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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
FORMA
DEVER DE COLABORAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
- não incorre em violação de dever processual, nem fica sujeita a condenação por litigância de má-fé, a parte que junta com o articulado 18 documentos, elencados, individualizados e denominados no formulário desse articulado, embora não apresentem numeração sequencial aposta na 1.º pág. de cada um desses documentos; - o que se aplica à subsequente junção de documentos de forma faseada, em lotes de 10, 7, 16 e 8 documentos. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I – As Partes e o Litígio
Recorrente / Autora: (…) – Actividades Turísticas, Lda.
Recorridas / Rés: CCAM da (…), CRL, Aliança Nacional das ACM de Portugal e (…) – Gestão e Administração de Bens, S.A.
A A. intentou ação declarativa de condenação contra a R. CCAM da (…), CRL, Aliança Nacional das ACM de Portugal e (…) – Gestão e Administração de Bens, S.A..
Em sede de prova arrolada na p.i., consta, designadamente, o seguinte:
«III – Por documentos:
Doc. 1 – Certidão permanente comercial da sociedade Autora;
Doc. 2 – Certidão permanente comercial da Associação Ré (certidão permanente de inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas).
Doc. 3 – Certidão permanente predial 1;
Doc. 4 – Certidão permanente predial 2;
Doc. 5 – Caderneta predial urbana n.º (…), emitida a 30/11/2019;
Doc. 6 – Caderneta predial urbana emitida a 17/08/2020;
Doc. 7 – Caderneta predial urbana emitida a 11/01/2024;
Doc. 8 – Documento Particular Autenticado (DPA);
Doc. 8 A – Registo de depósito do DPA indicado;
Doc. 9 – Provisão paga ao Solicitador;
Doc. 10 – Memória descritiva;
Doc. 11 – Projeto de arquitectura;
Doc. 12 – Facturas;
Doc. 13 – Programação da obra (planning);
Doc. 14 – Certidão permanente comercial da 3.ª Ré.
Doc. 15 – Minuta de parceria;
Doc. 16 – Contrato Promessa;
Doc. 17 – Acórdão Conselho Superior OSAE.»
Do formulário da petição inicial consta o elenco dos seguintes documentos:
«DOCUMENTOS
Petição
Documento 0,40 MB (53 pág.) 235C5602056747D53052366C8A714428AEDED42A91F9CF7A9D840EA566A4B2F0
Doc. 1 - Certidão permanente
certidão permanente Registo Comercial da Autora
Documento 0,10 MB (5 pág.) 62E12DF7C247A9DAF7411F00D19E34073633190C8560A72AB942D9EA9DAFDD8E
Doc. 2 - Certidão
Certidão permanente de inscrição no Ficheiro Central de Pessoa Coletiva FCPC_ACM
Documento 0,05 MB (1 pág.) 1CCFEA5309E510F438BA00CB0DBBDF959A950D26B94A5572B22DC1F9115D2188
Doc. 3 - Certidão permanente
certidão permanente registo predial 1
Documento 0,23 MB (63 pág.) D4C1D0A6841C170157931C41E11683AA20F02FB6957C15566AEE457966132BC9
Doc. 4 - Certidão permanente
certidão permanente 11012024
Documento 0,24 MB (64 pág.) A174F2FE4341E10D63800DEF7351479C8A617DFBCA0CE02CD08305372D351172
Doc. 5 - Certidão
certidão matricial 30223019
Documento 0,06 MB (2 pág.) 52E6F2AF12AB6662C6F8CC6BFBD714F9EFCFE04A64CE034EE965E6FB5671B8EB
Doc. 6 - Certidão
certidão matricial 17082020
Documento 0,06 MB (2 pág.) DE23629BF1E2711F00D3453C88DF6B4E525F3A8DA41AEB66906E5F28EB9C341C
Doc. 7 - Certidão
certidão matricial 11012024
Documento 0,20 MB (2 pág.) 833CB30B3133A25B5A4CDD8964C8104B57B960E29DF09D319BEF17796991BBBC
Doc. 8 - Documento autenticado
DPA
Documento 0,41 MB (15 pág.) 114AAEF50F4DEAD4EA4A99B1D7DA9651B2E0E367868DF196D589254D9CA5E6F8
Doc. 9 - Declaração
Declaração de depósito de DPA
Documento 0,07 MB (1 pág.) A7D969921F5AB7ACB6F6408F27238EF6D67950B8059656AE5992AE84BB954B55
Doc. 10 - Recibo
Recibo de provisão de honorários e encargos
Documento 0,13 MB (2 pág.) AF09164E400535F314A24A29B5D7EDCADE0F679531F902286A4426030121C9B6
Doc. 11 - Memória descritiva
Memória Descritiva
Documento 3,42 MB (8 pág.) F6CE4DBD2E4ED1586ED142DA34376BA0D8DAFA9E24B16BA0F633AABDA1C86EA3
Doc. 12 - Fatura
Fatura
Documento 0,06 MB (1 pág.) D3D53DCBC2471D6A7A4BE076E581FC634A87AFA26BA3584176D817C7961A6A78
Doc. 13 - Fatura
Fatura
Documento 0,14 MB (1 pág.) 1D4D308C031927746435FA3E683D03D5BB47B10955CB33449D423D61F0294B4C
Doc. 14 - Planeamento
Descritivo de trabalhos e programação em cronograma
Documento 0,07 MB (3 pág.) 763A0DA5DD109A536221055A95649AA875960C5492C77C35DDACFE0D0FA7E7BB
Doc. 15 - Certidão permanente
certidão permanente Registo Comercial da 3ª Ré
Documento 0,10 MB (6 pág.) 40D52D10D9A5DBD8FE99DB1FB40CC8718370967E284EA493B0580E1E14F58E8E
Doc. 16 - Contrato
Minuta de contrato de parceria
Documento 0,03 MB (4 pág.) CF55F1F8086F47ED096B5CDC267F6D8C2D0B7C057AAE4ACDF4F151B10BE2E385
Doc. 17 - Contrato promessa
contrato promessa
Documento 1,90 MB (14 pág.) C33624CDBF441696EB3500821D7B10B70C1B8257D6414FCD767F7F95FEDB4F8F
Doc. 18 - Decisão
Acórdão do Conselho Superior da OSAE
Documento 4,24 MB (12 pág.) 08215C6FE7AEFD8946AD2615B51E9DAE32589FE64CC6AC0190E2D8FB2910E364
Doc. 19 - Procuração forense
Documento 0,10 MB (1 pág.) 96C02BE3FFC078EC5D3D1F9C4A36737731D838E09E7AABE897F55351284A1085
Abrindo o pdf da p.i. no Processo (…) o citius, mostram-se elencados, em pdf, os documentos listados no formulário da p.i.
Ao longo do articulado petição inicial, a A. faz alusão aos documentos elencados na parte final do mesmo.
Volvidos 3 dias, a A. apresentou requerimento de junção de documentos relativos à p.i. por os mesmos, quando remetida a petição inicial, excederem, singular ou co lectivamente, a dimensão de 3 MB, nos termos e no cumprimento do disposto na Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto.
No formulário mostram-se elencados 10 documentos, a saber:
Doc. 1 - Ficheiro de Imagem
Imagem 1,03 MB C6AC12BB3C9D1832380B90FAC2D8702F8BF805061070FEB2342E99D22A250974
Doc. 2 - Ficheiro de Imagem
Imagem 1,07 MB EBD12431ECA62A7867E81A1B161DAED280AEBE2554764AD4BB66356A968DC297
Doc. 3 - Ficheiro de Imagem
Imagem 1,03 MB 327BFB94A76599C89E2355F5A096A9D9541B64E508F3EA487CBA349C406108DC
Doc. 4 - Ficheiro de Imagem
Imagem 1,15 MB 03CCC5B675F80D6E25730708C396F8A95C3ED241D8681EBCFCBC23210D0B6B58
Doc. 5 - Ficheiro de Imagem
Imagem 1,06 MB 13D14E63D8B4632358B4CD7348A12DD14FC11EF9E21F67FE113599449114753F
Doc. 6 - Ficheiro de Imagem
Imagem 0,95 MB 7E6F882A8C2C20D87D84DF7970A703B7547C30F7B9DAD9554D188A8FDC350816
Doc. 7 - Ficheiro de Imagem
Imagem 0,90 MB 04CC1F54D8C7289268E8276F71AD72D4A7A7C5698794C715C30BB6654DDA0F19
Doc. 8 - Outro
Documento comparativo
Documento0,06MB E42854429022240DC94D9DEEEFFE37204F39167B06375A0C6AC6C64CE2890EBC
Doc. 9 - Outro
documento
Documento 0,02 MB 8D2D20F8EFC608D2819652DC91374F9235106A71954963D3E1866E5BD7F65D74
Doc. 10 - Outro
documento de proposta
Documento 0,08 MB 46E79E8567A14406C4AD5D3A97139AC836F792D32C23344DDC190D910746953E
O que está conforme no Processo (…) do citius.
Procedimento que foi replicado em 3 outros requerimentos apresentados na mesma data (relativos a 7, 16 e 8 documentos/ficheiros de imagem, respetivamente).
Em sede de contestação, a R CCAM da (…), CRL invocou o seguinte:
- nenhum dos documentos juntos com a p.i. vem numerado, o que impede saber-se se são ou não 17;
- o que veda a perceção exata de onde se inicia e onde termina cada um deles, e por conseguinte dos factos que eles se destinam a provar;
- os documentos juntos por 3 vezes depois da PI são ficheiros de imagem desprovidos de numeração ou alusão ao que seja e/ou ao que se destina a provar;
- torna-se impossível saber a que se reporta cada um deles ou o que é cada um deles, pois que são vários os ficheiros anexos a cada um desses requerimentos, o que com eles se pretende provar/comprovar
- o que veda o exercício do direito de defesa e do contraditório;
- a omissão na numeração dos docs. constitui uma nulidade processual por omissão de um formalismo legal, imputável à A., que influi manifestamente no andamento dos autos.
Requereu, então, a R. CCAM que seja notificada a A. para, no prazo que lhe for deferido, apresentar todos os referidos docs. numerados, só se computando o prazo para contestação e exercício do contraditório após tal apresentação.
Foi proferido o seguinte despacho:
«Dos documentos juntos com a petição inicial
Porque a numeração dos documentos não consta nem do processo eletrónico nem do processo físico, notifique com vista a ser suprida a falta.»
Em resposta ao determinado, a A. apresentou-se a juntar 17 documentos, os quais se mostram numerados sequencialmente de 1 a 17.
Em resposta à nova junção de documentos pela A., a R. CCAM apresentou-se a alegar que só agora foi junto doc. 11 (projeto de arquitetura, que não tinha sido junto com a p.i.), e que a numeração não coincide com aquela que decorre da p.i. Pugna pela condenação da A em multa, nos termos do artigo 423.º, n.º 1 e 2, do CPC, por o doc. 11 ter sido apresentado fora de tempo e sem qualquer justificação.
Ao que aderiu integralmente a R. Aliança Nacional das ACM de Portugal.
O que mereceu o seguinte despacho:
«Insista junto da parte contrária.»
N sequência do que a A. se apresentou a esclarecer o seguinte:
«a) com a PI, a A. juntou 17 (dezassete) documentos;
b) tendo inclusive apresentado com a referida peça processual uma legenda numerada dos documentos juntos, alguns dos quais com indicação da respetiva data de emissão;
c) conforme é do conhecimento dos utilizadores da plataforma Citius, com a junção de documentos a indicada plataforma atribui uma numeração sequencial, por vezes desfasada com a pretendida pelo utilizador;
Razão pela qual, inexiste qualquer divergência entre os documentos juntos a 15/07/2024 sob a ref.ª 12693852 com os enviados anteriormente com a PI;
Quanto ao projeto de arquitetura, junto como doc. 11, a A. desconhece se os R. foram ou não citados com o documento em causa.
No entanto, caso por mero lapso assim não tenha sucedido, a A., sem pretender prejudicar os R. de qualquer exercício contraditório, tanto mais que, conforme explicou, apresentou ab initio a legenda do rol documental mencionado na PI, reserva-se no direito de requerer a sua junção em momento posterior.»
Responde a R CCAM que a A. não cumpre o que lhe foi ordenado, não cumpre a obrigação legal de apresentar os documentos numerados, peticionando a condenação desta em exemplar multa dada a sua manifesta falta de colaboração com o Tribunal, e a notificação desta para, no prazo que lhe for deferido, e sob pena de desobediência, juntar aos autos os docs. por si juntos com a PI e que constam da aplicação citius, devidamente numerados, e apenas estes.
Ao que aderiu integralmente a R. (…) – Gestão e Administração de Bens, S.A., sustentando ainda que a A. deve ser condenada por litigância de má-fé.
II – O Objeto do Recurso
Foi proferido o seguinte despacho:
«Considerando que:
- Com a petição foram juntos documentos;
- Depois, por meio de diversos requerimentos foram juntos mais documentos;
- Nem no citius existe correspondência numérica com os documentos enunciados no texto da petição como doc. 1, doc. 2, etc., nem abrindo o “PDF” de cada documento é possível perceber se é o doc. 1, 2 ou outro a que o texto da petição vai aludindo;
- Dos documentos juntos com a petição inicial e requerimentos subsequentes não está junto o projeto de arquitetura, pelo que, naturalmente, a citação não seguiu com tal documento;
- As rés vieram pronunciar-se, reafirmando que está em causa o seu direito de defesa,
Não está em causa situação em que a parte proteste juntar documento e acabe por não o juntar, submetendo-se, nesse caso, à disciplina do artigo 423.º do Código de Processo Civil, caso o venha a juntar.
A autora fez referência a documentos com numeração sequencial, quando nenhuma correspondência existe, nem no processo eletrónico, nem no processo físico (os documentos não estão eles próprios numerados). No caso de serem poucos os documentos juntos, a questão é ultrapassada devido à simplicidade, o que não sucede aqui, até porque alguns documentos foram juntos em requerimentos subsequentes à petição.
Foram já proferidos dois despachos (este é o terceiro) sobre o assunto, sem que a autora tenha suprido a falta, chegando a afirmar que a Secção não notificou as rés de um dos documentos, quando admite que pode não ter sido junto – como não foi –, mas que tal deveu-se a lapso.
A autora não está a cumprir o dever de colaboração devido.
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação (…) – artigo 542.º do Código de Processo Civil.
Do que fica dito,
1. Condeno a autora como litigante de má fé na multa correspondente a 5 (cinco) UCs;
2. Insista junto da autora com vista a ser suprida a falta de molde a que, de uma vez, as rés possam exercer o direito ao contraditório e o Tribunal também esteja em condições de apreender o texto da petição por referência aos documentos certos:
junção de todos os documentos devidamente numerados.»
Inconformada, a Autora apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação do despacho recorrido, a substituir por outro que por outro que considere o cumprimento feito pela parte ou que no mínimo procure fundamentar. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. A Autora agiu com a correção devida, deu resposta ao tribunal e desde a primeira hora que remeteu aos autos todos os documentos.
2. Logo na petição inicial a autora introduziu listagem, que com relativa facilidade permitiria auxiliar as partes e os Serviços a ver a numeração e, salvaguardar diferente correspondência com a numeração automática feita pelo sistema citius, que procede à numeração atenda a inclusão dos documentos que ainda se suportam, para aproveitamento de capacidade do sistema, é facilmente identificável atenta a numeração feita na listagem da petição inicial.
3. Pelo facto de a parte fazer menção de que se algum lapso existir ele não é devido a culpa própria, essa alegação não significa assunção de responsabilidade e muito menos constitui admissão de culpa grave ou dolo.
4. Andou mal o despacho a quo ao condenar a autora por má-fé e voltando a requerer que a parte dê satisfação ao pedido efetuado pelo tribunal, sem que se esclareça afinal onde existe deturpação, (mesmo entendendo-se que uma simples junção de documento adicional fosse deturpação).
5. A parte agiu de acordo com as normas e regras processuais, não se configurando violação de qualquer dever, e muito menos de forma grosseira ou dolosa.
6. Para além disso, a autora entende que cumpriu cabalmente com o ordenado quando a 15/07/2024, por meio de requerimento enviado sob a ref.ª 12693852, identificou e remeteu, de uma só vez, todos os documentos enviados anteriormente com a PI.
7. Pelo que foram violados os artigos 6.º e 542.º do Código de Processo Civil, já que não se cometeu ato por violação grosseira ou dolosa, nem se praticou ato com omissão de dever de cooperação.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar se é destituída de fundamento a condenação da A. por litigância de má-fé.
III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que resultam do que acima se deixa exposto.
B – A questão do Recurso
A A. foi condenada por litigância de má-fé com fundamento no incumprimento do dever de colaboração devido.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPC, aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
Está em causa o dever de cooperação para a descoberta da verdade, conforme se extrai da epígrafe do citado normativo. Em sede de instrução da causa, a recusa da parte em responder ao que lhe for perguntado, em submeter-se às inspecções necessárias, em facultar o que for requisitado e em praticar o ato que for determinado (cfr. n.º 1 do artigo 417.º do CPC), implica na livre apreciação dessa recusa para efeitos probatórios, podendo mesmo ter lugar a inversão do ónus da prova. É o caso, designadamente, da notificação da parte para apresentar determinado documento que, estando em seu poder, a parte contrária pretende fazer valer no processo, tal como previsto nos artigos 429.º e 430.º do CPC.
O que não se confunde com o dever decorrente do princípio da cooperação consagrado no artigo 7.º do CPC. Nos termos do n.º 1 deste preceito, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Seguem os n.ºs 2 e 3 estatuindo o seguinte: 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.
Ora, o que releva para efeitos de condenação por litigância de má-fé, entre outras circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 542.º do CPC, é a prática de omissão grave do dever de cooperação – cfr. al. c) do citado normativo.
Como ensina Abrantes Geraldes[1], as partes devem estar cientes de que, no âmbito da resolução de conflitos de direito privado, devem pautar-se pelas regras da cooperação intersubjetiva, pela lealdade e pela boa-fé processual. A lei, porém, não pede a nenhuma das partes que se entregue, sem luta. Por isso, a todas é garantida a possibilidade de fazerem vingar as respetivas posições, desde que estejam convencidas da sua legitimidade, mesmo que assentem em normas jurídicas objetivamente injustas, ou desde que não sejam excedidos certos limites para além dos quais se considera ilegítimo o exercício dos direitos processuais. Comportamentos dolosos ou gravemente culposos, materializados na dedução de pretensões ou de oposições manifestamente infundadas, assentes na alteração censurável da verdade dos factos, corporizados na grave violação do dever de cooperação ou, por fim, exteriorizados através do uso ilegítimo de instrumentos do direito adjetivo, com vista à obtenção de objetivos ilegais, à ocultação da verdade ou ao entorpecimento ou retardamento da atividade dos tribunais, são considerados ilícitos e, por isso, merecedores de sanções de natureza cível, independentemente do resultado final da ação ou da execução.
O citado artigo 542.º do CPC, ao referir o dolo ou negligência grave como tipificadores da litigância de má-fé, “passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má-fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.”[2] Assim, pode dizer-se que “a má-fé psicológica, o propósito de fraude, exige, no mínimo, uma atuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do ato; tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual quer a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão do prejuízo resultante do ato, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o ato que se tem como potencialmente lesante.”[3]
Afigura-se, no entanto, que a A. não incorreu em litigância de má-fé.
A conduta processual da A não configura omissão grave do dever de cooperação, tal como não se subsume a qualquer uma das circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
Está em causa o ato de junção de documentos pela A na p.i., o ato de junção espontânea e voluntária de documentos.
Inexiste o dever processual de numerar, de apor número na 1.ª página de cada um dos documentos juntos.
Aquando da apresentação da p.i., na qual vem mencionada a junção de 18 documentos (aos docs. 1 a 17 acresce o doc. 8A), foram inseridos no sistema informático 18 documentos, tal como estão discriminados no formulário da p.i.; tal como se mostram efetivamente inseridos, em formato pdf, no item da petição inicial.
O acesso ao teor de cada um dos documentos está assegurado.
O teor de cada um dos documentos evidencia do que se trata, por referência quer à listagem inserida na parte final da p.i., quer por referência à listagem constante do formulário da p.i..
O teor de cada um dos documentos não é confundível com o teor de qualquer um dos outros, desde que se atente no respetivo teor.
O facto de não ter sido espontânea e voluntariamente junto o projeto de arquitetura constitui circunstância que prejudicará a A., não logrando demonstrar o facto a que respeita. Caso venha a ser requerida a respetiva junção, sujeitar-se-á a A. ao regime inserto no artigo 423.º do CPC.
Acresce que, tendo sido a tanto intimada, a A. apresentou-se a juntar ao processo os documentos relativos à p.i. nos quais inseriu, na 1.ª página, numeração sequencial.
A alegação de que a ordem pelo qual são apresentados não corresponde à ordem pela qual foram juntos com a p.i. e, bem assim, a alegação de que os documentos juntos na sequência de notificação para o efeito não correspondem aos que foram juntos com a p.i. evidencia ser apreensível os documentos que foram juntos com a p.i. e, bem assim, a ordem pela qual foram juntos.
Relativamente aos ficheiros de imagem subsequentemente juntos, igualmente se afigura não estar em falta o cumprimento de dever processual pela A., cabendo ao Tribunal de 1ª Instância, em sede própria, aferir da relevância dos mesmos e proceder à valoração do respetivo teor em face da factualidade alegada.
Termos em que se conclui ser destituído de sentido o incidente despoletado pela R. CCAM e secundado pelas restantes RR. Incidente que, pelo menos desde outubro de 2024, vem obstando, sem justificação, a regular tramitação do processo.
Em consequência do exposto, consigna-se inexistir litigância de má-fé por parte da A., que não está em falta com procedimento do qual dependa o exercício do contraditório por parte das RR. e a possibilidade de apreensão do texto da petição por parte do Tribunal de 1ª Instância.
Procedem, assim, as conclusões da alegação do presente recurso.
As custas recaem sobre as Recorridas, na vertente de custas de parte – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Vai dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, já que a complexidade das questões suscitadas no presente recurso não reclama sejam impostos, nesta instância, outros custos – cfr. artigos 1.º, n.º 2 e 6.º, n.º 7, do RCP.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida.
Custas pelas Recorridas na vertente das custas de parte, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*
Évora, 27 de fevereiro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Vítor Sequinho dos Santos
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
__________________________________________________
[1] E seguindo de perto o que deixa exposto in Temas Judiciários, I vol., págs. 303 e ss.
[2] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, Coimbra, 2001, pág. 195.
[3] Ac. STJ de 06/01/2000 (Lúcio Teixeira).