faltam outros elementos interpretativos e que o intérprete apenas se pode socorrer do conceito legal de retribuição previsto no artigo 258.º. Pelo contrário, deparamo-nos agora com a referida norma supletiva que circunscreve claramente o conceito de retribuição a atender quando ela constitua base de cálculo de prestações complementares.
É de notar que esta norma supletiva demanda expressamente, para que se não aplique, a existência de norma legal, convencional ou contratual que a contrarie (vide a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 262.º), o que claramente afasta resultados interpretativos que, injustificadamente, afastem a sua estatuição.
Ora, perante a singela referência da cláusula 51.ª do AE à correspondência do subsídio de Natal a “um mês de retribuição”, não se nos afigura que a previsão geral da cláusula 41.ª relativa à “retribuição do trabalho”, reportando-se à qualificação do que se considera retribuição em termos similares aos previstos no artigo 258.º do Código do Trabalho (e não ao valor retributivo a ter em consideração como base de cálculo de outras prestações complementares ou acessórias), possa considerar-se como uma previsão convencional do contrário do regime legal que emerge do artigo 262.º do Código do Trabalho para determinar especificamente o valor das prestações complementares dependentes da retribuição, como o é o subsídio de Natal.
Tenha-se presente que o Código do Trabalho de 2009 (como o de 2003), por um lado, não consagra a solução da correspondência do valor do subsídio de Natal ao valor da retribuição previsto no seu artigo 258.º e, por outro, demanda que a convenção coletiva disponha em sentido contrário para que deixe de se aplicar o regime supletivo do artigo 262.º quanto a prestações complementares como o é o subsídio de Natal.
Como bem dizem as recorrentes, a genérica reprodução convencional do preceito que consagra os princípios gerais da retribuição operada pelas partes outorgantes no AE de 1997, bem como a sua inalterada permanência até à vigência do CCT de 2022, demonstra que as partes não cuidaram de contrariar a previsão dos artigos 250.° , n.° 1 e 262.°, n.° 1, dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, valendo em pleno o regime deste último compêndio normativo ao menos nas situações a que apenas ele se aplica.
Tal não significa que não haja situações em que, procedendo à interpretação do instrumento de regulamentação colectiva em conformidade com as regras de interpretação da lei, se descortina no instrumento convencional a previsão do contrário do enunciado no regime legal14.
Mas não é o que sucede no caso sub judice, em que a cláusula 51.ª, que prevê o subsídio de Natal, contém a singela referência ao valor de “um mês de retribuição”, referência genérica esta que não contraria a norma supletiva do artigo 262.º do Código do Trabalho e não fornece qualquer subsídio para proceder à determinação quantitativa do valor retributivo a contabilizar na determinação do montante do subsídio de Natal.
É, pois, de concluir que, perante o regime do Código do Trabalho de 2009, e não havendo no caso em análise norma convencional que disponha em sentido contrário, não relevam para o cômputo dos subsídios de Natal devidos aos recorridos os suplementos remuneratórios por trabalho suplementar e nocturno por eles percebidos de modo regular e periódico.
Neste sentido foi proferido, também o recente Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Fevereiro de 2025, nele se afirmando que com o Código do Trabalho de 2003, o sentido da dita expressão “um mês de retribuição” passou a equivaler à retribuição base e diuturnidades15.
Neste aspecto, merece provimento a apelação, devendo absolver-se as recorrentes do pedido no que concerne às diferenças reclamadas quanto aos subsídios de Natal vencidos até 27 de Julho de 2022.
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4.5. As custas do recurso interposto da sentença final recaem sobre as recorrentes e os recorridos, na proporção do seu decaimento que se fixa em 2/3 e 1/3, respectivamente (artigo 527.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
Mostrando-se paga a taxa de justiça pelas recorrentes e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo nos termos do artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a condenação dos recorridos, isentos de custas, é restrita às custas de parte que eventualmente haja e por que respondem em face do que estabelece o artigo 4.º, n.º 7, do mesmo Regulamento.
Quanto às recorrentes, não lhes cabe pagar custas de parte, uma vez que os recorridos não intervieram no recurso, pelo que o mesmo não as fez incorrer nas despesas assinaladas nos artigos 533.º, n.º 2 do CPC e 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 3 e 5 do RCP.
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5. Decisão
Em face do exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, absolvendo as recorrentes dos pedidos formulados pelos recorridos no que concerne às diferenças salariais nos subsídios de Natal contempladas na condenação constante da sentença da 1.ª instância, no mais se confirmando esta sentença.
Condenam-se os recorridos nas custas de parte que eventualmente haja a contar, na proporção de 1/3.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2025
Maria José Costa Pinto
Susana Silveira
Manuela Bento Fialho
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1. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.16, processo n.º 2065/07.5TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
2. Que, aliás, o Supremo Tribunal de Justiça vinha já acolhendo, como se verifica dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010 (proc. nº 607/07.5TTLSB.L1.S1), de 15 de Setembro de 2010 (proc. nº 469/09.4), de 16 de Dezembro de 2010 (proc. nº 2065/07.5TTLSB.L1.S1) e de 5 de Junho de 2012 (proc. nº 2131/08.0TTLSB.L1.S1), todos in www.dgsi.pt.
3. Vide os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.30 (Revista n.º 08/06, da 4.ª Secção) e de 2003.07.08 (Revista n.º 1695/03, da 4.ª Secção).
4. Entre outros, vide os Acórdãos da Relação de Lisboa de 19 de Junho de 2024, processo n.º 25994/21.9T8LSB.L1, de 10 de Janeiro de 2024, processo n.º 2253/22.4T8TVD.L1-4, de 21 de Fevereiro de 2024, processo n.º 9784/22.4T8LSB.L1-4 e de 09 de Maio de 2018, processo n.º 743/16.7T8TVD.L1-4, todos in www.dgsi.pt.
5. Vide Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de Pedro Furtado Martins, Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 2.ª edição revista e actualizada, Lisboa, 2014, p. 609 e Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 18.ª edição, Coimbra, 2017, pp. 321-322. Vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2007, Recurso n.º 2188/06, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
6. Segundo a qual se entende “por horário móvel aquele em que, respeitando a máxima diária e semanal, as horas de início e termo poderão variar de dia para dia”.
7. Vide Francisco Liberal Fernandes, in O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Porto, 2018, pp. 355-356.

9. Proferidos nos processos n.°s 1300/21.1T8CSC.L1, 2125/21.0T8CSC.L1 e 2332/22.8T8CSC.L1, todos eles inéditos, tanto quanto nos é dado saber.
10. Vide João Leal Amado, in Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 306, a propósito do equivalente artigo 262.º do Código do Trabalho de 2009.
11. Vide Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 470.
12. Sublinhando a atitude de ruptura do Código do Trabalho de 2003 com o direito anterior, no que toca à limitação da base de cálculo do subsídio de Natal, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.14, Processo n.º 3825/05, de 2007.04.18, Processo n.º 4557/06 e de 2010.03.25, Processo n.º 1052/05, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt. No caso vertente, em que não resulta dos factos provados o percebimento pelos recorridos de prestações de trabalho suplementar e nocturno antes do ano de 2010, inexistem os escolhos em que se traduz o artigo 11º da Lei Preambular ao Código do Trabalho de 2003 (que impede a redução da retribuição auferida pelo trabalhador por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho).
13. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2003, Revista n.º 4072/2002 da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
14. É o que sucede por exemplo no caso sobre que versa o Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Junho de 2024, proferido no processo n.º 25994/21.9T8LSB.L1, in www.dgsi.pt, e citado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta. Este aresto é relativo a um AE que previa ser o subsídio de Natal de “100% da remuneração mensal”, fórmula de pendor abrangente que se considerou contrariar a solução do Código do Trabalho (onde a retribuição a atender para o cálculo do subsídio de Natal se circunscreve à retribuição base e diuturnidades), e dever ser entendida em conformidade com o previsto na cláusula do mesmo AE que definia a retribuição em termos amplos e similares à previsão geral da lei. Deve notar-se que o Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2024, proferido no processo nº 4415/22.5T8FNC.L1, e disponível no mesmo sítio, também citado no Parecer do Ministério Público, incidiu sobre prestações de subsídio de Natal vencidas até 1 de Dezembro de 2033 e não na vigência do Código do Trabalho de 2009, como ocorre no caso em análise.
15. Processo n.º 3941/23.3T8CSC.L1, inédito tanto quanto nos é dado saber. Não desconhecemos que há jurisprudência em sentido diverso, designadamente no também recente Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Janeiro de 2025, proferido no processo 1799/23.1T8CSC.L1 e publicado in www.dgsi.pt, de que, com o devido respeito, nos permitimos discordar, pelas razões adiantadas no texto deste aresto. 8. Vide Francisco Liberal Fernandes, in ob. citada, p. 349