LEGITIMIDADE PASSIVA
SOCIEDADE
SÓCIO
TERCEIROS
Sumário

1 - A expectativa, expressada pelo recorrente, de que os recorridos o ressarcissem dos valores que despendeu, e independentemente do que tenham, eventualmente, combinado, não se baseia, objectivamente, em qualquer transferência que tenha efectuado para os patrimónios daqueles, nem em qualquer enriquecimento efectivo desses mesmos patrimónios.
2 - Assim, os factos alegados não consubstanciam qualquer título jurídico idóneo para sustentar a pretensão de condenação dos recorridos a restituírem-lhe a quantia de € 62.665,25, nomeadamente o enriquecimento sem causa ou a responsabilidade civil, contratual ou aquiliana.

Texto Integral

Processo n.º 1407/23.0T8STR-B.E1

Autor/recorrente: (…).

Réus/recorridos: (…) – Actividades Desportivas, Lda.; (…); (…).

Pedido:

Condenação dos réus a restituírem, ao autor, a quantia de € 62.665,25, bem como a quantia que se vier apurar no que diz respeito ao pagamento do material aplicado nas instalações da primeira ré, acrescido do montante de juros vencidos a partir da citação.

Segmento do despacho saneador objecto do recurso:

Julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus (…) e (…) e, em consequência, absolveu-os da instância.

Conclusões do recurso:

I. Refere o douto despacho saneador que: «Constata-se que o autor não alega factos de onde pretende extrair a conclusão que o segundo e terceiros réus são solidariamente responsáveis pelo pagamento do crédito que se arroga sobre a ré sociedade, em virtude da sua qualidade de sócios da sociedade ré.»

II. Concluindo pela absolvição da instância dos réus (…) e (…), como partes ilegítimas da acção.

III. Entende-se que o douto despacho não fundamenta de todo a decisão proferida.

IV. Nem sequer menciona a disposição legal nos termos da qual assenta a absolvição.

V. A não invocação de qualquer disposição legal que fundamente a opção tomada, enquadra-se na situação tratada no acórdão da Relação de Coimbra de 12.07.1975 (…).

VI. Na verdade, «o dever de fundamento de todas as decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta na necessidade de as partes serem não só esclarecidas, mas também convencidas do seu acerto (Alberto dos Reis, Comentário, 2º - 172 e Anotado, 1º - 172), uma vez que o seu valor extrínseco, independentemente da decisão se impor por si mesma, flui da motivação, cuja função pedagógica social não se pode subestimar» [comentário 2 ao artigo 158.º (actual artigo 154.º) do CPC Anotado Abílio Neto, 21ª Edição, pág. 311].

VII. A obrigação de fundamentar, prevista no artigo 154.º do CPC, cumprindo a obrigação constitucional que decorre do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, destina-se não só a assegurar o direito ao recurso devidamente informado sobre as razões da decisão desfavorável, mas também a esclarecer e convencer as partes sobre o acerto (ou não) de qualquer decisão judicial.

VIII. Assim, não estando a referida decisão fundamentada, o despacho recorrido viola o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, e no artigo 154.º, n.º 1, do CPC, sendo nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicável nos termos do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo Código.

IX. Contudo, peticionou o ora recorrente o seguinte, e em concreto na petição inicial:

«35. Com vista à prossecução do projecto e para que o mesmo pudesse concretizar-se, o autor foi efectuando os pagamentos do material e trabalhos supra referidos, bem como entregas de numerário para pagamento dos campos de Padel, que depositaram em contas suas para pagamento.

36. Tudo o pressuposto da confiança, amizade e respeito que o autor nutre pelos segundo e terceiro réus, pessoas do seu conhecimento desde alguns anos.

37. Esperando, contudo, e porque assim era o combinado, que o ressarcissem dos valores entretanto despendidos.»

X. Resulta do disposto no artigo 264.º, n.º 1, Código Civil, que cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir, não podendo o juiz – n.º 2 – fundar a decisão em factos que não sejam alegados por elas, «sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.»

XI. Ao discorrer sobre a importância da P.I., A. Varela e outros, referem que ela nasce «do princípio base da iniciativa das partes» corolário do princípio do dispositivo, mencionando-se que «a acção não pode nascer da iniciativa do juiz», sendo «mais premente a menção das razões de facto do que as razões de direito» face ao comando do artigo 664.º que, em sede de matéria de facto, cinge o juiz aos factos alegados pelas partes, dando-lhe apenas liberdade quanto à interpretação e indagação do direito: «da mihi factum dabo tibi ius.»

XII. Como ensina A. de Castro, o princípio do dispositivo decorre do princípio do pedido ou «princípio da iniciativa das partes: nemo iudex sine actore, ne procedat iudex ex officio.»

XIII. Na sequência lógica deste princípio, vigora entre nós a teoria da substanciação em que ao autor cabe definir o objecto da acção, formulando o pedido e a causa de pedir, indicando os factos concretos em que baseia a pretensão que quer acautelar.

XIV. Recordados estes princípios jurídicos processuais, vejamos então, em que factos se baseia o autor para fundamentar aquela pretensão: Quando o autor descreve as obras, a forma e lugar, bem como o espaço temporal em que as mesmas foram executadas, bem como a forma e fornecimento dos campos de padel e a forma de pagamento dos mesmos.

XV. Ainda a forma como o ora recorrente (autor) e réus (…) e (…) combinaram o pagamento das ditas obras e equipamento, nomeadamente o vertido nos pontos 35 a 37 da petição inicial, supra transcritos.

XVI. Ou seja, o ora recorrente adiantou e investiu na ré sociedade, não só em nome desta, mas também em nome dos réus (…) e (…), convicto de que seria ressarcido, posteriormente, do investimento efectuado.

XVII. O investimento é feito em nome dos sócios, e da sociedade (criação do espaço e instalação de campos de padel).

XVIII. Não se encare como investimento, somente, e, em nome da sociedade ré, que ainda em termos materiais, estando já constituída, não estava a cumprir a sua finalidade – gerar lucro.

XIX. Não se pode encarar doutra forma, senão o que está vertido na petição inicial, o investimento foi efectuado, pagando em nome dos sócios e da sociedade, obras, material e equipamento em nome, e simultaneamente em nome e representação de todos, mas que vieram a ficar na titularidade da sociedade ré.

XX. A petição inicial, cumpre os requisitos no que respeita ao instituto do enriquecimento sem causa, e não deixa de especificar os factos que consubstanciam o descrito destas alegações.

XXI. Não se trata apenas de uma divida da sociedade ré porque esta detém o património e obras que o autor pagou.

XXII. Trata-se ainda e também de uma posição de credor (que o ora réu adquiriu) perante dos réus sócios (… e …) ao antecipar e pagar os custos das obras e demais equipamento, em nome de todos.

XXIII. Pelo que, não pode deixar de se considerar que os réus (…) e (…) são, efectivamente partes legítimas.

XXIV. Portanto, o autor fundamenta a acção em factos caracterizadores de responsabilidade civil contratual, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil.

XXV. Como ensina Maria Victória R. F. da Rocha «o artigo 800.º, n.º 1, consagra o princípio geralmente reconhecido nos direitos modernos da responsabilidade do devedor perante o credor pelos actos das pessoas que utilize no cumprimento da obrigação como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor …. caso de responsabilidade objectiva… em que o devedor responde independentemente de culpa sua in eligendo, in vigilando ou in instruendo».

XXVI. A mesma autora ensina que a «ratio do artigo resulta de necessidades práticas económico-sociais que se manifestam na necessidade de responderem pelos riscos da actividade aqueles que dela tiram proveitos; na exigência de garantir ao credor a indemnização, que seria precária dada a falta de acção contra e/ou a provável insolvência dos auxiliares; da consideração da libera electio, reconhecida ao devedor, dos meios idóneos execução, e da extraneidade do credor relativamente a esta escolha».

XXVII. Centrando o busílis da questão, importa que, a noção legal de legitimidade, quer activa, quer passiva, encontra-se plasmada actualmente no artigo 30.º do Código de Processo Civil.

XXVIII. De acordo com o n.º 1, do referido dispositivo, «o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer».

XXIX. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo esclarece que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha, precisando o n.º 3 que «na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor».

XXX. Enquanto que, para o primeiro era parte legítima o titular da efectiva relação jurídica controvertida, tal como se configura na realidade, para o segundo a legitimidade deve averiguar-se em face da relação jurídica controvertida, tal como a desenha o autor. «A questão da legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a configura o autor na petição inicial», posição que encontrava no n.º 3 do pretérito artigo 26.º, que o actual artigo 30.º reproduz, o seu fundamento legal.

XXXI. Com efeito, «a legitimidade (...) é uma posição das partes em relação ao objecto do processo e tem de aferir-se pelos termos em que o demandante configura o direito invocado e a ofensa que lhe é feita.

XXXII. Vale dizer: não havendo coincidência entre os conceitos de legitimidade processual e legitimidade substantiva, para a determinação da primeira deve considerar-se a relação material controvertida tal como é invocada pelo autor, visto que é sempre impossível averiguar se os autores e os réus são efectivamente sujeitos dessa relação sem que tal averiguação venha a traduzir-se no conhecimento do mérito da causa».

XXXIII. Para se aferir da legitimidade, enquanto pressuposto processual, importa apenas considerar a relação material controvertida tal como é invocada pelo autor, não se cuidando de averiguar se as partes são os sujeitos efectivos dessa relação pois tal pressuporia indagação sobre o próprio mérito da causa.

XXXIV. No caso em apreço, analisando a relação material controvertida tal como surge descrita na petição inicial não se poderá deixar de concluir pela legitimidade processual dos réus.

XXXV. Quanto a esta temática diz o Ac. Do STJ (22208/18.2T8PRT.S1), o seguinte: (…)

(…)

XXXVIII. Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, defende que a legitimidade, enquanto pressuposto processual geral, constitui uma condição cuja verificação é indispensável à obtenção da pronúncia judicial sobre o mérito da causa. Esta consiste numa posição concreta da parte perante uma causa, por isso, a legitimidade «não é uma qualidade pessoal, é antes uma qualidade posicional da parte face à acção, apurando-se em função da titularidade dos interesses emergentes da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor no momento da sua propositura (isto é, na petição inicial).»

Nestes termos e nos do douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade do despacho recorrido na parte relativa à absolvição dos réus (…) e (…), devendo os ditos réus serem considerados parte legitima e em consequência ser julgada improcedente a excepção dilatória de falta de legitimidade passiva, com as legais consequências.

Questões a decidir:

Nulidade do despacho recorrido;

Legitimidade processual dos recorridos (…) e (…).


*

1



O recorrente afirma que a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação. Está em causa a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

É evidente a não verificação desta causa de nulidade da decisão recorrida. O tribunal a quo fundamentou a decisão de absolvição dos recorridos (…) e (…) da instância, por falta de legitimidade processual, em termos que adiante analisaremos. A ausência de menção ao artigo 30.º do CPC na decisão recorrida não determina, por si só, a nulidade desta. Além do mais, os termos em que este segmento da decisão foi fundamentado não deixam a menor dúvida de que é o regime estabelecido naquele artigo que se teve por referência.


2


O tribunal a quo absolveu os recorridos (…) e (…) da instância, por falta de legitimidade processual, com fundamentação que assim se resume:

- Na petição inicial, o recorrente não alegou factos dos quais se possa extrair a conclusão de que os recorridos (…) e (…) sejam solidariamente responsáveis pelo pagamento do crédito que aquele se arroga sobre a recorrida sociedade em virtude da sua qualidade de sócios desta;

- Nomeadamente, o recorrente não alegou que os pagamentos efectuados tenham ocorrido antes da constituição da sociedade, nem isso resulta dos documentos juntos;

- Aquilo que o recorrente alegou, foi que efectuou o pagamento de bens e serviços que ingressaram no património da recorrida sociedade;

- Daí que os sócios desta não tenham interesse directo em contradizer, carecendo de legitimidade processual passiva.

A esta argumentação, o recorrente contrapõe, sucintamente, a seguinte:

- O recorrente alegou que «adiantou e investiu na ré sociedade, não só em nome desta, mas também em nome dos réus (…) e (…), na perspectiva de ser ressarcido posteriormente do investimento efectuado»;

- Ou seja, o investimento foi feito em nome dos sócios e da sociedade, sendo certo que esta, embora já estivesse constituída, ainda «não estava a cumprir a sua finalidade – gerar lucro»;

- Não se trata apenas de uma dívida da sociedade, por ter sido o património desta que ficou enriquecido com as despesas que o recorrente pagou; trata-se também de uma dívida dos recorridos (…) e (…), decorrente de o recorrente ter antecipado e pago os custos das obras e demais equipamento em nome de todos;

- Pelo que os recorridos (…) e (…) têm legitimidade passiva.

Atentemos no teor da alegação feita na petição inicial, na parte relevante para a análise da questão que nos ocupa:

Artigo 10.º: «Todos estes trabalhos tiveram um custo de mão de obra, no montante global de cerca de 16.500,00 euros.»

Artigo 11.º: «Custo suportado na sua totalidade pelo autor que foi pagando directamente aos prestadores do serviço.»

Artigo 12.º: «Para além do custo da mão de obra, o autor pagou ainda todo o material aplicado no espaço, à excepção do balcão do bar.»

Artigo 13.º: «Não conseguindo totalizar o valor uma vez que as facturas foram pedidas, emitidas em nome da primeira ré, que fez suas e as processou para efeitos contabilísticos e fiscais.»

Artigo 15.º: «Num montante global de 3.739,25 euros.»

Artigo 16.º: «Igualmente pago na sua globalidade pelo autor.»

Artigo 17.º: «Sem prejuízo do restante material aplicado na execução das obras, cujas facturas estão em poder da 1ª Ré, delas fez suas e as geriu contabilística e fiscalmente.»

Artigo 22.º: «O autor efectuou diversos depósitos já na conta da primeira ré, pessoalmente ou através dos segundos e terceiros réus.»

Artigo 23.º: «Nomeadamente, e do que tem memória, no dia 19 de março de 2021, efectua 2 depósitos na conta à ordem do Banco “(…) Banco, SA”, da primeira ré, no montante de 3.600,00 euros, cada.»

Artigo 24.º: «Com esse valor é efectuado pagamento à empresa através de transferência da dita conta, no montante de 7.220,80 euros, no dia 22 de março de 2021.»

Artigo 25.º: «No dia 9 de abril de 2021, são efectuados 4 depósitos em numerário, no montante de 3.000,00 euros, 1.300,00 euros, 2.000,00 euros, 2.250,00 euros, num global de 8.550,00 euros, igualmente na conta à ordem da primeira ré, no Banco “(…) Banco, SA”.»

Artigo 26.º: «No mesmo dia efectua transferência da conta da enteada (…), no montante de 4.000,00 euros para conta à ordem da primeira ré, no Banco “(…) Banco, SA”.»

Artigo 28.º: «No dia 19 de abril de 2021, efectua depósito em numerário na conta à ordem da primeira ré, no Banco “(…) Banco, SA”.»

Artigo 30.º: «No valor do remanescente, presume que tenha sido efectuado transferência ou da conta do terceiro réu, ou da supra dita conta da primeira ré, sendo que todos (autor, segundo e terceiro réu) se deslocaram ao balcão do Banco (…) SA, para a realização do depósito, e ordem de transferência.»

Artigo 35.º: «Com vista à prossecução do projecto e para que o mesmo pudesse concretizar-se o autor foi efectuando os pagamentos do material e trabalhos supra referidos, bem como entregas de numerário para pagamento dos campos de Padel, que depositaram em contas suas para pagamento.»

Artigo 36.º: «Tudo o pressuposto da confiança, amizade e respeito que o Autor nutre pelos segundo e terceiro réus, pessoas do seu conhecimento desde alguns anos.»

Artigo 37.º: «Esperando contudo, e porque assim era o combinado, que o ressarcissem dos valores entretanto despendidos.»

Artigo 39.º: «Quantias, essas, que permanecem investidas em património que agora é da Ré, e dos Réus enquanto sócios, e do qual continuam a retirar, sem causa que o justifique, o correspondente proveito.»

Artigo 43.º: «No caso vertente, é patente que houve um enriquecimento injustificado dos Réus, obtido à custa do A.»

Ou seja, na petição inicial, o recorrente alegou, resumidamente, que:

- Os bens e serviços que pagou ingressaram no património da sociedade, não nos patrimónios dos recorridos (…) e (…);

- As facturas referentes aos bens e serviços que pagou foram emitidas em nome da sociedade e integradas na contabilidade desta;

- Os pagamentos foram feitos directamente, por si, aos fornecedores dos bens e prestadores dos serviços; não entregou dinheiro aos recorridos (…) e (…) para que estes efectuassem, em nome próprio, pagamentos em proveito da sociedade;

- Efectuou diversos depósitos na conta bancária da sociedade, pessoalmente ou «através dos segundos e terceiros réus»;

- Todas as quantias referidas permanecem investidas no património da sociedade, de que os recorridos (…) e (…) são sócios, nessa medida beneficiando das mesmas quantias e, consequentemente, de um enriquecimento sem causa;

- Esperava, porque assim ficou combinado, que os recorridos (…) e (…) o ressarcissem dos valores que despendeu.

Portanto, o recorrente não alegou:

- Ter pago o preço de qualquer bem que tenha ingressado nos patrimónios dos recorridos (…) e (…);

- Ter pago o preço de qualquer serviço prestado aos recorridos (…) e (…);

- Ter efectuado qualquer depósito em contas bancárias de que fossem titulares os recorridos (…) e (…);

- Ter, por qualquer outra forma, entregue dinheiro aos recorridos (…) e (…) para que estes o fizessem seu;

- Ter entregue dinheiro aos recorridos (…) e (…) para que estes, em nome próprio e na qualidade de sócios, o aplicassem na aquisição de bens ou serviços destinados à sociedade.

O único benefício que, dos pagamentos e depósitos bancários que o recorrente alegou ter efectuado, teria resultado para os recorridos (…) e (…), seria:

- Indirecto, pois decorreria exclusivamente da circunstância de estes serem sócios da recorrida sociedade;

- Hipotético, pois o recorrente não alegou qualquer benefício efectivo, ainda que indirecto, que os recorridos (…) e (…) tenham retirado daqueles pagamentos e depósitos bancários.

A expectativa, expressada pelo recorrente, de que os recorridos (…) e (…) o ressarcissem dos valores que despendeu, e independentemente do que tenham, eventualmente, combinado, não se baseia, objectivamente, em qualquer transferência que tenha efectuado para os patrimónios daqueles, nem em qualquer enriquecimento efectivo desses mesmos patrimónios.

Sendo assim, os factos alegados pelo recorrente não consubstanciam qualquer título jurídico idóneo para sustentar a pretensão de condenação dos recorridos (…) e (…) a restituírem-lhe «a quantia de € 62.665,25, bem como a quantia que se vier apurar no que diz respeito ao pagamento do material aplicado nas instalações da primeira ré», nomeadamente o enriquecimento sem causa ou a responsabilidade civil, contratual ou aquiliana.

Noutra perspectiva, ainda que todos os factos alegados pelo recorrente viessem a provar-se, os recorridos (…) e (…) teriam de ser absolvidos do pedido, porquanto não se verificariam os pressupostos, quer do enriquecimento sem causa, quer da responsabilidade civil.

E isso acontece porque, de acordo com a configuração que o recorrente fez da relação controvertida, os recorridos (…) e (…) são meros terceiros, sem qualquer interesse directo em contradizer.

Pelo que, em face do disposto no artigo 30.º do CPC, a conclusão é inevitável: os recorridos (…) e (…) carecem de legitimidade processual passiva. Logo, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e), do CPC, tinham de ser absolvidos da instância.

Tendo sido essa a decisão do tribunal a quo, tem de se concluir que este decidiu acertadamente, tendo o recurso de improceder.

Uma nota final: o recorrente invoca o regime estabelecido no artigo 800.º do CC, relativo à responsabilidade do devedor, perante o credor, pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação. Porém, não encontramos fundamento para aplicar este regime à situação dos autos, fundamento esse que, aliás, o recorrente não especifica.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.


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27.02.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Cristina Dá Mesquita (1.ª adjunta)

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho (2.º adjunto)