PLATAFORMA DIGITAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
INDÍCIOS
Sumário

Constituindo-se a relação jurídica entre a plataforma digital e o prestador de actividade em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, não é aplicável o estatuído no art. 12.º-A do CT/2009.

Texto Integral

Acordão no Tribunal da Relação de Lisboa

O Ministério Público intentou1 acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.
Pede a declaração da existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, entre a Ré e AA, reportada a 1 de Julho de 2023. 2
Alega, em suma, que AA presta a actividade de estafeta para a Ré, em condições análogas às de um contrato de trabalho.
Entrega refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos pela Ré, na plataforma desta , sendo que se registou para tal efeito.
Aufere uma média mensal entre € 700 ,00 e € 900,00 Ré.
O AA e a Ré subscreveram um documento denominado contrato de prestação de serviços .
Todavia , a Ré :
- determina as regras quanto à prestação da actividade , controla o tempo de entrega do pedido e o percurso efectuado pelo estafeta, através de um sistema de geolocalização.
- exerce poder disciplinar sobre o estafeta, podendo restringir o seu acesso à aplicação ou mesmo desactivar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta.
A actividade levada a cabo pelo estafeta reveste as características previstas no art. 12.º A, do Código do Trabalho.
Assim, presume –se a existência de um contrato de trabalho.
A Ré contestou.3
Excepcionou a ineptidão da petição inicial “por manifesta ausência de factos suscetíveis de integrar a causa de pedir”.
Invocou, em síntese, que explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica e não de organização do trabalho.
A sua principal actividade consiste na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes); utilizadores estafetas e utilizadores clientes;
A actividade inclui a intermediação dos processos de recolha e/ou pagamento e a intermediação entre a venda dos produtos e a sua, em nome do utilizador cliente e dos estabelecimentos comerciais.
Não se mostram preenchidos os critérios de aplicação da invocada presunção , que entende inconstitucional , da existência de contrato de trabalho referida na petição inicial.
Aliás, ainda que o estivessem a presunção estava ilidida, porquanto:
- Os valores auferidos pelo estafeta são variáveis quer porque o valor da retribuição de cada entrega depende de um conjunto de circunstâncias, como a distância, características do pedido e multiplicador que o estafeta usar, quer porque é o estafeta que define o número de
pedidos que pretende realizar, conectando-se ou desconectando-se da aplicação sempre que o entender.
- O estafeta decide unilateralmente quando quer prestar os serviços, podendo recusar quando e quantos pedidos quiser.
O estafeta não recebe instruções suas , sendo livre de escolher o meio de transporte, o percurso e definir e os seus critérios de eficiência e produtividade.
A possibilidade de excluir o estafeta da plataforma não tem a ver com o exercício do poder disciplinar, mas antes com o cumprimento de obrigações decorrentes dos serviços de intermediação em linha, que se encontram previstas no artigo 4.º do Regulamento 2019/1150 do PE e do Conselho, de 20 de Junho de 2019.
A sua plataforma informática consiste num código informático que é utilizado a partir do telemóvel pelo que não pode ser considerado um instrumento de trabalho.
O Ministério Público pugnou pela improcedência da excepção.4
O Trabalhador foi notificado com a expressa advertência de que podia, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.
Respondeu : “quero aderir aos factos apresentados na petição inicial.”. 5
Por despacho de 4 de Março de 2024:
1) foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias invocadas;
2) foi indeferida a suspensão da instância;
3) foi indeferida a apensação de ações
O AA, veio comunicar que já não pretendia dar sequência ao processo : “pois já não faço mais trabalho para a Glovo e assinei contrato com outra empresa.”
Realizou-se julgamento, no qual AA confirmou que a partir de 10 de Abril de 2024 deixou de prestar qualquer actividade para a Ré.
Em 7 de Outubro de 2024, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:6
«
Face a todo o exposto, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda. do pedido.
Fixo à ação o valor de € 30.000,01 (artº 186º-Q, nº 2 do CPT)
Sem custas por delas estar isento o autor.
• Registe e notifique.
• Após trânsito comunique à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) - (artº 186º-O, nº 9 do CPT).» - fim de transcrição.
Em 7 de Outubro de 2024, a sentença foi notificada ao MºPº ,tendo sido expedidas notificações aos demais [ Ré e AA – fls 240].
Em 24 de Outubro de 2024, o MºPº recorreu.7
Concluiu que:
«
A Glovoapp, através da internet, e de uma aplicação informática, recebe os pedidos dos utilizadores inscritos e organiza a forma de satisfazer esses pedidos, encaminhando-os para os estabelecimentos comerciais aderentes e atribuindo o trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação;
Faz a cobrança do valor do serviço ao utilizador final e efetuando os posteriores pagamentos do trabalho prestado pelo referido estafeta e do valor acordado com o parceiro comerciante;
Pelo que é uma plataforma digital.
De acordo com o artigo 12-A, do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho “quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.”
Os estafetas, onde se integra o AA, prestam para a Glovoapp a sua atividade, acima descrita, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, pois:
A Glovoapp paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente ao estafeta.
O que tudo integra a presunção estabelecida no artigo 41, al a).
É a Glovoapp que determina as regras específica quanto à prestação da atividade por parte do estafeta:
Os termos e condições de utilização da plataforma para os estafetas foram e estão predefinidos pela Glovoapp;
A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade do estafeta, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
A atuação do estafeta é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do prestador de atividade é conhecida pela plataforma da Glovoapp através do sistema de geolocalização;
O que integra a presunção estabelecida no artigo 41, al b).
A plataforma digital exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta, o que agora integra a presunção estabelecida no artigo 41 al e).
A aplicação informática (App) da Glovoapp é um instrumento de trabalho essencial ao seu negócio e é utilizado pelos diferentes utilizadores da plataforma:
Toda a atividade do estafeta é realizada com base nessa aplicação que o estafeta tem que instalar no seu telemóvel, aplicação essa que é propriedade da Glovoapp que é por si desenvolvida, suportada e mantida;
O que por ultimo integra a presunção estabelecida no artigo 41 al f).
Ocorre que a Glovoapp não ilidiu as referidas presunções.
Na verdade, tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essências para a prestação do referido serviço.
Os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Glovoapp, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como estabelece os preços dos serviços de entrega.
A prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela Glovoapp que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidência a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral
Em suma, a atividade levada a cabo pelo estafeta AA, através da plataforma da Ré, reveste aquelas características previstas no supra citado artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que implica que se presuma a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Assim, entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria sub judice, designadamente o artigo 11.° e 12-A do Código do Trabalho.
Pelo exposto, deve a douta sentença ser substituída por outra que declare a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Glovoapp, com reporte a 1 de julho de 2023» - fim de transcrição.
A Ré contra alegou.
Formulou conclusões para as quais aqui se remete atenta a sua extensão [ de A ) a RRRRRRRR] . 8
Sustenta , em suma, que o recurso deve ser considerado
improcedente e mantida a sentença recorrida.
Em 9.12.2024, foi proferido o seguinte despacho:9
«
Admito o recurso interposto da decisão proferida a 07.10.2024, por legal, admissível e tempestivo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, tudo nos termos conjugados do disposto nos artigos 79º, alínea a), 79-A, n.º 1, a), 80º nº 2 e 3, 81º, 83º, n.º 1 e 83º-A, n.º 1, todos do Código de Processo de Trabalho, conjugados com o disposto nos artigos 629º e 645.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil, tendo sido juntas, para o efeito, as respetivas alegações e conclusões e apresentadas contra-alegações.
Fixa-se à causa o valor de € 30.000,01, cfr. conjugação do disposto no artº 641º e nº. 3 do artº 306º ambos do CPC, ex vi artº 1º nºs 1 e 2 al. a) do CPT.
Suba o presente recurso admitido ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa – (cfr. nº1 do artº 82º do CPT.
Notifique.
D.N.» - fim de transcrição.
Foram colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.
*
Eís a matéria dada como provada [ que se mostra impugnada em sede ampliativa pela Ré] :
“1) A ré Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda., é uma sociedade que tem como objeto social o “desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das atividades constantes do seu objeto social.
Realização de atividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objeto social.
Qualquer outra atividade que esteja direta ou indiretamente relacionada com as atividades acima identificadas”.
2) A Ré tem como única sócia a sociedade “Glovoapp23, S.L. (com sede em:
C/Pujades 94, 08005, Barcelona, Espanha).
3) A ré explora uma plataforma tecnológica designada “Glovoapp” através da qual estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos que podem ser solicitados por qualquer interessado que à mesma aceda através da internet.
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma, para esse efeito;
5) As funções desempenhadas pelos estafetas consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes e no seu transporte até ao cliente final.
6) Para proteção dos mesmos em caso de lesão ou óbito, durante os serviços de recolha e entrega, a Ré tem um contrato de seguro com a Chubb European Group SE, Sucursal Em Espanha, apólice n.º ESBMN232412;
7) Para lhe serem distribuías tarefas/pedidos na plataforma da Ré, o estafeta tem que criar uma conta na plataforma da Ré, efetuando o respetivo registo na modalidade de utilizador/estafeta.
8) No dia 09 de dezembro de 2022, a Ré e AA subscreveram o doc. N.º 4 junto à participação denominado “Contrato para a realização de actividade profissional liberal”, que aqui se dá por reproduzido.
9) Para se poder registar e exercer as funções de estafeta AA teve que comprovar à Ré ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio, no caso, bicicleta elétrica, um telemóvel e uma mochila para transportes de bens.
10) No processo de registo na plataforma AA aceitou os Termos e Condições de utilização da referida plataforma GLOVO, para estafetas, documento disponível no site https://glovoapp.com/docs/pt/legal/terms-couriers/.
11) Para proceder às entregas solicitadas pela Ré, a 1 de julho de 2023, AA, já com a password cedida pela Ré, registou-se na plataforma da Ré, escolhendo como área de trabalho a cidade de ....
12) Declarando reunir os requisitos estabelecidos e previstos nos referidos Termos Gerais de Utilização e no contrato que assinou.
13) E remeteu cópia do seu cartão de cidadão, uma fotografia, do seu IBAN , do comprovativo de atividade exercida como trabalhador independente, com CAE ...e assinou um acordo para que a Ré submetesse as faturas à Autoridade Tributária.
14) No dia 20-09-2023, AA estava no ... sito na ..., em ..., com a mochila para o transporte de refeições, a bicicleta para transportar as encomendas e a aplicação (App) da plataforma da Ré instalada e ativa, no seu telemóvel.
15) Estando assim preparado para fazer as encomendas que a Ré lhe pedisse que fizesse.
16) Pois para que a Ré lhe atribuísse um serviço o AA fazia o log in na plataforma da Ré, ficava on line e tinha de ligar a geolocalização.
17) Quando efetua o pedido a Ré/plataforma comunica ao utilizador-estafeta um conjunto de informações essenciais à realização do serviço de estafeta e solicita que o mesmo assinale a conclusão das seguintes atividades:
• chegada à morada do parceiro (ponto de recolha);
• recolha dos artigos no parceiro;
• chegada à morada do utilizador-cliente (ponto de entrega);
• entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço.
18) Após aceitar o serviço, o estafeta dirige-se ao local indicado pela Ré, levanta a encomenda informando o nome e o numero da encomenda indicado pela ré, recebe a encomenda, que coloca na mochila e, de seguida, transporta na bicicleta para o cliente final.
19) O telemóvel, a mochila e a bicicleta são pertença do AA.
20) A escolha do estafeta pela Ré é realizada essencialmente em função do critério da distância entre aquele e o estabelecimento e o consumidor.
21) Ao aceitar um pedido de entrega, o estafeta concorda, então, em prestar o serviço de entrega em troca do pagamento da denominada “taxa de entrega” proposta na aplicação.
22) O Estafeta recebe da Ré, como contrapartida da sua atividade, um valor por cada pedido/entrega que efetua.
23) Valor esse que a Ré fixa, tendo como critérios:
- a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega);
- o tempo que a Ré considera necessário para realizar o serviço,
- outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas´, feriados, períodos de alta procura, etc…), conforme cláusula sétima do acordo escrito e junto aos autos.
24) Sendo que o período de faturação e o pagamento através de transferência bancária são quinzenais.
25) O AA emitia uma fatura após receber o valor, quinzenalmente.
26) AA recebeu da Ré:
- 492,24€ em agosto de 2023;
- 658,00€ em 13 de setembro de 2023;
- 535,04€ em 28 de setembro;
- 408,57€ a 11 de outubro 2023;
27) Quando se inscreveu na plataforma, AA informou que estava disponível 24 horas por dia.
28) Em regra, trabalhando 7 dias por semana, das 11 às 14:30 horas e das 16:30 às 22 horas.
29) Para o que diariamente pegava na mochila, ia de bicicleta para o local onde pretendia fazer a recolha, ligava a plataforma, fazia a verificação de segurança do equipamento na aplicação e aguardava o pedido.
30) A Ré exigia que o estafeta fizesse uso de uma mochila térmica para o transporte dos pedidos e que cumprisse os padrões de higiene para transporte de alimentos.
31) Mais exigindo que, chegado ao cliente final, e se este não estivesse na morada, tivesse que esperar 10 minutos e dar nota ao suporte técnico da Ré. (cfr. cláusula 5.1.5 dos TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS)
32) A qual entra em contacto com o cliente final, tomando a plataforma a decisão final quanto à ação a tomar pelo estafeta sobre aquela entrega.
33) A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade, a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo aquele indispensável ao exercício da atividade, para atribuição dos pedidos dos clientes finais e para o cálculo do valor do serviço.
34) A partir dessa via a Ré sabe onde o estafeta se encontra à espera de algum pedido.
35) Desse modo sendo igualmente possível à Ré prever o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta.
36) A Ré pode verificar a qualidade dos serviços prestados através de um “sistema de reputação” no qual os clientes avaliam as entregas, através de meios eletrónios inseridos na aplicação.
37) Para além da possibilidade de recusar o serviço, o estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes finais e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel, por determinação da Ré que explora a plataforma.
38) De acordo com os “termos e condições de utilização da plataforma Glovo para estafetas” - documento emanado da Ré - refere-se:
“Para utilizar os Serviços GLOVO, é indispensável cumprir os seguintes requisitos:
i) Tem de aceitar eletronicamente os termos e condições específicos com base no país onde utilizará a Plataforma, através do canal descrito que a GLOVO pode facultar oportunamente.
ii) Tem de aceitar os presentes Termos e Condições de Utilização.
iii) Tem de aceitar a Política de Privacidade e de Proteção de Dados fornecidas abaixo.
iv) Tem de aceitar a Política de Cookies.
v) Tem de aceitar as Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da GLOVO, bem como todas as Políticas aplicáveis à Comunidade GLOVO.
vi) Realizará a sua atividade, contratando a Plataforma diretamente ou através de uma empresa especializada em serviços de logística (XX), consoante aplicável no seu país, por um preço que é faturado quinzenalmente, semanalmente ou conforme apropriado.
vii) A aceitação dos presentes Termos e Condições e respetivos anexos significa a alteração de quaisquer Termos e Condições de Utilização da Plataforma que aceitou anteriormente, indicando que, a partir da aceitação e entrada em vigor dos atuais, anulam qualquer versão anterior e são substituídos pelos presentes Termos e Condições. (…)
(…)
Se fornecer alguma informação falsa, imprecisa ou incompleta, ou se a GLOVO considerar que existem razões fundamentadas para duvidar da veracidade, precisão ou integridade de tais informações, a GLOVO pode negar o acesso atual ou futuro à plataforma ou a qualquer um de seus conteúdos e/ou serviços.
39) No documento referido em 38) consta ainda que:
“As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões:
a. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito.
b. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições.
c. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições.
d. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da GLOVO e/ou de qualquer outra Política da GLOVO aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma.
e. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes. (…)”.
40) O Estafeta declarou cumprir as Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros (aplicáveis a todos os Utilizadores da plataforma) da GLOVO e que tem conhecimento do respetivo conteúdo e não infringirá as disposições aí contidas.
41) O Estafeta aceitou perante a Ré que o ponto de recolha e/ou de entrega indicado na Plataforma podia variar em até 200 metros devido a inconvenientes e/ou erros do sistema ou relacionado com as informações prestadas por outros Utilizadores. (cláusula 5.1.8)
42) Consta ainda dos referidos termos que
“5.2. Sem prejuízo de quaisquer medidas adicionais que possam ser adotadas, uma Conta Estafeta pode ser temporária ou permanentemente desativada se:
a. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da GLOVO.
b. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da GLOVO.
c. Participar em atos ou conduta violentos.
d. Violar os seus direitos na aplicação da GLOVO, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais).”
d. Violar os seus direitos na aplicação da GLOVO, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais).”
43) Nos termos do anexo II dos TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS – última atualização 4 de maio de 2023 –
“O utilizador da conta (doravante, o "Utilizador") não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da
Plataforma sem comunicação prévia por escrito à GLOVO.
Para o efeito, o Utilizador informará a GLOVO por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar
a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a GLOVO tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da GLOVO, O Utilizador assegura a idoneidade do
subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros”.
43) AA esteve registado na Ré, como estafeta, entre julho de 2023 e 10 de abril de 2024, data em que deixou de prestar a atividade para a Ré por pretender ir trabalhar, como foi, para outra empresa.
44) Foi com o os valores que recebeu da ré, numa média mensal entre 700€ e €900€, que AA, se sustentou, entre julho de 2023 e abril de 2024.
45) Pois que era a sua única fonte de rendimento;
46) O prestador da atividade pode escolher um multiplicador, um valor que é aplicado ao valor proposto pela entrega na aplicação, conforme tabela que também consta da aplicação.
47) Neste caso, o prestador optava tanto por um multiplicador superior ou inferior a 1, normalmente por um multiplicador superior a 1.
48) Os estafetas podiam auferir uma gratificação do utilizador da plataforma da ré, designado utilizador-cliente.
49) AA pagava à Ré o valor de 1,85€, a cada duas semanas, “pelo uso da plataforma tecnológica e pela prestação de serviços de gerenciamento de cobrança pela Glovo.”. (cfr. cláusula 7.5 do contrato escrito).
50) Tendo conhecimento do valor sugerido pela Ré, para cada pedido, o prestador da atividade aceita ou recusa o pedido.
51) É o prestador de atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e consequentemente o número de pedidos que recebe, dos que lhe são atribuídos pela Ré.
52) As características do pedido são determinadas pelo cliente, nos termos e condições estabelecidos pela Ré.
53) Para fazer o registo AA teve que demonstrar ter uma bicicleta, uma mota ou um carro.
54) A Ré não impõe a aquisição da mochila, nem que a mesma tenha a sua marca.
55) O prestador não tem que cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.
56) Os únicos momentos em que a geolocalização tem que estar activa é quando o pedido é atribuído ao estafeta e no momento de finalizar a entrega, para o estafeta poder concluir o serviço, caso o cliente final não tenha informado já ter recebido a encomenda.
57) Entre julho e novembro de 2023 AA recusou mais de 4000 propostas de entrega, apresentadas pela Ré.
58) Tal não acarretou qualquer consequência para AA.
59) O valor auferido mensalmente pelo estafeta é variável, em função do número e das características dos serviços solicitados pela Ré e aceites pelo prestador de atividade;
60) Nos termos do acordo escrito subscrito pela Ré e por AA:
“1.2.1. O Profissional liberal declara sob sua responsabilidade que (i) não tem a seu cargo trabalhadores por conta de outrem, nem irá
subcontratar parte ou a totalidade da atividade contratada pela Glovo. (…)
(iv) que pode exercer profissão em conjunto com outros profissionais em regime empresarial (…)
1.2.3. A Glovo também terá o poder de exigir que o(a) Profissional Liberal certifique o cumprimento das condições indicadas no CONSIDERANDO III acima em qualquer momento da relação contratual, desde que tenham decorrido pelo menos 6 meses desde a última acreditação contratual.
1.3.1. O(A) Profissional Liberal tem total liberdade, no sentido mais amplo, para aceitar ou rejeitar a realização de um serviço. Além disso. tem plena liberdade para entrar na App através da qual recebe a notificação de entrada de pedido de serviço.
Uma vez dentro da referida App, também tem total liberdade para aceitar ou não um determinado recado ou micro-tarefa. Posteriormente e uma vez aceite o recado ou micro-tarefa em questão. o(a) Profissional Liberal escolhe como o irá gerir, a rota a seguir, o meio de transporte a utilizar.
1.3.3. O(a) Profissional Liberal responde exclusivamente perante o utilizador pelos danos ou perdas que possam sofrer os produtos durante o transporte”
***
A título de matéria não provada consignou-se:
a) Que AA tivesse que ter sempre o GPS ligado para que a Ré controlasse o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta.
b) Caso AA não aceitasse o pedido formulado pela Ré, esta desligava-lhe, durante 5 a 10 minutos, o acesso à aplicação.
c) Ficando assim AA durante esse período impedido de receber serviços da Ré.
d) Que a Ré proíba AA de trabalhar para outras plataformas on line.
e) É o prestador da atividade que define o número de pedidos que recebe.
f) Uma vez aceite o pedido, a tarefa de recolha e entrega de pedidos pode ser feita de forma desligada da aplicação pelo prestador da atividade. (art. 170 da contestação)”.
****
À demais matéria invocada nos articulados, o Tribunal não responde por ser matéria de direito e/ou conclusiva.» - fim de transcrição.
*
Uma vez que a Ré solicitou a ampliação do recurso , em sede factual, consagra-se que a motivação logrou o seguinte teor:
«
Na formação da sua convicção, o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada:
i. toda a prova produzida em audiência final;
ii. prova documental junta aos autos;
iii. Parecer técnico junto pela Ré com o seu requerimento de 26/03/2024, elaborado pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento de Lisboa (INESC-ID), uma unidade de investigação associada ao Instituto Superior Técnico da
Universidade de ..., o qual resultou de uma auditoria à interação dos utilizadoresestafetas com a plataforma “GLOVO”, tendo por base os dados históricos disponibilizados pela Ré e testes efetuados à plataforma, em cenário real.
O parecer descreve, de forma detalhada, a metodologia seguida na realização da auditoria, as evidências recolhidas, a análise e discussão das mesmas, bem como as conclusões resultantes, as quais estão resumidas nas respostas às trinta questões colocadas.
O parecer representa a opinião dos técnicos que o subscreveram conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/10/2021, proferido no processo n.º, disponível em www.dgsi.pt, e assim sumariado:
“(…) iii) As opiniões dos técnicos valem como meios de prova ou como pareceres, conforme são expressas em diligência judicial (respostas a quesitos formulados em arbitramento) ou por via extrajudicial;
iv) Pelo que não pode colocar-se no mesmo plano da eficácia probatória o parecer de um perito recolhido numa perícia e o parecer de um técnico obtido extrajudicialmente, isto porque o parecer técnico é verdadeiramente um documento testemunhal, estando-se em presença de um depoimento testemunhal, de uma pessoa que narra o que viu e
observou;
(…)”.
Concretizando:
2.3.1. Relativamente à matéria de facto dada como provada:
Os factos 1) e 2) resultaram da certidão permanente da Ré “GLOVOAPP PORTUGAL
UNIPESSOAL, LDA”;
Os factos 3) a 60), que dizem respeito à forma como AA desenvolveu a atividade de estafeta para a Ré, foram dados como assentes face ao depoimento sereno e objetivo de AA, que mostrou conhecimento dos factos sobre que depôs – toda a
matéria da petição inicial – por ter exercido funções de estafeta para a Ré durante mais de 3 anos.
Explicou que até julho de 2023, trabalhou através de “uma conta alugada”, pois apesar de em dezembro de 2022 ter assinado o contrato que foi junto aos autos e que devolveu à Ré (juntamente com NIF, e número de conta bancária e demais elementos solicitados pela Ré),
após, teve que aguardar que a Ré aceitasse o registo e lhe enviasse a password para conseguir criar uma conta sua, na plataforma Glovoapp, o que só sucedeu em Junho/julho de 2023.
Disse que comprou uma mochila no site na Glovo, embora a tal não fosse obrigado pois bastar-lhe-ia ter uma mochila com as especificações pretendidas.
O declarante confirmou a sua assinatura nos diversos documentos juntos aos autos os quais foram também analisados: declarações prestadas na ACT, juntas à participação que deu origem
aos presentes autos e contrato intitulado “CONTRATO PARA A REALIZAÇÃO DE ACTIVIDADE PROFISSIONAL COMO PROFISSIONAL LIBERAL”, também junto com a participação.
Disse que fazia valores diferentes todos os dias porque estava dependente da atribuição de pedidos da Ré e dos pedidos que aceitava, mas confirmou que recebia mensalmente, em média, os valores que informou à ACT.
Reconheceu que podia recusar os pedidos, mas disse que achava que era “colocado de castigo” se recusasse vários pedidos.
Explicou que vivenciou esta situação e que não era apenas
uma perceção sua, mas também de outros estafetas.
No entanto, não concretizou, sendo que a lista de recusas apresentada pela Ré e com a qual AA foi confrontado, demonstra
que AA recusava muitos pedidos.
Mais referiu que a Glovo “controla o tempo todo” o estafeta pelo GPS, pois só consegue finalizar o pedido quando faz a entrega e a Glovo controla que o encerramento do pedido é
efetuado no lugar/morada que a Glovo indica como local de entrega, mas admitiu que no percurso não era preciso ter o GPS ligado.
Disse que atualmente a Glovo permite subcontratar outros estafetas, desde que se envie a documentação da outra pessoa, conforme consta dos termos e condições juntas aos autos.
Explicou que a Glovo paga de 15 em 15 dias, em igual dia para todos os estafetas.
Primeiro envia a fatura e um ou dois dias depois o valor era depositado na sua conta, por transferência da conta.
Confirmou os valores que constam dos recibos juntos aos autos e explicou que varia muito consoante os pedidos que forem atribuídos pela Ré.
Disse que quando fez o cadastro da conta teve a possibilidade de escolher moto ou bicicleta, mas escolheu bicicleta porque era o que tinha, sendo que para além da bicicleta a mochila e o telemóvel também são seus.
Explicou que foi o próprio que escolheu a zona onde pretendia realizar as entregas e que se quisesse alterar a zona onde trabalhar podia fazê-lo, mas tinha que pedir à Glovo e fazer quase como se um novo registo.
Desconhecia quem era o responsável se o produto se danificasse.
Reconheceu que recusava alguns pedidos quer antes, quer depois de já ter aceite um pedido, por exemplo quando achava que era perigoso ir a determinada rua.
Explicou de forma precisa como funcionava o multiplicador, que utilizava.
AA foi ainda bastante explicito quando referiu que a Glovo dava oportunidade aos seus clientes de escolherem – na aplicação – se pretendiam pagar em dinheiro ou através de transferência bancária, por isso quando estes pagavam em dinheiro, era obrigado – pela Glovo -
a ficar logo com esse montante que depois lhe era descontado na fatura final.
Mas se o valor pago em dinheiro ultrapassasse determinado valor definido pela Ré então teria que o depositar, com as indicações dadas pela Ré.
Explicou de forma desinteressada que chegou a ir 31 dias para o ..., em dezembro de 2023, e quando regressou bastou colocar-se on line para começar a receber novamente pedidos da Ré.
Entretanto arranjou um emprego noutra empresa e deixou de fazer as entregas para a Glovo.
Reconheceu com credibilidade que o que releva para a Glovo é que o estafeta recolha a mercadoria e a entregue no local indicado, sendo que o percurso/rota é escolhida pelo estafeta,
embora seguisse a rota que lhe era sugerida pelo GPS.
Mais referiu que quando contacta com o cliente é através da aplicação pois nem é dado o número de telefone do cliente ao estafeta.
Finalmente , diretamente, questionado sobre se enquanto trabalhou para a Glovo tinha outras fontes de rendimento disse que não, que vivia do que lhe era pago pela Glovo com as entregas que realizava, o que se mostrou credível em face da disponibilidade que demonstrava,
uma que estava disponível para realizar as entregas 24 horas por dia e face aos valores auferidos e que constam das faturas juntas aos autos.
Foi também relevante o depoimento de BB, inspetora do trabalho que conheceu AA no dia da ação inspetiva e que após o ouviu em declarações, motivo pelo qual conhecia os factos sobre que depôs com isenção e credibilidade.
Foram ainda considerados para prova destes factos as testemunhas apresentadas pela Ré:
- CC que depôs de forma objetiva e escorreita e que mostrou conhecimento dos factos por trabalhar para a ré há cerca de 8 meses, analisando as métricas e criando projetos para melhoria do serviço, ter lido os termos e condições que constam da página da internet da Glovo e ter testado a plataforma, procedendo ao registo, na mesma, como estafeta.
No que se refere a este registo explicou que na plataforma é concedida a faculdade de os estafetas escolherem o veículo com que pretendem fazer as entregas: “Aparecem 3 imagens: uma de bicicleta, outra de uma moto e outra de uma viatura”, e o estafeta seleciona o que pretende.
Tal como também seleciona a cidade onde pretende prestar serviço.
Referiu que no exercício das suas funções não tem qualquer contacto direto com os parceiros, pois não interage com os estafetas, nem com os clientes, mas mostrou conhecimento do modo como funciona o multiplicador e da necessidade de os estafetas terem sempre ligada a
aplicação, mas já não o GPS, confirmando assim o teor do parecer junto aos autos, que explicita que:
“Durante a execução e após a realização de um serviço é solicitado ao utilizador-estafeta que confirme a passagem pelas várias etapas do ciclo de vida do serviço (chegada ao parceiro, recolha dos artigos, chegada ao utilizador-cliente, entrega dos artigos - conclusão).
Adicionalmente, nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes interveniente (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo
por parte do utilizador-estafeta.”.
- DD, que trabalha para a Ré desde maio de 2022, como responsável pela publicidade na aplicação.
Mostrou um conhecimento relativo sobre os factos porquanto não lida com os estafetas, mas antes com as marcas/parceiros que fazem publicidade na App, para ganharem destaque/visibilidade na aplicação. Conhecia o valor que os estafetas pagam de 1,85€, mas desconhecia que a razão de ser desse pagamento fosse – conforme resulta aliás do
próprio contrato celebrado entre a Ré e AA – “pelo uso da plataforma tecnológica e pela prestação de serviços de gerenciamento de cobrança pela Glovo.”. (cfr. facto 7.5 do contrato).
Referiu que a Glovo ganha mais dinheiro é com a publicidade, apesar de ser a Ré que decide como é que se atinge o valor a pagar ao estafeta, que aliás varia consoante a cidade que o
estafeta escolhe do leque oferecido pela Ré.
Explicou que a plataforma tem alterado os termos e as condições dos serviços dos estafetas e designadamente no que se refere à avaliação, pois atualmente já não existe a possibilidade de o cliente avaliar o estafeta e o estafeta ter acesso a essa avaliação.
Também quanto a este aspeto o parecer supra referido foi relevante já que aí se refere que
“No decurso dos vários serviços realizados pelo utilizador-estafeta “teste”, não se verificou a existência de qualquer avaliação efetuada pela própria plataforma ou a disponibilização ao mesmo de quaisquer métricas de desempenho. (…)
No primeiro conjunto de testes, realizados pelo utilizador-estafeta “teste” no dia 14/02/2024, os utilizadores-cliente poderiam, facultativamente, atribuir uma apreciação positiva ou negativa ao
serviço do parceiro ou do utilizador-estafeta.
No caso concreto, não foi feita nenhuma apreciação ao utilizador-estafeta “teste”.
No entanto, no decurso de uma encomenda efetuada na aplicação “Glovo” no dia 23/02/2024, como utilizador-cliente, verificamos que já não é possível deixar uma apreciação do serviço efetuado pelo utilizador-estafeta.”.
Foram também essenciais para prova dos factos o documento designado “Termos gerais de utilização da plataforma” – quer o documento que foi junto com a participação, quer o que foi
posteriormente junto pela Ré (TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS – última atualização 04 de maio de 2023) em requerimento autónomo de 12-05-2024, quer o “Certificado de seguro”, de onde resulta que “A partir de 15 de maio de 2023, todos os profissionais substitutos que tenham sido escolhidos por um Profissional Autônomo para prestar serviços de entrega ao Segurado em nome do Profissional Autônomo que tenha assinado um contrato comercial com o Segurado e que atenda a todos os requisitos do contrato do Profissional Autônomo com o Segurado também serão segurados.”.
2.3.2. Quanto aos factos que foram dados como não provados
Os factos dados como não provados resultaram de nenhuma prova suficientemente consistente ter sido feita sobre os mesmos, ou ter sido feita prova contrária, conforme resulta da motivação que antecede.
Com efeito, ninguém referiu que o sistema de geolocalização tivesse
que estar ativo durante todo o serviço, mas apenas no momento da receção dos pedidos, de modo a permitir à Ré escolher o estafeta que se encontra mais perto do ponto de recolha da encomenda e no final para terminar o pedido – Cfr. o parecer junto aos autos conjugado com o
depoimento de AA.
AA disse que tinha a perceção que era castigado por não recusar alguns pedidos, mas não logrou concretizar esta sua perceção, sendo que reconheceu ter recusado
inúmeros serviços que lhe foram atribuídos e ainda assim continuou a receber.
Quanto à invocada exclusividade, ninguém o disse, constando expressamente do acordo escrito o contrário – Cláusula 1.5 (Não exclusividade); Aliás o próprio AA admitiu que se
quisesse poderia trabalhar para outrem, em simultâneo com o trabalho que realizava para a Ré.
Também ninguém referiu que era AA que definia o número de pedidos que recebe, pois quem atribui os serviços é a Ré através da plataforma que explora.
Quanto à matéria constante da alínea f), a mesma não resultou demonstrada, pois para terminar o pedido – conforme referiu AA o estafeta tem que estar ligado à aplicação, o que aliás também resulta do parecer supra referido: “ao aceitar um serviço, o utilizador-estafeta recebe da plataforma todas, e apenas, as informações essenciais à realização do mesmo.
No entanto, no decurso do serviço não são transmitidas ao utilizador-estafeta quaisquer indicações diretas, na aceção de ordens, de como
este o deverá realizar (horários, percursos a seguir, como se apresentar ao cliente, etc).
A aplicação permite ao utilizador-estafeta comunicar à plataforma a conclusão de cada uma das etapas do ciclo de vida de um serviço, mas essa comunicação é facultativa, isto é, pode executar a recolha e entrega dos artigos sem efetuar qualquer comunicação.
Para receber o preço pelo serviço, e estar disponível para aceitar novos serviços, o utilizador estafeta deve comunicar a conclusão do serviço que aceitou realizar em primeiro lugar (diretamente na aplicação
ou contactando a linha de apoio, quando tal seja necessário).
Caso não o faça, o utilizador-cliente também pode comunicar à plataforma (através da aplicação “Glovo”) ter rececionado os artigos correspondentes ao pedido.”» - fim de transcrição.
****
O objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º do CPC ex vi do nº 1º do artigo 87º do CPT ) .
Mostra-se interposto um recurso pelo MºPº.
Anote-se que a Ré veio ampliar o seu âmbito em sede factual, sendo certo que , a nosso ver, se mostra minimamente observado o disposto no artigo 640º do CPC.
Esta última entende que foram dados como assentes factos que não têm suporte na prova produzida.
Assim, sustenta que os factos nºs 22 , 23 e 26 devem passar a ter a seguinte redacção:10
22) O Estafeta recebe da Ré, como contrapartida da sua atividade, o valor pago pelos clientes utilizadores por cada pedido/entrega que efetua.
23) Valor esse que a Ré fixa, tendo como critérios:
- a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega);
- o tempo que a Ré considera necessário para realizar o serviço,
- outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc…), conforme cláusula sétima do acordo escrito e junto aos autos.
26) AA recebeu:
- 492,24€ em agosto de 2023;
- 658,00€ em 13 de setembro de 2023;
- 535,04€ em 28 de setembro;
- 408,57€ a 11 de outubro 2023;
****
A questão fulcral do recurso interposto pelo MºPº consiste em apurar se , ao invés do dirimido na sentença recorrida , deve considerar-se que entre a Ré e o Trabalhador em causa existia um contrato de trabalho.
Refira-se, desde logo, que atenta a matéria assente em 811 – do qual decorre que a relação existente entre ambos se iniciou em 9 de Dezembro de 2022 - não logra aplicação ao caso concreto o disposto no artigo 12 A do CT/2009 aditado a tal diploma pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, que só passou a vigorar em 1 de Maio de 2023.12 13
Segundo o Professor António Menezes Cordeiro 14[12] aos diversos contratos “aplica-se quanto aos indícios a lei vigente na data da sua celebração” – fim de transcrição.
No citado sentido, apontam , aliás, dois recentes arestos desta Relação de 15 de Janeiro de 2025 , proferidos nos processos:
- nº 29383/23.2T8LSB.L1-4, Relatora Manuela Fialho acessível em www.dgsi.pt:
« 1 – A presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável apenas às relações estabelecidas após a entrada em vigor da lei que a introduziu no ordenamento jurídico nacional.
2 - Em presença de uma prestação de atividade de estafeta através de plataforma digital, visando-se o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, e não sendo aplicável do disposto no Artº 12ºA do CT, deve aquilatar-se do preenchimento do disposto no Artº 12º do CT.
3 – Não provados os factos índice aí consagrados, a qualificação da relação como laboral pressupõe o recurso ao método indiciário aplicável ao preenchimento do conceito de subordinação jurídica.
4 – Reconhecendo-se, embora, algum nível de integração do prestador de atividade na organização do beneficiário, sem que os autos revelem o exercício de poderes de autoridade por este, não se pode concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambos» - fim de transcrição.
- nº 31164/23.4T8LSB.L1-4,Relator Susana Silveira acessível em www.dgsi.pt:
«i. Distinto do pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho e âmbito temporal a partir do qual se peticiona a produção dos respectivos efeitos, é o regime jurídico que deve ser eleito para o seu enquadramento, sendo este definido em função do momento em que se constituiu a relação jurídica.
II. Constituindo-se a relação jurídica entre a plataforma digital e o prestador de actividade em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, não é convocável, no seu enquadramento, a nova presunção estabelecida no art. 12.º-A, daquele compêndio substantivo.» - fim de transcrição.
Anote-se ainda que , embora em relação a situação distinta , constitui jurisprudência uniforme do STJ que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade , e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu aquela relação jurídica.
Neste sentido aponta acórdão do STJ, de 4 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 1272/16.4T8SNT, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, acessível em www.dgsi.pt, que logrou o seguinte sumário:
“I. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.
II. A presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova, o que poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.
III. Estando em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.
IV. Resultando da factualidade provada que o interesse de uma empresa era o resultado da atividade desempenhada por um colaborador, a quem era deixada margem de liberdade para organizar o serviço, e não existindo indícios de sujeição a ordens ou instruções, é de concluir que o autor não logrou provar, como lhe competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho. “– fim de transcrição.
No mesmo sentido aponta aresto do STJ, de 15-01-2019, proferido no âmbito do processo nº 457/14.2TTLSB.L2.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas, acessível, em www.dgsi.pt, veio decidir no mesmo sentido.15
A relação em análise estabeleceu-se sem mudança ulterior [provada – e assinalável, salvo no toca à sua cessação que aqui não está em causa ] em 9 de Dezembro de 2022 cumprindo ainda ter em conta o nº 1 do artigo 37º do diploma que introduziu o artigo12 A do CT.
Como tal, essa norma não se aplica no caso concreto, o que, a nosso ver , prejudica – por desnecessária , visto que o preceito aqui não vai ser aplicado , a dilucidação da problemática atinente à inconstitucionalidade invocada pela recorrida e abordada na decisão recorrida [ vide conclusão:
RRRRRRRR. Sem conceder, caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho à situação nos
presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa.» - fim de transcrição].
****
Dito isto, cumpre , pelos supra apontados motivos16, analisar se a presunção estabelecida pelo artigo 12 º do CT/2009 ,na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, logra aplicação
[
Artigo 12.º
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º] e no caso afirmativo , visto que tal norma consagra uma presunção juris tantum17 ,se a Ré logrou a respectiva ilisão.
Sobre o assunto a sentença recorrida discorreu o seguinte:
«
Olhando aos factos dados como provados e não provados temos que concluir que, embora AA não tivesse clientes, pois quem os tinha era a Ré, que aliás é quem fixa o preços dos serviços, ele trabalhava com verdadeira autonomia pois ligava-se e desligava-se da plataforma da Ré quando queria, para assim aceitar os pedidos da Ré e quando estava ligado,
aceitava ou recusava os serviços quando entendia e desejava, sem que tivesse de dar qualquer
justificação ou fosse penalizado, por isso.
No caso concreto, foi o próprio AA que disse
recusar alguns serviços por não querer ir a determinadas ruas da cidade de ... fazer
entregas, ter-se desligado da aplicação quando quis por ir de férias para o ... e ter deixado de
prestar serviços para a Ré quando pretendeu, por querer ir trabalhar para outra empresa.
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora já citado, numa situação idêntica à destes autos “Esta factualidade é impressiva para afastar a existência de qualquer subordinação jurídica do estafeta em relação à Ré”.
Acresce que no caso concreto, ficou demonstrado que AA não trabalha sob a marca Glovo e todo o controlo existente – que existe efetivamente - é sobre a atividade na medida do necessário para atingir o objetivo, qual seja a entrega da encomenda, e não sobre o próprio trabalhador.
Aliás, é completamente indiferente para a ré que seja um ou outro estafeta a realizar a entrega, o que a ré pretende é que essa entrega seja o mais eficiente possível, motivo pelo qual organiza o seu próprio serviço.
Acresce que foi AA quem escolheu a zona geográfica onde pretendeu prestar a atividade, no caso, Alvalade, ... e através do meio de transporte que já tinha: uma bicicleta.
Aliás, todos os instrumentos à exceção da plataforma, pertencem-lhe.
No que à avaliação diz respeito, demonstrou-se que os clientes podem fazer a avaliação
e não restam dúvidas de que a própria ré tem acesso a essa avaliação e que de acordo com os
algoritmos que utiliza pode fazer uso dessa avaliação, mas na verdade não se fez qualquer prova
que a Ré avaliasse os estafetas e que essa avaliação ou avaliação realizada pelos clientes finais
influenciasse a relação existente entre o estafeta e a Ré.
Em suma, atendendo ao facto de o estafeta não estar sujeito a um dever de assiduidade
e pontualidade (não tem que estar sempre disponível, liga-se e desliga-se da plataforma para
ficar apto a que lhe sejam atribuídos pedidos pela Ré, quando quer), não estar sujeito a um dever
de exclusividade, ou sequer a um dever de não concorrência, o facto de aceitar e recusar os
pedidos quando quer, sem que por isso sofra qualquer consequência, permitem concluir que
AA trabalhou para a Ré com autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e
disciplinar, pelo que se mostra ilidida a presunção.
Importa apenas referir que no caso concreto, mostrou-se existir dependência económica do estafeta à Ré enquanto prestou a sua atividade para esta, pois que não obstante poder trabalhar para outras empresas, não o fazia vivendo assim durante o tempo que prestou
atividade para a Ré, economicamente dependente desta.
Esta circunstância conduz-nos sem
dúvida a considerar que não obstante formalmente AA ser um trabalhador autónomo requer uma proteção igual aos trabalhadores subordinados.
Tal porém não conduz a que o consideremos, por isso, um trabalhador dependente, até porque o Código do Trabalho
acautela precisamente estas situações no seu art. 10.º. Este artigo dispõe que as normas legais
de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis
a situação em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação
jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do
beneficiário
Em conclusão, a Ré logrou ilidir a presunção demonstrando que AA
prestou a sua atividade com autonomia pelo que improcede a pretensão de ver reconhecida a
existência de um vínculo laboral do referido AA com a ré desde 1 de julho de 2023.» - fim de transcrição.
*
Analisada a matéria provada , com respeito por opinião distinta, não vislumbrámos que dela decorra a aplicabilidade da presunção decorrente do referido preceito segundo o qual [ na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2023, de 03/04]:
Artigo 12.º
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência são aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:
a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º.
Da referida norma decorre que devem verificar-se , pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e), do seu n.º 1 para operar o funcionamento da presunção.
Tal como já se referiu o preceito contem uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil).
Assim, caso a mesma logre aplicação cabe à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
A nosso ver, da matéria assente apenas decorre a concorrência de uma das alíneas da norma.
Trata-se da alínea d) do seu nº 1 , atenta a matéria provada em 21, 22, 23, 24 e 25 da qual se extrai que o AA era pago com determinada periodicidade[ quinzenalmente ] uma quantia pela prestação da sua actividade.
No tocante às demais não se detecta a sua verificação.
A actividade do AA não era realizada em local pertencente à Ré ou por ela determinado, a menos que se queira considerar como tal a cidade de ... na área que ele próprio escolheu[ vide facto 11] .
Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados não pertenciam ao beneficiário da actividade[ vide factos nºs 9, 19, 53 e 54], sendo que a plataforma da Ré funcionava como um meio de comunicação [ 16 e 17].
O AA não observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela Ré [ vide factos nº s 27 , 28 , 51 e 55].
O AA não desempenhava funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Como tal , a nosso ver, salvo melhor opinião , tal presunção não logra aqui aplicação , sendo que mesmo que lograsse a restante factualidade apurada da qual se infere a total autonomia do trabalhador em relação à Ré sempre lograria a respectiva ilisão.
Afinal que trabalhador subordinado é que pode recusar –se a realizar trabalho[ vide facto nº 57 e 58] sem ser penalizado por isso ?
Ou que trabalhador é que é livre de entrar ou não numa App da sua entidade patronal [ facto nº 60] ?
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Mas será que através do denominado método indiciário se pode inferir a existência do invocado contrato de trabalho ?
Também entendemos negativamente .
Sobre o assunto cabe relembrar que o Código Civil (CC) nos seus artigos 1152º e 1553º estatui:
ARTIGO 1152º
(Noção)
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
ARTIGO 1153º
(Regime)
O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
Por sua vez, nos seus artigos 1154º a 1156º o CC comanda:
ARTIGO 1154º
(Noção)
Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
ARTIGO 1155º
(Modalidades do contrato)
O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço.
ARTIGO 1156º
(Regime)
As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.
«
A noção legal de contrato de trabalho existente do art.º 1.º da LCT, igual a existente no CC dá-nos a noção de contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
«O que distingue um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços é natureza do objeto e a existência ou não de subordinação jurídica.
O objeto do contrato de trabalho consiste na prestação da atividade intelectual ou manual por parte do trabalhador, enquanto no contrato de prestação de serviços o que releva é o resultado da atividade de uma pessoa.
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho traduz-se numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direção, o dever de prestar em que está incurso.
No contrato de trabalho emerge uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Saliente-se que detectar a presença de subordinação jurídica numa determinada relação não é tarefa fácil, pois esta não existe em estado puro.
Os indícios que podem conduzir à qualificação de um contrato de trabalho são, nomeadamente, os seguintes:
- A vinculação do trabalhador a um horário de trabalho;
- A execução da prestação em local determinado pelo empregador;
- A existência de controlo externo do modo da prestação;
- A obediência a ordens;
- A sujeição do trabalhador à disciplina da empresa;
- O pagamento da retribuição em função do tempo;
- O pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal;
- Pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho e serem por ele disponibilizados os meios complementares da prestação;
- Inscrição do trabalhador na segurança social como trabalhador por conta de outrem;
- Estar o trabalhador inscrito numa organização sindical;
- Não recair sobre o trabalhador o risco da inutilização ou perda do produto;
- Inexistência de colaboradores;
- A prestação da atividade a um único beneficiário.
Identificados estes indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas de um juízo de aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade.
Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário da atividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador » – fim de transcrição do supra citado aresto do STJ ,de 4 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 1272/16.4T8SNT, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, acessível em www.dgsi.pt .
Em sentido semelhante aponta aresto do STJ, de 26-10-2017, proferido no processo nº 1175/14.7TTLSB.L1.S1, Nº Convencional, 4ª Secção , Relator Conselheiro Ferreira Pinto, acessível em www.dgsi.pt.
Sobre o assunto pode ainda consultar-se o aresto do STJ, de 15 de Janeiro de 2014, proferido no âmbito do processo nº 32/08.0TTCSC.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado (acessível em www.dgsi.pt).
Aqui se acolhem as considerações e ensinamentos constantes desses arestos, sendo certo que seria estulto da nossa parte estar a repetir o ali consignado por outras palavras.
Apenas repisaremos ser consensual que a “pedra de toque” da verificação da existência de um contrato de trabalho é a subordinação jurídica.
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Analisada a matéria assente não se detecta que se tenha provado que o AA :
- estivesse vinculado a um horário de trabalho, tal como anteriormente se referiu;
- executasse a sua prestação em local determinado pelo empregador, visto que foi ele que escolheu a área de ... em que ia operar [ facto nº 11];
- houvesse um controlo externo do modo da prestação, sendo que a matéria assente em 36 , em rigor, não o consubstancia ;
- obedecesse a ordens, tanto mais que podia ou não ligar-se à App da Ré e recusar propostas de entregas [ facto nº 57];
- estivesse sujeito à disciplina da empresa, sendo que não se provou que a Ré alguma vez o sancionou disciplinarmente , nomeadamente por recusar mais de 4000 propostas de entrega [ factos nºs 57 e 58], devendo ainda anotar-se que a matéria decorrente do facto nº 38 apenas consubstancia condições para aceder à plataforma da Ré por cuja utilização , aliás, o AA pagava [ facto nº 49];
- fosse pago em função do tempo;
- recebesse retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal;
- os seus instrumentos de trabalho fossem da Ré ou por ela disponibilizados os meios complementares da prestação, sendo que para iniciar a sua actividade para a Ré o AA teve de provar que tinha meio de transporte [ 53] e que a Ré não impunha a marca da mochila [ 54], mas apenas que ele tivesse uma [ 9 ];
- estivesse inscrito numa organização sindical;
- tivesse de prestar a sua actividade exclusivamente para a Ré;
- tivesse ou deixasse de ter colaboradores;
Os únicos indícios da supra mencionada subordinação – mas que se nos afiguram insuficientes para o efeito - são:
- o que recebia da Ré ser a sua única fonte de rendimento [ factos 44 e 45];
- a sua inscrição na Autoridade Tributária com actividade iniciada [facto nº 9] ;
- a existência de um seguro [ facto nº 6] cujos exactos contornos não se provaram .
Tais indícios , com respeito por opinião diversa, afiguram-se-nos parcos para caracterizar a relação em, causa como laboral, sobretudo quando coonestados com a matéria assente em 49, 57 e 58.
Anote-se ainda que no tocante à responsabilização sobre o risco da inutilização ou perda do produto só se provou o constante do ponto 1.3.3 do acordo referido em 60.
Como tal, não é possível ter como provada a subordinação jurídica necessária ao reconhecimento da invocada relação laboral .
Improcede , assim, o recurso.
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Refira-se, agora, que resulta do artigo 636º do CPC18 , ex vi do artigo 87º do CPT , que a ampliação do objecto do recurso visa permitir ao recorrido acautelar a possibilidade de o recurso interposto pela contraparte vir a ser julgado procedente, permitindo-lhe que na sua alegação questione aspectos da decisão [sentença] recorrida que lhe foram decididos desfavoravelmente , solicitando a sua apreciação em caso de procedência do recurso inicial da contraparte.
Daí decorre que só há lugar ao conhecimento da ampliação se for modificada a decisão recorrida
[ vide neste sentido António Santos Abrantes Geraldes , Recursos no Novo Código de Processo Civil , 3ª edição, pág. 105 , Almedina, bem como José Lebre de Freitas , Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre , Código de Processo Civil , Anotado, Volume 3º, Artigos 627º a 877º, 3ª edição , Almedina , pág. 73)] .
No mesmo sentido aponta acórdão do STJ , de 20-1-2022, proferido no processo nº 8050/19.7T8LSB-A.L1.S1, Nº Convencional, 7.ª Secção, Relator Conselheiro Manuel Capelo , acessível em www.dgsi.pt , que refere que a ampliação do recurso prevista no artigo 636.º do CPC remete para a possibilidade do recorrido (parte vencedora ou parcialmente vencedora) prevenir a discussão de fundamentos que tenha invocado e que o tribunal não tenha julgado favoravelmente para a procedência da ação, caso o tribunal de recurso venha a reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida.
Uma vez que o recurso não procedeu , a nosso ver , não cumpre apreciar a solicitada ampliação.
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Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa , 26-02-2025
Leopoldo Soares
Alexandra Lage
Alda Martins
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1. Em 15 de Dezembro de 2023 – fls.42.
2. Vide fls. 4 v a 12.
3. Vide fls. 24 a 93.
4. Fls. 105 v a 111.
5. Fls. 115.
6. Fls. 140 a 152 v.
7. Vide fls. 153 a 167 v,
8. Vide fls. 169 a 234.
9. Fls. . 237. – I Volume.
10. Vide fls. 184 a 187 e conclusões II a HHH.
11. 8) No dia 09 de dezembro de 2022, a Ré e AA subscreveram o doc. N.º 4 junto à participação denominado “Contrato para a realização de actividade profissional liberal”, que aqui se dá por reproduzido.
12. Segundo o qual:
Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.
7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos.
9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.
10 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere, a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
11 - Em caso de reincidência, são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:
a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.
13. Segundo artigo o 37.º desse diploma:
Entrada em vigor
1 - O presente diploma entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
2 - O artigo anterior entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
3 - Os artigos 500.º, 500.º-A, 501.º, 501.º-A, 502.º, 510.º, 511.º, 512.º e 513.º do Código do Trabalho entram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
14. Vide Direito do Trabalho, II, Direito Individual, Almedina, 2019, página 164 e também 167 (em 1).
15. Esse aresto logrou o seguinte sumário:
“ I - Estando em causa uma relação jurídica estabelecida em 1 de abril de 2003 e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009. “– fim de transcrição.
16. A Lei n.º 13/2023, de 03/04 , veio dar-lhe a seguinte redacção:
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência são aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:
a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º
17. as palavras de Manuel de Andrade a prova por presunção é a prova por indução ou inferência (prova conjectural) a partir dum facto provado por outra forma – e não destinado a representar a representar nem mesmo a indicar ( como o sinal ou contramarca) o facto que constitui o thema probandum.
Chama-se presunção à própria inferência ; ou ainda (menos propriamente ) o facto que lhe serve de base – facto que mais rigorosamente , se designará por base da presunção” – fim de transcrição de Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora,1979, págs 215/216.
E também ensinava este Professor que as presunções podem ser :
- legais ou de direito, sendo estas as estabelecidas pela própria lei , vinculando a liberdade de apreciação do juiz (art. 350);
- presunções naturais – de facto, judiciais , simples ou de experiência. São as que resultam da experiência (das máximas de experiência) , do curso ou andamento natural das coisas , da normalidade dos factos ( regra da vida…) , sendo livremente apreciadas pelo juiz (artigo 351). A força destas presunções pode ser arredada por simples contraprova..
O referido Professor ensinava ainda que havia que distinguir entre as presunções juris et de jure e as presunções juris tantum.
As 1ªs são absolutas, irrefutáveis.
As 2ªs são relativas , refutáveis ; admitem prova em contrário (…)
Referia também que nas presunções juris et de iure o facto presumido acompanha normalmente – ou assim o supõe o legislador – o facto conhecido , que, portanto, constitui indício daquele. Nas ficções legais a lei atribui a um facto as consequências jurídicas próprias de outro., apesar de , segundo a experiência , os dois factos nada terem em comum.
No tocante às presunções juris tantum e à dispensa (liberação) do ónus da probatório referia que a 1ª só facilita a prova , pois basta ao onerado provar , em vez do facto que constitui o thema probandum , aquele outro de demonstração mais cómoda que serve de base à inferência; a 2ª liberta da prova , invertendo o respectivo ónus.
Na presunção está diante do juiz um facto diverso daquele que importa provar , mas que a lei reputa concomitante deste último. Na dispensa a lei admite desde logo como certo dado facto se não for provado o contrário..
Anote-se ainda que segundo os artigos 349º a 351º Código Civil:
Presunções
ARTIGO 349º
(Noção)
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
ARTIGO 350º
(Presunções legais)
1.Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2.As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
ARTIGO 351º
(Presunções judiciais)
As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
18. Segundo essa norma
Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido
1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.