EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
Sumário

I. Rejeitada pela maioria dos proprietários de empreendimento turístico reunidos em assembleia o orçamento apresentado para vigorar no ano seguinte, a regra é a da prorrogação de vigência do orçamento em vigor, tal como ficou a constar da acta respectiva em esclarecimento prestado pela administração, não sendo necessária deliberação nesse sentido.
II. Não constando tal solução expressamente, nem do Regulamento da Administração do Empreendimento, nem tão pouco do DL n.º 39/2008, deve tal lacuna ser preenchida com recurso à norma aplicável aos casos análogos (cfr. artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), podendo aqui convocar-se a Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro (Lei de Enquadramento Orçamental) então em vigor, mais especificamente o seu artigo 58.º.
III. Constituem título executivo composto para cobrança das prestações relativas ao ano seguinte as actas das deliberações que aprovou o orçamento e aquela em que o orçamento para o ano seguinte foi rejeitado e da qual ficou a constar o esclarecimento prestado pela Entidade Exploradora no sentido de continuar em vigor o orçamento antes aprovado, a funcionar em regime de duodécimos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 4449/23.T8STB-A.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 1


I. Relatório
Por apenso à execução que lhe é movida por (…), Lda., com sede em Quinta do (…), (…), para cobrança coerciva da quantia de € 6.294,69 (seis mil e duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e nove cêntimos) e juros, veio a executada (…) – Unipessoal, Lda., com sede em Lisboa, deduzir embargos de executado com fundamento, para além do mais e para o que ora releva, na falta de título executivo, os quais foram julgados totalmente improcedentes.

Inconformada, apresentou a executada/embargante o presente recurso e, tendo desenvolvido na alegação os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª O presente recurso visa, em exclusivo, o entendimento e interpretação contidos na decisão do douto tribunal recorrido de que a Exequente tem título executivo suficiente para fundamentar a execução contra a Recorrente por contribuições ao empreendimento no ano de 2023;
2.ª Para que uma acta de uma assembleia de proprietários de um empreendimento turístico possa valer como título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas despesas comuns é necessário que essa acta (ou o conjunto dos documentos que compõem um título executivo do tipo complexo) respeite as exigência da lei geral, e em especial os n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94;
3.ª As exigências são que essa acta reúna cumulativamente os seguintes requisitos: a) existência de uma deliberação; b) menção do montante anual a pagar por cada condómino; c) menção da data de vencimento das contribuições ;
4.ª No caso em apreço, não consta da Acta n.º 12 da assembleia de proprietários de 12/12/2022 do Aldeamento Turístico (…) qualquer deliberação de aprovação de orçamento de despesas comuns para o ano de 2023;
5.ª Na acta n.º 12 consta que “a proposta de orçamento para 2023 não foi aprovada”, o que significa que foi apresentada, discutida e reprovada uma proposta de orçamento para 2023;
6.ª A menção “(...) tendo-se colocado a questão sobre a situação após 1 de Janeiro de 2023, ficou claro para todos que se manterá em vigor, em regime de duodécimos, o orçamento para 2022 (...)” constante dessa acta n.º 12 não é válida nem apta a ser tida e muito menos interpretada como uma deliberação para efeitos do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, desde logo porque não foi sujeita a discussão ou votação, tal como consta e é atestado pela própria acta;
7.ª Os documentos dados à execução são juridicamente insuficientes como título executivo e não podem servir de base à presente execução contra a Recorrente por dívidas de despesas comuns do Aldeamento Turístico (…) para o ano de 2023;
8.ª Ao ter julgado improcedentes os embargos nesta parte, o tribunal recorrido interpretou incorretamente e violou, em especial, os n.ºs 1 e 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 268/94.”.
Termina requerendo a revogação da sentença recorrida e sua substituição por acórdão que decrete a procedência dos embargos deduzidos.

Contra alegou a exequente, defendendo naturalmente a manutenção do julgado.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão submetida à apreciação deste Tribunal determinar se a exequente apresentou título executivo bastante.
*
II. Fundamentação
De facto
Sem impugnação, é a seguinte a factualidade relevante a considerar, tal como consta da sentença apelada:
1. No requerimento executivo, entrado em juízo em 18.06.2023, alega-se o seguinte:
“Factos:
O Empreendimento Turístico (…) sito na localidade e freguesia da Quinta do (…), concelho de Palmela, rege-se pelo seu Título Constitutivo que inclui o seu Regulamento. O empreendimento foi licenciado pelo Turismo de Portugal, IP, e a sociedade (…), Lda. (sociedade comercial por quotas com sede na Rua …, 22, Gabinete 2, Quinta do …, pessoa coletiva, contribuinte fiscal e matriculada no Registo Comercial de Palmela com o n.º …) exerce a exploração turística do Empreendimento, e por inerência dessas funções exerce a gestão das partes comuns do Aldeamento, cabendo-lhe, para fazer face às consequentes despesas, arrecadar as contribuições dos comproprietários de todos os imóveis existentes no perímetro do Empreendimento.
A Executada, sociedade por quotas de responsabilidade limitada com a denominação comercial (…) – Unipessoal, Lda., pessoa coletiva, contribuinte fiscal e inscrita no Registo Comercial com o n.º (…), com sede na Rua (…), n.º 17, cv dtº, 1200-695 Lisboa, é titular do prédio urbano inscrito na matriz no artigo (…) e descrito no Registo Predial no número (…), ambos da freguesia da Quinta do (…),, concelho de Palmela, constituído por lote de terreno para construção urbana com vista a 34 apartamentos do tipo T0-C os quais estão descritas no título constitutivo do Aldeamento Turístico (…) nos números (…) a (…). (docs. 1 a 3).
Para aquele Aldeamento foi elaborado e aprovado um Regulamento a que todos os proprietários e outros utilizadores do Aldeamento estão sujeitos (doc. 4), cujo Capítulo Terceiro versa sobre Despesas e Encargos Comuns.
Estabelece-se no número 1 do artigo 10º daquele Regulamento que “constituem despesas comuns a serem suportadas por todos os proprietários de frações imobiliárias, na proporção das respetivas permilagens, todas as despesas ordinárias e extraordinárias de interesse geral, relativas à gestão e administração do Empreendimento, seu funcionamento, vigilância, segurança, conservação e limpeza das instalações e Equipamentos de Uso Comum …”
No n.º 1 do artigo 12.º está descrito um rol de despesas inequivocamente consideradas de uso comum.
O pagamento dessas despesas e encargos comuns faz parte duma contribuição anual determinada em Assembleia Geral de Comproprietários, a prestar por estes, no mínimo em quatro vezes com vencimento no dia um dos meses de janeiro, abril, julho e outubro e pagamento no primeiro dia útil após o dia oito do mês do vencimento (n.º 1 do artigo 14º do Regulamento e n.º 2 do artigo 1041.º do Código Civil).
Nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do Regulamento, as despesas extraordinárias, previstas ou não no orçamento anual, serão liquidadas pelos proprietários das frações imobiliárias à medida que foram sendo efetuadas, devendo ser pagas no prazo de cinco dias a contar da apresentação do respetivo comprovativo pela Administração do Empreendimento.
No artigo 17.º do Regulamento são determinados juros e penalidades por eventuais incumprimentos dos prazos de entrega das contribuições, juros que serão à taxa anual de 4% e penalidades que serão à taxa de 5% ao mês durante os primeiros seis meses de incumprimento e à taxa de 10% ao mês a partir do início do sétimo mês de incumprimento.
Nos termos do artigo 41.º do Regulamento em tudo o que não estiver especificadamente regulado no Regulamento e respetivos anexos, observar-se-ão, com as necessárias adaptações, as disposições do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos [RJET).
E nos termos do artigo 52.º do mesmo diploma, consideram-se empreendimentos turísticos em propriedade plural aqueles que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios, esclarecendo ainda que as unidades de alojamento dos empreendimentos turísticos podem constituir-se como frações autónomas nos termos da lei geral.
Por sua vez o artigo 53.º do RJET determina que às relações entre os proprietários dos empreendimentos turísticos em propriedade plural é aplicável, subsidiariamente, o regime da propriedade horizontal.
O Decreto-Lei n.º 268/94 na sua redação atual regula normas do Código Civil referente à Propriedade Horizontal, determina no seu artigo 6º:
1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.ºs 1 e 3.
5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.
A Executada (…) – Unipessoal, Lda. não prestou as contribuições a que está obrigada referente ao imóvel sito no Aldeamento Turístico (…) de que é titular como melhor consta do doc. 5 junto, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, e que se venceram em 12 de janeiro e em 10 de abril de 2023.
Considerando o soma do valor das contribuições de cada uma das unidades imobiliárias, o coeficiente de cada uma dessas unidades face à totalidade do empreendimento, o tempo decorrido até à data da instauração desta execução e as datas dos vencimentos das contribuições, as taxas dos juros de mora e as taxas das penalidades, a executada deve de contribuições vencidas em 2023 (até 1 de abril), € 5.234,70, de juros de mora à taxa anual de 4% € 65,40, de penalidades à taxa mensal de 5% € 994,59 e à taxa mensal de 10% € 0,00, no total de € 6.294,69.
Os valores indicados serão, necessariamente, acrescidos com as contribuições e despesas extraordinárias que se vencerem até à data em que vier a ocorrer o pagamento, com juros e penalidades regulamentares atualizadas e custas judiciais, incluindo as de parte e emolumentos e honorários devidos pela ação de execução.
A ata da Assembleia Geral de Comproprietários que teve lugar em 12 de novembro de 2022 (doc. 6) na qual foi determinado que a proposta das contribuições a prestar pelos Comproprietários no ano de 2023 não foi aprovada, foi mantida em vigor para o ano de 2023 as contribuições antes fixadas para o ano de 2022, ficando a constar em anexo à ata e dela fazendo parte integrante, os documentos que esclarecem o montante a pagar por cada comproprietário e as datas dos vencimentos das contribuições.
Na Assembleia Geral de comproprietários realizada no dia 12 de novembro de 2022 posto à votação o orçamento das receitas e despesas para vigorar em 2023 teve o seguinte resultado:
- Votos contra o orçamento apresentado: 70,34350%o
- Abstenções 201,851%o
- Votos a favor do orçamento aprovado: 114,410%o
A proposta do orçamento não foi aprovada.
Perante a deliberação da Assembleia e tendo-se colocado a questão sobre a situação após 1 de janeiro de 2023, ficou claro para todos que se manteria em vigor, em regime de duodécimos, o orçamento aprovado para 2022, o qual se anexa à presente ata com o anexo X (doc. 7)
A ata número 12 de 12 de novembro de 2022 e bem assim o seu anexo X (docs 6 e 7), constitui TÍTULO EXECUTIVO, nos termos do número 2 do artigo 6º do Decreto-Lei 268/94, na sua versão atual.
(…)
LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Valor Líquido: 6.294,69 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
__________________________
Total: 6,294,69 €
(…)”.
2. Na ata da assembleia de condóminos realizada no dia 12.12.2022 (ata n.º 12) pode ler-se além do mais o seguinte:
“(…)
A proposta de orçamento não foi aprovada.
Perante esta deliberação e tendo-se colocado a questão sobre a situação após 1 de Janeiro de 2023 ficou claro para todos que se manterá em vigor, em regime de duodécimos, o orçamento aprovado para 2022, o qual se anexa à presente acta como Anexo X.
(…)”.
3. Na ata da assembleia de condóminos realizada no dia 13.11.2021 (ata n.º 10) pode ler-se além do mais o seguinte:
“(…)
O orçamento proposto foi aprovado por maioria, ficando em anexo à presente acta a apresentação apresentada sobre o mesmo (…) como Anexo 7.
4. No anexo 7. referido no ponto anterior consta o valor das contribuições do lote A-13, correspondente às frações imobiliárias (…) a (…).
5. Acha-se inscrita no registo predial, desde 26.04.2021, a favor da embargante, por compra a (…) (…), S.A., a aquisição do prédio urbano correspondente ao lote de terreno para construção urbana designado pelo n.º A-13 descrito na CRP de Palmela sob o n.º (…) da freguesia de Quinta do (…).
6. Na escritura de compra e venda do lote de terreno referido no ponto anterior, celebrada em 23.04.2021, a vendedora fez a seguinte declaração:
“Que o valor da prestação periódica devida pelo titular do prédio, no primeiro ano, nos termos do título constitutivo, é de sessenta cêntimos mensais por metro quadrado de área construída.
Que o título constitutivo do empreendimento turístico onde o identificado prédio se insere foi depositado em dezassete de Novembro de dois mil e quatro (…)”.
7. Por deliberação adotada em assembleia de 02.04.2022, foi aprovada a candidatura da exequente como “Entidade exploradora” do “Aldeamento Turístico (…)”.
8. A exequente está registada no Turismo de Portugal, IP, como “Entidade exploradora” do “Aldeamento Turístico (…)” (RNET n.º …, onde consta que o título constitutivo foi depositado em 17.11.2004).
9. Os artigos 10.º, 14.º, 17.º, 20.º, 34.º e 41.º do Regulamento do “Aldeamento Turístico (…)” têm, além do mais, a seguinte redação:
“(…)
Artigo 10.º - Despesas e Encargos Comuns
Constituem despesas comuns a serem suportadas por todos os proprietários de frações imobiliárias, na proporção das respetivas permilagens, todas as despesas ordinárias e extraordinárias de interesse geral, relativas à gestão e administração do Empreendimento, seu funcionamento, vigilância, segurança, conservação e limpeza das instalações e Equipamentos de Uso Comum (…)
(…)
Artigo 14.º - Prestação Periódica e despesas extraordinárias
1. A prestação periódica será paga pelos proprietários das fracções imobiliárias em 4 (quatro) prestações a pagar até ao dia 8 (oito) dos meses de Janeiro, Abril, Julho e Outubro, de montantes iguais ou não, que deverão ser previstos no orçamento anual, de acordo com a natureza, volume e desenvolvimento das despesas comuns no tempo.
2. As despesas extraordinárias, quer estejam previstas ou não no orçamento, serão liquidadas pelos proprietários das frações imobiliárias à medida que foram sendo efetuadas, devendo ser pagas no prazo de 5 (cinco) dias a contar da apresentação do respetivo comprovativo pela Administração do Empreendimento.
(…)
Artigo 17.º - Juros e Penalidades
1. Os proprietários de fracções imobiliárias que não efectuarem os pagamentos devidos nos prazos referidos no artigo 14º pagarão os juros de mora à taxa legal aplicável, contados a partir da data do vencimento das contribuições em dívida, independentemente de interpelação. A Administração do Empreendimento poderá promover a cobrança do crédito judicialmente, ficando o proprietário de fracção imobiliária faltoso sujeito ao pagamento das custas e honorários relativos ao processo judicial.
2. Sem prejuízo das penas e juros previstos na lei e no presente Regulamento, os proprietários de fracções imobiliárias que não efectuarem o pagamento devido nos prazos referidos no artigo 14º ficam ainda sujeitos à aplicação de uma penalidade correspondente a 5% do montante em dívida, por cada mês a partir do primeiro mês e até ao final do sexto mês, e a 10% do montante em dívida, por cada mês a partir do sétimo mês, até integral pagamento do montante devido.
3. A acta da Assembleia Geral que identificar as dívidas e os respectivos responsáveis constitui título executivo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 46.º do Código de Processo Civil.
(…)
Artigo 20.º - Direitos dos Proprietários de Fracções Imobiliárias
1. Todos os proprietários de fracções imobiliárias têm direito, mediante o pagamento pontual das despesas e encargos comuns previstos no artigo 10.º do presente Regulamento, a beneficiar da utilização, por si ou pelos seus familiares, das Instalações e Equipamentos de Uso Comum do Empreendimento e dos Serviços de Utilização Turística de Uso Comum nos termos adiante definidos.
(…)
Artigo 34.º - Designação, mandato, composição e competências da Administração
1. A gestão corrente das Instalações e Equipamentos de Uso Comum, bem como a fiscalização do cumprimento do presente Regulamento e das deliberações da Assembleia Geral de Proprietários competem à Administração do Empreendimento.
2. As funções do Administrador do Empreendimento são exercidas pela respectiva entidade exploradora.
(…)
4. Enquanto Administradora do Empreendimento compete à entidade exploradora, entre outras, as seguintes funções:
(…)
c) Exigir dos proprietários de fracções imobiliárias o pagamento da sua prestação periódica e dos demais montantes exigíveis;
(…)
Artigo 41.º
Em tudo o que não estiver especificamente regulado no presente Regulamento e respetivos anexos, que dele fazem parte integrante, observar-se-ão, com as necessárias adaptações, as disposições do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos.
(…)”.
10. Nos autos de execução, antes de efetuada a citação, a AE procedeu à penhora de depósitos bancários existentes em conta do (…) Banco, um no valor de € 7.350,00, outro no valor de € 4.000,00, fazendo constar dos autos de penhora o valor de € 6.294,69 como correspondendo à dívida exequenda (autos de penhora de 10.07.2023 e de 26.09.2023).
*
II. De Direito
Do título executivo
Ensina o Prof. Lebre de Freitas que a acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado, providenciando “(…) pela realização coativa de uma prestação devida”[2]. Pressupõe por isso “(…) a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo. A declaração ou acertamento (dum direito ou de outra situação jurídica; dum facto), que é o ponto de chegada da acção declarativa, constitui na acção executiva o seu ponto de partida”[3]. Vale isto por dizer que a pretensão material está “acertada”, no sentido de sobre ela não dever ter lugar mais nenhuma controvérsia no processo executivo. E é porque o título executivo contém esse acertamento que dele se diz constituir “base da execução”, por ele se determinando “o fim e os limites da acção executiva” (n.º 5 do artigo 10.º), isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela.
Conforme se explicou no acórdão deste mesmo TR de 5 de Novembro de 2020 (proferido no processo n.º 3152/10-0T8LLE-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, subscrito pela ora relatora como 1.ª adjunta), dentre os vários títulos que podem servir de base à execução constam os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC, sendo um destes títulos precisamente aquele a que alude o artigo 6.º do mencionado DL n.º 268/94, de 25 de Outubro.
Dispõe-se no referido artigo 6.º que é título executivo contra o proprietário em mora “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.
Não questionando propriamente que as actas da assembleia de proprietários a que se refere o artigo 63.º do DL n.º 39/2008, de 7 de Fevereiro (com as alterações introduzidas pelos DL n.º 228/2009, de 14 de Setembro; 15/2014, de 23 de Janeiro; 128/2014, de 29 de Agosto; 186/2015, de 23 de Setembro, 80/2017, de 30 de Junho, e 9/2021, de 9 de Janeiro) possam constituir títulos executivos, conforme entendimento defendido na sentença apelada na esteira de consistente jurisprudência, designadamente deste mesmo TRE – sirvam de exemplo os acórdãos de 24.02.2022, proferido no proc. n.º 1372/20.6T8LLE-A.E1, de 28.04.2022, proc. n.º 1276/20.2T8LLE-A.E1, acessíveis em www.dgsi.pt – insiste no entanto a apelante que a acta dada à execução, ainda que acompanhada dos documentos referenciados na matéria de facto apurada, não reúne os requisitos de exequibilidade, conforme os formula o citado artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25/10.
Vejamos se lhe assiste (ou não) razão.
Antes de mais, cabe esclarecer que o título executivo apresentado pela apelada se apresenta como complexo, compreendendo a acta da assembleia de 12/12/2022, na qual ficou consignado que, não tendo sido aprovado o orçamento para o ano de 2023, continuava em vigor o orçamento aprovado em 13/11/2021, a funcionar em regime de duodécimos, a acta da assembleia geral que teve lugar em 13/11/2021, na qual resultou aprovado o orçamento para 2022 e mapa anexo, discriminando a prestação trimestral a cargo de cada proprietário em função da correspondente permilagem, tendo ainda sido junto quadro de apuramento dos montantes em dívida relativamente à executada, com referência a 31/12/2023.
Resulta dos termos do antes transcrito artigo 6.º do DL 268/94 que as actas a que atribui força executiva são aquelas que contemplam i. a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio; ii. a fixação da quota-parte devida por cada condómino nessas despesas e contribuições; iii. a fixação do prazo de pagamento respectivo.
A apelante não questiona que a acta da assembleia que teve lugar em 13/11/2021 e aprovou o orçamento para o ano de 2022 tem natureza constitutiva da dívida, recusando no entanto que possa servir de base à execução para efeitos de cobrança das prestações em dívida em relação ao ano de 2023. Mas a verdade é que pode.
Com efeito, ao invés do que a apelante parece considerar, rejeitado pela maioria na assembleia de 12/12/2022 o novo orçamento apresentado, a regra é a da prorrogação de vigência do orçamento em vigor. É certo que tal solução não consta expressamente, nem do Regulamento da Administração do Aldeamento Turístico (…), nem tão pouco do DL 39/2008. Todavia, tal lacuna pode e deve ser preenchida com recurso à norma aplicável aos casos análogos (cfr. artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil), podendo aqui convocar-se a Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro (Lei de Enquadramento Orçamental) então em vigor, mais especificamente o seu artigo 58.º. Deste modo, e ainda que não constasse da acta o esclarecimento prestado pela Entidade Exploradora no sentido de continuar em vigor o orçamento antes aprovado, a funcionar em regime de duodécimos, tal seria a solução legal, sem necessidade de nova deliberação. E assim é porque, competindo embora à AGP, nos termos do artigo 63.º, n.º 2, do DL 39/2008, a) Eleger o presidente de entre os seus membros; b) Aprovar o relatório de gestão e as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas; c) Aprovar o programa de administração e conservação do empreendimento; d) Aprovar, sob proposta do revisor oficial de contas, a alteração da prestação periódica, nos casos previstos no n.º 9 do artigo 56.º; e) Accionar a caução de boa administração; f) Destituir a entidade administradora do empreendimento, nos casos previstos no artigo 62.º; g) Deliberar sobre qualquer outro assunto que lhe seja submetido pela entidade administradora do empreendimento”, em parte alguma lhe é deferida competência para deliberar a prorrogação de vigência do orçamento em caso de reprovação da proposta de orçamento para o ano seguinte, o que bem se compreende, pois no caso da assembleia rejeitar essa solução tal implicaria a paralisação absoluta do empreendimento, com prejuízos evidentes para todos os proprietários, entidades exploradora, trabalhadores, clientes e fornecedores.
Atento o que se expôs, estava a apelante executada vinculada ao pagamento das prestações determinadas no orçamento aprovado para o ano de 2022, e que vigorou igualmente para o ano de 2023, conforme resulta das actas apresentadas, as quais constituem título executivo, por delas constar deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas, a fixação da quota-parte devida por cada um dos proprietários, incluindo a apelante, nessas despesas e contribuições, bem como o prazo de pagamento, vencendo-se a prestação trimestralmente.
Deste modo, sendo a obrigação exequenda certa, exigível e liquidável face ao título executivo apresentado -título composto- e tendo a exequente procedido à sua liquidação aquando da apresentação do requerimento executivo, nada obstava ao prosseguimento da execução. Tal como foi decidido na sentença recorrida e aqui se confirma.
*
Sumário: (…)
*
III. Decisão
Acordam as juízas que constituem o Colectivo da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv).
Évora, 27 de Fevereiro de 2025
Maria Domingas Simões
Cristina Dá Mesquita
Rosa Barroso


__________________________________________________
[1] Sr.ªs Juízas Desembargadoras Adjuntas:
1.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Des. Cristina Dá Mesquita;
2.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Des. Rosa Barroso.
[2] Prof. Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, pág. 16.
[3] Idem, pág. 28.