A alteração da matéria de facto que não implique a aplicação de um quadro normativo radicalmente diferenciado, não constitui obstáculo à dupla conforme.
Reclamação – artigo 405.º do CPP (n.º 41/2025)
I - Relatório:
O arguido AA foi condenado em 1.ª instância, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do CP, na pena de 300 dias de multa à razão diária de € 8,00, perfazendo a quantia de € 2.400,00.
N procedência parcial do pedido de indemnização formulado pela assistente BB e o demandante CC, o tribunal condenou os os demandados AA e “2..., Unipessoal, Lda”, no pagamento àqueles das seguintes indemnizações:
“1. da quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, sendo que à quantia €1.950,00 deve ser descontado o subsídio de funeral recebido e pago pelo Instituto da Segurança Social, a título de danos patrimoniais (despesas de funeral);
2. da quantia de €40.000,00, para ressarcimento do dano da morte de DD, absolvendo do demais peticionado;
3. da quantia de €35.000,00, para o ressarcimento dos danos não patrimoniais da assistente e do demandante, sendo €20.000,00, para a assistente BB e €15.000,00, para o demandante CC, absolvendo do demais peticionado;
4. às quantias suprarreferidas acrescem juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da sentença até integral pagamento.”
Não se conformando, o arguido AA e a demandada civil “2..., Unipessoal, Lda”, recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 18 de dezembro de 2024 decidiu: ------
“1) Rectificar o relatório da sentença recorrida nos termos determinados (II : B : 2.3);
2) Expurgar os factos dados como provados de juízos de valor nos termos determinados (II: B: 3.3);
3) Alterar o julgamento da matéria de facto provada e não provada nos termos referidos (Vide II: B: 4.2.7); e,
4) Em virtude da irrelevância destas alterações, julgam improcedente o recurso interposto pelo arguido e demandado civil AA e pela demandada civil “2..., Unipessoal, Lda”.
Inconformados, o arguido AA e a demandada civil sociedade “2..., Unipessoal, Lda” interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Recurso que não foi admitido por despacho de 5 de fevereiro de 2025, com o seguinte teor:
“O acórdão condenatório proferido, em recurso, por esta Relação não admite recurso na parte penal para o Supremo Tribunal de Justiça, pois confirmou decisão de 1.ª instância e aplicou pena não privativa da liberdade (artigos 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP).
Por outro lado, aquele acórdão também não admite recurso na parte relativa à indemnização civil para o Supremo Tribunal de Justiça, pois confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância relativamente às questões ora suscitadas pelos recorrentes, a saber: pressupostos da responsabilidade civil e quantum indemnizatório (artigos 432.º, n.º 1, al. b), 400.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, e art. 671.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 4.º do CPP)”.
Os recorrentes apresentaram reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, invocando em síntese, que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, não oferece o mesmo entendimento que a decisão proferida pela 1.ª instância em matéria de pressupostos de responsabilidade civil e quantum indemnizatório, designadamente por ter retificado o relatório da sentença e alterado o julgamento da matéria de facto provada, pelo que tendo em consideração que a fundamentação de facto que resulta da decisão da primeira instância e do acórdão proferido não é idêntica, uma vez que parte de pressupostos diferentes, deve o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça ser admitido
1. Face ao teor da reclamação, refere-se que o Tribunal da Relação ao retificar o relatório da sentença recorrida e ao alterar o julgamento da matéria de facto provada, não alterou o anteriormente decidido, quer no que concerne à matéria penal, no respeitante à integração do crime ou aos elementos de determinação da pena, quer no concernente à matéria cível, não alterando os montantes indemnizatórios fixados.
Não constituem, assim, elementos que afastem minimamente o juízo de conformidade.
Parte penal:
2. O critério de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida.
A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.
Artigo 400.º que, no n.º 1, alínea f), determina a irrecorribilidade de “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos”.
No caso, o acórdão da Relação, confirmou a decisão da 1.ª instância que aplicou ao arguido pena de multa.
Havendo dupla conformidade, como resulta diretamente das normas adjetivas citadas, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada aos recorrentes, pena superior a 8 anos.
Não sendo esse o caso dos autos, resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP.
3. Ainda que não houvesse dupla conformidade o acórdão da Relação, também não admitiria recurso.
Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.”.
No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito. O arguido foi condenado em 1ª instância. E, ademais, não foi aplicada pena privativa da liberdade.
Estamos, isso sim, perante um acórdão que aplicou pena de multa, cabendo assim na previsão do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, com a consequente, inadmissibilidade do recurso interposto.
Parte cível: ----
4. No caso concreto, embora se verifique a concorrência dos critérios do valor do pedido de indemnização civil e da sucumbência – artigos 400.º, n.ºs 2 e 3, do CPP – todavia, impõe-se ainda atender ao regime consagrado no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do artigo 4.º do CPP, à parte da sentença relativa à indemnização civil pedida e fixada em processo penal, que impede o recurso no caso de dupla conformidade decisória.
Sendo jurisprudência pacifica que a alteração da matéria de facto que não implique a aplicação de um quadro normativo radicalmente diferenciado, não constitui obstáculo à dupla conforme.
No caso, o acórdão da Relação, tirado por unanimidade, confirmou, sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1.ª instância (considerando irrelevantes as alterações à decisão em matéria de facto, manteve a condenação e os valores indemnizatórios fixados). Razão pela qual não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
5. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, deduzida pelo arguido AA e pela demandada civil sociedade “2..., Unipessoal, Lda”
Custas pelos reclamantes fixando-se a taxa de justiça a cargo de cada em 3 UCs.
Notifique-se.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves