I. Não admite recurso acórdão da Relação no segmento que agrava as penas parcelares aplicadas pela 1.ª instância, fixando-as em medida não superior a 5 anos de prisão.
II. É recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, mas apenas quanto à medida da pena única, acórdão da Relação proferido em recurso que agravada a pena conjunta – que a 1.ª instância havia fixado em 5 anos e com execução suspensa – para 7 anos de prisão efetiva (não há dupla conforme e a Relação aplicou pena superior a 5 anos de prisão).
Reclamação – artigo 405.º do CPP
I - Relatório:
O arguido AA foi condenado em 1.ª instância pela prática, em concurso efetivo, de 38 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos artigos 171.º nº 1 e 177.º n.º 1 alínea a), do CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão por cada crime.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e a obrigação de sujeição a tratamento psicológico e acompanhamento em consultas de sexologia.
Foi condenado, nos termos do disposto no artigo 69.º- B, n.º 2 do CP, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 6 anos.
E termos do disposto no artigo 69.º- C, nºs 2 , 3 e 4 do CP, foi ainda condenado nas penas acessórias de proibição de assumir a confiança de menor, adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 6 anos; e na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais pelo período de 6 anos.
Na procedência parcial do pedido de indemnização civil foi o demandado AA condenado a pagar à demandante BB a quantia de €8.000,00.
Não se conformando, recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 11 de dezembro de 2024, julgou procedente o recurso interposto, alterando as penas parcelares aplicadas a cada um dos 38 crimes de abuso sexual de crianças agravado cometidos pelo arguido AA, que fixou em 2 anos e 3 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, depois de refeito, ~condenou o arguido na pena única de 7 anos de prisão.
Confirmando, no mais, a decisão recorrida.
Inconformado, interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Recurso que não foi admitido por despacho de 4 de fevereiro de 2025, com fundamento nos artigos 399.º e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, tendo em conta que foi confirmada a decisão da 1ª instância e está em causa prisão não superior a oito anos.
O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, invocando em síntese, que foi condenado em 1ª instância, tendo o Tribunal de 2ª instância agravado a pena que lhe foi aplicada, pelo que em função deste agravamento, tem direito a dupla jurisdição, sendo certo que o Tribunal da Relação de Coimbra não confirmou a decisão de 1ª instância.
Mais refere, que a reclamação tem por base a alínea f), n.º 1 do artigo 400.º do CPP, afrontando esta norma os Direitos, Liberdades e Garantias, consagrados na Constituição (artigos 20.º e 32.º), devendo ser declarada a sua inconstitucionalidade, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da CRP.
E, para o caso de assim se não entender, deduz a inconstitucionalidade da norma da alínea f), nº 1 do art.º 400º do C. P. Penal, no sentido de que veda o direito ao recurso do arguido quando vê agravada a pena em que foi condenado em 1ª instância, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da CRP.
1. No que é relevante, para o conhecimento da reclamação, o arguido foi condenado em 1.ª instância, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática dos crimes enunciados.
Em recurso, o Tribunal da Relação agravou as penas parcelares aplicadas aos crimes de abuso sexual de crianças de 1 ano e 9 meses de prisão para 2 anos e 3 meses de prisão.
E agravou a pena única que fixou em 7 anos de prisão.
2. O critério de admissibilidade do recurso para o STJ reporta-se à pena concretamente aplicada, havendo para esse efeito que ter em conta, por um lado, as penas parcelares aplicadas e, por outro, a pena única em que o arguido foi condenado na decisão recorrida.
Com efeito, no respeitante à pena única não houve dupla conforme, tendo em conta que o Tribunal da Relação a elevou para 7 anos de prisão, uma vez que teve em conta para determinação do cúmulo jurídico a agravação das penas parcelares aplicadas pela prática dos crimes acima referidos.
Assim: -----
i. No respeitante às penas parcelares concretamente aplicadas, apesar de também não ter havido conformidade, uma vez que o acórdão da Relação, proferido em recurso, as agravou, o recurso, não é admissível recurso em 2.º grau, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP que estabelece serem irrecorríveis os “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos (…) ”, pois as penas aplicadas a cada um dos crimes nenhuma delas é superior a 5 anos de prisão.
ii. Mas, o recurso é admissível quanto à medida da pena única aplicada, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP porque, não só não há dupla conforme quanto à pena, como – decisivamente -, em razão do novo cúmulo jurídico efetuado, foi a pena conjunta – que em 1.ª instância havia sido fixada em 5 anos e com execução suspensa – agravada para os 7 anos de prisão efetiva, aplicados pela Relação em recurso, fixando-a em medida superior a 5 anos de prisão.
3. Com a procedência parcial fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na reclamação.
4. Nestes termos, defere-se a reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso, mas limitado à medida da pena única aplicada.
Sem custas.
Notifique-se
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves