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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
DECISÕES CONTRADITÓRIAS
Sumário
I – O n.º 1 do artigo 272.º do CPC prevê duas causas de suspensão da instância por determinação do tribunal: a pendência de causa prejudicial e a ocorrência de outro motivo justificado; II – Sendo as mesmas as partes na ação declarativa identificada nos autos e nos presentes embargos de executado, reportando-se ambos à invocação de nulidade por simulação da confissão de dívida constante da escritura apresentada como título executivo na execução que constitui o processo principal, mostra-se justificada a suspensão da instância determinada pelo Tribunal de 1.ª instância, visando evitar a prolação de decisões contraditórias e permitir que as questões decididas naquela ação se imponham na decisão a proferir nos presentes autos; III – Se na ação declarativa foi já realizada a audiência final e proferida sentença, encontrando-se esta decisão em fase de recurso, e os embargos de executado se encontram na fase que antecede a convocação da audiência prévia, face à fase processual mais adiantada em que se encontra aquela ação, não se vislumbra que os prejuízos da suspensão da instância determinada nos embargos superem as vantagens daí decorrentes. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 4585/15.9T8STB-B.E2
Juízo de Execução de Setúbal
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
A executada (…) deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe move (…), através de articulado no qual invoca a previsão do artigo 728.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e a superveniência da matéria da oposição, pedindo a extinção da execução que constitui o processo principal.
Recebida a oposição à execução, a embargada contestou, pugnando pela respetiva improcedência.
Por despacho de 22-10-2021, comunicou-se às partes o seguinte: Afigura-se que os autos contêm já todos os elementos necessários à decisão dos embargos, sendo que as questões (jurídicas) suscitadas não justificam a realização de audiência prévia, até porque as partes já tiveram a possibilidade de exercer o contraditório. Assim, por ora notifique as partes para, querendo e em 10 dias, exercerem o contraditório quanto à dispensa de audiência prévia e possibilidade de imediata prolação de despacho saneador nos termos do disposto pelo artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC, podendo no mesmo prazo usar por escrito da faculdade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC, o que se determina mediante a adequação formal da tramitação (artigo 547.º do CPC) e para os efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Ambas as partes se pronunciaram, designadamente não se opondo à dispensa da audiência prévia.
Foi proferida decisão, na qual se fixou o valor à causa e se proferiu despacho saneador, em que foi apreciada a questão da (in)admissibilidade dos embargos supervenientes, e concluindo-se que “… os embargos supervenientes não são admissíveis, não estando reunidos os pressupostos do artigo 728.º, n.º 2, do CPC, e, por conseguinte, precludiu o direito da embargante a deduzir oposição,…”, decidiu-se: a) declarar a inadmissibilidade legal da dedução superveniente de embargos de executado e, b) determinar o prosseguimento da execução nos autos principais.
Esta decisão foi revogada, em sede de recurso de apelação, por acórdão desta Relação proferido em 10-11-2022, no qual se determinou o prosseguimento dos ulteriores termos dos embargos.
Regressado o processo à 1.ª instância, a embargada veio aos autos, em 14-02-2024, requerer «se conheça e declare a excepção dilatória de litispendência, nos termos conjugados dos artigos 578.º, alínea i) do artigo 577.º, n.º 1 e 2 do artigo 580.º, 581.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º, todos do CPC, absolvendo-se a Embargada da instância».
A embargante pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretensão formulada.
Por despacho de 05-04-2024, considerou-se não poder ser invocada nos presentes autos a existência de litispendência e, pelos motivos que se expôs, decidiu-se o seguinte: (…) impõe-se aguardar nestes autos pelo trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1, pelo que se determina, até lá, a suspensão dos presentes autos, nos termos do artigo 272.º/1, do Código de Processo Civil.
Inconformada, a embargante interpôs recurso deste despacho, pugnando se revogue a decisão recorrida e se determine o prosseguimento dos autos, terminando as alegações com a dedução das conclusões que se transcrevem:
«1ª
O presente recurso vem interposto da decisão que determina a suspensão dos autos, considerando que se “impõe aguardar nestes autos pelo trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal. Juiz 1 …” (cit.).
2ª
A decisão fundamenta-se no artigo 272.º, n.º 1, do CPC e na consideração de que “… em cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, há que concluir que constitui objeto deste processo (…) saber se a escritura outorgada no dia 20-05-2015, no Cartório Notarial de Setúbal da Notária (…), que serve de título executivo nestes autos, constitui acordo simulatório, com a consequente nulidade do mesmo, que é dizer do título executivo” (cit.).
No entanto,
3ª
Salvo o devido respeito, em cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, nos autos há que decidir se a execução foi proposta por acordo entre embargante e embargada, apesar da quantia exequenda não ser devida e se a embargante podia revogar esse acordo, como sucedeu, pela notificação judicial avulsa, recebida pela embargada no dia 07-05-2021.
4ª
A escritura que constitui título executivo nos autos foi apenas o instrumento elaborado, porque indispensável à sua propositura. Por sua vez,
5ª
A sentença, pendente de recurso, proferida no processo n.º 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1, julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade da escritura que constitui título executivo nestes autos, por falta de prova do acordo simulatório (cuja celebração a final se censura …). Isto é,
6ª
A sentença não julgou improcedente a acção por ser devida pela embargante à embargada a quantia que a escritura que constitui o título executivo destes autos refere. Ora,
7ª
“A função positiva do caso julgado opera o efeito de "autoridade do caso julgado", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga” (cit. Castro Mendes, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-12-2017, Pedro de Lima Gonçalves, Processo: 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Assim,
8ª
A sentença proferida no processo n.º 1672/22.0T8STB, ainda que transitada, não se impõe nos presentes autos, pois julga a ação improcedente por falta de prova. Por isso,
9ª
A decisão de suspender a tramitação dos presentes autos até ao trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo nº. 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal. Juiz 1, viola o disposto nos artigos 20.º e 20.5º, n.º 2, da Constituição, 581.º, 619.º e 628.º do C.P.C., pelo que deve ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos (…).»
A embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e invocando a litigância de má fé por parte da apelante, com fundamento na previsão das alíneas a), b), c) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, terminando com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. A Recorrente litiga de má-fé porque afirma, no Ponto 5 das suas alegações: i) que não deduziu embargos com base na nulidade da confissão de dívida (que é o título executivo nos autos principais); ii) que apenas alegou que houve um acordo entre embargante e embargada; iii) que a sentença rejeitou os embargos com base na tempestividade e, iv) que decidiu que o acordo era nulo, por simulação, mas recusou as inerentes consequências.
2. Ora, a Recorrente, para além de estar a alterar a verdade dos factos e a recorrer sem fundamentos válidos - o que, por razões mais do que óbvias, não pode ignorar – tem a veleidade de afirmar que um Tribunal entendeu o que não está, sequer, expresso na sentença - e, ainda, de confundir ou de misturar, de forma inexplicável, o que sejam “fundamentos” ínsitos numa decisão judicial com a causa de pedir e o pedido: as decisões judiciais têm que ser fundamentadas para que seja compreensível o raciocínio lógico e crítico do Julgador – como ordena a CRP.
3. Pelo que, ou a Recorrente tem graves dificuldades de interpretação – tanto sobre o que escreve como sobre o que lê – ou, de facto, como cremos, litiga de má-fé apenas para entorpecer a acção da Justiça, lançando mão de um meio de impugnação de decisões judiciais para um uso manifestamente ilegal e para atingir um objectivo ilegal.
Porquanto,
4. A Recorrente bem sabe que: i) deduziu embargos invocando um contrato de mandato entre Recorrente e Recorrida sem nunca invocar um único artigo da simulação mas sim os artigos do CC quanto ao mandato; ii) alterou a causa de pedir e o pedido no recurso que interpôs da decisão que lhe foi desfavorável, usando, no recurso, os artigos do CC relativos à simulação; iii) o TRE decidiu que estava em causa um acordo simulatório, recorrendo, também ele, aos artigos do CC quanto à simulação.
5. Em resumo, a Recorrente embarga com uma causa e um pedido, e consegue uma decisão do TRE com outra causa de pedir e outro pedido – e, agora, quer regressar à causa de pedir e ao seu pedido iniciais, negando a própria decisão do TRE para evitar a inevitabilidade ou do caso julgado ou da autoridade do caso julgado – por causa do Proc. n.º 1672/22.0T8STB que correu termos no Juízo Central Cível de Setúbal, Juiz 1, e no qual pediu a nulidade da confissão de dívida por ter sido um acto simulado – causa que perdeu.
6. Indo à indiscutível prova do afirmado supra:
7. Em 26-05-2021, foi assim que a Recorrente expôs a sua pretensão em sede de “Oposição à execução por dedução de embargos supervenientes”, ao abrigo do n.º 2 do artigo 728.º do CPC, cujos excertos mais relevantes se transcrevem:
“(…) vem, por apenso, deduzir Oposição à execução, por embargos, por facto superveniente (cfr. artigo 728.º, n.º 2, do CPC), o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:”
(…) “Em 07.05.2021, por notificação judicial avulsa, a oponente deu conhecimento à exequente da revogação do acordo que ambas celebraram e de que devia desistir de imediato deste processo e restituir-lhe as quantias recebidas em excesso, acrescidas de juros de mora”(…);
“Pela notificação judicial avulsa identificada no artigo 1º supra, em 07.05.2021 a oponente comunicou-lhe a revogação do acordo celebrado e interpelou-a para que lhe entregasse os valores recebidos e pusesse termo à execução (…)”;
“Entre Exequente e Oponente foi celebrado contrato de mandato sem representação, nos termos do qual a Exequente se comprometeu a instaurar contra a Oponente a acção executiva para pagamento de quantia certa da qual a presente é dependência (cfr. artigos 1157.º e 1180.º e seguintes do Código Civil)”;
(…) “O mandato é livremente revogável (cfr. artigo 1170.º do Código Civil) por declaração enviada à outra parte, o que a oponente operou, por notificação judicial avulsa.(…)”;
“Termos em que deve a presente ser recebida e, julgada procedente, a execução ser declarada extinta, ou porque foi revogado o acordo nos termos do qual foi proposta ou, sem conceder, por pagamento e consequente inutilidade superveniente da lide ou, sempre sem conceder, por compensação.(…)”.
8. Do exposto supra resulta cristalino que a causa de pedir e o pedido, nos embargos deduzidos, eram um alegado contrato de mandato entre as partes que se pretendia revogar através de uma notificação judicial avulsa.
9. Dos embargos deduzidos foi proferida sentença, em 20-12-2021, da qual se transcrevem as partes relevantes para o que está em causa:
(…)
10. Das partes da sentença supra transcritas, resulta igualmente cristalino que o Tribunal considerou que o alegado contrato de mandato era meramente artificial e que a factualidade alegada se enquadrava na figura da simulação (nunca alegada).
11. Mas não só: i) alertou a Embargante para o facto de, para além de ter a obrigação de ter alegado a simulação por ser de conhecimento oficioso (o que não fez), a verdade é que, ainda assim, em sede de embargos supervenientes, tal pretensão não poderia colher porque a simulação, a ter existido, era do seu conhecimento desde o início e nunca seria um facto superveniente para os efeitos do n.º 2 do artigo 728.º do CPC e; ii) e deixou uma “dica” à Embargante: quer alegar a simulação do negócio faça-o noutra sede.
12. Da leitura da sentença cujas partes relevantes se transcreveram supra, não se pode aceitar que a aqui Recorrente afirme que o Tribunal a quo “(…) decidiu que o acordo era nulo, por simulação, mas recusou as inerentes consequências (...)” – A má fé substantiva e processual é inegável.
13. Após a sentença que decidiu a inadmissibilidade dos embargos supervenientes, a Recorrente, em 02-02-2022, impugnou, para o TRE, a decisão judicial supra, nos termos cujos excertos se transcrevem:
(…)
14. Das alegações supra reproduzidas resulta evidente que, em sede de recurso, a aqui Recorrente: i) reconhece que a causa de pedir, nos embargos, era a revogação de um mandato mas que essa classificação não era importante porque o que realmente pretendia era revogar um acordo simulatório; ii) e que a sentença tinha violado o artigo 240.º do CC – quando tal artigo nunca tinha sido invocado nos embargos.
15. Não podemos deixar de censurar a desonestidade intelectual da Recorrente porque, de facto: i) a simulação não era a causa de pedir dos embargos deduzidos, e ii) a revogação de um contrato de mandato ou a revogação de um acordo simulatório não são uma e a mesma coisa.
16. Alega-se um desconhecimento, não inocente, dos efeitos de um negócio simulado, que é sempre nulo e não pode ser revogado porque, como é consabido, só se revogam actos válidos e nunca actos nulos.
17. Aliás, diga-se e não se pode deixar de dizer: a Recorrente nunca invocou a simulação nos embargos deduzidos porque bem sabia – e estamos certos de que sabia – de que não podia invocar a simulação em sede de embargos supervenientes porque nem o facto era superveniente nem o conhecimento do mesmo seria superveniente.
18. E foi branda e amável a referência do Tribunal que decidiu dos embargos quando se referiu à “artificialidade” do alegado contrato de mandato – de facto, devia desde logo a Embargante ter sido condenada como litigante de má-fé nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC – porque a “manobra” e o “expediente” eram claros e inequívocos.
19. Na altura, por considerar a aqui Recorrida que a sentença que decidiu a inadmissibilidade dos embargos supervenientes era clara, bem fundamentada, exemplarmente lógica e que tinha aplicado a lei vigente com rigor e perfeição notáveis, não apresentou contra-alegações pela profunda convicção de que a mesma seria inalterável pelo TRE – um erro que não volta a cometer, muito menos quando a sentença pode ter o Tribunal da 2ª Instância como o último guardião de uma decisão judicial.
20. E o espanto, salvo o devido respeito, foi incomensurável quando, em 10-11-2022, o TRE revogou a sentença da 1ª Instância, assim decidindo, inter alia e no que releva, as partes que se transcrevem:
(…)
21. Das partes supra transcritas resulta, para o TRE; i) que o alegado contrato de mandato não tinha fundamento legal; ii) que a Embargante queria, isso sim, revogar um negócio simulado nos termos do artigo 240.º do CC; iii) que revogou tal acordo simulatório através de uma notificação judicial avulsa; iv) que a notificação judicial avulsa era, ela própria, o facto superveniente que legitimava a dedução de embargos supervenientes ao abrigo do n.º 2 do artigo 728.º do CPC.
22. Ou seja, o TRE permitiu, em recurso, a substituição da causa de pedir e do pedido, alterando a decisão da 1ª Instância quando esta, na verdade, nunca se pronunciou sobre a matéria decidida pelo TRE – não era esse o objecto dos embargos, não era essa a causa de pedir.
23. Sempre com o devido respeito, entendemos que, para além das violações claras de normas processuais, o TRE publicitou uma jurisprudência que está nos antípodas do que seja o bom direito, em dois pontos muito claros: i) entendeu que as partes podem criar factos supervenientes através de notificações judiciais avulsas e ii) que um acordo simulatório pode ser revogado.
24. Aqui chegados, e perante os factos inegáveis porque documentalmente comprovados, dúvidas não existem de que é a decisão do TRE, que ordenou que fossem conhecidos os embargos, que prevalece e que deve ser cumprida – e que a mesma decidiu que, no julgamento dos embargos, o que se vai discutir é a “inexistência da dívida exequenda” por se ter alegado a “existência de um acordo simulatório”.
25. Donde resulta, obviamente, que será no julgamento dos embargos que se irá decidir se houve ou não um acordo simulatório na confissão de dívida que serve de título à execução em causa – quando, na verdade, a alegada simulação nessa confissão de dívida já passou pelo crivo de um Tribunal – como se prova pelas partes relevantes da sentença que se transcrevem:
(…)
26. Reposta a verdade substantiva e adjectiva no caso sub judice, não pode deixar de se entender que o julgamento dos presentes embargos deverá aguardar pela decisão do recurso que pôs em causa a sentença proferida no Proc. n.º 1672/22.0T8STB, a fim de evitar que um outro Tribunal se pronuncie sobre a mesma questão jurídica, entre as mesmas partes.»
A apelante apresentou resposta, pronunciando-se no sentido da não verificação da invocada litigância de má fé.
Face às conclusões das alegações da recorrente e das contra-alegações da recorrida, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- dos pressupostos de suspensão da instância;
- da litigância de má fé imputada à apelante.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Tramitação processual
Com interesse para a apreciação do objeto da apelação, extraem-se dos autos, além dos elementos indicados no relatório supra, ainda os seguintes:
a) os presentes embargos de executado foram deduzidos em 26-05-2021;
b) a embargante pede a extinção da execução que constitui o processo principal, alegando, em síntese, que:
- a execução foi intentada no interesse da própria executada, para evitar que a sua pensão de reforma (único bem que possui) fosse penhorada em execução fiscal que a AT se preparava para instaurar;
- a dívida exequenda não existe e apenas foi combinada para poder ser promovida a penhora da sua pensão, sendo depois devolvidos pela exequente todos os montantes penhorados, e, dessa forma, impossibilitar a AT, durante vários anos, de penhorar aquela pensão de reforma enquanto não estivesse integralmente liquidada a “dívida inventada”;
- o acordo celebrado entre exequente e executada configura um contrato de mandato, nos termos do qual a exequente se comprometeu a instaurar a execução contra a executada, com base em escritura de confissão de dívida, a penhorar a pensão de reforma e a devolver à executada todos os montantes que recebesse na execução;
- a partir de Janeiro de 2020, a exequente deixou de cumprir o acordado e não voltou a entregar à executada os valores que ia recebendo mensalmente provenientes da penhora;
- em Agosto, Setembro e Outubro de 2020, a executada solicitou à exequente que desistisse da execução e que lhe restituísse os valores que já tinha recebido (pelo menos € 35.498,95), o que aquela não fez;
- por notificação judicial avulsa concretizada em 07.05.2021 a executada comunicou à exequente a revogação do acordo celebrado entre ambos, operando desta forma a cessação do mandato;
- só após esse momento, era possível à executada deduzir os embargos que, assim, são tempestivos;
- a execução constitui um uso anormal do processo, na modalidade de simulação processual, criando a aparência de um litígio e de um crédito que nunca existiu;
- ainda que assim não se entenda, de acordo com a versão da própria exequente em depoimento que prestou em 11.09.2020 no inquérito criminal (instaurado após queixa da exequente contra, além do mais, a aqui executada), apenas lhe seria devida a quantia de € 20.000,00, sendo que a quantia cobrada na execução excede em muito esse valor;
- acresce que do acordo celebrado entre as partes decorre a obrigação da exequente de restituir tudo o que receber, pelo que invoca igualmente a compensação desses valores com os montantes que iria entregar por força da penhora;
c) corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal sob o n.º 1672/22.0T8STB uma ação declarativa, com processo comum, intentada em 10-03-2022 pela ora embargante contra a ora embargada;
d) na aludida ação declarativa, a autora peticiona: a) se declare a nulidade da confissão de dívida outorgada por autora e ré no dia 20-05-2015, a fls. 17 do Livro 280-A do Cartório Notarial de Setúbal a cargo da Notária (…), nos termos da qual a autora declarou ser devedora da ré pela quantia de € 140.627,70, que se comprometeu a pagar-lhe, ex vi do artigo 240.º do Código Civil; b) se condene a ré a restituir à autora todas as quantias que já recebeu e virá a receber em pagamento do crédito reconhecido na citada escritura e por efeito da penhora da pensão da autora à ordem do processo n.º 4585/15.9T8STB, que corre termos pelo Juízo de Execução – Juiz 2 da Comarca de Setúbal, que até esta data ascendem a, pelo menos, € 52.860,81, a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil; c) se condene a ré a pagar à autora juros de mora, à taxa legal supletiva, contados desde a data em que recebeu as quantias provenientes da penhora da pensão da autora até integral pagamento, que se liquidam até 10-03-2022 em € 5.216,36;
e) naquela ação declarativa, a autora alega, em síntese, que autora e ré acordaram em simular a existência de uma dívida, que permitisse à segunda intentar contra a primeira uma ação executiva no âmbito da qual requeresse a penhora da pensão de reforma pela mesma auferida, com a finalidade de impedir a penhora dessa pensão em execução fiscal que a Autoridade Tributária se preparava para intentar contra a autora, tendo as partes acordado na devolução pela ré à autora, após dedução das despesas que suportasse, das quantias que lhe viessem a ser entregues em resultado da penhora da pensão;
f) na referida ação declarativa, foi realizada a audiência final e proferida sentença – na qual se julgou a ação improcedente e se absolveu a ré do pedido, condenando-se a autora nas custas –, decisão da qual interpôs a autora recurso de apelação, que foi admitido.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Pressupostos de suspensão da instância
A embargante, ora recorrente, põe em causa o despacho que ordenou a suspensão da instância até ser proferida decisão, transitada em julgado, na ação declarativa que corre termos sob o n.º 1672/22.0T8STB no Juízo Central Cível de Setúbal, pela mesma intentada contra a embargada.
Consta da decisão recorrida que a suspensão da instância foi determinada com fundamento no seguinte: Era momento de agendar audiência prévia e, aí, proferir despacho saneador, delimitar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, ou, dispensando a audiência prévia por se destinar apenas a tais fins (artigo 593.º do Código de Processo Civil), de proferir o dito despacho saneador e fazer as referidas delimitação e enunciação. Sucede que o requerimento apresentado pela embargada no dia 14-02-2024 impõe que se aguarde pelo trânsito em julgado da decisão tomada (ou a tomar, caso a que já foi proferida seja revogada pelo Tribunal superior) no âmbito do processo n.º 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1. Vejamos porquê. A presente oposição à execução não foi apresentada dentro do prazo de 20 dias a que alude o artigo 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo a embargante lançado mão do n.º 2 do dito artigo 728.º, alegando facto superveniente que seria a notificação judicial avulsa que alega ter realizado no dia 07-05-2021. Por tal razão, o âmbito de conhecimento deste Tribunal circunscreve-se apenas à matéria superveniente (artigo 728.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Outros argumentos que nada tenham que ver com a matéria superveniente estarão, pois, fora do objeto do processo, porquanto quanto aos argumentos que não são superviventes valeria o prazo geral constante no artigo 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que já decorrera aquando da instauração da ação. Ora, escreveu-se no acórdão Tribunal da Relação de Évora que revogou a sentença proferida nestes autos, além do mais, o seguinte: «Invoca, porém, a recorrente que “o acordo simulatório não se esgota na emissão das declarações de vontade intencionalmente diferentes da vontade real das partes na escritura de confissão de dívida, antes exige, também, a emissão das declarações de vontade que permitem a propositura e a pendência dos autos de execução”. Dito de outro modo, acrescenta que “o acordo simulatório que a, aliás, douta sentença refere, ao contrário do habitual, perdura no tempo, já produziu e continua a produzir efeitos, pelo que é revogável”, concluindo que operou tal revogação com a notificação judicial avulsa, que constitui o facto superveniente que legitima a dedução dos embargos. Concorda-se com a recorrente, no sentido de que o alegado acordo simulatório, engendrado entre si e a exequente, é de execução continuada, integrando, não só, os actos de simulação da dívida exequenda, através da emissão da nota de honorários e a realização da escritura de reconhecimento de dívida, mas, também, a propositura e prossecução da acção executiva, com a penhora da pensão da executada e posterior devolução dos montantes penhorados à mesma. Ou seja, o acordo simulatório não se esgotou no forjar da dívida, antes exigia a instauração e manutenção da execução instaurada e a posterior devolução dos montantes cobrados, que, em face do alegado, não eram devidos E este acordo foi sendo executado até janeiro de 2020, data em que, alegadamente a exequente deixou de o cumprir, não entregando à executada as quantias penhoradas que foi recebendo. Porém, só com a notificação judicial avulsa é que a executada manifesta a sua intenção de por cobro a tal acordo, pelo que é a prática deste ato que permite que invoque agora, em sede de oposição, a inexistência da dívida exequenda, alegando a existência do acordo simulatório. A notificação judicial avulsa constituiu, assim, o facto superveniente que legitimou a dedução dos presentes embargos». Portanto, em cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, há que concluir que constitui objeto deste processo apenas saber se a escritura outorgada no dia 20-05-2015, no Cartório Notarial de Setúbal da Notária (…), que serve de título executivo nestes autos, constitui acordo simulatório, com a consequente nulidade do mesmo, que é dizer do título executivo. Nada mais há, portanto, a apreciar. Juntou a embargada, por requerimento de 14-02-2024, cópia de sentença de improcedência (não transitada ainda em julgado, segundo a embargada) proferida no processo n.º 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1, em cujo relatório consta, além do mais, o seguinte: «(…), intentou a presente acção de processo comum, contra (…) peticionando seja declarada a nulidade da confissão de dívida outorgada por A. e R. no dia 20.05.2015, a fls. 17 do Livro 280-A do Cartório Notarial de Setúbal a cargo da Notária (…), nos termos da qual a A. declarou ser devedora da R. pela quantia de 140.627,70 Euros, que se comprometeu a pagar-lhe, ex vi do artigo 240.º do Código Civil; e seja a R. condenada a restituir à A. todas as quantias que já recebeu e que virá a receber em pagamento do crédito reconhecido na citada escritura e por efeito da penhora da pensão da A. à ordem do Proc. n.º 4585/15.9T8STB, que corre termos pelo Juízo de Execução – Juiz 2 da Comarca de Setúbal que, até esta data, ascendem a, pelo menos, € 52.860,81, a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.; mais peticionando a condenação da R. a pagar à A. juros de mora, à taxa legal supletiva, contados desde a data em que recebeu as quantias provenientes da penhora da pensão da A. até integral pagamento, que se liquidam até 10/03/2022 em € 5.216,36. Para tanto, alega, em suma, que para impedir a penhora pela Autoridade Tributaria da sua pensão procedeu com a R. à simulação de uma divida, assinando confissão de divida em cartório notarial, tendo de seguida sido intentada uma acção executiva para exigir o pagamento dessa dívida, recebendo o valor penhorado da pensão da A e entregando-o à A.; enquanto junto da autoridade tributaria era esclarecida a situação tributaria da A. referente a valor de IRS apurado em liquidação oficiosa relativa ao ano de 2008 e no montante de € 14.133.858,22 que resultou de a AT ter erradamente atribuído à A. rendimentos de aplicação de capitais não auferidos, nem realizados. Mais alegou que tendo a A. obtido provimento na impugnação da liquidação de IRS que apresentou junto da entidade tributária e após ser proferida sentença, que julgou procedente a impugnação e anulou a liquidação oficiosa de IRS, a A. solicitou à R. que desistisse da execução o que esta não fez recebendo o valor penhorado que faz seu em violação do acordado com a A. e sem que qualquer causa o justifique, não entregando à A. Os valores recebidos desde setembro de 2015». Ora, perante o relatório acabado de citar, não tem este tribunal qualquer dúvida de que no processo n.º 1672/22.0T8STB se discute a mesmíssima questão que constitui objeto destes autos: basta ler a petição de embargos: a argumentação aqui usada é exatamente a mesma que foi usada no referido processo cível. Invoca a embargada a existência de litispendência. Sucede que, independentemente de analisar se existe ou não essa litispendência, nunca poderia ser nesta ação que a mesma deveria ser invocada, uma vez que esta ação foi instaurada em primeiro lugar, relativamente à ação que corre termos sob o processo n.º 1672/22.0T8STB, no Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1 (artigo 582.º do Código de Processo Civil). Porém, e ainda que não possa aqui ser invocada a litispendência, uma coisa é certa: a decisão proferida no processo n.º 1672/22.0T8STB sempre se imporá nestes autos, seja por via da exceção de caso julgado, seja por via da autoridade do caso julgado. Vejamos a diferença entre estas duas figuras. (…) Portanto, repete-se, a decisão que transitar em julgado no processo n.º 1672/22.0T8STB impor-se-á nestes autos, seja por via da exceção de caso julgado, seja por via da autoridade do caso julgado, sendo inútil e contraproducente, quanto há já sentença proferida no dito processo, realizar nestes autos julgamento e proferir sentença, correndo-se o risco de proferir decisão contraditória. Portanto, impõe-se aguardar nestes autos pelo trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1672/22.0T8STB, que corre termos no Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1, pelo que se determina, até lá, a suspensão dos presentes autos, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Discordando deste entendimento, sustenta a recorrente, em síntese, que o motivo tido em conta pelo Tribunal não justifica a suspensão da instância, o que se impõe reapreciar.
Decorre da decisão proferida que a suspensão da instância foi determinada com fundamento no disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, preceito que permite ao tribunal ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Prevê o n.º 1 do citado preceito duas causas de suspensão da instância por determinação do tribunal: a pendência de causa prejudicial e a ocorrência de outro motivo justificado. Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Em anotação ao preceito, José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 550), reportando-se à primeira das indicadas causas de suspensão da instância, afirmam que o «n.º 1 concede ao tribunal o poder de ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, quando penda causa prejudicial», explicando que se entende «por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada». Acrescentam os autores (ob. cit., p. 551) que «nos termos do n.º 2, o tribunal não pode ordenar a suspensão: se a propositura da ação prejudicial tiver tido exclusivamente em vista obter a suspensão; se o adiantamento da causa for tal que, considerando o tempo previsível de duração da ação prejudicial, os prejuízos da suspensão superem as vantagens». Mais afirmam (ob. cit., pág. 553) que o «tribunal pode também ordenar, discricionariamente, a suspensão da instância quando ocorra outro motivo justificado e não se verifique nenhuma das circunstâncias do n.º 2».
Extrai-se do supra transcrito excerto da decisão recorrida que a suspensão da instância foi ordenada com fundamento na previsão do n.º 1 do artigo 272.º, por se ter entendido o seguinte: i) constitui objeto deste processo apenas saber se a escritura outorgada no dia 20-05-2015, no Cartório Notarial de Setúbal da Notária (…), que serve de título executivo nestes autos, constitui acordo simulatório, com a consequente nulidade do mesmo, que é dizer do título executivo; ii) no processo n.º 1672/22.0T8STB discute-se a mesma questão que constitui o objeto destes autos; iii) a decisão que transitar em julgado no processo n.º 1672/22.0T8STB impor-se-á nestes autos, seja por via da exceção de caso julgado, seja por via da autoridade do caso julgado, sendo inútil e contraproducente, quanto há já sentença proferida no dito processo, realizar nestes autos julgamento e proferir sentença, correndo-se o risco de proferir decisão contraditória.
Não se tratando da pendência de ação que constitua causa prejudicial, sendo certo que tal não foi invocado na fundamentação da decisão recorrida, cumpre aferir se o motivo tido em conta pelo Tribunal justifica a suspensão da instância que foi determinada.
Quanto ao que se entende por motivo justificado, para efeitos da suspensão da instância por determinação do tribunal, explicava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume I, 3.ª edição – reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, pág. 384) que «o juiz pode ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda».
Em anotação do citado artigo 272.º, afirma Miguel Teixeira de Sousa [CPC online: artigos 130.º a 361.º (vs. 2024/12), Blog do IPPC, in: https://drive.google.com/file/d/1REL4D8gdisAcNY6oY8Ip7f6vfLRFy2S3/view] o que segue: «15 (a) A suspensão da instância também pode ser decretada com base num “motivo justificado” (n.º 1) (…). (b) Um dos âmbitos específicos desta causa de suspensão da instância é o das acções que, apesar de terem objectos distintos, podem vir a ser decididas de forma contraditória. Noutros termos: a conexão entre acções determinada pela necessidade de harmonia de decisões pode constituir um “motivo justificado” para a suspensão da instância numa delas.»
Está em causa, na ação declarativa que corre termos sob o n.º 1672/22.0T8STB no Juízo Central Cível de Setúbal, intentada pela ora embargante contra a ora embargada, confissão de dívida exarada por escritura pública outorgada entre as partes a 20-05-2015, em que a autora reconheceu dever à ré, que é advogada, a quantia de € 140.627,70 – a título de honorários relativos a serviços prestados nos processos judiciais que identifica, acrescidos de IVA, e a que se reporta nota de honorários apresentada em 06-04-2015 –, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde 05-05-2015, e declarou que procederá ao pagamento, por transferência bancária, do valor relativo ao IVA na mesma data e do valor restante em prestações mensais e sucessivas de € 1500 cada, com início no dia 21-05-2015; a ré, por seu turno, declarou aceitar a confissão de dívida.
No âmbito daquela ação declarativa, pretende a autora (ora embargante), obter a declaração de nulidade, por simulação, da aludida confissão de dívida e a consequente condenação da ré (ora embargada), a restituir-lhe os montantes recebidos e a receber no âmbito da ação executiva que constitui o processo principal ao qual os presentes embargos se encontram apensos, na qual foi apresentado como título executivo aquela declaração confessória de dívida.
Considerou a decisão recorrida que no processo n.º 1672/22.0T8STB, pendente entre as mesmas partes, se discute a mesma questão que constitui o objeto destes autos, isto é, a invocação da nulidade por simulação da confissão de dívida constante da escritura apresentada como título executivo, em consequência do que entendeu que importa apurar o decidido nesse processo, de forma a evitar a contradição de julgados.
Ora, mostra-se ajustado tal entendimento, face à autoridade do caso julgado.
Transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC (sem prejuízo da possibilidade de vir a ser objeto de recurso de revisão, conforme estatuído no artigo 619.º, n.º 1, do citado Código).
O alcance do caso julgado decorre dos próprios termos da decisão, dado determinar o artigo 621.º do mesmo Código que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”. Daqui resulta que o caso julgado abrange apenas a parte decisória e não, em princípio, os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, podendo os seus limites integrar a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final. Por outro lado, tem eficácia relativa, isto é, por regra, apenas vincula as partes da ação, não afetando terceiros, salvo em situações excecionais.
O caso julgado vincula as partes da ação, não apenas no processo onde foi proferida a decisão, mas também no âmbito de outros processos, exercendo uma função negativa, ao impedir a repetição da causa decidida com trânsito em julgado (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i), 580.º e 581.º do CPC), e uma função positiva, ao fazer valer a sua autoridade, impondo a decisão tomada, numa relação de prejudicialidade relativamente a decisões a proferir em novas ações com outro objeto[1].
A autoridade do caso julgado impõe que as questões decididas vinculem as partes em ações posteriores, seja a título principal ou a título prejudicial, desde que verificada a identidade subjetiva, atento o princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC), que impede quem não interveio no processo de ser afetado pela decisão nele proferida.
Sendo as mesmas as partes no processo n.º 1672/22.0T8STB e nos presentes embargos de executado, e reportando-se ambos à invocação de nulidade por simulação da confissão de dívida pela escritura apresentada como título executivo na execução que constitui o processo principal, há que ter em conta, nestes embargos, as questões expressamente decididas naquela ação, impondo a autoridade do caso julgado que a decisão de tais questões vincule as partes nesta ação, seja a título principal ou a título prejudicial.
Nesta conformidade, estendendo-se o caso julgado à decisão das questões conexas com a parte dispositiva do julgado, daqui resulta que abrange a resolução das questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares que forem antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
Assim sendo, mostra-se justificada a suspensão da instância determinada pelo Tribunal de 1.ª instância.
Acresce que, na ação em apreciação, foi já realizada a audiência final e proferida sentença, decisão esta que se encontra em fase de recurso, sendo que nos presentes embargos, conforme se consignou na decisão recorrida, era momento de agendar audiência prévia e, aí, proferir despacho saneador, delimitar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, ou, dispensando a audiência prévia por se destinar apenas a tais fins (artigo 593.º do Código de Processo Civil), de proferir o dito despacho saneador e fazer as referidas delimitação e enunciação.
Tendo em conta a fase em que se encontra cada um dos processos, estando a ação declarativa claramente mais adiantada, não se vislumbra que os prejuízos da suspensão superem as vantagens daí decorrentes, nada impedindo a suspensão determinada pela 1.ª instância.
Nesta conformidade, cumpre concluir que se encontram preenchidos os pressupostos de suspensão da instância por determinação do tribunal, o que impõe a confirmação da decisão recorrida.
Improcede, assim, a apelação.
2.2.2. Litigância de má fé imputada à apelante
Nas contra-alegações do presente recurso de apelação, a recorrida pede a condenação da recorrente como litigante de má fé.
Analisadas as contra-alegações apresentadas pela apelada, verifica-se que a invocada litigância de má fé se baseia em factos ocorridos no decurso da tramitação dos autos na 1.ª instância, incluindo a interposição do presente recurso de apelação.
Litiga de má fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, do CPC, a parte que, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
No que respeita ao conhecimento da litigância de má fé, explica António Santos Abrantes Geraldes (Temas Judiciários, I volume, Coimbra, Almedina, 1998, pág. 331), «a gravidade das consequências não é compatível com simples conjecturas do julgador, ainda que passíveis de forte verosimilhança, devendo basear-se em factos que o juiz indicará na fundamentação da decisão».
Compulsados os autos, verifica-se que deles não decorrem elementos que permitam considerar assente factualidade que caracterize a atuação da apelante como integradora da previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 542.º.
Apesar de se ter considerado improcedente o recurso deduzido pela apelante à decisão que determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação declarativa que corre termos sob o n.º 1672/22.0T8STB no Juízo Central Cível de Setúbal, pela mesma intentada contra a ora apelada, daqui não decorre, sem mais, qualquer elemento relativo a uma eventual atitude censurável ou maliciosa por parte da mesma, antes resultando da tramitação processual, designadamente do recurso interposto, uma divergência de entendimentos interpretativos relativos às pretensões deduzidas no processo.
Em conclusão, não se encontrando assentes factos com relevo para a apreciação da conduta maliciosa imputada pela apelada à apelante, cumpre considerar não verificada a litigância de má fé que lhe é imputada, absolvendo-a do pedido de condenação como litigante de má fé.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em:
a) julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida;
b) julgar não verificada a litigância de má fé imputada à apelante, absolvendo-a do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela apelada.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 27-02-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Rosa Barroso (1.ª Adjunta)
Canelas Brás (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Sobre o caso julgado e seus limites, cfr. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II Volume (revisto e atualizado), apontamentos das lições redigidas com a colaboração de um grupo de Assistentes, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1987, págs. 768-792; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, Lex, 1997, págs. 567-597.