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PLATAFORMA DIGITAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
INDÍCIOS
Sumário
1-A subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição. 2- Visando acompanhar a evolução tecnológica e social e as formas, cada vez mais complexas, de prestar trabalho, que daquelas resultam, o artigo 12.º-A do Código do Trabalho veio estatuir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital que pode ser ilidida nos termos gerais de acordo com o n.º 4 da mesma norma. 3- Tendo resultado provado que o prestador da actividade paga uma taxa pela utilização da plataforma da Ré, decide livremente o local onde presta a sua actividade, é livre para escolher o seu horário, pode bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseja contactar, é livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender mesmo que, inicialmente, as tenha aceitado sem que haja qualquer penalização pela rejeição dos serviços, é livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma, para determinar durante quanto tempo permanece ligado, pode passar dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si e que é responsável pela perda ou danificação dos produtos que transporta, sempre seria de concluir que a Ré ilidiu a presunção de existência de contrato de trabalho.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 15º-A da Lei n.º107/2009, de 14 de Setembro e nos artigos 186º-K e segs. do Código de Processo do Trabalho, instaurou acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., NIPC ..., com sede na Rua..., pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré e ... com início reportado a 19 de Julho de 2023.
Invocou para tanto, em síntese, que a Ré, na execução do seu objecto social explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitada pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet –, actua como intermediária na entrega dos produtos encomendados, utilizando nessa entrega o serviço de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito; AA, presta a referida actividade de estafeta para a plataforma GLOVO desde 19 de Julho de 2023, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, na área de Lisboa, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma GLOVO, na qual se encontra registado com uma conta de email e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone; para iniciar a prestação do serviço na plataforma GLOVO, AA teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter actualizada e activa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas nos “Termos e Condições de Utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, tendo, designadamente, que ter actividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; pelos pagamentos da actividade prestada através da plataforma GLOVO, AA emite recibos através do Portal das Finanças em nome da Ré; para que lhe sejam distribuídas tarefas/pedidos na plataforma GLOVO, AA tem que aceder ao seu “perfil da conta”, o qual deve estar actualizado com a sua foto de perfil, podendo a GLOVO pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que acontece com alguma regularidade; só quando o estafeta efectua o login na plataforma é que lhe é distribuído trabalho; as funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final; o estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma GLOVO através da referida aplicação que aquele deve consultar no telemóvel/smartphone; após entregar as encomendas, AA tem que receber do cliente o pagamento do serviço em dinheiro, caso assim tenha sido definido no pedido, ficando com a obrigação de proceder ao depósito da quantia cobrada na conta determinada pela plataforma, a favor da Ré; AA, de um modo geral, presta actividade todos os dias da semana, iniciando o serviço com login na aplicação da GLOVO, distribuindo refeições de almoço, de jantar e outras, sendo que a decisão de fazer login ou logout na aplicação compete ao estafeta/prestador de actividade; como contrapartida da sua actividade, recebe um valor por cada pedido/entrega efectuada, não recebendo qualquer valor pelo tempo de espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido; quando aceita uma proposta de entrega da GLOVO, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação; AA encontra-se inserido na organização produtiva da Ré; a plataforma determina os procedimentos que o estafeta tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a aplicação GLOVO dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar (por exemplo, quando chega ao Ponto de Recolha, carrega no botão “Cheguei”); a actuação de AA é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exacta do estafeta é conhecida pela plataforma GLOVO através do sistema de geolocalização; o estafeta deve ter a localização activa no telemóvel enquanto utiliza a aplicação GLOVO, selecionando a opção “Permitir sempre a localização”, informação que permanece visível para a Ré e para os clientes; se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha; o estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega; os utilizadores clientes finais são convidados a dar feedback relativamente à forma como o estafeta realizou o seu trabalho, sendo este classificado na plataforma de acordo com a avaliação dos diversos clientes a quem efetuou entregas; nos termos das “condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, estão previstas várias situações que podem determinar a desactivação temporária ou permanente da conta do prestador da actividade, designadamente as enumeradas no ponto 5.2.; a Ré mantém um contrato de seguro, em que a cobertura engloba “acidentes sofridos pelo segurado ao realizar um serviço e estando conectado à plataforma GLOVOApp”, ou seja, englobando na apólice ESBMN232412, por força da sua actividade AA; face à entrada em vigor da nova versão do Código do Trabalho, a Ré procedeu à alteração dos “Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, introduzindo várias mudanças ao seu modelo de relacionamento com os trabalhadores estafetas, por forma a tentar evitar o preenchimento das diversas características previstas no referido preceito legal que implicam que se considere verificada a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital; e a prestação de actividade por parte do estafeta AA, indicia as características de um contrato de trabalho, previstas nas alíneas a), b), c), d), e), f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
Conclui que a relação entre o estafeta AA e a plataforma digital GLOVO deve ser considerada como um contrato de trabalho por tempo indeterminado nos termos previstos no artigo 1152.º do Código Civil e nos artigos 11.º e 12.º-A do Código do Trabalho.
Citada, a Ré contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a manifesta insuficiência de causa de pedir por falta de concretização de factos no auto e na petição inicial, a ineptidão da petição inicial por manifesta ausência de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir.
Por impugnação sustentou a Ré, em resumo, que explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica, não uma plataforma de organização de trabalho e a sua principal actividade inclui a intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo), utilizadores estafetas e utilizadores clientes, que junta através da sua aplicação, sendo que todos eles pagam taxas que visam remunerar a plataforma pelo acesso aos serviços tecnológicos que a mesma proporciona aos diferentes perfis de utilizadores e que não só os elementos indiciários previstos no artigo 12.º e 12.º-A do CT não estão preenchidos, como as características da relação e os elementos probatórios constantes dos autos são claros no sentido da qualificação da relação como não laboral, a saber: a) O prestador de actividade é livre de escolher o percurso e as rotas; b) O prestador de actividade é livre de utilizar viatura e instrumentos próprios, que pode escolher (e.g. bicicleta, carro, mota); c) A Ré não impõe a utilização de qualquer uniforme ou equipamento específico ao prestador de actividade; d) O prestador de actividade é completamente livre de escolher a zona onde os serviços são prestados e de onde se liga sempre que os quer prestar; e) O prestador de actividade é livre para escolher os dias e as faixas horárias em que pretende prestar os serviços, bem como os dias de descanso; f) O prestador de actividade é livre de aceitar ou recusar cada serviço que lhe é proposto, bem como o modo como os mesmos são aceites ou recusados; g) Mesmo depois de iniciada a prestação de serviços, o prestador de actividade pode optar por desistir da mesma livremente; h) O prestador de actividade não recebe quaisquer instruções sobre como gerir os serviços; i) O valor da facturação é variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de actividade; j) O prestador de actividade é livre de aumentar os seus rendimentos sem nenhuma determinação da Ré; k) O prestador de actividade não está sujeito a um regime de exclusividade, nem a uma obrigação de não concorrência, podendo ainda subcontratar; e os prestadores de serviço, como o prestador identificado nos autos, conformaram a sua relação jurídica com a Ré como sendo uma prestação de serviços, titulada por um contrato (de prestação de serviços): os Termos e Condições.
Mais invocou a inconstitucionalidade do presente processo inserido numa ação de reclassificação em massa, por violação de direitos, liberdades e garantias da Ré, em especial os direitos de defesa e a uma tutela jurisdicional efectiva e ainda requereu a suspensão da instância por, em seu entender, os autos não poderem prosseguir até ao trânsito em julgado do processo n.º4198/23.1BELSB, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a correcção do valor da causa e a apensação de processos.
Finalizou pedindo que as excepções dilatórias invocadas sejam julgadas procedentes e, em consequência, seja a Ré absolvida da instância.
Caso assim não se entenda, seja a instância suspensa até ao trânsito em julgado do processo n.º 4198/23.1BELSB, que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e, cessada a suspensão, seja a presente acção declarada improcedente por não provada, com a consequente absolvição da Ré.
Caso assim não se entenda, deve a Ré ser absolvida da instância.
AA não ofereceu articulado próprio.
Notificado para tanto, o Ministério Público respondeu às excepções arguidas pugnando pela sua improcedência e concluindo pelo indeferimento dos pedidos de suspensão da instância e de reenvio prejudicial.
Foi proferido despacho que julgou improcedentes as arguidas excepções da ineptidão da petição inicial e da prejudicialidade e indeferiu os pedidos de suspensão da instância, de reenvio prejudicial e apensação de acções ao presente processo.
Realizou-se a audiência de julgamento na qual as partes declararam prescindir da prova testemunhal, bem como acordaram sobre a matéria de facto provada.
Após foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformado, o Ministério Público recorreu e sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões: “1. O Ministério Público não se conformando com a decisão proferida por entender, conforme ab initio entendeu, que a relação existente entre o indicado estafeta AA e o Glovoapp Portugal – Unipessoal, Lda. configura uma relação laboral, o que é patente da prova colhida e produzida nos autos, mas que não encontra respaldo, na respectiva fundamentação proferida pelo tribunal a quo. 2. O legislador estabeleceu, no artigo 12º-A do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade que tem por objectivo dispensar o encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho. 3. Ou seja, de acordo com o normativo transcrito, o preenchimento da presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital está dependente da verificação de pelo menos dois dos seguintes requisitos dos seguintes requisitos que passamos a analisar. 4. a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela: sendo certo que os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de o terem realizado, sem qualquer negociação quanto ao preço do serviço e de acordo com os critérios definidos pela Ré. Isto significa que é a Ré que fixa a remuneração devida ao estafeta pelo serviço por ele prestado, sendo que a circunstância do estafeta poder alterar/aumentar, através do “multiplicador”, o valor mínimo do serviço não altera a referida conclusão. 5. b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; no nosso ponto de vista tal requisito também se encontra verificado, dado que a Ré determina a conduta do prestador de actividade perante o utilizador do serviço e determina ainda regras especificas quanto à prestação da actividade em si mesmo. 6. Desde a fase inicial, que o estafeta para poder prestar a sua actividade tem obrigatoriamente de proceder ao seu registo no site da Ré, entregando a documentação que lhe é solicitada, declarar o meio de transporte que vai usar, diligenciar pelo seguro do mesmo e aderir aos “termos e condições de utilização da Plataforma Glovo para estafetas ”. 7. Acresce ainda que a Ré determina a conduta do prestador de actividade perante o utilizador do serviço e determina ainda as regras especificas quanto à prestação da actividade em si mesmo, por exemplo, quanto às regras a observar quando o cliente pretende pagar o serviço em numerário ou quanto aos tramites que o estafeta terá que seguir quando o cliente não se encontra no local de entrega. 8. Ou seja, o procedimento de recolha e entrega de mercadorias gerido pela Ré encontra-se perfeitamente padronizado e decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré. 9. c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica, também resulta provado visto que para lhe ser atribuído um pedido, por banda da Ré, o estafeta tem que estar ligado na plataforma da Ré e para terminar tal entrega tem que concluir o procedimento nessa mesma plataforma, pelo que é manifesto que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e o a sua execução. 10. Assim, a necessidade de manter o GPS activo não se circunscreve ao momento da proposta de entrega, prolonga-se durante o período de execução da tarefa, cedendo a Ré este registo de geolocalização ao cliente, para que este possa consultar em tempo real, qual o tempo que a encomenda irá demorar a chegar ao seu destino final. 11. Por outro lado, como supra indicamos face ao teor do ponto 9.5 dos termos e condições de utilização da plataforma Glovo para estafetas cremos também que resulta que é manifesto que a Ré admite que avalia um serviço, pelo que também avalia quem realiza/presta o serviço, ou seja, o estafeta é avaliado e a Ré de forma calara avisa-o que será considerada essa avaliação. 12. e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta, o que é manifesto face ao supra citado ponto 5.2 supra elencado, que consta nos termos e condições de utilização da plataforma Glovo para estafetas. 13. f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação, ora resulta dos factos provados que a Glovo opera e gere uma plataforma eletrónica que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva que é sua, sendo ela quem recebe as solicitações de entrega por parte dos seus clientes e o distribui o trabalho de entrega conforme os seus critérios de gestão pelos estafetas. 14. Assim, podemos concluir com segurança que a infraestrutura essencial da actividade aqui em causa é o software gerido pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias, na medida em que na mera posse destes instrumentos de trabalho a prestação dos estafetas seria inviável, sendo a própria aplicação o único meio de subsistência deste sistema de entregas e deste modelo de negócio. 15. Estão, assim, como vimos, preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a), b), c), d) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que podemos concluir que, no caso, operou a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo ao contrário do que considerou a sentença recorrida que não considerou preenchido nenhuma item elencado nesta presunção de inocência. 16. Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade. 17. No nosso ponto de vista tal não acontece porque indícios como o horário, a exclusividade, a assiduidade, não se adequam a analisar o trabalho prestado no âmbito de uma plataforma digital. 18. Sintetizando, a Ré não se limita a ser um mero intermediário na prestação de serviços entre comerciantes e estafetas. 19. A Ré tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, que fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essências para a prestação do referido serviço. 20. Resulta ainda dos autos que os estafetas que não dispõe de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Ré, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega. 21. O estafeta não negoceia preços ou condições do serviço com os proprietários dos estabelecimentos onde efectua a recolha dos bens, nem recebe a retribuição dos clientes finais. 22. Em suma, concluímos que a prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela Ré, que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidência a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral 23. Assim, entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria sub judice, designadamente o artigo 11.º e 12-A do Código do Trabalho. 24. Patente se torna a existência de um contrato de trabalho no âmbito da relação jurídica aqui em causa. Pelo exposto, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada na parte das suas conclusões jurídicas e substituída por outra, ou por Douto Acórdão, que declare a existência do contrato de trabalho entre AA e o Réu, Glovo Portugal – Unipessoal, Lda., desde 19 de julho de 2023. Assim se fazendo sã, inteira e costumada Justiça”.
A Ré contra-alegou e concluiu as suas alegações nos termos seguintes: “Delimitação do objeto do recurso A. O Recorrente, sem impugnar a matéria de facto constante dos autos, pretende que se altere a decisão e que se reconheça a existência de contrato de trabalho. B. O Recorrente, fazendo “tábua rasa” da fundamentação constante da sentença recorrida, começa por fazer menção ao «chamado “método indiciário”» tendo em vista a “identificação de vários factores susceptiveis de indiciar a referida subordinação”, sendo que, posteriormente, percorre os indícios do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 03 de abril, e que só entrou em vigor em 01.05.2023), abandonando, pois, o referido método indiciário, na tentativa de demonstrar o preenchimento de algumas das alíneas, concluindo pelo preenchimento das alíneas a), b), c), e) e f) do referido n.º 1 do artigo 12.º-A. C. Em face da data desde a qual o prestador de atividade presta serviços através da plataforma da Ré Recorrida (19/07/2023) e que é posterior a 01/05/2023, veremos se os critérios previstos nas referidas alíneas a), b), c), e) e f) do referido artigo 12.º-A se encontram verificados e, independentemente da verificação, ou não de algum desses critérios, a ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho do parte da Ré Recorrida. Do método indiciário D. O Recorrente apenas menciona o método indiciário, não fazendo, no entanto, uso do mesmo, nem concretizando nada a propósito do referido método indiciário, abstém-se a Ré Recorrida de concretizar a sua aplicação, procedendo apenas a uma análise do mesmo, referindo que as ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho visam, tão só, a verificação (ou não) das características/indícios referidos nos artigos 12.º e/ou 12.º-A do Código do Trabalho. E. Se fosse possível uma ARECT considerar o método indiciário, o artigo 15.º-A n.º 2 e n.º 4 da Lei n.º 107/2009, ficariam completamente esvaziados de sentido. F. O legislador quis delimitar as ARECT a ações onde fosse possível presumir a existência de contratos de trabalho de acordo com o preenchimento das presunções, o que é conforme à simplicidade da tramitação da ação, G. A Exma. Sra. Juíza Cristina Martins da Cruz, docente no CEJ, em “A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho 2013-2021: de iure condito e de iure condendo”, na revista JULGAR 38, antes da alteração de 2023, dizia: “[…] se a participação foi remetida ao Ministério Público por a ACT verificar a existência de factos que integram a base da presunção (artigo 12.º) e, ao propor a ação, podendo não o fazer, o Ministério Público deles não se afasta, a decisão condenatória é a que, fora as exceções vertidas na norma, por regra, se seguirá (elemento sistemático da interpretação)”. H. A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de natureza oficiosa, de carácter urgente e de tramitação simplificada, sendo a prova apresentada na audiência e a prova testemunhal limitada a 3 testemunhas, a qual é contrária à discussão e aplicação do método indiciário, que pressupõe uma alegação circunstanciada de factos que possam ser devidamente contraditados pela Ré, o que não sucedeu nos autos. I. Outro reflexo da simplicidade desta ação, é o facto de o CPT prever que, finda a produção de prova, a sentença é sucintamente fundamentada, de imediato ditada para a ata, que fica gravada. J. Nos presentes autos, a ACT considerou estarem previstas as alíneas a), b), c), e) e f) do n.° 1 do artigo 12.°-A do Código do Trabalho. K. O Ministério Público instaurou a referida ação entendendo estarem preenchidas as alíneas a), b), c), d), e) e f) do artigo 12.º-A. L. Foi relativamente ao preenchimento, ou não, destas características que a Ré apresentou a sua defesa, e sobre a qual incidiu o contraditório. M. Aqui chegados, pretende o Recorrente exercer o seu direito de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento no alegado método indiciário. N. Tal consubstancia um procedimento à margem do previsto nos artigos 12.º-A e 12.º referidos! O. Ainda que a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, permitisse apurar da verificação (ou não) de outras caraterísticas à margem dos artigo 12.º e/ou 12.º-A – sem conceder – sempre estaria violado o princípio do contraditório, na medida em que não foi dada à Ré a oportunidade de se pronunciar fora dos indícios sobre os quais incidiram a Petição Inicial e que compõe o objeto da ação! Da diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço P. Resulta do ponto 65 dos factos provados que o estafeta em apreço no ano de 2023 e 2024 declarou rendimentos fiscais para outra entidade além da Ré, conforme declaração das finanças de fls. 185.. Q. Este facto corrobora todos os outros, de onde se retira que inexiste qualquer subordinação jurídica do estafeta relativamente à Ré. R. Em suma, “A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objecto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma actividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço. […] Provando-se que: os instrumentos utilizados pelo Autor eram propriedade deste e não do empregador; o Autor utilizava a sua própria viatura nas deslocações de serviço, suportando as respectivas despesas; não estava sujeito a qualquer horário de trabalho; a remuneração auferida era variável e à percentagem, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua actividade ou número de locais visitados, e à qual o Autor dava quitação através da emissão dos respectivos ”recibos verdes”, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato, retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como provado o contrato de trabalho. […] “Não obstante o que antecede, que não se pense que, por tal facto, o prestador de serviço(s) está completamente à margem e liberto da recepção e seguimento de instruções dadas por aquele que lhe solicita e encomenda o trabalho a efectuar. […]E naturalmente que quem encomenda o serviço, quem contrata, não pode ficar desonerado ou impedido de dar instruções ao prestador de serviços sobre o que quer e de que modo pretende ver realizado esse trabalho”, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, de 08.10.2015. Natureza intuitu personae S. O facto de não ser feita qualquer triagem ou seleção prévia do utilizador estafeta, põe a descoberto uma inexistência da natureza intuitu personae, reconhecidamente característica do contrato de trabalho. T. Não há escrutínio académico, curricular ou sequer de empatia ou personalidade e atitude/apresentação. U. Resulta do ponto 57 dos factos provados que o prestador de atividade pode subcontratar a terceiros os serviços de entrega. V. Pelo que, também por este motivo, se deverá confirmar o teor da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, cuja decisão final não merece reparo, devendo o recurso intentado pelo Autor Recorrente, improceder, sem mais. Das Alegações do Recorrente - Da verificação das alíneas do artigo 12.º-A do Código do Trabalho invocadas pelo Recorrente Alínea a): “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela” W. Alega Recorrente que “nada disto impede que se conclua que por cada serviço efectuado o valor da retribuição é fixado pela Ré”. X. Conforme refere a Douta Sentença recorrida e bem: “Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega mas sim o próprio estafeta que o faz por via do multiplicador. Ele é que permite aumentar o valor. Por outro lado não é a plataforma que fixa a retribuição do trabalho. É, diga-se com esta simplicidade, o estafeta que escolhe quanto quer receber. Se quer auferir mais ou menos é determinado por si próprio que escolhe quantos serviços quer aceitar, o multiplicador diário e por que valor quer aceitar. […] este escolhe o valor que no final do dia vai aferir consoante o número de entregas que efetue e o valor das mesmas.” Y. O estafeta, por via do multiplicador, escolhe o mínimo e o máximo que pretende receber, não tendo, qualquer obrigatoriedade, de aceitar um mínimo, nem um máximo, de serviços a executar. Z. A este propósito veja-se as seguintes decisões cujas passagens relevantes são citadas supra nas alegações: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, processo n.º 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, processo n.º 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2, processo n.º 5725/23.0T8MTS, de 26/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão - Juiz 1, processo n.º 3842/23.5T8PTM e apensos, de 05/04/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real - Juiz 1, Processo: 2793/23.8T8VRL, de 02/06/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Águeda, na sentença proferida no processo n.º 2746/23.6T8AGD, de 26/06/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 7, Processo: 29031/23.0T8LSB, de 15/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, Processo: 4116/23.7T8VFR, de 13/05/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024 AA. Concluindo, em geral todos os acórdãos que Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega, mas sim o próprio estafeta, nomeadamente através, do multiplicador, sendo que o valor dos serviços depende de vários fatores. Parecer do INESC-ID BB. Também o Parecer junto aos autos, do INESC-ID – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento em Lisboa, em resultado da realização de uma auditoria à interação dos utilizadores-estafetas registados na plataforma da Ré, obtém as mesmas conclusões de que a Ré Recorrida não fixa a retribuição ou estabelece limites máximos e mínimos. CC. Assim, é o prestador da atividade que, dispondo de liberdade quanto à realização da sua atividade, determina o número de serviços e também as plataformas para que deseja prestar serviços, podendo, assim, conformar livremente o montante global da sua remuneração. DD. Não há mínimos, nem máximos! O estafeta receberá tanto mais quantos mais serviços aceitar executar, sendo que é livre de executar todos ou nenhum! EE. A Ré não “organiza a forma de satisfazer esses pedidos”. • A Ré não encaminha estafetas para estabelecimentos comerciais. • A Ré não atribui “trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação”, • A Ré não organiza nem controla “esse trabalho de recolha, transporte e entrega ao utilizador cliente final”, • A Ré não faz cobranças. FF. O que resulta da matéria de facto provada, a título de exemplo, é que: • A Ré explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica (ponto 1 dos Factos Provados); • A Ré efetua a intermediação de três tipos de utilizadores da plataforma: o − “Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes; o − Os estafetas; e o − Os utilizadores clientes”. (ponto 3 dos Factos Provados) • A Ré atua como intermediária na entrega dos produtos, quando solicitado pelos utilizadores clientes. (ponto 4 dos Factos Provados) • A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas. (ponto 6 dos Factos Provados) • A Ré presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, identificadas em baixo: o − Os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”); o − Os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”); o − Os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”). (ponto 7 dos Factos Provados) • O estafeta paga uma taxa quinzenal de €1,85 pela utilização da plataforma da R. como contrapartida do acesso aos outros utilizadores da plataforma, nomeadamente os clientes, estabelecimentos, acesso a cobertura de seguro durante as entregas, aquisição de material, gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos, bem como o acesso a apoio a serviço de assistência da Glovo para problemas técnicos que possam advir (ponto 12 dos Factos Provados). • A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efetuado e processado por parte da Glovo (ponto 20 dos Factos Provados). • O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo (ponto 21 dos Factos Provados). • O estafeta é livre para escolher o seu horário (ponto 22 dos Factos Provados). • É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma (ponto 23 dos Factos Provados). • E durante quanto tempo permanece ligado (ponto 24 dos Factos Provados). • Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender (ponto 25 dos Factos Provados). • Mesmo após aceitar a entrega pode cancela-la sem que exista qualquer consequência para si (ponto 26 dos Factos Provados). • O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas (ponto 27 dos Factos Provados). • O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si (ponto 28 dos Factos Provados). • Os estafetas após aceitarem o serviço na aplicação podem escolher o meio de transporte utilizado, definir o percurso a seguir e podem desligar a geolocalização do telemóvel (ponto 42 dos Factos Provados). • Os estafetas podem aceitar ou recusar qualquer serviço através da aplicação, mesmo depois de terem inicialmente aceitado esse serviço, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais serviços futuros (ponto 44 dos Factos Provados). • Quando os estafetas rejeitam o serviço proposto, após a rejeição desse serviço na aplicação é apresentada uma interface de confirmação da rejeição para evitar rejeições acidentais, não havendo qualquer penalização pela rejeição de serviços propostos (ponto 45 dos Factos Provados). • Os estafetas podem receber e aceitar ofertas de serviços de entrega em diferentes localizações dentro da zona geográfica que escolhem (ponto 59 dos Factos Provados). • Os estafetas são responsáveis pela perda ou danificação dos produtos que transportam (ponto 60 dos Factos Provados). • Os estafetas não são obrigados a utilizar uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré (incluindo a mochila isotérmica para transporte de comida) na loja on-line desta (ponto 61 dos Factos Provados). • A ré não controla nem limita que os estafetas prestem a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que os mesmos prestem outras atividades (ponto 62 dos Factos Provados). GG. com relevância para a análise da característica constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, resultou da matéria de facto provada da sentença o seguinte: “21. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo; 22. O estafeta é livre para escolher o seu horário; 23. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma; 24. E durante quanto tempo permanece ligado; 25. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender; 26. Mesmo após aceitar a entrega pode cancela-la sem que exista qualquer consequência para si; 28. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si. 29. E a sua conta continua ativa; 30. Só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis; 32. Nos dados fornecidos pelo estafeta à R. está o início da atividade nas finanças, o ATCUD (código único de documento), regime de IVA e IRS, documento de identificação; 33. A plataforma transmite a encomenda dos artigos ao parceiro, através da sua interface da plataforma e o parceiro aceita ou rejeita a encomenda; 35. Pelo menos a partir de maio de 2023, o utilizador estafeta pode aceitar, não responder ou rejeitar o serviço proposto que, por sua vez, pode ter sido anteriormente rejeitado por outros utilizadores estafeta; 36. Após aceitar um serviço o utilizador estafeta pode ainda rejeitá-lo; 37. A aplicação apresenta aos referidos estafetas aquando da oferta de um serviço o preço do serviço, o mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados e a rua da morada do ponto de recolha, sem o número da porta; 46. O preço base do serviço que é apresentado aos estafetas é calculado pela plataforma de acordo com um valor base, compensação pela distância e compensação pelo tempo de espera consumido na realização desse serviço; sobre o preço base podem incidir promoções da aplicação. 47. Os estafetas podem selecionar e alterar um “multiplicador”, uma vez por dia, para valores iguais ou superiores a 1.0, o que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço; 48. Adicionalmente, os estafetas podem receber gratificações dos clientes. 49. OS estafetas são remunerados por cada serviço e depois de os terem realizado, independentemente do tempo que tenham estado previamente online na aplicação, nem recebem qualquer valor pela espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido; 50. A ré paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente aos estafetas os valores correspondentes às entregas efetuadas e processa os pagamentos a efetuar, mediante a emissão de uma fatura em nome da ré e que tem por emissor os prestadores de atividade (estafetas). 51. Por autorização dos estafetas, mediante adesão no Portal das Finanças, os recibos emitidos são registados no Portal das Finanças pela R.; 56. Os estafetas escolhem os dias e horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré.; 57. Os estafetas podem subcontratar noutro prestador de serviços de entrega. 59. Os estafetas podem receber e aceitar ofertas de serviços de entrega em diferentes localizações dentro da zona geográfica que escolhem. 60. Os estafetas são responsáveis pela perda ou danificação dos produtos que transportam. 62. A ré não controla nem limita que os estafetas prestem a mesma atividade para plataformas nem controla nem limita que os mesmos prestem outras atividades.” HH. O utilizador estafeta recebe um montante se decidir aceitar efetuar e concluir a entrega de um determinado bem do ponto “A” ao ponto “B” a pedido de um utilizador cliente. II. É o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e consequentemente o número de pedidos que recebe, bem como aceitar aqueles que lhe apresentem o preço desejado ou rejeitar aqueles que não lhe interessem. JJ. O preço desses serviços é variável, pois dependerá, nomeadamente, da distância que o estafeta tenha que percorrer entre o ponto “A” e o ponto “B”, da hora em que esses pedidos pelos utilizadores ocorrem, mas, também, de um fator de multiplicação que cabe ao estafeta, e a mais ninguém, escolher. KK. O utilizador estafeta não recebe qualquer contrapartida pelo tempo que se encontra ligado à aplicação da Ré. LL. Pode estar ligado 24h sobre 24 horas, e se rejeitar todos os pedidos que lhe sejam propostos a pedido do utilizador cliente, não irá receber qualquer montante. MM. Por outro lado, se aceitar e realizar todos os pedidos que lhe sejam apresentados a pedido dos utilizadores clientes, irá receber o respetivo preço por cada um dos serviços efetuados, sem fixação de quaisquer mínimos ou máximos! NN. Tal é o oposto do conceito de retribuição devido a um trabalhador pela obrigação de prestar trabalho! OO. As características do pedido, que são determinadas pelo cliente. PP. Uma outra componente importante da retribuição, totalmente alheia à Ré, é a gratificação/gorjeta do utilizador cliente, aspeto esse omitido nas alegações de recurso, livremente atribuída pelo utilizador cliente. Se a Ré organizasse a atividade dos estafetas, certamente que dividiria as gorjetas entre todos os estafetas, o que não sucede. QQ. Assim, a mera conclusão do Autor Recorrente de que a Ré Recorrida “fixa a retribuição” é totalmente infundada e não poderá ser tida em consideração pelo Venerando Tribunal ad quem, porquanto, a Ré não fixa quaisquer retribuições pelos serviços prestados pelo estafeta, ou quaisquer limites. RR. Pelo exposto, não se pode considerar preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, resultando provado que a aplicação gerida pela Ré não fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela. Alínea b): A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade SS. O Autor Recorrente alega que se encontra verificada a alínea b). TT. O Recorrente os seguintes pontos relativamente aos quais o estabelece uma diferente interpretação jurídica: i.O Estafeta pelo presente declara cumprir as Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros (aplicáveis a todos os Utilizadores da plataforma) da GLOVO e declara que tem conhecimento do respetivo conteúdo e não infringirá as disposições aí contidas ii. para iniciar a sua actividade ao serviço da Ré registou-se na plataforma da Ré e teve que demonstrar cumprir todos os requisitos por esta exigidos iii. cumprem procedimentos determinados unilateralmente pela Ré, desde logo a necessidade de utilização da aplicação onde são inseridas todas as informações necessárias à execução do serviço, por exemplo os tramites a seguir quando o cliente escolhe na aplicação da Ré pagar em numerário iv. procedimentos determinados pela Ré quando cliente não se encontra no local de entrega da encomenda, devendo os estafetas aguardar dez minutos antes de cancelar um pedido v. o trabalho prestado no âmbito de uma estrutura económica organizada é um indício de subordinação UU. Para todos estes pontos veja-se o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024 Em específico quanto aos pontos i. e ii.: VV. Estão em causa requisitos prévios ao início da atividade, não podendo ainda falar-se de regras específicas conformadoras dessa atividade. ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, Processo: 4116/23.7T8VFR, de 13/05/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, Processo: 4357/23.7T8AVR, de 09/07/2024; Em específico quanto ao ponto iv.: WW. Está em causa a putativa regra dos 10 minutos. A mesma mais não é que uma forma de o estafeta transmitir a responsabilidade pelo bem transportado para o utilizador cliente. XX. Resulta dos Termos e Condições que “5.1.5 Por força dos acordos alcançados com os Utilizadores Cliente, e para efeitos de evitar fraude, no momento da entrega, os Estafetas e Utilizadores Clientes aguardarão dez minutos antes de cancelar um pedido.” YY. Sucede que também resulta que: “5.1.7 O Estafeta reconhece que na sua capacidade de prestador de serviços é o único responsável pelo resultado desses serviços, que poderá resultar em custos adicionais associados a: cancelamentos, violações de serviço, impossibilidade de prosseguir ou concluir um pedido, compensação a outros Utilizadores pelo risco decorrente da sua atividade, etc., que serão sempre suportados a suas expensas.” ZZ. Quando o estafeta recolhe o produto para proceder a uma entrega, o estafeta passa a ser o responsável pelo bem transportado. AAA. Assim, os clientes utilizadores quando solicitam a entrega de um produto e recorrem aos serviços de um estafeta sabem que dispõem de 10 minutos para recolher o bem após indicação do estafeta nesse sentido, caso não o recolham o estafeta deixa de ser responsável pelo mesmo, podendo dar-lhe o destino que entender. BBB. Não tem qualquer consequência para os estafetas se não acionarem o mecanismo dos 10 minutos. CCC. Ainda que o cliente não faça a recolha do produto, fica obrigado a pagar o valor do produto ao estabelecimento comercial e o valor da entrega e o estafeta receberá o referido valor. Em específico quanto aos pontos iii. e v.: DDD. Está em causa a alegada organização da atividade pela Recorrida. EEE. veja-se o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 4, Processo: 29783/23.8T8LSB, de 29/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024; FFF. A plataforma não exerce poder direção, nem determina regras específicas. Pelo contrário! GGG. O que resulta provado (com relevância para esta alínea) é: 1. A Ré explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica que se encontra ligada 24 horas por dia e 365 dias por ano; 3. A R. efetua a intermediação de três tipos de utilizadores da plataforma: − “Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes; − Os estafetas; e − Os utilizadores clientes”. 4. Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados; 5. A atividade desempenhada pelo estafeta consiste na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente. 6. A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas; 7. A Ré presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, identificadas em baixo: − Os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”); − Os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”); − Os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”). 12. O estafeta paga uma taxa quinzenal de €1,85 pela utilização da plataforma da R. como contrapartida do acesso aos outros utilizadores da plataforma, nomeadamente os clientes, estabelecimentos, acesso a cobertura de seguro durante as entregas, aquisição de material, gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos, bem como o acesso a apoio a serviço de assistência da Glovo para problemas técnicos que possam advir; 13. O pagamento referido apenas será devido se nos últimos quinze dias o estafeta tiver realizado entregas; 16. Para se poder registar e exercer a referida atividade de estafeta através da plataforma da Ré, BB tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; 17. A manutenção e reparação do veículo, telemóvel e mochila que utiliza são suportados pelo estafeta; 18. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país. 19. [Os prestadores de atividade] Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar. 20. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efetuado e processado por parte da Glovo; 22. O estafeta é livre para escolher o seu horário; 23. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma; 24. E durante quanto tempo permanece ligado; 25. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender; 26. Mesmo após aceitar a entrega pode cancela-la sem que exista qualquer consequência para si; 27. O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas. 28. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si. 29. E a sua conta continua ativa; 36. Após aceitar um serviço o utilizador estafeta pode ainda rejeitá-lo; 39. Os estafetas escolhem o itinerário que vão utilizar para a realização do serviço, tanto desde o ponto onde efetuam a aceitação do serviço até ao ponto de recolha, como desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega, pois a aplicação da R. exibe um mapa com ambos os pontos assinalados e morada de cada ponto, sem apresentar qualquer itinerário ou rota proposto; 40. No decurso do serviço de entrega a aplicação, quando ligada, solicita aos estafetas que os mesmos assinalem a conclusão das seguintes atividades: chegada à morada do parceiro ponto de recolha), recolha dos artigos no parceiro, chegada à morada do utilizador cliente ponto de entrega); entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço, mas quando os estafetas não assinalam na aplicação a conclusão dessas atividades, não comprometem a execução do serviço, apenas recebendo o preço do serviço e ficando disponíveis para aceitar novos serviços quando comunicam a última das atividades que é a conclusão do serviço; 41. A aplicação indica a necessidade de ter acesso à geolocalização dos estafetas enquanto estes se encontram online a aguardar por uma oferta de serviço, a partir da aceitação do serviço os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso á sua localização sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização; 42. Os estafetas após aceitarem o serviço na aplicação podem escolher o meio de transporte utilizado, definir o percurso a seguir e podem desligar a geolocalização do telemóvel; 44. Os estafetas podem aceitar ou recusar qualquer serviço através da aplicação, mesmo depois de terem inicialmente aceitado esse serviço, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais serviços futuros. 49. Os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de os terem realizado, independentemente do tempo que tenham estado previamente online na aplicação, nem recebem qualquer valor pela espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido; 56. Os estafetas escolhem os dias e horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré.; 57. Os estafetas podem subcontratar noutro prestador de serviços de entrega; 59. Os estafetas podem receber e aceitar ofertas de serviços de entrega em diferentes localizações dentro da zona geográfica que escolhem. 60. Os estafetas são responsáveis pela perda ou danificação dos produtos que transportam. 61. Os estafetas não são obrigados a utilizar uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré (incluindo a mochila isotérmica para transporte de comida) na loja on-line desta. 62. A ré não controla nem limita que os estafetas prestem a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que os mesmos prestem outras atividades; HHH. Além de que o tipo de atividade prestada ao abrigo de um determinado contrato é relevante para diferenciar os contratos de trabalho dos contratos de prestação de serviços, uma vez que, no primeiro, o trabalhador apenas se compromete a prestar a sua atividade, ao passo que no segundo o prestador de serviços se compromete a alcançar um resultado acordado. III. Além de que, conforme referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.10.2015 já citado, que dispõe claramente que no âmbito de um contrato de prestação de serviços, não está vedada a possibilidade de a contraparte definir algumas regras, nem isso significa a existência de uma subordinação jurídica para efeitos laborais. JJJ. Num contrato de trabalho, o trabalhador é contratado devido às suas capacidades para executar as suas funções, estando vinculado a deveres gerais de obediência a superiores hierárquicos, a executar as suas funções com zelo e diligência e a promover atos tendentes à melhoria da produtividade, tendo uma vertente marcadamente intuito personae. KKK. A Ré não faz qualquer seleção de estafetas com base em determinados critérios, nem atribui pedidos a determinados estafetas. LLL. Para além disso, quando aceita realizar um serviço, sendo que não é obrigado a fazê-lo, está obrigado a um resultado, isto é, transportar um bem de um ponto “A” ao ponto “B”, sendo irrelevante para o utilizador cliente, as características, capacidades ou experiência prévia da pessoa para executar esses serviços. MMM. Os utilizadores estafetas são totalmente livres de se substituírem, pelo tempo e quando entenderem. NNN. O registo na aplicação da Ré pelos estafetas é feito proativa e livremente por aqueles, que decidem, motu proprio, aceder ao site da Ré e inscrever-se como utilizador-estafeta. OOO. Os requisitos de inscrição e utilização da plataforma não podem ser confundidos com regras quanto à prestação da atividade de estafeta, como bem se referiu na sentença já citada do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, processo nº 4116/23.7T8VFR. PPP. Qualquer aplicação digital, seja plataforma de intermediação ou não, tem as suas condições e procedimentos de utilização, o que é totalmente distinto de estabelecer regras específicas como a atividade de estafeta tem de ser exercida. QQQ. Caso contrário, a utilização da plataforma seria, por si só, um critério indiciário, o que não tem correspondência com a Lei. RRR. Quanto aos documentos que tem de remeter à Ré Recorrida, os mesmos também não têm nada que ver com qualquer determinação da Ré Recorrida, mas com o cumprimento de obrigações legais, nomeadamente para aferir se o estafeta está autorizado legalmente a exercer atividade profissional em Portugal. SSS. O risco do resultado, isto é, entregar um bem no ponto “B”, recai, exclusivamente, sobre o utilizador-estafeta, contrariamente ao que acontece num contrato de trabalho. TTT. E o estafeta não tem qualquer obrigação de estar disponível. UUU. Foi o prestador de atividade que escolheu exercer serviços de estafeta numa determinada zona, podendo alterar livremente. VVV. O estafeta é livre de escolher e utilizar o veículo que entender. WWW. Não é a Ré que indica o estabelecimento, o pedido e o cliente final, ou morada de recolha e/ou entrega, mas antes o próprio utilizador-cliente final que, ao fazer a sua encomenda XXX. A Ré não escolhe os clientes, apenas fazendo a ligação entre pedidos e prestadores da atividade. YYY. O prestador da atividade tem total liberdade para se ligar ou desligar. ZZZ. A plataforma não impõe nem sugere uma determinada rota. AAAA. Fica assim claro que os estafetas são livres e autónomos na execução dos serviços que entendam prestar, não se verificando preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1 al. b) do Código do Trabalho. Alínea c): A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; BBBB. Alega o Autor Recorrido, em suma, 2 pontos relativamente aos quais o estabelece diferente interpretação: i. “o estafeta tem que estar ligado na plataforma da Ré e para terminar tem que concluir o procedimento, nessa mesma plataforma, pelo que é manifesto que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e a sua execução. Sendo que refere ainda o Recorrente a este propósito, que o GPS está “instalado na aplicação”. ii. A existência de avaliação. CCCC. Para ambos os pontos veja-se o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024. Em específico quanto ao ponto i.: DDDD. A aplicação gerida pela Ré Recorrida não contem nenhum GPS “instalado na aplicação. Tal é totalmente falso, sem qualquer fundamento e não consta dos factos provados: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024 EEEE. A geolocalização só releva para efeitos de apresentação de propostas. Não há, quanto a esta geolocalização qualquer supervisão ou controlo, porquanto o estafeta é que decide onde é que se posiciona. FFFF. Após a aceitação do serviço, o estafeta pode desligar a geolocalização na execução do respetivo serviço, o que significa que absolutamente ninguém poderá “controlar” ou “supervisionar” se o estafeta está a seguir uma rota menos ou mais longa, se parou para executar outro serviço, para cumprimentar alguém, etc. … ou seja, o estafeta tem liberdade e autonomia para decidir que ninguém vai ter acesso à sua geolocalização durante a execução de um serviço. Em específico quanto ao ponto ii.: GGGG. A putativa avaliação do estafeta, antes de mais, o referido sistema de avaliação já deixou de existir há muito tempo: ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines, processo n.º 365/23.6T8SNS, de 29/09/2024. HHHH. A avaliação era efetuada pelos clientes utilizadores, quer aos estafetas, quer aos estabelecimentos comerciais utilizadores. IIII. Uma nota adicional, relativamente à verificação de identidade do utilizador estafeta: JJJJ. A recente Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, prevê expressamente que é fundamental que as plataformas de trabalho digitais assegurem a verificação fiável da identidade das pessoas que trabalham em plataformas digitais, independentemente do vínculo (considerando 41). KKKK. Portanto, ao contrário do que vem sendo veiculado, mecanismos de verificação de identidade, como seja o reconhecimento facial, não são uma medida de controlo para efeitos de subordinação jurídica, mas apenas para garantir que não existem casos ilegais de subcontratação de atividade a terceiros, nomeadamente, migrantes sem documentação legal e/ou menores. LLLL. A plataforma digital não controla nem supervisiona a prestação da atividade, ou sequer verifica a qualidade da atividade prestada, não se verificando preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1 al. c) do Código do Trabalho. Alínea e): A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta MMMM. O recorrente alega que esta alínea se encontra verificada. NNNN. A este propósito veja-se as seguintes decisões cujas passagens relevantes são citadas supra nas alegações: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines, processo n.º 365/23.6T8SNS, de 29/09/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo:v29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024. Parecer INESC-ID OOOO. Também o Parecer junto aos autos, do INESC-ID – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento em Lisboa, em resultado da realização de uma auditoria à interação dos utilizadores-estafetas registados na plataforma da Ré, obtém as mesmas conclusões de que a Ré Recorrida não exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade. PPPP. Não resulta da matéria de facto provada que a plataforma exerça qualquer poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta. QQQQ. O que resulta provado é a total liberdade do estafeta, conforme os seguintes factos provado: 17. A manutenção e reparação do veículo, telemóvel e mochila que utiliza são suportados pelo estafeta; 18. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país. 19. [Os Prestadores de Atividade] Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar. 20. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efetuado e processado por parte da Glovo; 22. O estafeta é livre para escolher o seu horário; 23. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma; 24. E durante quanto tempo permanece ligado; 25. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender; 26. Mesmo após aceitar a entrega pode cancela-la sem que exista qualquer consequência para si; 28. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si. 29. E a sua conta continua ativa; 30. Entre janeiro e novembro de 2023 o estafeta recusou 343 ofertas de serviço da plataforma da Ré, o que equivale a quase metade dos serviços prestados por aquele; 31. Em fevereiro o estafeta esteve 22 dias consecutivos sem prestar serviços através da Ré. 32. Por sua vez, entre fevereiro e maio o estafeta esteve 49 dias consecutivos sem prestar serviços através da Ré. 33. E entre agosto e setembro o estafeta esteve 14 dias consecutivos sem prestar serviços através da Ré. 36. Após aceitar um serviço o utilizador estafeta pode ainda rejeitá-lo; 39. Os estafetas escolhem o itinerário que vão utilizar para a realização do serviço, tanto desde o ponto onde efetuam a aceitação do serviço até ao ponto de recolha, como desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega, pois a aplicação da R. exibe um mapa com ambos os pontos assinalados e morada de cada ponto, sem apresentar qualquer itinerário ou rota proposto; 40. No decurso do serviço de entrega a aplicação, quando ligada, solicita aos estafetas que os mesmos assinalem a conclusão das seguintes atividades: chegada à morada do parceiro ponto de recolha), recolha dos artigos no parceiro, chegada à morada do utilizador cliente ponto de entrega); entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço, mas quando os estafetas não assinalam na aplicação a conclusão dessas atividades, não comprometem a execução do serviço, apenas recebendo o preço do serviço e ficando disponíveis para aceitar novos serviços quando comunicam a última das atividades que é a conclusão do serviço; 41. A aplicação indica a necessidade de ter acesso à geolocalização dos estafetas enquanto estes se encontram online a aguardar por uma oferta de serviço, a partir da aceitação do serviço os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso á sua localização sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização; 42. Os estafetas após aceitarem o serviço na aplicação podem escolher o meio de transporte utilizado, definir o percurso a seguir e podem desligar a geolocalização do telemóvel; 44. Os estafetas podem aceitar ou recusar qualquer serviço através da aplicação, mesmo depois de terem inicialmente aceitado esse serviço, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais serviços futuros. 52. Nos Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, designadamente as enumeradas no ponto 5.2., de onde se destacam as possibilidades de tal acontecer se o estafeta: utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da GLOVO; violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da GLOVO; participar em atos ou conduta violentos; e violar os seus direitos na aplicação da GLOVO, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais). 53. Tal como resulta do ponto 5.4.2. dos referidos “Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, “A GLOVO pode, mas não é obrigada, a monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições”. 54. A ré pode, igualmente, desativar a conta de comerciantes e de clientes em caso de violação de lei ou de fraude. 56. Os estafetas escolhem os dias e horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré.; 57. Os estafetas podem subcontratar noutro prestador de serviços de entrega RRRR. Além de que a Ré apenas procede à desativação da conta em casos que assumem gravidade, nomeadamente quando se verificam situações de violação de lei ou de fraude (entendida como violação dos Termos e Condições, do modo a garantir uma plataforma idónea e segura para todos os utilizadores, nomeadamente, se o utilizador Prestador de Atividade introduzir vírus ou trojans na aplicação da Ré, se facultar dados de identificação ou dados fiscais falsos, etc.). SSSS. Não se trata, por isso, e como é bom de ver, de exercício de “poderes laborais”, nomeadamente “o poder disciplinar”. TTTT. Trata-se de uma prorrogativa dos serviços de intermediação em linha, como o da Ré, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B). UUUU. A Ré não procede à desativação de contas por o Prestador de Atividade: a. Ligar ou desligar a aplicação quando entender; b. Recusar pedidos; c. Escolher as rotas que pretende efetuar; d. Ter ou não boas avaliações por parte dos utilizadores clientes, etc. VVVV. A Ré não tem qualquer tipo de controlo sobre a atividade do Prestador. WWWW. A Ré não avalia os Prestadores de Atividade e não utiliza a avaliação que os utilizadores clientes ou utilizadores estabelecimentos fazem dos Prestadores de Atividade. XXXX. Sem prejuízo do que antecede, importa concluir que inexistiu qualquer facto provado que a Ré tivesse aplicado ao estafeta qualquer sanção ou exclusão. YYYY. Aliás, nem mesmo quando o prestador de atividade não prestou atividade durante períodos alargados, esse facto teve qualquer penalização para si, o que é reflexo da inexistência de controlo, supervisão e exercício de poder disciplinar por parte da Ré. ZZZZ. Conclui-se, assim, que também este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. e) do Código do Trabalho) não se verifica, sendo que todos os factos dados como provados apenas permitem concluir em sentido oposto ao previsto nesta alínea. Alínea f): Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação AAAAA. O Recorrente alega o preenchimento desta alínea f) na medida em que a aplicação é um instrumento de trabalho. BBBBB. Veja-se o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra: ▪ Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº 3842/23.5T8PTM.E1, de 12/09/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2, processo n.º 5725/23.0T8MTS, de 26/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, Processo: 4357/23.7T8AVR, de 09/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo do Trabalho de Portimão - Juiz 1, Processo n.º 3842/23.5T8PTM e apensos; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real Juízo do Trabalho de Vila Real - Juiz 1, Processo: 2793/23.8T8VRL, de 02/06/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Águeda, processo nº 2746/23.6T8AGD, de 26/06/2024. CCCCC. O Autor aceita e concorda que o veículo, a mochila e o telemóvel são pertença do estafeta. DDDDD. Não resulta da matéria de facto provada que a aplicação informática seja um instrumento de trabalho. EEEEE. A referida aplicação não é um instrumento, mas antes código informático que é utilizado pelo telemóvel. FFFFF. Ou seja, o telemóvel é que é apto a constituir um instrumento de trabalho. GGGGG. Seguindo a linha de raciocínio do Autor, os softwares de GPS poderiam ser instrumentos de trabalho e, portanto, os Prestadores da Atividade poderiam reclamar ser trabalhadores da Google, Waze ou da Apple, o que, naturalmente, não se concede. HHHHH. Recorda-se que a aplicação da Ré Recorrida permite, inclusivamente, que os estabelecimentos comerciais e/ou os utilizadores clientes utilizem outras pessoas não registadas na aplicação da Ré para efetuarem os serviços de estafeta! IIIII. Se a Ré comunicasse ao prestador de atividade a existência de um serviço solicitado por um utilizador cliente através de email, o estafeta continuaria a precisar de um telemóvel / computador, de um veículo e de um recipiente para transportar os bens para executar o serviço, mas já não da aplicação da Ré, que não é indispensável, mas sim um canal de comunicação facilitador. JJJJJ. Em suma, a aplicação gerida pela Ré Recorrida não é um meio essencial nem imprescindível à realização da atividade de estafeta! KKKKK. Os principais e essenciais equipamentos nesta atividade são o veículo e o telemóvel, ambos propriedade do prestador da atividade. LLLLL. Os utilizadores estafetas pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma à Ré (factos provados 7 e 12). MMMMM. Assim, pelo exposto, não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo forçoso concluir que não está verificado este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. f) do Código do Trabalho). Da ilisão da presunção e da existência de indícios negativos NNNNN. Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do n.º 2, do artigo 350.º, do Código Civil. OOOOO. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2609/19.0T8OAZ.P1.S1, de 11-11-2020, que, inclusive, obteve voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, António Leones Dantas e Júlio Manuel Vieira Gomes, a propósito da ilisão de presunção, neste caso, do disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho: PPPPP. Foram dados como provados os seguintes factos: “4. A enfermeira chefe elaborava o horário de prestação da atividade, respeitando uma carga horária de cerca de 20 horas/semanais, sendo os registos do tempo de prestação da atividade feitos manualmente e através de registo digital de ponto […] 5. Cumpria um horário em sistema de turnos rotativos, com horas de início e termo da prestação determinados pela ré, […] 6. Recebia, como contrapartida da sua prestação de atividade, com periodicidade mensal, a quantia de € 6,70 por hora diurna e € 8,40 por hora noturna, contrapartida essa que, era paga pela ré por transferência bancária com a identificação da ré, recebendo em média cerca de €300/400 mensais. 7. Antes de iniciar a colaboração com a Ré, a colaboradora compareceu a uma entrevista com vista à sua contratação, na qual foi informada de que prestaria atividade de enfermagem em regime de prestação de serviços, sendo remunerada à hora, mediante a emissão de correspondente recibo. 8. A colaboradora foi igualmente informada de que a prestação de serviços seria realizada na Unidade de Cuidados Continuados ….., a qual, por imperativo da sua especificidade e natureza intrínseca, exige que se mantenha uma atividade contínua durante sete dias na semana, e por isso tem essa atividade organizada em regime de turnos. 9. A colaboradora aceitou as referidas condições. […] 17. O uso de dístico identificativo do nome do colaborador com o brasão da Misericórdia, é prática que se insere na humanização e responsabilização de cuidados, para que a pessoa cuidada possa identificar o cuidador pelo nome, facilitando o tratamento individualizado. […] 19. Quando a colaboradora não comparece ao serviço não recebe a contrapartida […] 22. A Ré não inscreveu a colaboradora na Segurança Social, estando esta inscrita na Autoridade Tributária e Aduaneira como trabalhadora independente. 23. A colaboradora nunca reclamou, junto da Ré, a sua falta de inscrição na Segurança Social como trabalhadora dependente. […] 25. A Ré não pediu à colaboradora que prestasse atividade em regime de exclusividade, nem a impede de prestar serviços noutras entidades. 26. A colaboradora durante o período de férias não recebe a contrapartida […] 27. A colaboradora não aufere quaisquer quantias a título de férias, subsídio de férias e de Natal, nem nunca lhe foi proporcionada formação pela Ré, circunstâncias que já conhecia e que aceitou antes de iniciar a sua colaboração com a Ré, nunca tendo reclamado o seu pagamento. 28. Antes do preenchimento dos turnos e, consequentemente, da publicação dos horários, esta colaboradora expressa, e antes do início de cada mês, a sua disponibilidade para o mês seguinte, sendo os turnos preenchidos tendo em conta as disponibilidades informadas, e só depois é publicado o horário. 29. Devendo comunicar previamente essa intenção, a enfermeira AA podia ajustar trocas de turno com outras enfermeiras que já prestassem funções na Ré, salvo nos casos, por nesses ser recusada a troca pela enfermeira chefe, em que daí resultasse a realização de turnos seguidos (tarde/noite) pela mesma enfermeira, ou que ficassem duas enfermeiras novas na instituição, ou ainda que uma enfermeira ficasse muito tempo sem folgas. […] 30. Se faltar ao serviço, AA não tem de justificar essa falta. […]” QQQQQ. Como base nestes factos, o STJ entendeu, por unanimidade, que a Ré havia ilidido a presunção de existência de contrato de trabalho. RRRRR. Ora, se estes factos permitem concluir pela ilisão da presunção o que se dirá dos factos dados como provados nos presentes autos e que demonstram tão maior liberdade por parte destes estafetas?! SSSSS. Em suma, a tese defendida pelo Tribunal da Relação de Guimarães no caso das plataformas digitais falece por completo, pois é inegável que aquela enfermeira prestadora de serviços, quando presta serviços de enfermagem aos utentes da Unidade de Cuidados Continuados do Lar, encontra-se inserida no âmbito da atividade da mesma, utilizando, inclusive, as infraestruturas e utensílios aí existentes, e não foi por essas circunstâncias que não se logrou ilidir a presunção, em face da autonomia, liberdade e ausência de subordinação jurídica da enfermeira em relação àquele Lar. TTTTT. Veja-se, ainda, o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram- se citadas nas alegações supra: ▪ Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº 3842/23.5T8PTM.E1, de 12/09/2024: ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29923/23.7T8LSB, de 08/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2, processo n.º 5725/23.0T8MTS, de 26/10/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines, processo n.º 365/23.6T8SNS, de 29/09/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, Processo: 4357/23.7T8AVR, de 09/07/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, Processo: 4116/23.7T8VFR, de 13/05/2024; ▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, processo nº 29031/23.0T8LSB, de 15/07/2024; UUUUU. Veja-se a este propósito, nomeadamente, Júlio Gomes: “…apenas subsistindo casos em que já pelo recurso ao método indiciário não se poderia afirmar a existência de um contrato de trabalho (por exemplo, quando o trabalhador puder escolher e contratar directamente trabalhadores subordinados que ele próprio remunera ou, pelo menos segundo a visão tradicional, puder fazer-se substituir na execução da prestação de trabalho” VVVVV. O estafeta pode, livremente e sem qualquer condição, subcontratar a utilização da sua conta num qualquer terceiro (ponto 57 dos Factos Provados da sentença). WWWWW. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 3347/19.9T8BRR.L1.S1 dispõe: “III. Existindo indícios, como sejam o pagamento à hora e em função da natureza do trabalho efectuado, e se o mesmo existisse, a não necessidade de justificar as ausências do Autor, a não demonstração de sujeição a horário de trabalho e ao poder disciplinar da Ré, que não permitem estabelecer, com a necessária segurança e certeza, que o Autor exerceu a sua actividade sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, deve- se considerar que o primeiro não logrou provar que estava ligada à segunda por contrato de trabalho”. XXXXX. Como referiu e bem o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, Ana Luísa Geraldes, de 08.10.2015: “Provando-se que: os instrumentos utilizados pelo Autor eram propriedade deste e não do empregador; o Autor utilizava a sua própria viatura nas deslocações de serviço, suportando as respectivas despesas; não estava sujeito a qualquer horário de trabalho; a remuneração auferida era variável e à percentagem, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua actividade ou número de locais visitados, e à qual o Autor dava quitação através da emissão dos respectivos ”recibos verdes”, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato, retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como provado o contrato de trabalho.” YYYYY. A Ré não só logrou provar a não verificação de nenhum dos indícios imputados na Petição Inicial, como, ainda, ilidiu qualquer presunção de laboralidade. ZZZZZ. Em conformidade com a jurisprudência europeia existem critérios indiciários negativos, que se encontram verificado, não se verificando, assim, a existência de um contrato de trabalho. AAAAAA. Ré, sendo que ilidiu a presunção da existência de contrato de trabalho, porquanto resultou provado que um estafeta que se registe na aplicação tecnológica gerida pela Ré tem liberdade para: a. Definir onde, quando e por quanto tempo, pretende ligar-se à aplicação tecnológica da Ré, não tendo qualquer compromisso, mínimo que fosse, de regularidade, pontualidade ou assiduidade na prestação de atividade, podendo não se ligar à Plataforma durante semanas ou meses, sem que daí resulte qualquer represália ou penalização (Factos provados n.ºs 22, 23, 24, 28, 29 e 30, 31, 32, 35, 56 da sentença); b. Quando decidir estar ligado, decidir se aceita ou se rejeita pedidos de entrega solicitados por utilizadores clientes registados na plataforma da Ré, sendo que pode rejeitar todos os pedidos que lhe sejam oferecidos, mesmo após ter aceite os mesmos, sem que daí resulte qualquer represália ou penalização (Factos provados n.ºs 25, 26, 35, 38, 44 da sentença); c. Escolher a área e a localidade em que presta serviços de estafeta podendo mudar de áreas e de localidade quando entender (Factos provados n.ºs 18, 20, 56 da sentença); d. Escolher a indumentária que usa e executar o serviço da forma que entende (Facto provado n.º 61 da sentença); e. Escolher a forma como pretende realizar a atividade de estafeta (Facto provado n.º 42 da sentença); f. Escolher o itinerário para a realização do serviço e de desligar a geolocalização do telemóvel, após aceitar o serviço na aplicação (Facto provado n.ºs 42 da sentença); g. Escolher os instrumentos utilizados na sua atividade, que são da sua propriedade, mantidos e escolhidos por si (Factos provados n.ºs 16, 17, 42 da sentença); h. Definir o preço e os rendimentos que pretende auferir pelos serviços a prestar, não apenas pelo multiplicador que escolhe, mas também pelo facto de poder rejeitar ou aceitar os serviços que não pretende ou pretende realizar (Factos provados n.ºs 25 da sentença); i. Subcontratar terceiros para utilizar a sua conta registada na Ré (Facto provado n.º 57 da sentença); j. Prestar atividade de estafeta, nomeadamente para outras plataformas, ou qualquer outra atividade para terceiro(Facto provado n.º 62 da sentença); BBBBBB. O estafeta recebe por serviço executado e não por disponibilidade de tempo ou meios, inexistindo quaisquer limites mínimos e máximos para a faturação dos serviços, inexistindo qualquer remuneração periódica. CCCCCC. O ora exposto é suficiente para se concluir que inexiste aquilo que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho: inexiste a subordinação jurídica dos estafetas à Ré. DDDDDD. A Ré Recorrida não só logrou provar a não verificação de nenhum dos indícios imputados, como, ainda, ilidiu qualquer presunção de laboralidade. Outras decisões nos quais é Ré a aqui Ré Recorrida e com interesse para os presentes autos Da alusão ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de setembro de 2024, Processo n.º 3842/23.5T8PTM.E1, que absolveu a Ré Recorrida, abrangendo a 27 estafetas e à nótula sobre o João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira EEEEEE. O Autor faz referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, nem como à nótula efetuada sobre o mesmo, sob o título “As plataformas digitais, a presunção de laboralidade e a respetiva ilisão: nótula sobre o Acórdão da Relação de Évora, de 12/09/2024”, pelos professores João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira, tendo em vista contrariar as conclusões obtidas no douto Acórdão que absolveu a Ré, relativamente à pretensão de reconhecimento de 27 contratos de prestação de serviços. FFFFFF. Todavia, alega o Autor Recorrente, essencialmente, que existe subordinação jurídica sem, no entanto, alegar um único facto, dos factos dados como provados que, perante a interpretação constante do texto citado, permitiria concluir de forma distinta da obtida na douta sentença recorrida. GGGGGG. No que à nótula dos Senhores Professores João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira concerne, não podemos deixar de criticar a falta de rigor académico da mesma e do enviesamento de análise, porquanto verte teorizações e profere conclusões e pré-juízos, ignorando que o Venerando Tribunal da Relação de Évora, analisou e sopesou, cuidadosamente, a matéria de facto constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo. HHHHHH. Ao contrário do que é sugerido pelos supra referidos Professores Doutores, analisou profundamente a questão, sopesando todos os factos e a melhor doutrina e jurisprudência. Note- se que o Tribunal da Relação de Évora, tinha, no âmbito de plataformas digitais já proferido um outro acórdão em que reconhecia a existência de contrato de trabalho, porque a factualidade era efetivamente diferente, pelo que não é suspeito na análise jurídica que fez aos factos provados pelo Juízo do Trabalho de Portimão. IIIIII. O que resulta do Acórdão quanto à subordinação jurídica é que: “De acordo com a factualidade que assente ficou: - o estafeta pode aceitar, não responder, ou rejeitar o serviço proposto (n.º 22); - essa rejeição pode verificar-se mesmo após o estafeta já ter aceitado o serviço proposto, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais futuros serviços (n.ºs 24, 33 e 34); - após a aceitação do serviço, os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso à sua localização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização (n.º 30); - são eles que, após a aceitação do serviço, escolhem o meio de transporte utlizado, definem o percurso a seguir, podendo desligar a geolocalização do telemóvel (n.º 31); - os estafetas, uma vez por dia, podem alterar um multiplicar que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço (n.º 36); - os estafetas escolhem os dias e horas que pretendem ligar-se à aplicação da ré (n.º 45); - e podem subcontratar outro prestador de serviços de entrega (n.º 46). Segundo se entende, esta factualidade é impressiva para afastar a existência de qualquer subordinação jurídica do estafeta em relação ré.” [negrito nosso]. JJJJJJ. Ora, tais factos são idênticos aos factos dados como provados na Sentença aqui recorrida e que levaram à conclusão da não verificação de subordinação jurídica. KKKKKK. Assim, também na Sentença aqui recorrida não se verifica a existência de qualquer subordinação jurídica, falhando, portanto, o elemento essencial à verificação de contrato de trabalho, razão pela qual, também deverá o presente recurso improceder, sem mais, o que se requer. Das decisões Relação de Guimarães que seguem posição contrária à tomada no Acórdão da Relação de Évora LLLLLL. Importa fazer menção às decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães (que têm como Ré a aqui Ré Recorrida, e que são ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho), referindo a Ré Recorrida que não ignora que o Tribunal da Relação de Guimarães, de forma muito peculiar, assente em considerações e conclusões não suportadas em factos, mas em teorizações não verificadas nos respetivos Tribunais de primeira instância, e ao arrepio da lei, decidiu de forma diferente, laborando num erro grave de julgamento. MMMMMM. Desde logo, a teoria sobre a existência de contrato de trabalho porque os estafetas, supostamente, prestam atividade no âmbito da organização da Ré, o que não se concede, é expressamente contraditada pelo teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2609/19.0T8OAZ.P1.S1, de 11-11-2020, que, inclusive, obteve voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, António Leones Dantas e Júlio Manuel Vieira Gomes. NNNNNN. Mais, o Tribunal da Relação de Guimarães, para sustentar o seu entendimento de que existe entre a Ré e os estafetas um contrato de trabalho, no que não se concede, socorre-se de jurisprudência estrangeira que não tem qualquer aplicação no ordenamento jurídico português, sendo que muitas dessas decisões dizem respeito a plataformas que não a Glovo. OOOOOO. Por seu turno, o Tribunal da Relação de Guimarães ignora o Acórdão do TJUE “Yodel”, paradigmático, assim como outros relevantes e que decidiram não reconhecer contratos de trabalho com prestadores de atividade, e que conduziria, inevitavelmente, à confirmação que, atenta a factualidade provada naqueles processos, nomeadamente relativas à autonomia dos prestadores de atividade na execução da atividade, à possibilidade de subcontratação de terceiros para a execução da atividade, etc.. PPPPPP. No entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, basta a uma pessoa registar-se e fazer o download da aplicação gerida pela Ré e já deve ter reconhecido um contrato de trabalho, independentemente de ter ou não prestado atividade, porque a mera existência de regras relativas ao registo na aplicação é, no entender daquele Tribunal, a existência de subordinação jurídica, o que não se concede. Da inconstitucionalidade do artigo 12.º-A do Código do Trabalho por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da Constituição da República Portuguesa) QQQQQQ. Sem conceder, caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho à situação nos presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional,por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que: O presente recurso deve ser considerado improcedente por manifestamente infundado e mantida a douta sentença recorrida.”
JUSTIÇA.”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso, na espécie, modo de subida e efeito adequados.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, no presente recurso, foram sujeitas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
1.ª- Se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado e desde Julho de 2023, entre AA e a Ré
2-Caso se conclua pela verificação da presunção, apreciar-se-á se o artigo 12.º-A do Código do Trabalho é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa, questão suscitada nas contra-alegações da Ré.
Fundamentação de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Ré explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica que se encontra ligada 24 horas por dia e 365 dias por ano;
2. A R. tem como objeto social desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares.
Exploração, comercialização, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das atividades constantes do seu objecto social. Realização de atividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objeto social. Qualquer outra atividade que esteja direta ou indiretamente relacionada com as atividades acima identificadas
3. A R. efetua a intermediação de três tipos de utilizadores da plataforma:
− “Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes;
− Os estafetas; e
− Os utilizadores clientes”.
4. Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados;
5. A atividade desempenhada pelo estafeta consiste na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente.
6. A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos
utilizadores que efetuaram as encomendas;
7. A Ré presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, identificadas em baixo:
− Os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma
(denominada “Taxa de Parceria”);
− Os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”);
− Os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”).
8. AA, natural da ..., NIF ..., NISS ..., Cartão do Cidadão n.º ..., com residência na Travessa..., endereço de correio electrónico email..., titular do n.º de telefone ... presta a referida atividade de estafeta para a plataforma GLOVO desde 19 de Julho de 2023
9. AA, realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma GLOVOAPP, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;
10. No dia 20.09.2023, pelas 20h05m, AA encontrava-se, no acesso ao ..., sito na ..., em ..., onde existem vários estabelecimentos de restauração, no exercício das referidas funções de estafeta, quando foi identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)
11. A GLOVOAPP tem um registo eletrónico de adesão aos mesmos com data e hora;
12. O estafeta paga uma taxa quinzenal de €1,85 pela utilização da plataforma da R. como contrapartida do acesso aos outros utilizadores da plataforma, nomeadamente os clientes,
estabelecimentos, acesso a cobertura de seguro durante as entregas, aquisição de material, gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos, bem como o acesso a apoio a serviço de assistência da Glovo para problemas técnicos que possam advir;
13. O pagamento referido apenas será devido se nos últimos quinze dias o estafeta tiver realizado entregas;
14. O estafeta tem de esperar 10 minutos pelo cliente caso este não esteja na morada e caso não pretenda esperar os dez minutos de que o cliente dispõe para chegar pode recusar a entrega e não será pago por isso;
15. Para aceder aos pedidos que existem na plataforma GLOVOAPP, o estafeta teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta o email e de uma palavra passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade;
16. Para se poder registar e exercer a referida atividade de estafeta através da plataforma da Ré, o estafeta tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens;
17. A manutenção e reparação do veículo, telemóvel e mochila que utiliza são suportados pelo estafeta;
18. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país.
19. Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar.
20. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efetuado e processado por parte da Glovo;
21. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo;
22. O estafeta é livre para escolher o seu horário;
23. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma;
24. E durante quanto tempo permanece ligado;
25. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender;
26. Mesmo após aceitar a entrega pode cancelá-la sem que exista qualquer consequência para si;
27. O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas.
28. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si.
29. E a sua conta continua activa;
30. Só quando o estafeta efectua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis;
31. A Ré contratou um seguro de responsabilidade para os estafetas durante os serviços de recolha e entrega, nomeadamente no caso de lesão permanente ou temporária durante e em óbito, com a Chubb European Group SE, sucursal em Espanha.";
32. Nos dados fornecidos pelo estafeta à R. está o início da actividade nas finanças, o ATCUD (código único de documento), regime de IVA e IRS, documento de identificação;
33. A plataforma transmite a encomenda dos artigos ao parceiro, através da sua interface da plataforma e o parceiro aceita ou rejeita a encomenda;
34. Caso seja aceite a encomenda, a plataforma, através da aplicação “Glovo Couriers” oferece a um utilizador-estafeta o serviço de entrega associado ao referido pedido; caso o utilizador-cliente opte por recolher o pedido diretamente junto do parceiro (take away), esta oferta não será efetuada ao estafeta;
35. Pelo menos a partir de maio de 2023, o utilizador estafeta pode aceitar, não responder ou rejeitar o serviço proposto que, por sua vez, pode ter sido anteriormente rejeitado por outros
utilizadores estafeta;
36. Após aceitar um serviço o utilizador estafeta pode ainda rejeitá-lo;
37. A aplicação apresenta aos referidos estafetas aquando da oferta de um serviço o preço do serviço, o mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados e a rua da morada do ponto de recolha, sem o número da porta;
38. Quando os estafetas pretendem aceitar o serviço, após aceitação do serviço na aplicação, esta apresenta ao estafeta o preço do serviço, um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e entrega (morada do utilizador cliente) assinalados, o nome e morada do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto do parceiro (quando existam), estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada do utilizador-cliente (ponto de entrega), a distância estimada, os detalhes do pagamento, a lista dos artigos do pedido e o valor do mesmo;
39. Os estafetas escolhem o itinerário que vão utilizar para a realização do serviço, tanto desde o ponto onde efetuam a aceitação do serviço até ao ponto de recolha, como desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega, pois a aplicação da R. exibe um mapa com ambos os pontos
assinalados e morada de cada ponto, sem apresentar qualquer itinerário ou rota proposto;
40. No decurso do serviço de entrega a aplicação, quando ligada, solicita aos estafetas que os mesmos assinalem a conclusão das seguintes actividades: chegada à morada do parceiro ponto de recolha), recolha dos artigos no parceiro, chegada à morada do utilizador cliente ponto de entrega); entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço, mas quando os estafetas não assinalam na aplicação a conclusão dessas atividades, não comprometem a execução do serviço, apenas recebendo o preço do serviço e ficando disponíveis para aceitar novos serviços quando comunicam a última das atividades que é a conclusão do serviço;
41. A aplicação indica a necessidade de ter acesso à geolocalização dos estafetas enquanto estes se encontram online a aguardar por uma oferta de serviço, a partir da aceitação do serviço os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso á sua localização sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização;
42. Os estafetas após aceitarem o serviço na aplicação podem escolher o meio de transporte utilizado, definir o percurso a seguir e podem desligar a geolocalização do telemóvel;
43. Após entregar as encomendas e caso os clientes tenham optado pelo pagamento em dinheiro, os estafetas têm de receber destes o pagamento do pedido em dinheiro, ficando com a obrigação de proceder ao depósito da quantia cobrada na conta determinada pela plataforma, a favor da R.;
44. Os estafetas podem aceitar ou recusar qualquer serviço através da aplicação, mesmo
depois de terem inicialmente aceitado esse serviço, sem que tal afecte o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais serviços futuros.
45. Quando os estafetas rejeitam o serviço proposto, após a rejeição desse serviço na aplicação é apresentada uma interface de confirmação da rejeição para evitar rejeições acidentais, não havendo qualquer penalização pela rejeição de serviços propostos.
46. O preço base do serviço que é apresentado aos estafetas é calculado pela plataforma de acordo com um valor base, compensação pela distância e compensação pelo tempo de espera consumido na realização desse serviço; sobre o preço base podem incidir promoções da aplicação.
47. Os estafetas podem selecionar e alterar um “multiplicador”, uma vez por dia, para valores iguais ou superiores a 1.0, o que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço;
48. Adicionalmente, os estafetas podem receber gratificações dos clientes.
49. Os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de os terem realizado, independentemente do tempo que tenham estado previamente online na aplicação, nem recebem qualquer valor pela espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido;
50. A ré paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente aos estafetas os valores correspondentes às entregas efetuadas e processa os pagamentos a efetuar, mediante a emissão de uma fatura em nome da ré e que tem por emissor os prestadores de atividade (estafetas).
51. Por autorização dos estafetas, mediante adesão no Portal das Finanças, os recibos emitidos são registados no Portal das Finanças pela R.;
52. Nos Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, estão
previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, designadamente as enumeradas no ponto 5.2., de onde se destacam as possibilidades de tal acontecer se o estafeta: utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da GLOVO; violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da GLOVO; participar em atos ou conduta violentos; e violar os seus direitos na aplicação da GLOVO, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais).
53. Tal como resulta do ponto 5.4.2. dos referidos “Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, “A GLOVO pode, mas não é obrigada, a monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições”.
54. A ré pode, igualmente, desativar a conta de comerciantes e de clientes em caso de
violação de lei ou de fraude.
55. Desde maio de 2023 os utilizadores clientes finais são convidados a avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho e a plataforma torna-a visível apenas para o estafeta, da mesma forma que os clientes são convidados a avaliar os comerciantes que vendem os seus produtos, sem que tal seja usado para avaliar a qualidade da atividade ou a forma como é executada e sem influenciar a oferta de novos pedidos o que é designado de sistema de reputação;
56. Os estafetas escolhem os dias e horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré.;
57. Os estafetas podem subcontratar noutro prestador de serviços de entrega
58. Antes de iniciar a sua ligação à aplicação da ré e caso pretendam usar veículos a motor, os estafetas devem declarar dispor de carta de condução e seguro de responsabilidade civil do veículo usado.
59. Os estafetas podem receber e aceitar ofertas de serviços de entrega em diferentes localizações dentro da zona geográfica que escolhem.
60. Os estafetas são responsáveis pela perda ou danificação dos produtos que transportam.
61. Os estafetas não são obrigados a utilizar uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré (incluindo a mochila isotérmica para transporte de comida) na loja on-line desta.
62. A ré não controla nem limita que os estafetas prestem a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que os mesmos prestem outras atividades.
63. Quando o estafeta chega ao local e o cliente não se encontra no mesmo, entra em contacto com o cliente e depois informa a Glovo desse facto enquanto aguarda dez minutos;
64. Se volvidos os dez minutos o cliente não chega o estafeta é pago pelo serviço efectuado excepto se o mesmo fosse pago em dinheiro pelo cliente, circunstância em que não recebem pelo serviço por o cliente não ter atendido;
65. O estafeta em apreço no ano de 2023 e 2024 declarou rendimentos fiscais para outra entidade além da Glovo em termos e condições que constam da declaração das finanças de fls. 185 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Fundamentação de Direito
Apreciemos, então, se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado e desde Julho de 2023, entre AA e a Ré.
A acção foi intentada pelo Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 15º-A da Lei n.º107/2009, de 14 de Setembro (aprova o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social) e nos artigos 186º-K e segs. do CPT.
Trata-se de uma acção de simples apreciação de reconhecido “cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.”- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2018, Proc. n.º17240/17.6T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt
E como se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção de 05.12.2024, Proc. n.º 4306/23.2T8VFX.L1-4, consultável em www.dgsi.pt, “ O que está em causa nesta ação é a eventual utilização da figura do contrato de prestação de serviços quando na realidade a actividade é prestada, na sua materialidade, no âmbito de uma relação de trabalho subordinado. É esse o sentido da regularização da situação a que se refere o art.º 15-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, aditado pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto; tanto assim é que o n.º 8 do art.º 186-O do CPT, também aditado por esta Lei n.º 63, dispõe que, nada sendo regularizado, mas procedendo a acção, a sentença “reconhece a existência do contrato de trabalho”. Daqui resulta que o que se discute, pois, não é aquilo que as partes qualificam ou designam, mas o que na realidade acordaram tal como a sua prática demonstra, prevalecendo o que efetivamente executam sobre meros nomens porventura destinados a escamotear a realidade (cfr. por todos o acórdão da Relação de Lisboa no proc. 1215/11.1TTLSB.L1-4 (relat. Leopoldo Soares: “A natureza dos contratos não se afere pela denominação que lhes é aposta, mas pela sua execução em termos práticos, reais, vivenciados pelos respectivos intervenientes”). A qualificação do contrato, no que ao foro laboral respeita, depende não daquilo que as partes lhe chamaram e chamam, e nem sequer do que tiveram em mente aquando da sua celebração, mas sobretudo da forma como a relação foi configurada enquanto subsistiu.”
De acordo com o artigo 1152º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
O artigo 11.º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade desta.”
Por seu turno, o contrato de prestação de serviços está definido no artigo 1154º do Código Civil, nos seguintes termos: “ Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Como vem sendo entendido, o que verdadeiramente diferencia o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a existência de subordinação jurídica que enforma aquele e não este.
Sobre a figura da subordinação jurídica, escreve António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pag.114: “A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das regras que o regem”.
Assim, a subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição.
Sucede, porém, que, na maioria das vezes, a realidade da vida não permite que, facilmente, se consiga apreender, nas relações contratuais, o elemento subordinação jurídica, daí que, para fazer face a essa dificuldade, acrescida com a permanente evolução social, a jurisprudência e a doutrina se tenham socorrido, ao longo dos anos, do denominado método indiciário para aferir da existência de um contrato de trabalho.
Posteriormente, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2002 de 27 de Agosto, veio introduzir no seu artigo 12.º a denominada presunção de laboralidade, determinando presumir-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente, se verificassem as cinco circunstâncias que enumerava.
A mencionada norma foi alterada pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, mas a alteração introduzida também não facilitou a questão da qualificação do contrato de trabalho, posto que a verificarem-se os requisitos a que aludia estaríamos já perante um contrato de trabalho e não perante uma presunção de laboralidade.
O Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, manteve a presunção de laboralidade dispondo o seu artigo 12.º o seguinte: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…).”
Perante o vocábulo “algumas”, temos entendido que, para que opere a presunção de laboralidade basta que se verifiquem, pelo menos, duas das circunstâncias que a norma enuncia.
E como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 08.10.2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, in www.dgsi.pt, “ (…). II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil. III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.”
Com a presente acção pretende-se o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde Julho de 2023, pelo que, a qualificação da relação contratual deverá efectuar-se à luz do regime consagrado no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e respectivas alterações.
Tal significa que, ao caso, é aplicável a presunção de laboralidade a que alude o artigo 12.º do Código do Trabalho e, em especial, a prevista no seu artigo 12.º-A o que, naturalmente, não afasta a aplicação do médico indiciário, caso a sua aplicação se revele necessária.
Na verdade, como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, Proc. 31164/23.4T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt, “(…)V. Na operação de qualificação de uma relação jurídica laboral, a falha no preenchimento de pelo menos duas das alíneas do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho não nos dispensa, ainda assim, de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios que tenhamos em presença com recurso ao modelo indiciário, modelo que convoca a averiguação, no caso concreto, dos denominados indícios negociais internos e externos.”
Assim, salvo o devido respeito, não acompanhamos a Recorrida quando invoca que a aplicação de tal método ao caso em análise viola o seu direito ao contraditório, posto que, nas contra-alegações, teve oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo, o que fez.
O artigo 12.º-A do Código do Trabalho foi aditado pela Lei n.º 13/2023, de 03/04 (cfr. artigo 13.º) que procede, além do mais, à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia, que altera o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do Trabalho Digno e que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2023 (cfr. artigo 37.º n.º 1).
Visando acompanhar a evolução tecnológica e social e as formas, cada vez mais complexas, de prestar trabalho que daquelas resultam, o artigo 12.º-A do Código do Trabalho veio estatuir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Dispõe a referida norma: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. 5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. 7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos. 9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação. 10 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere, a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 11 - Em caso de reincidência, são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias: a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos; b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos. 12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.”
A sentença recorrida entendeu que nenhuma das características a que alude o artigo 12.º-A do CT se verifica e que, mesmo que se pudesse presumir a existência de contrato de trabalho, a presunção teria sido ilidida.
Sustenta o Recorrente, por sua banda, que estão verificadas as características a que aludem as alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT e, consequentemente, operou a presunção, que não foi ilidida pela Ré.
Relativamente à característica a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A (A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efectuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela) entendeu a sentença recorrida o seguinte: “Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega mas sim o próprio estafeta que o faz por via do multiplicador. Ele é que permite aumentar o valor. Por outro lado não é a plataforma que fixa a retribuição do trabalho. É, diga-se com esta simplicidade, o estafeta que escolhe quanto quer receber. Se quer auferir mais ou menos é determinado por si próprio que escolhe quantos serviços quer aceitar, o multiplicador diário e por que valor quer aceitar. O preço está fixado. Não é negociado. Mas este escolhe o valor que no final do dia vai auferir consoante o número de entregas que efetue e o valor das mesmas.” Nessa medida não apenas a presunção da alínea não se verifica como ainda se verifica a situação inversa. Nada está fixado e não existe limite máximo pois se o estafeta quiser trabalhar 24horas sem descansar pode auferir um valor máximo que trabalhando 8h ou 9h não poderia alcançar.”
Sustenta o Recorrente que, face às novas formas de organização do trabalho, o que releva é saber se os critérios de determinação da retribuição são ditados pelo beneficiário da actividade ou se são negociados em pé de igualdade entre as partes, como sucede no trabalho autónomo e que, no caso, por cada serviço efectuado o valor da retribuição é fixado pela Ré e não é pelo facto do estafeta poder rejeitar a oferta que altera os critérios pré-definidos de cálculo da mesma, que são determinados pela Ré, sem qualquer negociação com o estafeta, como resulta dos factos provados na sentença recorrida.
Vejamos a factualidade provada com interesse para a questão:
O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo (facto provado 21); a aplicação apresenta aos referidos estafetas, aquando da oferta de um serviço, o preço do serviço, o mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados e a rua da morada do ponto de recolha, sem o número da porta (facto provado 37); quando os estafetas pretendem aceitar o serviço, após aceitação do serviço na aplicação, esta apresenta ao estafeta o preço do serviço, um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e entrega (morada do utilizador cliente) assinalados, o nome e morada do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto do parceiro (quando existam), estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada do utilizador-cliente (ponto de entrega), a distância estimada, os detalhes do pagamento, a lista dos artigos do pedido e o valor do mesmo (facto provado 38); o preço base do serviço que é apresentado aos estafetas é calculado pela plataforma de acordo com um valor base, compensação pela distância e compensação pelo tempo de espera consumido na realização desse serviço; sobre o preço base podem incidir promoções da aplicação (facto provado 46); os estafetas podem selecionar e alterar um “multiplicador”, uma vez por dia, para valores iguais ou superiores a 1.0, o que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço (facto provado 47); adicionalmente, os estafetas podem receber gratificações dos clientes (facto provado 48); os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de os terem realizado, independentemente do tempo que tenham estado previamente online na aplicação, nem recebem qualquer valor pela espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido (facto provado 49); a ré paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, directamente aos estafetas os valores correspondentes às entregas efectuadas e processa os pagamentos a efectuar, mediante a emissão de uma factura em nome da ré e que tem por emissor os prestadores de actividade (estafetas) (facto provado 50).
Da factualidade descrita ressalta logo à vista que o prestador da actividade recebe por cada serviço de entrega. Ou seja, recebe à peça, sendo o respectivo pagamento efectuado com uma periodicidade quinzenal. É certo que é a aplicação informática que, aquando da oferta de um serviço apresenta ao prestador da actividade o preço base desse serviço e também é certo que esse preço base é encontrado pela aplicação com base em parâmetros escolhidos por ela própria. Sabemos, também, que o prestador da actividade pode seleccionar e alterar um “multiplicador”, uma vez por dia, para valores iguais ou superiores a 1.0, o que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço. Obviamente que os valores encontrados serão sempre dentro dos parâmetros definidos pela Ré.
Sucede, porém, que é o prestador da actividade quem determina o número de entregas a efectuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo, pelo que, rectas contas, é o prestador da actividade quem define o valor da retribuição que irá receber quinzenalmente. E se numa semana optar por trabalhar 24horas em 4 dias e, nesses dias, realizar todas as entregas propostas, a sua remuneração reflectirá essa actividade, sem que a Ré possa recusar o pagamento correspondente, pois não ficou provado que a Ré fixa um limite máximo (ou mínimo) para a retribuição quinzenal a pagar ao prestador da actividade. Por isso, não há limites mínimos e máximos fixados pela plataforma quanto ao valor a pagar, quinzenalmente, ao estafeta. Ou seja, a Ré define o valor de cada serviço, mas, em concreto, é o prestador da actividade que vai fixar a sua remuneração determinando o número de entregas que vai realizar, umas vezes mais, outras vezes menos.
Acresce que, para além de se extrair da factualidade provada que o prestador da actividade é pago com uma periodicidade certa, nada se provou que nos permita concluir que recebe uma quantia certa ou quase sempre certa; o que se retira dos factos provados é que é o número de entregas feitas pela prestador da actividade que molda a sua remuneração e não a actuação da Ré.
Em consequência, como bem entendeu a sentença recorrida, não se mostra verificada a característica a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo12.º-A do CT.
Sobre a característica da alínea b), do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT (A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de actividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da actividade), escreve-se na sentença recorrida: “Nem aqui se verifica a presunção. O estafeta não tem qualquer indumentária, qualquer código e conduta, e nem a sua mochila térmica tem de obedecer a algo que a relacione com a GLOVO. Tem apenas de ser térmica. Mas nada na forma de apresentação do prestador ou da sua conduta é determinado pela R. NADA. Nem mesmo a dimensão da mochila. A alínea refere-se ainda ao poder de direção o que sabemos é a pedra de toque das relações de trabalho. A subordinação jurídica de quem exerce uma atividade/trabalho é sempre crucial para saber se a mesma é desempenhada como modo de um relacionamento de trabalho ou como uma mera prestação de serviços. O que alega então o Ministério Público para sustentar o poder de direção?! Salvo o devido respeito uma mão cheia de nada. Afirma que os termos de utilização da plataforma estão definidos e que é a plataforma que controla toda a atividade do estafeta. Pois naturalmente que os termos de utilização têm de estar, e as regras têm de existir e para todos: para estafetas, comerciantes e clientes. Todas as plataformas de qualquer tipo de serviço têm regras de utilização e funcionamento. Todos os serviços, por ex. um ginásio, tem normas de utilização e condições que têm de ser aceites. Porém, para que se veja que aceitar as regras de utilização da plataforma é um modo de exercício do poder de direção é essencial concretizar que normas é que importam um poder de direção. Quais em concreto revelam o poder de dar ordens e instruções ao estafeta. Onde se concretizam? Na utilização de uma mala térmica? Na obrigação de ter um veículo próprio? Na obrigação de ter um telemóvel e estar logado à plataforma? Creio que não. A obrigação de ter um telemóvel e uma conta registada e aceder à plataforma decorre do modo como o serviço é distribuído pelos comerciantes e aceite pelos estafetas. Sem que tal suceda o trabalho não pode ser aceite, pelo que é apenas um requisito de eficiência geral. A obrigação de ter uma mala térmica é por condições de higiene, saúde e segurança alimentar. A obrigação de ter um veículo próprio nem é uma obrigação, pois podem sempre ir a pé (se o trajeto for curto) ou pedir um veículo emprestado, e mesmo essa é entre bicicleta ou mota, sendo pois estes livres de escolher. Afirma o Ministério Público que um dos elementos reveladores do poder de direção desta alínea consiste no seu preenchimento na medida em que os estafetas tiveram de provar a sua identidade para criar uma conta, e têm de ter a plataforma ligada para ser entregue trabalho. Mas voltamos a repetir. Tal é um requisito de eficácia e segurança. O preenchimento de requisitos de identidade para ser atribuída uma conta é sobretudo uma forma de proteção do cliente, seja ele o comerciante, seja o consumidor final. Embora nem aqui a questão é linear pois o estafeta pode-se fazer substituir por outrem sem autorização da R. E aqui se coloca a questão e o afastamento da possibilidade de existência de um contrato de trabalho pois a relação existente não é intuitae personae como é próprio das relações de trabalho subordinado. As razões de eficácia que determinam que todo o serviço seja atribuído pela plataforma. Não conseguimos sequer vislumbrar como tal pode consistir num poder de direção. É que não fora a plataforma nunca o sistema de entregas poderia funcionar como funciona. Sustenta ainda o Ministério Público que a ausência de poder de negociação dos estafetas, apenas podendo aceitar ou recusar é uma manifestação desse poder de direção. Mas importa não esquecer que o poder de direção consiste num dos principais poderes das entidades empregadoras: o poder de dar ordens e instruções aos trabalhadores sobre o seu trabalho. Ora, poder aceitar ou recusar propostas é obrigar a aceitar?! E recusar é obedecer a ordens? É dar ordens de aceitação?! É determinar qual o valor a aceitar ou quais as ofertas que deve efetuar? Naturalmente que não. Pelo contrário. Não só não há poder de direção como ainda não há maior autonomia do que a de um estafeta. Este escolhe as horas a que quer trabalhar, o local onde o quer fazer e o tipo de trabalho que quer fazer. Mas se tal for pouco (e diremos algo que me parece demolidor: que trabalhador subordinado pode fazê-lo? Que trabalhador subordinado pode decidir RECUSAR um trabalho? Dizer não faço. Não gosto desse cliente, não o quero aceitar, ou simplesmente hoje, ou agora, não me apetece? Que trabalhador subordinado pode escolher que quer trabalhar uma hora num dia, 20horas no outro, hoje em Lisboa e amanhã no Algarve (desde que mudando o registo da área de trabalho na plataforma), e daqui a um mês ou dois voltar a trabalhar, e parar durante umas férias de vários meses e regressar quando lhe aprouver sem qualquer consequência?. Em rigor, é o estafeta que escolhe o quanto, como e quando e ainda o modo como executa o seu trabalho. Este escolhe de forma totalmente livre o percurso. Donde mesmo o argumento do GPS que o Ministério Publica emprega para afirmar que é um modo de controlo do trabalho do estafeta cai por terra. Este tem GPS pode até ser desligado. Mas mesmo ligado serve para permitir ao cliente (e eventualmente ao comerciante e até em última análise à Glovo) saber em que estado está a entrega solicitada. A existência de GPS é de ordem funcional: para que lhe sejam oferecidas entregas que sem esse não fariam sentido (para quê oferecer uma oferta de Trás os Montes a quem está no Algarve?). Mas a sua utilização não importa controlo algum pela R. pois esta nem sequer pode interferir no percurso, nem impor que seja seguido o do GPS ou este seja sequer utilizado. É ainda falsa a afirmação de que a R. dá instruções sobre o momento em que devem introduzir na aplicação a informação sobre a recolha. Só o fazem se o entenderem. Informam caso o cliente não compareça. É certo. Mas por isso mesmo pagam uma taxa de utilização da plataforma, para algum apoio técnico. No limite a encomenda pode ser deixada num local seguro e a Glovo irá cobrar o serviço ao cliente e este pagar (ao cliente e ao estafeta) mas a R. tem de ser informada de onde se encontra a encomenda. A intermediação é isso mesmo: fazer o elo de ligação entre comerciante, cliente e estafeta. Quanto ao facto de o estafeta estar inserido na organização produtiva da R. facilmente se vê que não é verdade. A R. não sabe se pode contar com este “trabalhador” nunca. O trabalho que ele fez hoje pode não o fazer amanha, e pode nunca mais o fazer. O facto de a R. não saber, a cada dia, quantos estafetas vai ter disponíveis a cada momento faz com que nunca exista uma organização produtiva estável. No limite a R. pode não poder promover qualquer serviço de entrega por falta de estafeta. Ora, fazer parte da organização produtiva é alguém saber que pode contar na sua cadeia de produção com outrem de forma a que organize o seu trabalho a contar com x mão de obra e x de encomendas. Não é o caso da R. que nunca sabe se aquele estafeta, ou qualquer outro, vai estar disponível para trabalhar para essa estrutura organizativa de produção. Em suma. Não só não está verificado o preenchimento da alínea como ainda se constata que NADA nos autos indicia a existência de um poder de direção e antes pelo contrário, inexiste subordinação jurídica e existe total autonomia do estafeta. Nenhuma ordem ou indicação sequer é dada pela R., senão a das suas condições de adesão (ter de fazer uso de um veículo e de mochila térmica) o que é apenas revelador de forma de gestão e eficácia do trabalho.”
Defende o Recorrente que, face ao ponto 5.1.3 dos Termos e Condições, o estafeta que acede à aplicação para ser remunerado por um serviço, aceita comportar-se perante o cliente da Ré de acordo com as regras que esta estabelecer, o que não é próprio do trabalho autónomo e que há regras específicas de prestação da actividade instituídas pela Ré como as relativas ao início da actividade, que o estafeta teve de registar-se na plataforma da Ré e tem que demonstrar cumprir todos os requisitos por esta exigidos, designadamente ter conta bancária, ter actividade aberta, ter uma mochila térmica, veículo próprio e, entre outros documentos, teve que juntar uma fotografia, que o estafeta cumpre procedimentos instituídos unilateralmente pela Ré como os relativos à necessidade de utilização da aplicação onde são inseridas todas as informações necessárias à execução do serviço, por exemplo os trâmites a seguir quando o cliente escolhe, na aplicação da Ré, pagar em numerário, que para utilizar os serviços da Ré tem de cumprir os requisitos do ponto 2.2. dos Termos e Condições e que os factos provado 14, 63 e 64 retratam os procedimentos que o estafeta deverá observar, por determinação da Ré, quando o cliente não se encontra no local de entrega da encomenda, concluindo que o procedimento de entrega gerido pela Ré encontra-se perfeitamente padronizado e decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré, sendo certo que o trabalho prestado no âmbito de uma estrutura económica organizada é um indício de subordinação quando as condições nucleares de execução da prestação da actividade são determinadas unilateralmente pelo seu beneficiário, quando este gere e organiza um sistema de processamento de serviço, tal como no caso em análise, onde o estafeta não tem clientela própria, quando este não fixa nem negoceia num patamar de igualdade os preços e condições, quando a Ré tem a possibilidade de desligar o prestador da sua aplicação ou de bloquear o acesso à sua conta em caso de incumprimento das suas obrigações.
Apreciando:
Antes de mais, tem razão o Recorrente quando afirma que a expressão “exerce o poder de direcção” é conclusiva.
O ponto 2.2. “ A sua aceitação”, dos TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS tem a seguinte redacção:
“
O ponto 5 dos Termos e Condições tem por título Obrigações Restrições e o ponto 5.1.3. tem a seguinte redacção:
“
A cláusula 2.2. respeita às condições que todos os prestadores de actividade devem aceitar para contratar com a Ré. São, pois, condições que se dirigem ao universo dos prestadores de actividade que querem contratar com a Ré e prévias a essa contratação, não se vislumbrando, em que medida se traduzem em regras específicas quanto ao modo de execução da prestação.
Não são normas que conformem a prestação, nem retratam um modo de exercer o poder de direcção.
No que respeita às normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros (cláusula 5.1.3) estas são aplicáveis a todos os utilizadores da Plataforma e, naturalmente, visam instituir um conjunto de regras de conduta entre todos os utilizadores, o que não é suficiente para se afirmar a existência de um poder de direcção e de regras específicas quanto ao modo de prestação da actividade.
Por outro lado, a necessidade de se registar e criar um conta que se compromete a manter activa para poder aceder aos pedidos que existem na plataforma e iniciar a actividade (facto provado 15), ou a necessidade de ter actividade iniciada na Administração Tributária (facto provado 16), são requisitos pré-contratuais e de cumprimento de legalidade, no que toca a este último, que condicionam a celebração da relação contratual, mas não a definem.
É certo que ficou provado que o estafeta tem de esperar 10 minutos pelo cliente caso este não esteja na morada e que, caso não pretenda esperar os dez minutos de que o cliente dispõe para chegar, pode recusar a entrega e não será pago por isso (facto provado 14), que quando o estafeta chega ao local e o cliente não se encontra no mesmo entra em contacto com o cliente e depois informa a Glovo desse facto enquanto aguarda dez minutos (facto provado 63) e que se volvidos os dez minutos o cliente não chega, o estafeta é pago pelo serviço efectuado excepto se o mesmo fosse pago em dinheiro pelo cliente, circunstância em que não recebem pelo serviço por o cliente não ter atendido (facto provado 64).
Ora, não existem dúvidas que os mencionados factos provados descrevem um procedimento instituído pela Ré e que respeita à execução do trabalho. Sucede, porém, que esse procedimento não tem cariz obrigatório, posto que, se o prestador da actividade não quiser esperar os mencionados 10 minutos recusa a entrega. Dessa recusa não decorre a violação do dever laboral de obediência por parte do prestador de actividade, mas apenas o não recebimento do pagamento do serviço.
Ou seja, o procedimento em causa não tem a configuração nem o peso de uma ordem que, a não ser cumprida, implicará um comportamento de desobediência e só estas é que relevam para efeitos da característica da alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º-A.
No facto provado 40 consignou-se que, no decurso do serviço de entrega, a aplicação, quando ligada, solicita aos estafetas que os mesmos assinalem a conclusão das seguintes atividades: chegada à morada do parceiro ponto de recolha, recolha dos artigos no parceiro, chegada à morada do utilizador cliente ponto de entrega; entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço, mas quando os estafetas não assinalam na aplicação a conclusão dessas atividades, não comprometem a execução do serviço, apenas recebendo o preço do serviço e ficando disponíveis para aceitar novos serviços quando comunicam a última das atividades que é a conclusão do serviço.
E no facto provado 41 consta que a aplicação informática indica a necessidade de ter acesso à geolocalização dos estafetas enquanto estes se encontram online a aguardar por uma oferta de serviço, a partir da aceitação do serviço os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso à sua localização sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização.
Os factos em causa retratam um procedimento da Ré. Mas também aqui não decorre dos factos provados que esse procedimento é obrigatório. E a verdade é que não é, pois depende de o prestador da actividade permitir, ou não, que a plataforma tenha acesso à sua localização. Ou seja, o prestador da actividade é livre de não permitir à Ré a sua geolocalização, não se tendo apurado qualquer penalização para tanto.
Quanto à necessidade de ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens (facto provado 15), inexistência de uma indumentária da Glovo (facto provado 61), acompanhamos a sentença recorrida sem necessidade de outras considerações, por desnecessárias.
E tal como concluiu a sentença, também entendemos que os factos indicados pelo Recorrente não permitem concluir pela existência de um poder de direcção da Ré sobre o prestador da actividade ou que se possa considerar que este está integrado na organização económica da Ré, pelo menos, de forma minimamente duradoura, posto que pode desligar-se da aplicação quando quiser e pelo tempo que quiser e fazer-se substituir sem que isso o impeça de voltar a conectar-se quando bem lhe aprouver ou não mais o fazer (cfr. factos 56 e 57).
Resta, pois, concluir que não merece reparo o entendimento do Tribunal a quo de que não se verifica a característica da al.b), do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT.
Sobre a alínea c) do artigo 12.º-A do CT (A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da actividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da actividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica), entendeu a sentença recorrida: “Neste tocante tudo quanto já afirmamos é válido e trata-se de repetir o já afirmado. O argumento empregue pelo Ministério Público reside, como já mencionado, na existência do GPS. Sustenta que o mesmo controla em tempo real a sua atividade. Mas já vimos que assim não é. O mesmo pode ser desligado. E isso significa que é o “trabalhador” que afinal exerce o poder de direção, já que este se encontra no controlo por via da geolocalização. Mas em rigor, o GPS serve para que sejam oferecidas ao estafeta ofertas de entregas que sem o GPS não têm forma de saber o local onde pode este aceitar. E se este o desligar durante a execução do serviço nenhuma consequência tem precisamente porque não é obrigatório que esteja ligado. Se estiver desligado apenas não recebe ofertas. Numa palavra. Não existe monitorização da entrega como sustenta o MP e nem esse resquício de supervisão existe por parte da R.. Note-se que o preceito afirma que a plataforma controla e supervisiona. Mas na verdade nenhum tipo de supervisão existe. Existe algo que o revela por completo: fazendo o estafeta um bom ou um mau trabalho, tendo demorado muito tempo por exemplo a efetuar uma entrega, o mesmo recebe sempre o mesmo tipo de pontos da R. (consoante o horário) mas apenas para efeitos de descontos. A classificação que o cliente atribui não é sequer relevante para a futura atribuição de ofertas ao estafeta. Não há supervisão nem controle de forma alguma (em momento algum a R vai ver à plataforma onde anda o estafeta ou sequer pode alertá-lo para mudar de itinerário ou apressá-lo) da tarefa desempenhada pelo estafeta. E sobretudo não há consequências exceto nas situações de gravidade previstas como fundamento de resolução do contrato ou de desativação da conta (e isso pode igualmente suceder com os clientes e quanto a estes não se discute o poder de direção e poder disciplinar). Em suma também esta alínea não se encontra preenchida.”
O Recorrente argumenta invocando que para lhe ser atribuído um pedido, o estafeta tem que estar ligado na plataforma da Ré e para terminar tem que concluir o procedimento, nessa mesma plataforma, pelo que é manifesto que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e a sua execução, que a possibilidade que o estafeta tem de prosseguir o caminho que considere mais adequado não se revela essencial já que o valor já se encontra fixado para o caminho que a Ré entende ser o mais curto, de acordo com critérios unilateralmente definidos, e que racionalmente o estafeta vai seguir, para despender o menor tempo possível, que o estafeta pode fazer a entrega com o GPS desligado, mas a necessidade de manter o GPS activo não se circunscreve ao momento da proposta de entrega, prolonga-se durante o período de execução da tarefa, cedendo a Ré este registo de geolocalização ao cliente para que este possa consultar, em tempo real, qual o tempo que a encomenda irá demorar a chegar ao seu destino final, que não são estabelecidos perfis ou realizadas avaliações de pessoas, mas sim sobre a execução do serviço e é manifesto que quem avalia um serviço, está também a avaliar quem o realiza/presta, pelo que, neste caso, o estafeta é avaliado e a Ré de forma clara avisa-o, que será considerada essa avaliação.
Apreciando:
Conforme decorre do facto provado 21, a Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de actividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efectuado e processado por parte da Glovo. Ou seja, dentro da área de actuação da Ré, o local de trabalho é livremente escolhido pelo prestador da actividade.
Acresce que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e a sua execução se o prestador da actividade tiver ligado o GPS. Mas o prestador da actividade não é obrigado a fazê-lo (cfr. factos provados 23, 24, 42 e 56). Assim, não estando o prestador da actividade obrigado a tal procedimento soçobra o argumento do Recorrente.
Quanto à avaliação do prestador da actividade, provou-se que, desde Maio de 2023, os utilizadores clientes finais são convidados a avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho e a plataforma torna-a visível apenas para o estafeta, da mesma forma que os clientes são convidados a avaliar os comerciantes que vendem os seus produtos, sem que tal seja usado para avaliar a qualidade da actividade ou a forma como é executada e sem influenciar a oferta de novos pedidos o que é designado de sistema de reputação (facto provado 55).
Estranha-se que os clientes finais sejam solicitados a avaliar a forma como o prestador da actividade executou o seu trabalho e que, dessa avaliação, não resultem quaisquer consequências, nomeadamente ao nível da diminuição de pedidos de entrega. Isto é, a Ré instituiu um denominado “sistema de reputação”, mas que, no fim de contas, não acarretará qualquer mais valia para o seu negócio!
De qualquer modo, o que ficou provado, por acordo das partes, é que a avaliação efectuada pelos terceiros-clientes - não é usada para avaliar a qualidade da actividade ou a forma como é executada, nem é um indicador que influencie a oferta de novos pedidos.
E, nessa medida, impõe-se concluir, como concluiu a sentença recorrida, não se mostrar preenchida a característica a que alude a al.c), do n.º 1, do artigo 12.º-A do CT.
No que respeita à alínea e), do n.º 1, do artigo 12.º-A do CT (A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de actividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras actividades na plataforma através de desativação da conta), escreve-se na sentença:”Novamente nada se verifica nesta alínea desde logo porque não existe poder disciplinar. Se o estafeta fizer um mau trabalho porque decidiu a meio do caminho parar para beber uma cerveja e chegar com um atraso grande e a comida fria nenhuma consequência existe. O que se estranha, pois, até numa prestação de serviços se exige algum controlo e disciplina. Mas a verdade é que não existe. Não há exclusão de ofertas para o prestador. Não há situações em que deixam de receber ofertas exceto quando decidem desativar a conta porque puseram em causa a segurança dos clientes, situações de fraude, por alguma obrigação legal não ser observada ou algum incumprimento grave da relação que possa conduzir à resolução. No mais não existe qualquer poder disciplinar. Por hipótese, como meio de reagir a uma insatisfação de um cliente pela demora no atraso não pode a R. deixar de atribuir ofertas de entrega ao estafeta por uns tempos, não pode desativar a conta. Pode só resolver o contrato e encerrar a conta, ou desativa-la temporariamente, mas nas situações previstas no contrato e supra referidas. Nem se veja na possibilidade de encerramento da conta uma forma de exercício supremo do poder disciplinar.Qualquer contrato, de qualquer natureza, pode ser resolvido, desde que as condições contratuais sejam violadas, e o cometimento de uma fraude, a colocação em causa da segurança dos clientes, ou a não observância de obrigações legais têm necessariamente de conduzir ao mesmo resultado de resolução do contrato. Se a Glovo não o fizesse, e permitisse aos estafetas continuar a fazer entregas nessas circunstâncias, estaria a prestar um mau serviço aos comerciantes e clientes que a ela recorrem. Não é, pois, uma forma de exercício do poder disciplinar mas a regulação e profissionalismo que a prática da sua atividade exigem perante terceiros. Não está, pois, verificada a presunção constante da alínea referida.”
Alega o Recorrente que dos factos provados 52 e 53 decorre que a Ré emitiu regras que configuram um poder sancionatório em caso de eventual incumprimento das obrigações do estafeta no seio desta organização, podendo retirar-lhe o acesso à aplicação, o que impedirá o estafeta de receber novas propostas de entrega e, consequentemente, de exercer aquela actividade profissional.
Vejamos:
Nos pontos 52 e 53 dos factos provados consta, respectivamente: “53. Tal como resulta do ponto 5.4.2. dos referidos “Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, “A GLOVO pode, mas não é obrigada, a monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições”. 54. A ré pode, igualmente, desativar a conta de comerciantes e de clientes em caso de violação de lei ou de fraude.”
A cláusula citada no facto provado 53 e o facto provado 54 revelam, em nosso entender, a possibilidade de a Ré resolver o contrato e desactivar a conta quer de utilizadores clientes, quer de utilizadores prestadores, pelo que esta paridade não nos permite concluir pela existência de um poder disciplinar, mas sim de um poder de resolver o contrato no caso de violação das cláusula contratuais, como é permitido a qualquer contratante. Na verdade, como refere a sentença recorrida, “Qualquer contrato, de qualquer natureza, pode ser resolvido, desde que as condições contratuais sejam violadas, e o cometimento de uma fraude, a colocação em causa da segurança dos clientes, ou a não observância de obrigações legais têm necessariamente de conduzir ao mesmo resultado de resolução do contrato.”
Faltou provar que a Ré aplica sanções pelo incumprimento da prestação a que se obrigou o prestador da actividade, pelo que resta concluir que não se verifica esta característica.
Por fim, no que concerne à al.f) do n.º 1 do artigo 12.º -A do CT (Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação), pronuncia-se a sentença assim: ”Quais são os instrumentos usados pelo estafeta? Veículo, mochila térmica e telemóvel assim como a plataforma. Vejamos então. Os três primeiros não são pertença da R.. São próprios do estafeta. E este tem que cuidar da sua manutenção. Resta a plataforma. Não obstante sempre se dirá que a plataforma é um instrumento, mas é um modo de aceder ao trabalho, e é muito pouco para que se possa sequer dizer que os instrumentos de trabalho são fornecidos pela R.. E é ainda uma forma de garantir a operacionalidade e eficácia dos serviços que presta a comerciantes e a clientes consumidores finais. Sem esta plataforma seria impossível a prestação de serviços tal qual hoje existe destas entregas por via on line e num tempo quase imediato ou curto. Vemos pois que também esta alínea não se encontra preenchida.”
Defende o Recorrente que a aplicação utilizada é o instrumento de trabalho mais relevante para o desenvolvimento desta actividade, sem a qual esta intermediação entre comerciantes, clientes e estafetas não seria possível, que a aplicação é a infraestrutura indispensável ao desenvolvimento deste modelo de negócio sendo gerida exclusivamente pela Ré e que a infraestrutura essencial da actividade aqui em causa é o software gerido pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias, na medida em que na mera posse destes instrumentos de trabalhado a prestação dos estafetas seria inviável.
Apreciando.
Ficou provado que, para se poder registar e exercer a referida actividade de estafeta através da plataforma da Ré, o estafeta tinha que ter actividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens (facto 16) e que, no dia 20.09.2023, pelas 20h05m, AA encontrava-se, no acesso ao ..., sito na ..., em Lisboa, onde existem vários estabelecimentos de restauração, no exercício das referidas funções de estafeta, quando foi identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) (facto provado 10). Face a esta factualidade podemos pressupor que o estafeta tinha um veículo (ou não, pois este pode não ser essencial ao desempenho da actividade), tinha uma mochila térmica e um telemóvel (samartphone), instrumentos de trabalho que consideramos serem essenciais mas que não pertencem à Ré.
Resta saber se, a Glovoapp, não obstante a sua natureza incorpórea, configura um instrumento de trabalho.
Sobre a questão escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.12.2024, acima citado: “Trata-se, cremos, efetivamente de um meio, de um instrumento utilizado, não obstante a sua natureza incorpórea, necessário para que a atividade possa ter lugar.E não se diga que a natureza da “aplicação informática” exclui que possa ser instrumento laboral, tendo de se reconduzir à plataforma digital, o que, com o devido respeito, não se afigura razoável, desde logo porque a plataforma e a App se diferenciam claramente, quer jurídica quer tecnologicamente, como realidades diversas; ao que acresce que não resulta de qualquer lado da lei que esta tenha pretendido retirar aos meios informáticos a qualidade de possíveis instrumentos de trabalho.”
Acompanhamos este entendimento que é consentâneo com o n.º 2 do artigo 12.º-A do CT que faz essa distinção quando refere: “2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.”
Ou seja, a plataforma digital é a pessoa colectiva que presta serviços à distância e a aplicação informática é um dos meios electrónicos que é utilizado pela plataforma digital para prosseguir o seu objecto e sem a qual o prestador da actividade não a pode exercer.
E essa distinção também se retira do facto provado sob 4 onde se refere que “Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados;”
Consequentemente, é de concluir pela verificação da característica a que alude a al.f) do n.º 1 do artigo 12.ºA do CT.
Em suma, no caso, não se mostram preenchidas, pelo menos, duas das características a que alude o n.º 1 do artigo 12.º-A do CT, nem do artigo 12.º do mesmo Código, pelo que, não podemos concluir que operou a presunção de laboralidade e, consequentemente, que entre AA e a Ré se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral.
E caso tivéssemos considerado que operou a presunção, o certo é que, face ao quadro factual provado, sempre se imporia concluir que a Ré ilidiu a presunção, como lhe era permitido de acordo com o disposto no artigo 12.º-A n.º 4 do CT e artigo 350.º n.º 2 do Código Civil.
Senão vejamos.
No ponto 7 dos factos provados consta que a Ré presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, de entre os quais, os utilizadores prestadores de serviços (estafetas) que pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”).
E no facto provado 12 consta que o prestador da actividade paga uma taxa quinzenal de €1,85 pela utilização da plataforma da R. como contrapartida do acesso aos outros utilizadores da plataforma, nomeadamente aos clientes, estabelecimentos, acesso a cobertura de seguro durante as entregas, aquisição de material, gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos, bem como o acesso a apoio a serviço de assistência da Glovo para problemas técnicos que possam advir.
Mesmo sem esquecer as especificidades desta relação contratual, cremos que o pagamento das mencionadas taxas é inconcebível numa relação laboral, sob pena de se poder afirmar que “o trabalhador ainda paga para trabalhar”.
Também se provou que os prestadores de actividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua actividade, ou seja, se prestam a sua actividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país (facto provado 18) e que a Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de actividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efetuado e processado por parte da Glovo (facto provado 20). Ou seja, é o prestador da actividade que, dentro da área geográfica onde opera a Ré, define, unilateralmente, o seu local de trabalho, o que não será típico de um contrato de trabalho.
Deveras incompatível com uma relação laboral é o facto provado de o prestador da actividade poder, inclusivamente, bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseja contactar (facto provado 19), ser ainda livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender (facto provado 25), poder aceitar não responder ou rejeitar o serviço proposto que, por sua vez, pode ter sido anteriormente rejeitado por outros utilizadores estafeta (facto provado 35), poder aceitar inicialmente um serviço e de seguida poder rejeitá-lo sem que tal afecte o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais serviços futuros (factos provados 36 e 44) e de não haver qualquer penalização pela rejeição de serviços propostos (facto provado 45). Ou seja, o prestador da actividade, à margem dos pedidos de recolha e entrega solicitados pela Ré, é livre de não aceitar serviços para determinados utilizadores clientes da Ré. E mesmo após aceitar a entrega pode cancelá-la sem que exista qualquer consequência para si (facto provado 26).
Mais, de acordo com os factos provados 22 a 24, 28 e 29 e 56, o prestador da actividade é livre para escolher o seu horário, para decidir quando se liga e desliga da Plataforma, para determinar durante quanto tempo permanece ligado, pode passar dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si e a sua conta continua activa e é livre de escolher os dias e horas em que pretende ligar-se à aplicação da ré. Isto é, o prestador da actividade trabalha quando quer e nas horas que melhor lhe dão jeito, o que não se compadece com uma relação laboral.
Por fim, incompatível, também, com a existência de uma relação de cariz laboral é o facto de o prestador de actividade ser responsável pela perda ou danificação dos produtos que transporta, donde o risco da actividade correr por conta do respectivo prestador e não do empregador como seria de esperar numa relação laboral.
Assim, face à factualidade que enunciámos, sempre seria de concluir que o prestador de actividade AA não está sujeito ao controlo, poder de direcção e poder disciplinar da Ré, prestando a actividade com efectiva autonomia.
Prejudicado fica o conhecimento da segunda questão suscitada no recurso.
Improcede, pois, o recurso devendo a sentença ser confirmada embora com fundamentação não totalmente idêntica.
Decisão
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isento o Recorrente (artigo 4.º n.º 1 al.a) do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique e registe.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2025
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Susana Martins Silveira -Voto a decisão e seus fundamentos, com excepção da parte em que considera estar verificado o facto índice da al. f), do n.º 1 do art. 12.º-A.