CONTRATO DE COFRE-FORTE
PRESTAÇÃO DE CUSTÓDIA
PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DO BANCO
INVALIDADE
Sumário

I – No contrato de cofre-forte, referido no art. 4.º, n.º 1, al. o), do RGICSF, assumem natureza essencial as obrigações relacionadas com a vigilância devida (prestação de custódia), no sentido de que o banco deve não só assegurar a vigilância necessária para evitar que sujeitos diferentes do utente possam aceder ao cofre, mas também responder pela sua integridade.
II – Existe, por isso, uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados, sendo esta responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível.
III – O cliente, por sua vez, tem o ónus da prova do conteúdo do cofre, para efeitos de determinação do dano ressarcível.
IV – Se o contrato de cofre-forte estiver sujeito à disciplina do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (DL466/85), uma cláusula, nele inserida que limite a responsabilidade do Banco às situações de dolo ou culpa grave é nula, por contrária à boa-fé, nos termos dos arts. 12º, 15º e 16º, al. b) do referido regime jurídico, uma vez que exclui obrigação essencial do contrato, a de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Ré/Recorrente: Banco 1..., SA;

Autores/recorridos: AA e BB


I. Relatório

AA e BB demandaram a Banco 1..., SA peticionando o pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, da quantia global de €65.000,00, acrescida de juros vincendos, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que a ré Banco 1... S.A. incumpriu culposamente e de forma grave as obrigações a que estava vinculada por força do contrato de aluguer de cofre que celebrou com os autores, em especial, a obrigação de agir com o zelo e diligência necessários para garantir a segurança e proteção dos bens guardados, no cofre particular n.º 13, que lhes foi disponibilizado, mormente por falta de um sistema de vídeo vigilância que lhe permitisse, em tempo real, visualizar à distância o interior da agência para garantir que estava em segurança; que tal ação culposa se presume, porquanto havia, para a ré, obrigações especiais de vigilância e de tomar as medidas necessárias para assegurar a salvaguarda do cofre e dos objetos e valores neles depositados; ademais, suscitam a invalidade da cláusula contratual geral prevista sob 8ª do contrato, se interpretada no sentido excludente da responsabilidade da Ré em caso de furto ou de ato ilícito de terceiro, pois seria uma cláusula absolutamente proibida nos termos do artº18º, als. c) e d) do DL 446/85, de 25 de Outubro.

A ré contestou por impugnação e invocou a referida cláusula 8ª do contrato, concluindo pela improcedência da ação; ademais, sublinha que nunca se recusou a reembolsar os autores por conta dos factos ora em causa, aguardando que, no âmbito do processo crime, se apurem os contornos dos factos ocorridos, eventualmente os seus autores e quais os danos efetiva e concretamente verificados.


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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida, em 25/07/2024, sentença que, a final, decidiu nos seguintes termos:

Julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, condeno a ré no pagamento à autora:

a- da quantia global de € 5000) (cinco mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral e efetivo pagamento.

b- a que acrescem a titulo de danos morais, a quantia de € 3000 ( três mil euros), a título de indemnização danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a data da sentença até integral e efetivo pagamento

c- no total de € 8000,00 (oito mil euros) e juros vencidos.

Do mais peticionado absolvendo a ré.

Custas na proporção do vencimento e decaimento


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Não se conformando com a sentença, veio a ré apresentar recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

(…).


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Os autores não apresentaram alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir

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II. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
a) A impugnação da matéria de facto /factos conclusivos;
b) Se deve ser proferida decisão integralmente absolutória da recorrente por falta de verificação dos pressupostos para a sua responsabilização;
c) Se deve ser afastada a condenação da recorrente no pagamento da indemnização pelo dano patrimonial correspondente à perda dos objetos que foram subtraídos do cofre;

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III. Fundamentação de facto

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

(…)


*

IV. O mérito do recurso
A) Reapreciação da matéria de facto
(…).
*

De seguida, iremos elencar os factos provados e não provados com as alterações decididas na sequência da apreciação da impugnação da recorrente[1]:

São, então, de considerar provados os seguintes factos:

1) A Ré Banco 1... é um banco comercial, como tal é considerado uma instituição de crédito, dedicando-se, no fundamental, a operações de crédito, designadamente, operações de mútuo ou empréstimos sobre numerário ou outros valores;

2) Em 08 de Outubro de 2015, autores e ré celebraram um contrato, que foi denominado de contrato de aluguer de cofre n.º 13, tendo por objecto o aluguer do cofre n.º 13 com a capacidade de 20 dm3, instalado na Agencia de ... da Ré, mediante o pagamento da quantia anual de 50 euros (acrescido de Iva), conforme os termos do contrato doc. 1 da contestação, sem negociação prévia do respectivo clausulado;
3) O contrato celebrado entre autores e ré inclui cláusulas que foram pré-elaboradas e que podem ser utilizadas por um número indeterminado de clientes da ré

4) O contrato celebrado entre a ré e os autores estabelece os deveres e poderes do locatário, mas não prevê deveres específicos do locador.

5) Porém, a cláusula 8.ª do contrato estabelece o seguinte: “A Caixa não se responsabiliza pela perda, deterioração, furto ou extravio dos bens e valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave de sua parte”.

6) A agência referida foi alvo de efração/arrombamento noturna na noite de 4 para 5 de Novembro de 2018, tendo os infractores acedido à zona dos cofres de aluguer e arrombado diversos cofres, entre os quais o cofre n.º 13, retirando do mesmo tudo o que lá se encontrava, tendo este sido encontrado vazio pelos funcionários da agência quando regressaram ao trabalho.

7) Os factos originaram a abertura de inquérito penal (NUIPC 778/18.... – Polícia Judiciária de Coimbra – Inspetora CC), tendo em 04.02.2019 a Banco 1... recebido notificação, mediante a qual, por Despacho proferido em 01.02.2019, foi determinada a apensação do inquérito nos autos com o número 4/18...., passando a constituir o Apenso 6 e a correr termos no DIAP de Lisboa – Secção Única.

8) Por carta datada de 05.08.2019, junta como Doc. 2 da contestação, a Banco 1... comunicou encontrar-se a aguardar que, no âmbito do referido processo, se apurem os contornos dos factos ocorridos, eventualmente os seus autores, e quais os danos efetiva e concretamente verificados.

9) A GNR deslocou-se ao local no seguimento de um alerta do sistema de vigilância, sem nada ter detectado.

10) Na madrugada de 4 para 5 de Novembro (de domingo para segunda-feira) de 2018, a agência da ré, sita na vila de ..., foi assaltada, sendo que várias pessoas penetraram indevidamente no interior da agência bancária, tendo danificado portas, bens e equipamentos de vigilância e alarme e arrombado os cofres de aluguer, retirando todos os objetos e valores em dinheiro que ali (nos cofres de clientes) se encontravam guardados.

11) Ainda no dia 04 de Novembro de 2018 às 22h37m, a Central de Segurança da ré (doravante apenas CS) a ré recepcionou via aplicação informática GRAI (Gestão e Receção de Alarmes e Imagem) um alarme de “perda de comunicações” referentes à agência bancária de ..., tendo pouco depois (22.50 horas) contactado o posto territorial da Guarda Nacional Republicana (GNR) de ..., solicitando ao guarda/agente principal, Sr. DD que passasse uma brigada pelo local para apurar se se passava algo.

12) A agência tinha alarme com deteção de imagens e, na sequência do pedido da CS da Banco 1..., a brigada da GNR composta por um elemento - guarda EE- deslocou-se à mesma e, às 23,38 horas, o posto comunicou à CS que nada detectou de suspeito, informando igualmente que “o balcão tinha energia” e que “a máquina ATS se encontrava em funcionamento”, não havendo sinais da presença de alguém no interior.

13)Às 23h 28m, aquele órgão de polícia criminal informou-a de que o carro patrulha foi ao local e não encontrou qualquer anomalia, ficando por tal motivo convicta de que nada de anormal se passava na agência.

14) A GNR não procedeu a qualquer outra diligência de deslocação à agencia em causa, além da referida passagem, limitando-se o referido guarda a observar a entrada da frente das instalações, e aí, a espreitar para o interior, nada tendo detectado de anómalo, tendo-se limitado a entrar na zona onde está instalada a caixa de multibanco, sem nada terem detectado uma vez que não entraram no interior da agência bancária.

15) Nem os elementos das forças de segurança que se deslocaram ao local, nem qualquer funcionário da Ré, entraram no interior da agência bancária a fim de confirmar se as instalações estavam em segurança.

16) Do exterior do edifício não se conseguia ver o que se passava no local onde se encontravam os cofres-fortes alugados aos clientes

17) Os autores desconhecem as circunstâncias em que o assalto foi cometido, porque as mesmas não lhe foram comunicadas pela ré, e porque os factos se encontram a ser alvo de inquérito crime – NUIPC 778/18...., encontrando-se por esse motivo sob segredo de justiça; no entanto, e face às notícias que foram veiculadas pela comunicação social, os assaltantes arrombaram a porta das traseiras do edifício, e já dentro da agência bancária arrombaram as portas e cortaram o gradeamento até acederem à zona dos cofres, tendo a situação só sido detectada na segunda-feira seguinte pelos funcionários da agência, que encontraram os cofres vazios.

18) Os AA tinham guardado no referido cofre n.º 13 alguns objectos em ouro, como cordões (2), 5 meias libras, anéis, pulseiras e brincos de espécie e valor não concretamente apurado, os quais lhes foram subtraídos na sequência do evento descrito;

19) tendo sido precisamente na sequência do falecimento do marido da autora, e pai do autor, que estes decidiram alugar o cofre para aí guardarem aqueles valores, que até á data da morte do marido e pai dos autores, estavam guardados em casa;

20) e pelo facto de a autora se ver na circunstância de passar a morar sozinha, levou a que tivesse receio de ser assaltada, tendo optado aí guardar os seus objectos de ouro, pela garantia de segurança que lhe foi transmitida, e que se espera de uma instituição bancária- em quantidade e valor não concretamente apurado.

21) A Autora sentiu-se triste, amargurada, angustiada e nervosa e com a sua autoconfiança abalada;

22) Mormente a autora, sofreu momentos de grande ansiedade e períodos de apatia;

23) Após a diligência policial, ficou a ré convicta de que nada de anormal e muito menos quaisquer factos como os que se encontram em causa, se verificassem na referida agência.


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São os seguintes os factos não provados:

a) Os autores ficaram abalados pelo facto de a ré não ter assumido a responsabilidade, vendo sua posição de lesados ser desconsiderada pela ré, que nada fez para resolver o problema dos autores, inclusive nem sequer se dignou a responder á comunicação enviada pelo seu mandatário.

b) À data do assalto havia ainda a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) em dinheiro, tratando-se de poupanças de uma vida de trabalho da autora e do seu falecido marido.
c) Os autores tiveram medo que ocorressem novos furtos em sua casa;
d) O autor BB sentiu-se triste, amargurado, angustiado, nervoso e com a autoconfiança abalada;
e) A ré não dispunha de um sistema de videovigilância que lhe permitisse, em tempo real, visualizar o que se passava no interior da agência.

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B) O Direito aplicável
Sustenta a recorrente que não estão reunidos os pressupostos para a sua responsabilização, conclusão que assenta em três ordens de razões:
- Não poderia o tribunal a quo ter considerado o contrato celebrado entre as partes um verdadeiro “contrato de adesão” e em consequência considerado inválida a cláusula 8º do mesmo, segunda a qual a Banco 1... não se responsabilizava pela perda, deterioração, furto ou extravio de bens ou valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave de sua parte;
- Os factos provados demonstram que a recorrente agiu com a diligência profissional que lhe era exigível;
- Os autores não lograram demonstrar, como era seu ónus, o conteúdo do cofre e o respetivo valor na madrugada de 5 de novembro de 2018, sendo, por isso, excessiva a indemnização por danos patrimoniais fixada pelo tribunal recorrido com recurso á equidade.
Apreciaremos, de seguida, por ordem lógica, cada uma destas questões.
Antes, porém, convém deter-nos sobre a qualificação jurídica do acordo firmado ente as partes cujo incumprimento constitui a causa de pedir invocada pelos autores.
Concordamos com a decisão recorrida quando qualifica o contrato celebrado entre as partes como de aluguer de cofre-forte, qualificação essa que, de resto, não nos parece ter sido questionada pela recorrente.
O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 08-03-2018[2], pronunciando-se precisamente sobre um caso de responsabilidade de contornos idênticos aos dos que nos ocupa, nos seguintes termos: Este tipo contratual do universo da actividade bancária (“safe deposit boxes”, “Schankfach”, “cofre-fort”, “cassete di sicureza”, “caja de seguridad”)[2], permitido pelo artigo 4º, n.º 1, alínea o) do RGICSF, combina elementos do depósito e da locação e, na essência, caracteriza-se pelas obrigações da instituição bancária de ceder o uso do cofre e garantir a sua inviolabilidade e preservação da integridade dos bens ou valores lá guardados, mediante remuneração pelo cliente.
A este é entregue o código de abertura e/ou uma chave do cofre, situado em compartimento de elevadas condições de segurança, com portas blindadas, cujo acesso é registado e só é possível realizar, com um empregado bancário, detentor de uma chave de passagem (chiave di passo), que, de seguida, abandona a sala, onde fica o cliente para colocar ou retirar os bens ou valores, pelo que só ele (e mais ninguém), sabe o que lá coloca e de lá retira[3].
Não há, assim, uma verdadeira entrega de bens ou valores à instituição bancária, nem sequer o empregado bancário procede a qualquer conferência. A colocação e retirada de bens e valores do cofre passa unicamente pelo cliente, sendo o seu conteúdo totalmente desconhecido da instituição bancária[4].
Tendo em conta estas particularidades do contrato, é «unanimemente reconhecido que existe uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados, sendo aquela responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, mas o cliente, por seu turno, tem o ónus da prova do conteúdo do cofre, para efeitos de determinação do dano ressarcível»[5].
(…)
Na verdade, o cliente que utiliza o serviço de locação de um cofre bancário tem como objetivo colocar em segurança os bens ou valores que ali deseja colocar e a entidade bancária, ao oferecer esse serviço, assume um dever de vigilância e custódia, portanto, uma obrigação de resultado e, nessa medida, é da sua responsabilidade a subtração fraudulenta do conteúdo do cofre que mantém sob a sua guarda. Trata-se de risco profissional decorrente da sua actividade comercial da qual obtém lucros, pelo que lhe cabe também, de outra parte, assumir os riscos a ela inerentes, o chamado risco-proveito ou risco do empreendimento.
Acresce que, tratando-se de responsabilidade contratual, a culpa da entidade bancária, no caso a Recorrida, presume-se (artigo 799º, n.º 1, do Cód. Civil), presunção que, saliente-se, não foi afastada, como menos acertadamente entendeu a 2ª instância em divergência com a 1ª, com os disparos dos alarmes e a presença da GNR no local ou sequer por o assalto ter sido levada a efeito por verdadeiros profissionais do furto”.
Isto posto, no caso vertente, importa então averiguar se os factos provados permitem concluir que a apelante logrou demonstrar que a perda  dos objetos que se encontravam depositados no cofre que alugou aos autores se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível.
Desde logo, não cremos ser possível invocar a ocorrência do próprio assalto como um facto exclusivo de terceiro excludente da responsabilidade da apelante, porque esse risco é assumido pelo banco como elemento essencial do contrato. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/06/2019[3] , “ao conceder o cofre em locação, o banco assume, quer queira ou não, o risco profissional; como todo profissional, ele responde pela falha, omissão ou mau funcionamento do serviço que se propôs; caso contrário, o próprio negócio em si ficaria juridicamente sem sentido”.
Concordamos, assim, com a sentença recorrida, quando afirma que: “O roubo ou o furto, mediante arrombamento, não constituem, em princípio, uma causa de exoneração do banco, visto que, a final, demonstram mesmo a insuficiência das precauções tomadas e da vigilância. Todavia, a responsabilidade do Banco será afastada se este demonstrar que tomou todas as precauções, que a ação do ladrão era imprevisível e que a mais estrita vigilância seria impotente para a impedir. Assim, a exoneração do banco depende, pois, da prova de que o evento danoso, no caso, o furto, era imprevisível e inevitável e que atuou com a diligência profissional que lhe é exigível /afastada outrossim a hipótese de culpa do cliente)”.
Por conseguinte, entendemos não ser suficiente para a afastar a presunção de responsabilidade (e de culpa) que recai sobre a apelante a prova de que os funcionários do seu gabinete de segurança, na sequência do acionamento do alarme por quebra de comunicações, contataram as autoridades policiais e que estas, tendo-se deslocado à agência e visualizando a mesma a partir do seu exterior, não verificaram qualquer situação irregular, o que reportaram àqueles funcionários que, por esse motivo, ficaram convictos de que nada de anormal se teria passado.
Parece-nos antes que a questão essencial está a montante dessa intervenção - mais ou menos adequada - dos elementos da autoridade policial, após a comunicação da ocorrência pelos serviços de segurança da ré. E diz respeito à alegação e prova, pela apelante, sobre quem recaía o ónus respetivo, dos factos concretos demonstrativos da suficiência e proficiência de todo o seu “sistema de segurança”, incluindo-se aqui não apenas o seu sistema de alarme, mas também os obstáculos físicos, (como p. e. portas blindados, fechaduras de segurança, etc) ao acesso ao compartimento onde estavam instalados os cofres que alugava a particulares.
Sucede que, a este respeito, para além de se ter demonstrado que a ré dispunha, na sua agência de ..., de um alarme com deteção de imagens e que, na data da ocorrência,  seu gabinete de segurança recebeu, por vai da aplicação informática GRAI (Gestão e Receção de alarmes e imagem) um alarme de perda de comunicação na referida agência, nada ficou provado, porque nada mais foi alegado.
A exiguidade da matéria de facto provada impõe, assim, que se conclua que a apelante não demonstrou que atuou com a diligência que lhe era exigível, fazendo tudo o que estava ao seu alcance prevenir a ocorrência em causa.
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Na contestação que apresentou, a ré, ora apelante, defendia a desoneração da sua responsabilidade, por decorrência da cláusula n.º 8º do contrato de escrito que celebrou com os autores, a qual tem o seguinte teor: «A Caixa não se responsabilizava pela perda, deterioração, furto ou extravio de bens ou valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave de sua parte».
A decisão recorrida, entendendo que o dito contrato se regia pelo Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 466/85), decidiu que tal cláusula é nula, “na medida em que, por meio dela, o depositante está a renunciar a um direito inerente ao negócio, qual seja a segurança buscada (…)”.
A apelante insurge-se contra esta decisão defendendo que o mencionado contrato não pode ser submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais, por não ter sido alegado e provado que foi por ela pré-elaborado; que os autores não puderam negociar o respetivo clausulado, tendo sido obrigados a aceitar ou a rejeitar em bloco, a correspondente proposta contratual; e ainda por nada ter sido alegado quanto a um eventual dever de informação ou comunicação que sobre ela recaísse. Conclui que, não sendo aplicável o aludido regime legal, a referida cláusula deve ter-se por válida.
Vejamos.
Na petição inicial, os ora recorridos alegaram que o contrato que celebraram com a recorrente incluía cláusulas foram pré-elaboradas, rígidas e que poderiam ser utilizadas por um número indeterminado de clientes da ré, defendendo assim a sujeição do mesmo ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. Por essa via, sustentam que a cláusula excludente de responsabilidade da ré em caso de furto ou extravio de bens ou valores guardados no cofre configura uma cláusula absolutamente proibida nos termos do artº. 18º, al.s. c) e d) do DL n.º 446/85, de 25 de outubro.
As cláusulas contratuais gerais, é sabido, são entendidas como proposições pré-elaboradas, sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou a aceitar (art. 1.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25-10, que aprovou o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais).
Tais cláusulas caracterizam-se, assim: (i) pela sua generalidade, uma vez que se destinam a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser por eles subscritas; e (ii) pela sua rigidez, por serem elaboradas sem prévia negociação individual e recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceita, que, assim, não tem qualquer possibilidade de modelar o seu conteúdo, nem de introduzir nelas alterações.
Na situação vertente, provou-se que:

- Em 08 de Outubro de 2015, autores e ré celebraram um contrato, que foi denominado de contrato de aluguer de cofre n.º 13, tendo por objecto o aluguer do cofre n.º 13 com a capacidade de 20 dm3, instalado na Agencia de ... da Ré, mediante o pagamento da quantia anual de 50 euros (acrescido de Iva), conforme os termos do contrato doc. 1 da contestação, sem negociação prévia do respectivo clausulado;
3) O contrato celebrado entre autores e ré inclui cláusulas que foram pré-elaboradas e que podem ser utilizadas por um número indeterminado de clientes da ré
Temos para nós que, efetivamente, face à referida matéria de facto provada, estamos perante um contrato de adesão, pelo que é aqui convocável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (DL 466/85).
O regime comum da responsabilidade civil contratual, em matéria de cláusulas contratuais gerais, encontra-se consagrado nas alíneas c) e d) do artigo 18º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, dispondo estas previsões legais que não poderá ser afastada ou atenuada a responsabilidade do predisponente emergente do não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, por ato próprio ou por atos dos seus representantes ou auxiliares em caso de dolo ou culpa grave.
A supra mencionada cláusula 8ª restringe a limitação da responsabilidade da recorrente nas situações de perda, furto ou extravio dos bens ou valores guardados no cofre aos casos de culpa leve, pelo que, a uma primeira vista, não tendo os autores invocado a falta de comunicação ou informação sobre a mesma cláusula, não se colocaria em causa a sua validade.

Todavia, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, ao lado do vasto elenco de cláusulas proibidas, consagrou, no seu art.º 15º, a boa fé enquanto princípio geral de controlo de conteúdo das cláusulas contratuais gerais.

Com efeito, dispõe o art.º 15.º do dito diploma legal que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé”, acrescentando o art. 12.º do mesmo regime que “As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos.”
Por seu turno, o art.º 16.º, do mesmo diploma, vem indicar os critérios concretizadores do mencionado princípio da boa-fé no âmbito das cláusulas contratuais gerais, estabelecendo que “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
Dir-se-á, assim e em síntese, que serão abusivas, à luz dos critérios enunciados no sitado art.º 16.º, porque opostas à boa fé e, como tal, proibidas: (i) as cláusulas que ofendam a confiança legítima provocada pelos factores enunciados na lei (o sentido global das cláusulas, o processo de formação do contrato singular e o teor deste); e (ii) as cláusulas que, sem justificação legítima, contrariem, dificultem ou impeçam os objectivos prosseguidos pelas partes com o contrato.
Assim, para aferir da natureza abusiva de uma cláusula neste domínio, deve ponderar-se a finalidade do contrato e quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela que o tomador podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato, devem tais cláusulas ser consideradas nulas[4].
Sublinha ainda, a este propósito, Pinto Monteiro[5], que não poderão ser convencionalmente retiradas ao contrato, sob pena de se frustrar a respectiva finalidade, as obrigações que constituam elementos essenciais do tipo contratual (ou, dito de outro modo, que constituam a sua causa ou a função económico-social que é própria desse contrato) e nem as obrigações que se apresentam como essenciais na economia do contrato, tendo em conta o escopo prosseguido pelas partes, uma vez que a sua exclusão impediria a obtenção do resultado pretendido.

Em concreto sobre a articulação entre as cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade e a cláusula geral da boa fé, diz-nos Sara Cristina Ermida Cravo[6]: «Parece ter tido, o legislador da LCCG, o intuito de fazer passar, qualquer cláusula, pelo crivo da boa fé, o que, aliás, é reforçado pelo emprego da expressão “designadamente” nos arts.º 18º, 19º, 21º e 22º, cujas alíneas consagrou a título meramente exemplificativo.

Destarte, impõe-se uma leitura articulada entre as estatuições proibidas e a cláusula geral estatuída no art.º 15º, concretizada pelas linhas orientadoras do artigo seguinte, que se fundam na confiança e nos objectivos típicos das partes, o que tornará possível que uma cláusula que não integre, quer as listas cinzentas, quer as listas negras, seja, ainda assim, interditada por não se justificar perante o princípio da boa fé.

Por via do que ficou dito, podem, as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do predisponente e que não se situem no âmbito das proibições consignadas nas alíneas a) a d) do art.º 18º, ser, todavia, consideradas nulas nos termos da disposição ora em análise.

Pense-se, desde logo, nas cláusulas exoneratórias ou limitativas de eficácia restrita aos casos de culpa leve que são, por norma, válidas nos termos daa alíneas c) e d).

No que atine a estas cláusulas, há que ter em conta, com efeito, o objectivo que as partes visam atingir negocialmente, como prescreve a alínea b) do art.º 16º. Sousa Ribeiro, baseando-se na experiência judicial alemã, aponta os contratos que implicam o ingresso, na esfera do devedor, de bens pertencentes ao credor como o domínio preferencial de actuação deste critério limitativo, designadamente o contrato de transporte, de depósito, determinadas modalidades de empreitada e certos contratos de prestação de serviços.

Aduz, aquele autor, que “a exigência de uma conduta adequada à salvaguarda desses bens, quer na manutenção do seu estado, quer no processo da sua transformação ou reparação, assume um lugar central no conteúdo vinculativo desses contratos”.

 Parece, pois, que, nestes casos, uma cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade do predisponente teria de ter-se como inválida, ainda que restringida aos casos de culpa leve. Não se olvide, no entanto, que, quando a responsabilidade advenha de vícios da prestação, a respectiva nulidade resultaria já por via da alínea d) do art.º 21º.

Além do mais, há que atender aos efeitos da eventual validade de uma cláusula de exoneração por culpa leve. Aquele ilustre civilista menciona as hipóteses em que a recusa de qualquer indemnização deixaria o credor sem protecção acrescida por não ser possível o recurso a outro meio de tutela. Tal sucede, por exemplo, em alguns casos em que o mecanismo resolutório desacompanhado de uma indemnização complementar, não é suficientemente zelador dos interesses do aderente, mormente na eventualidade de avultarem danos emergentes.

Por outro lado, o princípio da protecção da confiança estatuído na alínea a) do art.º 16º poderá, igualmente, obstar à validade de uma cláusula exoneratória ou limitativa da responsabilidade do predisponente por culpa leve, nomeadamente naquelas situações que motivam uma confiança acima do normal do aderente no efectivo cumprimento da obrigação. Tal poderá suceder, como elucida o autor cujo discurso temos vindo a seguir neste ponto, quer através de garantias assumidas ou resultantes do processo e circunstâncias negociais, quer por via do estatuto com que o predisponente surge no mercado”.

Cremos que a argumentação supra exposta, com a qual concordamos na íntegra, permite concluir pela nulidade da cláusula 8ª do contrato celebrado entre as partes que, como vimos, circunscreve a responsabilidade da recorrente por perda extravio ou furto dos objetos guardados em cofre aos casos de dolo e culpa grave, constituindo, pois, uma cláusula limitativa da responsabilidade.

É que, neste tipo contratual, o cliente não se limita à obtenção do aluguer de uma caixa onde pretende depositar os bens que deseja guardar porque, sobretudo, exige do banco, a custódia e a proteção dessa mesma caixa. O banco obriga-se a uma determinada atividade de vigilância, a qual não representa um mero elemento secundário.

Como se diz no já citado Ac. do TRP de 4/06/2019, “Por isso, tem de se alcançar que existe no contrato de depósito uma cláusula de segurança, que constitui a sua essência, o seu objecto específico.

O banco, ao celebrá-lo, atua como profissional da segurança, isto é, vende segurança, assumindo, portanto, uma obrigação de resultado, próxima ao risco integral. De outro modo, estaria desconfigurado o próprio contrato na sua finalidade precípua. (…)

É que, não é possível invocar o facto exclusivo de terceiro como excludente da responsabilidade - por exemplo, o assalto -, porque esse risco é assumido pelo banco como elemento essencial do contrato. Ao conceder o cofre em locação, o banco assume, quer queira ou não, o risco profissional; como todo profissional, ele responde pela falha, omissão ou mau funcionamento do serviço que se propôs; caso contrário, o próprio negócio em si ficaria juridicamente sem sentido”.
Daqui resulta, a nosso ver, o carácter abusivo, por contrário à boa-fé, nos termos dos arts. 15º e 16º, al. b) do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, da dita cláusula limitativa da responsabilidade prevista no contrato de aluguer de cofre em estabelecimento bancário celebrado entre as partes, porquanto exclui uma obrigação essencial do contrato, qual seja, a de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo, deixando, dessa forma, o credor depositário totalmente desprotegido, por não dispor de qualquer outro meio de tutela.
A consequência dessa contrariedade à boa-fé terá de ser a nulidade da referida cláusula nos termos do art.º 12º do mesmo diploma.

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Quer tudo isto dizer que a ré responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 798º, 799º nº1, 805º, nº 2, al. a) e 806º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil.
Importa, por isso, analisar se é devido o valor indemnizatório fixado na alínea a) do dispositivo da sentença recorrida (de €5.000,00), uma vez que o mesmo foi colocado em causa no presente recurso.
Sustenta a recorrente que o referido valor é excessivo, tendo em conta que os autores não demonstraram quais os concretos bens que se encontravam no interior do cofre à data do assalto, as características dos mesmos e o respetivo valor (cf. conclusões. nº 17, 18, 37)

É certo que a respeito do conteúdo do sofre que foi subtraído aquando do assalto às instalações da ré provou-se apenas que “os autores detinham no referido cofre n.º 13 alguns objetos em ouro, como cordões (2), cinco meias libras, anéis, pulseiras e brincos de espécie e valor não concretamente apurado, os quais lhes foram subtraídos na sequência do evento descrito”.

Concluindo a decisão recorrida que ocorreu dano e quem é o responsável pela sua reparação, mas não estando determinado o valor do mesmo, entendeu fixar o montante da indemnização pelo dano patrimonial correspondente à perda de tais objetos através da equidade.

Nos termos do art.º 566º do Código Civil: 1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor; 2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. 3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Por seu turno, diz-nos o art.º 609º do Código de Processo Civil: 1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir; 2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.(…)

Não se ignora as posições divergentes na doutrina e na jurisprudência sobre a existência, ou não, de uma hierarquia entre o recurso à equidade e a liquidação ulterior para a fixação de uma indemnização.

Sobre esta questão, seguimos a posição de Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[7] que defendem que “a opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exato do dano seja apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exato com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade”[8]

No caso, cremos que opção, da primeira instância, de recorrer à equidade para a fixação do montante indemnizatório foi a correta, pois não se antevê como suficientemente provável – até pelo lapso de tempo entretanto decorrido - que a determinação mais precisa dos referidos objetos e do respetivo valor pudesse vir a ser apurada por recurso a prova complementar, em subsequente incidente de liquidação.

Questão diversa é a de saber se, como pretende a apelante, o montante indemnizatório determinado pela sentença por recurso á equidade é desadequado, por excessivo.

A este respeito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: Face aos factos provados, entende-se que importando o conteúdo do Cofre, à data da subtração 2 cordões de ouro, 5 meias libras, anéis, pulseiras e brincos- manifestamente o valor reclamado de € 5000 é adequado a indemnizar este dano patrimonial ( eventualmente por defeito) valores de mercado de meias libras- 400x5, e o facto de cada fio de cordão médio importar em muito mais de 1500 €…, a que acrescem valores de outros artefactos de ouro).

Porém, como se diz no Ac. do STJ de 3/02/2009[9], “É preciso no entanto ter em consideração que a equidade não pode confundir-se com arbitrariedade, e que só a equidade pode funcionar como fonte de direito.

E por isso, para o seu funcionamento, é necessário, em última linha, que haja um mínimo de elementos sobre a natureza dos danos e sua extensão, que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles que realmente lhe correspondem, entre um mínimo e um máximo, ou seja, entre o montante que seja absolutamente inquestionável que é ultrapassado ( valor mínimo), mas de forma que não exceda o montante pedido a respeito do dano (valor máximo), já que a condenação não pode exceder o pedido formulado.- art. 661.º-1 do CPC.

Ora importa não esquecer que essa é tarefa de quem tem o ónus da prova, de nada lhe valendo conseguir provar que teve um dano se não fornecer ao Tribunal elementos mínimos que permitam partir para a aplicação de um juízo equitativo.

Este pressupõe uma colaboração activa do autor, que tem o ónus da prova concreta dos danos e respectivo montante, e que não pode esperar obter vantagem com a falta de colaboração, a sua inércia ou a oposição a um maior aprofundamento da sua determinação.

No caso em apreço, como vimos, ficou demonstrado que se encontravam no interior do referido cofre (e por isso foram subtraídos) cinco meias libas de ouro, dois “fios de ouro”, bem como anéis, pulseiras e brincos, de espécie e valor não apurado. A utilização do plural para identificar estes últimos objetos permite concluir que no interior do cofre se encontravam, para além das cinco meias libra de ouro e os dois fios de ouro, pelos menos, dois anéis, duas pulseiras e dois brincos em ouro, de espécie e valor não apurados.

Isto posto, se não nos parece desajustada a consideração de um valor (médio) de €400,00 por cada meia libra de ouro, atenta a sua cotação de mercado (que, em abono da verdade, obedece a diversas variáveis, como o ano e o peso respetivo), perfazendo estas o valor de €2.000,00, já não vemos como se pode atribuir o valor de €1.500,00 a cada um dos fios de ouro subtraídos, já que os factos provados não permitem extrair qualquer conclusão quanto às características destes objetos, designadamente o seu peso, tal como, de resto, sucede com as demais peças em ouro. Ainda assim, considerando o número de peças em ouro que se encontravam no cofre, para além das cinco meias libras, pensamos ser ajustado atribuir um valor de €1.500,00 à totalidade dessas peças em ouro.

Isto posto, tendo por base os factos provados, entendemos adequada, por equitativa, a indemnização global de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) pelos danos patrimoniais correspondentes à perda dos objetos guardados no cofre, nessa medida se revogando a decisão recorrida.


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Dir-se-á, finalmente, que, no seu recurso, a apelante não impugna o valor que, a título de danos não patrimoniais, foi arbitrado à autora pela sentença recorrida, limitando-se a concluir, na sequência do que entende ser a falta de prova quanto aos objetos que se encontravam no interior do cofre, que “a sentença recorrida deve ser revogada no que concerne à condenação da Apelante relativamente aos danos patrimoniais, deverá igualmente sê-lo quanto aos danos não patrimoniais” (conclusão n.º 52).

É certo que, na sequência da impugnação da recorrente, foi introduzida uma alteração na matéria de facto relativa a tais danos não patrimoniais (mais concretamente a que resulta da alteração do ponto 21 dos factos provados).

Todavia, tal alteração, por si só, não tem a virtualidade justificar a alteração do quantitativo que a sentença recorrida – com base nos factos que efetivamente estão provados - arbitrou à autora/recorrida ( e só a ela) a título de indemnização por danos não patrimoniais, pelo que se manterá inalterada tal condenação.


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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil):

(…).


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VI Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar, parcialmente procedente o recurso interposto pela ré Banco 1..., SA ré, reduzindo o valor da indemnização por danos patrimoniais a que a recorrente foi condenada para o montante de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, mantendo, no mais, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante e apelados, na proporção do decaimento respetivo.


Coimbra, 25 de fevereiro de 2025

Com assinatura digital:

Hugo Meireles

Luís Miguel Caldas

Francisco Costeira da Rocha

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)


[1] Assinalar-se-á, a negrito, os factos objeto de alteração ou aditamento
[2] Proc. 351/14.7TBPNF.P1.S1, (Relator António Joaquim Pissarra), in www.dgsi.pt
[3] Processo 812/17.6T8PNF.P1 (Relatora Ana Lucinda Cabral), in www.dgsi.pt.

[4] Ac. do STJ de 10/12/2019, processo n.º 634/13.3TVPRT.P1.S1 (Relator Hélder Almeida), in www.dgsi.pt.
[5] Cláusulas Limitativas do Conteúdo do Contratual, in Estudos dedicados ao Professor Mário Júlio de Almeida Costa, 1ª edição,  Lisboa, Universidade Católica Editora p. 290 a 293 apud Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª Edição, pag. 370., p. 336.

[6] As Cláusulas de Exclusão e Limitação da responsabilidade Civil inseridas em Contratos de Adesão Dissertação de Mestrado em Direito apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pag. 51 e segs, in Repositório Científico da Universidade de Coimbra, disponível em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/35004?mode=full o

[7] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 729).

[8] Em sentido idêntico, cf. o Ac. do STJ de 21-03-2019, processo n.º 4966/17.3T8LSB.L1.S1 (Relator Olindo Geraldes), in www.dgsi.pt
 [9] Processo 08A3942 (Relator Mário Cruz), in www.dgsi.pt