SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE GERENTE
MAIORIA IMPOSTA PELO CONTRATO DE SOCIEDADE
INVALIDADE DA DELIBERAÇÃO
DEVER DE LEALDADE
ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS EM INOBSERVÂNCIA DO CONTRATO SOCIAL
JUSTA CAUSA DE DESTITUIÇÃO
Sumário

I – A deliberação de destituição de gerente sem respeito pela maioria imposta pelo contrato de sociedade é anulável, exceto se se provar a justa causa para a destituição de gerente, caso em que será suficiente uma maioria simples.
II – Não há motivos que impeçam os sócios de reforçar os quóruns legais para o exercício da atividade incluída no seu objeto social.
III – O gerente deve respeitar o pacto social, violando o seu dever de lealdade para com a sociedade quando aliena imóveis, sem deliberação da assembleia, nem autorização dos sócios fundadores, como previsto no contrato social.
IV – Tal violação do dever de lealdade consubstancia justa causa de destituição.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

         Recorrentes    AA e A..., Lda.

         Recorrida        B..., Lda.

        

Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira

Juízes Desembargadores Adjuntos: Chandra Gracias

Catarina Gonçalves

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…).

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nos autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que correram termos no Juízo do Comércio de Viseu - Juiz ..., as Requerentes AA e A..., Lda. (processo apensado) demandaram a Requerida B..., Lda., pedindo a suspensão da deliberação de destituição de gerente, deliberada em 20.01.2022, ser julgada provada, por procedente, nos termos do n.º 1 do art.º 380º do código do Processo Civil, e, em consequência, a execução das deliberações tomadas em 20 de Janeiro de 2022, por contrárias à lei e, por isso, nulas e anuláveis nos termos alegados.

Para tanto, os Requerentes alegaram (causa de pedir comum) que:

As Requerentes são sócias da Requerida.

A sociedade Requerida reuniu em Assembleia Geral em 20-01-2022, tendo deliberado, entre outras deliberações, aprovar o primeiro ponto da ordem de trabalhos que consistia em destituir a gerente AA, nos termos do artigo 6 cláusula segunda alínea f) e nos termos do Artigo 257º, n.º 1 e nº 2 3 e 6º do CSC.

Votou a favor o sócio BB e contra a Requerente A..., Lda., nessa assembleia representada pelo Sr. Dr. CC, o qual emitiu voto de protesto com seguinte teor: “vota contra por considerar que os factos invocados pelo sócio BB ou estão caducados ou não constam dos fundamentos da decisão do tribunal”.

A deliberação tomada é inválida pelo seguinte:

A assembleia em causa foi convocada judicialmente e a ata respetiva foi lavrada pelo Notário, Dr. DD, o qual foi deliberadamente escolhido pelo sócio BB por ser da sua confiança.

O presidente da Assembleia Geral, EE, dirigiu os trabalhos sem a necessária isenção e imparcialidade, já que:

- Ignorou, num primeiro momento, o representante da sócia A..., Lda., procurando que não participasse na assembleia geral;

- Tentou acompanhar a posição do sócio BB para a mudança do local da realização da assembleia geral;

- Recusou a participação da Sra. Dra. FF como assessora técnica da sócia AA, e negou aos sócios a deliberação sobre tal assunto;

- Aconselhou o sócio BB a lavrar protestos para a ata, e não mencionou os muitos votos de protesto da sócia AA.

- Não criou as condições para que a sócia AA participasse à distância na discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos;

- Tratou de forma desigual os sócios.

Consequentemente a Assembleia Geral foi conduzida pelo Sr. Presidente de forma que tornam inválidas as deliberações e votações.

O direito à exclusão de sócia e destituição de gerente de AA encontra-se prescrito, na medida em que o sócio BB tinha tido conhecido dos factos que o poderiam fundamentar há mais 90 dias.

Assim, a deliberação e votação que ocorreram, são inúteis, inválidas e nulas, ou quando muito, anuláveis, pelo decurso do prazo de prescrição.

O sócio BB é o gerente de facto da sociedade Requerida, tendo tomado todas as decisões relativamente à atividade da sociedade, designadamente no que diz respeito à decisão de vender o imóvel que apenas foi concretizada pela Requerente, enquanto gerente de direito. A venda deste imóvel foi um dos fundamentos para a destituição da gerente AA e a sua exclusão de sócia.

Nessa medida, trata-se de um abuso de direito invocar a norma estatutária que impede a venda de bens imóveis sem prévia deliberação da assembleia dos sócios.

Ao que acresce que a alínea b), da cláusula primeira do artigo sexto do pacto social, é nula, pois limita a competência da gerência, estabelecidos no art. 259º do Código das Sociedades Comerciais.

O negócio de compra e venda do imóvel celebrado pela gerente foi efetuado numa perspetiva comercial e de acordo com as regras do mercado imobiliário.

A nomeação do novo gerente, também é ilegal e, por isso, anulável, por violação dos preceitos legais acima identificados, nomeadamente o artigo 246º do CSC.

Os demais factos alegados pelo sócio BB com vista a fundamentar a destituição da gerente e a sua exclusão como sócia não são verdadeiros, ou encontram-se deturpados.

O sócio BB sabe que não existem motivos ou justa causa para destituir a gerente AA ou para a excluir de sócia.

Quanto ao dano apreciável alegam que o maior dano com a destituição da gerente é a paralisação da sociedade por a mudança dos gerentes nas contas bancárias demorar tempo e existem pagamentos a efetuar no imediato.

A isto acrescem danos de imagem e reputação da Requerente AA e da sociedade Requerida.

Foi nomeado curador ad litem à sociedade Requerida, o qual, tendo sido citado, não deduziu oposição tempestiva.

Foi então proferida sentença, julgando improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.

         A Recorrente AA interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

A Recorrente A..., Lda. interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

Entretanto, em 11 de setembro de 2024, a requerente AA, referiu que a sociedade A..., Lda. foi declarada insolvente e requereu a suspensão da instância nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC, desde a data da declaração de insolvência (09-09-2024) até à extinção da sociedade por se tornar inútil a continuação da lide (requerimentos de 11-09-2024).

Posteriormente, foi formulada idêntica pretensão agora com fundamento na declaração de insolvência da sociedade recorrida, declarada insolvente por sentença proferida em 18-09-2024 (requerimentos de 20 e 23-09-2024).

Foi então proferido despacho, indeferindo tal pretensão.

A Requerente AA interpôs recurso de tal decisão, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

Em nenhum dos casos, foram apresentadas contra-alegações.



II – Objeto do processo


Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim:

Questões a decidir:

1) Da suspensão da instância

2) Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

3) Da nulidade da sentença

         4) Da suspensão da deliberação social



III – Fundamentação


Questão prévia: Da suspensão da instância


No segundo recurso interposto, que em termos lógicos tem de ser apreciado em primeiro lugar, veio a Recorrente recorrer da decisão que indeferiu a suspensão da presente instância.

Vejamos.

A 11 de setembro de 2024, a requerente AA, referiu que a sociedade A..., Lda. foi declarada insolvente e requereu a suspensão da instância nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC, desde a data da declaração de insolvência (09-09-2024) até à extinção da sociedade por se tornar inútil a continuação da lide (requerimentos de 11-09-2024).

Posteriormente, foi formulada idêntica pretensão agora com fundamento na declaração de insolvência da sociedade recorrida, declarada insolvente por sentença proferida em 18-09-2024 (requerimentos de 20 e 23-09-2024).

Foi então proferido despacho indeferindo tal pretensão, do qual a Requerente AA interpôs recurso.

Dispõe o artº 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, que:

1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. (sublinhado nosso)

Como ensina António Santos Abrantes Geraldes, “Código de Processo Civil anotado”, volume I, 2ª edição, Almedina, 2021, pág. 334: A suspensão da instância em geral pode encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do juiz, o qual, neste campo, goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efetivamente se justifica tal medida. (sublinhado nosso)

Como se diz na decisão recorrida, a insolvência de uma das Requerentes e da Requerida não tornam inúteis os presentes autos:

O prosseguimento do procedimento e da ação principal não se pode considerar como atividade inútil, até porque, apesar da declaração de insolvência, nos termos previstos no artigo 82.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os órgãos sociais da devedora mantêm-se em funcionamento após a declaração de insolvência.

Acresce que, nos termos previstos no artigo 141.º, n.º 1, alínea e) do Código das Sociedades Comerciais a sociedade só se dissolve pela declaração de insolvência “quando decidida a sua liquidação” (redação introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11-01).

Não obstante a declaração de insolvência, a sociedade pode retomar a sua atividade, nomeadamente nos casos em que é encerrado o processo de insolvência por força de homologação de plano de insolvência que prevê a continuidade da sociedade comercial, caso em que retoma a sua atividade independentemente de deliberação dos sócios (art.º 234.º, n.º 1), havendo ainda a possibilidade de os sócios deliberarem a retoma da sociedade se o encerramento do processo de insolvência se fundar na alínea c) do n.º 1 do artigo 230.º (art.º 234.º, n.º 2, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Concordamos integralmente com os argumentos exposto na decisão recorrida, a que acrescer que não há notícia de que as sentenças que declararam a insolvência das sociedades tenham transitado em julgado, mas apenas que foram proferidas, também por aqui não se vislumbrando qualquer benefício que possa decorrer da suspensão da instância, bem pelo contrário, uma vez que poderão, a qualquer momento, retomar a sua atividade dentro da normalidade.

Acresce ainda que o recurso se refere apenas à sociedade A..., Lda., uma das Requerentes nestes autos, e não relativamente à requerida sociedade B..., Lda,, cuja deliberação se pretende suspender. A sociedade A..., Lda. é apenas uma sócia da Requerida e a sua insolvência em nada interfere com a vida de sociedade Requerida B..., Lda.

Assim, não há qualquer interesse que justifique a suspensão da presente instância, pelo que vai indeferida, seguindo-se a análise dos primeiros recursos, interpostos por ambas as Requerentes, da decisão final de indeferimento do presente procedimento cautelar.



A) Fundamentação de facto

       Factos julgados provados na sentença recorrida:

1. A Requerente AA é sócia da sociedade B..., Lda, desde a sua constituição, em 19 de dezembro de 2016.

2. A sociedade comercial B..., Lda., aqui requerida, é uma sociedade comercial por quotas com capital social de €5.000,00 (cinco mil euros) distribuído da seguinte forma:

- uma quota com valor nominal de €2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros) pertencentes à sócia, aqui requerente, AA, correspondente a 42,5% do capital social;

- uma quota com valor nominal de €2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros) pertencentes ao sócio, BB, correspondente a 42,5% do capital social;

- uma quota com valor nominal de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) pertencentes à sociedade por quotas C..., Lda, correspondentes a 15% do capital social

3. A Requerente A..., Lda., é uma sociedade comercial por quotas com o capital social de €5.000,00, representado por duas quotas em partes iguais, uma do sócio BB e outra da sócia, aqui requerente AA.

4. Desde a constituição das duas sociedades comerciais (Requerente e Requerida), que é gerente de direito de ambas as sociedades a sócia AA.

5. O sócio BB propôs ação especial para convocação de assembleia geral de sócios da Requerida cujo processo tomou o nº4778/21.....

6. No seguimento do pedido judicial de convocação ocorreu a Assembleia Geral judicial em 20 de Janeiro de 2022.

7. Consta no pedido de convocação da assembleia geral no ponto sexto dos factos provados “(…) porquanto tomou o sócio conhecimento no dia 14 de setembro de 2021 que a sócia – gerente AA, beneficiando dessa qualidade e do facto de o contrato de sociedade prever no artigo sétimo que a sociedade se vincula com a assinatura de um gerente, praticou um conjunto de actos negociais em prejuízo da sociedade e dos sócios, violando o contrato de sociedade celebrado em 19.12.2016. Como é do conhecimento de V. Exª., estabelece o artigo sexto do contrato de sociedade na cláusula segunda “Ficam dependentes de deliberação em Assembleias Gerais e dos votos favoráveis de ambos os sócios fundadores, enquanto não se apartarem da sociedade, para além das previstas na lei, as seguintes matérias, ainda que incluídas no objeto social: al. b) Alienação ou oneração de bens imóveis”.

Ora, consciente das disposições contratuais que regem a Sociedade e a formulação da sua vontade, a sócia – gerente AA, em representação da sociedade, declarou vender à sociedade “D..., Ldª.,”, cujos únicos sócios são GG e HH, mãe e pai do gerente, um imóvel pertencente à sociedade, o que fez sem a deliberação prévia que se impunha e com propósito de subtrair património à sociedade em benefício próprio. / O ato supra exposto é exemplo e demonstrativo de uma grave violação do dever de lealdade, atendendo a que a Srª AA não se coibiu de usufruir da sua qualidade de gerente para praticar atos, em representação da sociedade, que lhe estavam vedados e que visavam tão-só satisfazer o seu interesse pessoal, descurando o interesse da sociedade e dos sócios, bem como a sua sustentabilidade, uma vez que o preço, aparentemente fixado, é manifestamente inferior ao valor do mercado e, diga-se, aparentemente, pois o único propósito dos atos negociais celebrados foi transferir o dito património para a esfera dos pais, não tendo sido pago qualquer preço, prejudicando desta foram a sociedade e os seus sócios (..)”

8. Resulta do despacho proferido no processo nº4778/21...., em 3.2. (folha 29/29) “Ao abrigo do n.º 3 do artigo 1057º do Código do Processo Civil, para presidir à assembleia Geral, designo o revisor oficial de contas indicado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, Dr. EE, que deverá diligenciar pela presença de notário a quem caberá realizar a ata da assembleia geral nos termos previstos no n.º 6 do Art.º 63º, suportando o requerente as despesas notariais”.

9. Nessa sequência, redigiu a ata nos termos do nº3 do artigo 63º do Código das Sociedades Comerciais, o Senhor Notário, Senhor Dr. DD, Notário titular da licença do Cartório Notarial ..., sito na rua..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, uma vez que as Notárias titulares das licenças do Cartório Notarial ...: II, JJ e KK.

10. O Sr. Presidente da Assembleia Geral deu início dos trabalhos pelas 12 horas e mandou ditar para a ata, que “encontrando-se sem representação a quota no valor de setecentos e cinquenta euros da sociedade A..., Lda.”

11. A sócia A..., Lda, estava representada, tendo-se exarado na ata “Presentes na sala estava, também o Dr. CC, que apresentou procuração da sociedade A..., em que são mandantes os gerentes da sociedade: AA e LL.”

12. O Sr. Presidente expressou na ata o motivo pelo qual desconsiderava a sócia A... a participar na Assembleia Geral.

13. O sócio BB sempre defendeu que a reunião não devia ocorrer na sede social, o que não mereceu a aceitação do Tribunal.

14. O representante da A... recusou sair do local e deixar prosseguir a assembleia, e o Sr. Presidente pretextou, no que foi secundado pelo sócio BB, com uma tentativa de mudança do local da reunião, para outro local, tendo este último proposto o seu escritório.

15. Perante a intervenção da gerente e sócia AA, de que a reunião tinha que decorrer na sede social, o sr. Presidente não continuou com a tentativa de mudança do local da reunião.

16. O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos e no reinício da Assembleia Geral, sem apresentar justificação, reconsiderou e aceitou a presença do representante da sócia A..., Lda.

17. O Sr. Presidente da Assembleia Geral não autorizou a presença da Advogada Drª FF que estava presente como assessora técnica da sócia AA.

18. O Sr. Presidente da Assembleia Geral negou a deliberação pedida pelo representante da sócia A..., Lda, e considerou que a introdução deste assunto à votação, como constituindo um novo ponto na ordem de trabalhos.

19. O Sr. Presidente da Assembleia Geral perante o anúncio antecipado do resultado desfavorável ao sócio BB preferiu não colocar o assunto a votação, para impedir a assessoria jurídica da sócia AA.

20. O Sr. Presidente da Assembleia Geral expresso na ata, e que de início ditou “Mais uma vez o presidente da assembleia geral frisou que está presente nesta AG com independência e isenção (..)” e no final “O Presidente da AG usou da palavra e referiu: encontra-se nesta função com total independência e isenção, não aceitando quaisquer acusações que lhe são dirigidas (..)”

21. Da ata consta que “Tendo sido interrompida a ordem de trabalhos com presenças alheias nomeadamente da Drª FF(..). O BB pediu a palavra e pediu que saíssem (..) e a Drª FF. Pelo Presidente da AG foi deferido o pedido do sócio (..) e o presidente da AG rogou à Drª FF que abandonasse a sala, a qual recusou.” (…) Mais uma vez o sócio BB apresenta protesto e solicita que a Drª FF abandone a sala. Pelas 15.07 a Drª FF abandonou a sala, tendo regressado à sala pelas 15:09” (..) O sócio dirigiu-se ao presidente da mesa protestando pela presença da Drª FF que teimosamente se manteve na sala e com intervenções que perturbaram os trabalhos (…)”.

22. Do lado do sócio BB todos os votos de protesto foram expressos pelo Sr. Presidente na ata e foi este quem lembrou o Sócio BB, para a necessidade de repetição do seu voto de protesto no segundo ponto da ordem de trabalhos e não mencionou, nem um, dos muitos votos de protesto que a sócia AA fez.

23. Do lado da sócia AA, o Sr. Presidente da Assembleia Geral nunca lhe solicitou a chave de acesso do wi-fi.

24. A sócia AA disponibilizou de imediato meios para impressão das atas, à primeira solicitação do Sr. Presidente da Assembleia Geral.

25. A sócia AA lembrou o Sr. Presidente que passaram da abertura da Assembleia Geral para o segundo ponto da ordem de trabalhos e que não tinha participado no primeiro ponto.

26. O Sr. Presidente exigiu sempre à sócia AA celeridade na leitura da sua posição, ao contrário do outro sócio, onde nunca fez um reparo no tempo que utilizou e no que disse.

27. Quanto ao ponto 1 da Ordem de trabalhos foi deliberado destituir a gerente AA, nos termos do artigo 6 cláusula segunda alínea f) e nos termos do Artigo 257º, n.º 1 e nº 2 3 e 6º do CSC, com voto a favor do sócio BB e contra o voto do Dr. CC em representação da A..., Lda, com o seguinte voto de protesto “vota contra por considerar que os factos invocados pelo sócio BB ou estão caducados ou não constam dos fundamentos da decisão do tribunal”.

Mais se diz na sentença recorrida:

Todos os demais factos que dizem respeito à contradita dos factos alegados pelo sócio BB, e reproduzidos na convocatória judicial, com vista a fundamentarem a justa causa da destituição da gerente AA (ora Requerente) e a propositura da ação para a sua exclusão de sócia da Requerida, não têm interesse para a boa decisão da causa que, relembre-se, se destina a apurar, ainda que perfunctoriamente, a existência de causas de invalidade da Assembleia Geral da Requerida que teve lugar no dia 22 de janeiro de 2022.

Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

(…).

Da matéria de facto provada consolidada

        

A supratranscrita, que não se mostra necessário reproduzir aqui novamente, e ainda:

“A Sócia AA é sócia fundadora, tal como o Sócio BB e a A..., Ldª”

“Ficam dependentes da deliberação em Assembleia Geral e dos votos favoráveis de ambos os sócios fundadores (…); a destituição dos sócios”.

“O sócio BB foi gerente de facto da sociedade e até muito depois do 1º semestre de 2020, tendo abandonado a sociedade por motivos que só ele saberá explicar”.

“A sociedade B... tem por objeto social, entre outras, a “Promoção e gestão imobiliária, construção civil e obras públicas, administração, compra e venda e revenda de bens imobiliários adquiridos para esse fim, arrendamento de bens próprios e subarrendamentos”.

“Durante todo o tempo em que, o Sócio BB foi gerente de facto da sociedade e conduziu os negócios da sociedade, gerou a expetativa junto da sociedade, gerente e sócia e terceiros que o prédio era para venda”

“Foi o Sócio e gerente de facto BB quem mandou fazer o painel (outdoor), que foi exposto por muito tempo, no local, de como o prédio em questão, estava à venda”

“O sócio e gerente de facto BB foi quem mandou fazer o painel (outdoor), do prédio para venda”

“O Sócio e gerente de facto BB mandou colocar o painel (outdoor) no local”

“O painel esteve visível ao público durante muito tempo, no local e na internet”

“Foi o Sócio e gerente de facto BB, quem mandou o Contabilista Certificado classificar e registar o prédio na contabilidade em inventários e na IES” 

“Foi o Sócio e Gerente de facto BB, quem mandou colocar o prédio na classe de Inventários, em Mercadorias, na Contabilidade e na IES da sociedade B...”

“Foi o sócio e gerente de facto BB quem procurou compradores para o prédio”

“Foi o Sócio e gerente de facto BB quem colocou o prédio na imobiliária à venda”

“A sociedade B..., as sócias AA e A..., Ldª e a gerente AA e terceiros sempre admitiram que o prédio estava para venda em face do comportamento do Sócio e gerente BB.

“O Sócio e gerente de facto BB sempre quis a venda do prédio”.

“O preço da venda do prédio foi pago”.

“O preço constante da escritura pública de compra e venda corresponde ao valor do prédio nas condições do negócio efetuado”

“Sendo o preço constante do contrato de compra e venda o efetivo de mercado”.

“O sócio e gerente de facto abandonou a sociedade B... à sorte e deixou-a com o passivo constante dos documentos sociais e que eram do seu conhecimento”.

“O Sócio, omite, que pretendeu vender o prédio, mas não encontrou comprador”.

“O Sócio omite que a sociedade tinha dívidas com o fornecedor e impostos para pagar, IMI, AIMI e retenções na fonte”

“A gerente de direito, AA deixou de ser consultada pelo Sócio e gerente de facto”.

 “A Autora sempre foi uma pessoa respeitada no meio de ...”

“A Autora é conhecida como sócia-gerente desta sociedade”

B) Fundamentação de Direito

Da nulidade da sentença

Vieram os Recorrentes invocar a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre o alegado abuso de direito do sócio BB na deliberação de destituição de gerente, nem sobre a alegada nulidade da cláusula 2ª, al. b), do artº 6º, do pacto social.

Dispõe o artº 615º, nº 1, al. b), e nº 2, do Código de Processo Civil, que:

1 - É nula a sentença quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Como nos diz António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 764:

13. Mais frequentes são os casos de omissão de pronúncia, seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão. A este respeito, também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com "questões" (STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).

No que toca a o alegado abuso de direito do sócio BB na deliberação de destituição de gerente, diz-se na sentença recorrida:

O art. 58º, nº1, al. b) prevê que são anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.

Começando pelo fim. Sem o voto do sócio BB as deliberações tomadas na AG de 20-01-2022 não seriam aprovadas.

De acordo com Jorge Manuel Coutinho de Abreu in Curso de Direito Comercial, pag. 555 e 556, existem “duas espécies de deliberações abusivas: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios; as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou sócios – as chamadas deliberações emulativas.”

Da factualidade considerada provada resulta que o sócio BB propôs ação especial visando a convocação da Assembleia Geral de que nos ocupamos. Esta foi convocada judicialmente e da convocatória respetiva constam os factos alegados pelo sócio como fundamento para que a assembleia aprovasse os assuntos da ordem do dia, designadamente, a destituição da gerente com justa causa e a sua exclusão de sócia (propositura de ação para esse efeito).

A nosso ver não resulta suficientemente demonstrado qual a vantagem especial que o sócio BB obtém pela aprovação da deliberação de destituição da gerente AA ou da sua exclusão de sócia. Com efeito, e de acordo com o mesmo autor na obra citada, pag. 557 “Vantagens especiais” são proveitos patrimoniais (ao menos indiretamente) por deliberação concedidos, possibilitados ou admitidos a sócios e/e ou não sócios, mas não a todos os que se encontram em situação semelhante às dos beneficiados, bem como os proveitos que, quando não haja sujeitos em situação semelhante à daqueles, não seriam (ou não deveriam ser) concedidos, possibilitados ou admitidos a quem hipoteticamente ocupasse posição equiparável.”

As questões que, neste domínio, a factualidade provada suscita prendem-se com a diferença de entendimento entre o sócio BB e a sócia AA sobre a gestão criteriosa e diligente efetuada por esta última no exercício da gerência, bem como sobre o efetivo cumprimento dos deveres desta enquanto sócia. O entendimento do sócio BB foi expresso na convocatória para a assembleia, o que determinou os assuntos da ordem do dia. O propósito do sócio é manifesto.

Os factos provados não podem, nesta sede, serem entendidos no sentido de que o sócio BB procurou obter, por esta via, uma vantagem patrimonial para si, diversa da que resulta para a coletividade dos sócios. Dos factos provados não resulta, a nosso ver, que exista essa vantagem patrimonial que se reflita apenas sobre si, com desconsideração do interesse da sociedade.

Deve, porém, ficar dito que não há uma evidência que a deliberação tomada é a que melhor serve os interesses da sociedade. Este interesse é, no entanto, definido internamente, de acordo com as regras estabelecidas para a formação das maiorias. As deliberações eventualmente erradas não são anuláveis por esse facto.

Em matéria de destituição de gerentes, e depois de afastar a diferença de tratamento para os casos em que o gerente a destituir fosse também sócio, J. M. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, pag. 122, ensina: “… as deliberações de destituição de gerente caracterizadas pelas notas caracterizadoras da hipótese prevista na al. b) do nº1 do art. 58º não são anuláveis (chame-se-lhes ou não deliberações abusivas) – a regra da destituição livre, não é excecionada nesses casos. Porque há então destituição sem justa causa, o destituído terá direito a indemnização.”

A nosso ver, os factos indiciariamente demonstrados não conduzem à conclusão de que o voto do sócio BB é um voto abusivo.

Assim, verifica-se não haver omissão de pronúncia quanto à questão da má-fé do Recorrido, nem tão pouco a mesma se retira dos factos que se acrescentaram supra, ou seja:

“Durante todo o tempo em que, o Sócio BB foi gerente de facto da sociedade e conduziu os negócios da sociedade, gerou a expetativa junto da sociedade, gerente e sócia e terceiros que o prédio era para venda”

“Foi o Sócio e gerente de facto BB quem mandou fazer o painel (outdoor), que foi exposto por muito tempo, no local, de como o prédio em questão, estava à venda”

“O sócio e gerente de facto BB foi quem mandou fazer o painel (outdoor), do prédio para venda”

“O Sócio e gerente de facto BB mandou colocar o painel (outdoor) no local”

“O painel esteve visível ao público durante muito tempo, no local e na internet”

“Foi o Sócio e gerente de facto BB, quem mandou o Contabilista Certificado classificar e registar o prédio na contabilidade em inventários e na IES” 

“Foi o Sócio e Gerente de facto BB, quem mandou colocar o prédio na classe de Inventários, em Mercadorias, na Contabilidade e na IES da sociedade B...”

“Foi o sócio e gerente de facto BB quem procurou compradores para o prédio”

“Foi o Sócio e gerente de facto BB quem colocou o prédio na imobiliária à venda”

“A sociedade B..., as sócias AA e A..., Ldª e a gerente AA e terceiros sempre admitiram que o prédio estava para venda em face do comportamento do Sócio e gerente BB.

“O Sócio e gerente de facto BB sempre quis a venda do prédio”.

“O preço da venda do prédio foi pago”.

“O preço constante da escritura pública de compra e venda corresponde ao valor do prédio nas condições do negócio efetuado”

“Sendo o preço constante do contrato de compra e venda o efetivo de mercado”.

“O sócio e gerente de facto abandonou a sociedade B... à sorte e deixou-a com o passivo constante dos documentos sociais e que eram do seu conhecimento”.

De tais factos resulta apenas que o sócio tinha interesse na venda dos imóveis, mas de tal interesse não resulta que necessariamente que o sócio concordasse com a venda nos termos concretos em que a mesma ocorreu, tão pouco que concordasse ou tivesse por justificada a venda efetuada em violação do disposto no pacto social, como veremos infra.

No que concerne à omissão de pronúncia sobre a alegada nulidade da cláusula 2ª, al. b), do artº 6º, do pacto social (condições de alienação de bens móveis) verificamos que também não existe nulidade, na medida em que se trata de matéria irrelevante, na perspetiva da sentença recorrida, que entendeu não ser de apreciar a questão da justa causa, o que justificou.

Como vimos, entendemos que esta questão é relevante mas não o era na perspetiva de análise efetuada pelo Tribunal a quo, que o explicou, consequentemente, não padecendo a sentença de nulidade.

Da suspensão da deliberação social

Dispõe o artº 380º, nº 1, do Código de Processo Civil, que 1 - Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável. (sublinhado nosso)

Vejamos se a deliberação é contrária à lei ou aos estatutos ou ao contrato, padecendo de nulidade, anulabilidade ou ineficácia[1].

Os Recorrentes alegaram que:

26.ª Dos novos factos provados resulta que não se apurou qualquer prejuízo para a sociedade e era exigida uma maioria qualificada, n.º 2 do art.º 257, do CSC, pelo que deliberação de destituição de gerente ofende os bons costumes e derroga preceitos imperativos, pelo que é nula alínea d), do n.º 1 do art.º 56º do CSC.

Dispõe o referido preceito legal que:

1 - São nulas as deliberações dos sócios:

d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.

Como se diz na sentença recorrida, com o que se concorda:

Há em primeiro lugar que esclarecer que o conteúdo da deliberação não se confunde nem com a justificação para a convocação da assembleia, nem com a motivação dos sócios para emitirem o seu voto. Com efeito, o conteúdo da deliberação, no caso em apreço, é a destituição da gerente e a exclusão da sócia AA, após propositura da ação competente. A motivação para a convocação da assembleia, a qual cumpre também a finalidade de informar os sócios do âmbito da discussão na assembleia geral convocada e de provocar um voto favorável às propostas constantes da ordem do dia, é constituída pelos factos que foram alegados pelo sócio BB na ação para a convocação da assembleia geral de sócios (ponto 6 dos factos provados nessa ação).

Assim, dos factos provados não resulta que o conteúdo da deliberação de destituição de gerente e exclusão da sócia Requerente seja ofensiva dos bons costumes, ou que derrogue preceitos imperativos que nem a vontade unânime dos sócios possa afastar.

No caso em apreço, consta do contrato da sociedade Requerida que “Ficam dependentes da deliberação em Assembleia Geral e dos votos favoráveis de ambos os sócios fundadores (…); a destituição dos sócios”, sendo certo que um dos sócios fundadores, a sociedade Requerente nestes autos, votou contra a destituição.

Assim, a haver qualquer vício na deliberação da assembleia, tal seria o de violação do contrato de sociedade, o que acarretaria a anulabilidade da mesma, nos termos do disposto no artº 58º, nº 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais[2].

Mas, para tanto, é necessário que não se verifique a existência de justa causa para a destituição, caso em que, nos termos do citado nº 2, do artº 257º, se volta a aplicar a regra geral da maioria simples.

Efetivamente, dos novos factos que se acrescentaram à matéria de facto provada, não resulta a existência de qualquer dano para a sociedade, por ter sido recebido o preço e este corresponder ao valor de mercado.

Contudo, mais resulta dos autos - e foi um dos fundamentos da ação de convocação de assembleia de sócios – que, nos termos do artº 6º, cláusula 2ª, al. b), do pacto social, Ficam dependentes de deliberação em assembleias – gerais e dos votos favoráveis de ambos os sócios fundadores, enquanto estes não se apartarem da sociedade, para além das previstas na lei, as seguintes matérias, ainda que incluídas no objeto social da sociedade: (…) b) A alienação ou oneração de bens imóveis.

Ora, esta cláusula foi violada pela gerente destituída.

Alegou a Recorrente na Petição Inicial que Sem prescindir, de que a formalidade da alínea b), da cláusula primeira do Art.º sexto do pacto social, é nula, pois limita a competência da gerência, estabelecidos no Art.º 259º do Código das Sociedades Comerciais.

Dispõe o referido preceito legal que Os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios. (sublinhado nosso)

Em anotação ao mesmo, diz-nos Alexandre de Soveral Martins, "Código das Sociedades Comerciais em comentário", volume IV, 2ª edição, Almedina, 2017, pág. 114:

No exercício das competências da gerência (administração e representação), os gerentes devem praticar os atos necessários ou convenientes para a realização do objeto social. O objeto social da sociedade por quotas consta de cláusula do contrato de sociedade e consiste nas "atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer". Esse objeto deve ser certo, como se retira aliás do art. 980° CCiv.. E quanto mais certo for, mais limitados ficam os gerentes. (sublinhado nosso)

Ora, deste preceito, conjugado com o disposto no artº 6º, nº 4, do mesmo diploma, resulta o dever de os gerentes praticarem atos inseridos no objeto social da sociedade, mas também o dever de não praticar atos para além desse objeto.

Trata-se de uma norma que impõe deveres aos gerentes e não, como parece interpretar a Recorrente, de norma que atribua aos gerentes o direito de praticar atos incluídos no objeto social, ainda que indo contra as deliberações dos sócios ou do pacto social, que é soberano na determinação do funcionamento da sociedade, área em que prevalece o princípio a autonomia da vontade das partes.

Também neste sentido, embora referindo-se às deliberações do conselho de administração das sociedades anónimas Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Governação das Sociedades Comerciais”, 2ª edição, Almedina, 2010, pág. 127:

b) São anuláveis as deliberações do conselho de administração anti-estatutárias, as que violem, no conteúdo ou no procedimento, disposições, tão-só, do estatuto da sociedade (art. 411.º, 3). Por exemplo: (…)

- Deliberações tomadas com observância dos quóruns constitutivo e deliberativo (mínimos) legais (art. 410.º, 4, 7), mas desrespeitando as maiorias qualificadas (ou a unanimidade) exigidas estatutariamente. (sublinhado nosso)

Mais acrescentando em nota de rodapé:

Não vejo razões suficientes para negar a liberdade de os sócios reforçarem nos estatutos os quóruns legais.

Assim, o gerente deve respeitar o pacto social, tendo esta gerente violado gravemente o seu dever de lealdade[3] para com a sociedade quando alienou imóveis, sem deliberação da assembleia, nem autorização dos sócios fundadores.

Como nos diz J. M. Coutinho de Abreu, em anotação ao já referido artº 257º, ob. cit., pág. 129:

Por sua vez, entre os deveres de lealdade dos gerentes cuja violação constitui justa causa de destituição destacamos o dever de aproveitarem as oportunidades de negócio da sociedade em benefício dela, não em seu próprio benefício ou no de outros sujeitos, o dever de não utilizarem em benefício próprio ou alheio informações ou bens da sociedade e o dever de não abusarem do seu estatuto ou posição de gerentes.

Ora, esta gerente claramente abusou da sua posição de gerente, ao alienar imóveis sem estar devidamente autorizada pelos sócios, nos termos do pacto social.

O princípio da lealdade é transversal e determinante em matéria de corporate governance, encontrando-se expressamente consagrado no Código das Sociedades Comerciais, no seu art.º 64.º, n.º 1, al. b), mas tendo também outras manifestações concretas ao longo de todo o Código.

Assim nos diz Paulo Câmara[4]: Os poderes fiduciários podem ser estabelecidos de modo explícito ou resultar implicitamente, a partir dos dados do sistema jurídico(…) em Portugal os deveres de lealdade dos administradores de sociedades comerciais merecem consagração directa na lei (art. 64.º CSC) (…) A vinculação a deveres fiduciários constitui, com efeito, um corolário da finalidade de cada tipo organizativo. Este representa um ponto cardeal que deve nortear futuros desenvolvimentos práticos e legislativos no futuro do governo das organizações.

Deste modo, estando comprovada a justa causa de destituição, bastava maioria simples para destituir a gerente, não sendo, consequentemente, a deliberação anulável por esta via.

Mais alegaram os Recorrentes que:

27.ª Não obstante o direito de participação foi afetado de forma relevante e com gravidade, por a recorrente não ter podido expor os seus votos de protesto, o que constitui erro de julgamento que conduz à alteração da sentença por a deliberação violar a alínea a), do n.º 1 do Art.º 58º do CSC.

Como se diz na sentença recorrida, com o que se concorda integralmente:

No caso em apreço, a sócia AA estava impedida de votar a proposta de deliberação (art. 251º, nº1, al. d) e f), conforme resulta, aliás, da convocatória para a assembleia. Ela, porém, mantinha intactos os poderes compreendidos no seu direito de participação.

Da factualidade provada, no entanto, não resulta que esse seu direito de participação tivesse sido obstaculizado de forma tão relevante que tivesse eliminado de forma significativa o fim do direito que lhe assistia.

Na verdade, e não obstante se demonstrar que o presidente da mesa usou de parcialidade do tratamento dados aos sócios, procurando favorecer o sócio BB, daí não resultou que as sócias não tivessem podido discutir os assuntos da ordem do dia ou efetuarem as declarações que consideraram convenientes. Ao que acresce que não foram suficientemente concretizados os protestos que a Requerente AA deixou de efetuar, pois só com isso se poderia aferir se o seu direito de participação foi afetado de forma relevante.

Daí que a compressão que se demonstra do direito de as sócias Requerentes participarem na assembleia é uma irregularidade que, contudo, não atinge a finalidade desse direito. Logo, pensamos que a(s) irregularidade(s) que resultam da factualidade provada não têm gravidade suficiente para provocar a anulação da deliberação.

Efetivamente, não se pode concluir pela violação relevante do direito de participação na assembleia, desde logo porque se desconhecem os protestos que a sócia pretendia fazer, ao que acresce que também resulta dos autos que efetivamente participou na assembleia, nomeadamente quando se diz que O Sr. Presidente exigiu sempre à sócia AA celeridade na leitura da sua posição.

Alegaram ainda que:

28.ª Também se encontra em erro de julgamento a decisão, porquanto nos factos provados em 25. “A sócia AA lembrou o Sr. Presidente que passaram da abertura da Assembleia Geral para o segundo ponto da ordem de trabalhos e que não tinha participado no primeiro ponto”.

29.ª Se a sócia AA tinha o direito de participar e não lhe deram essa oportunidade de participar, como consta nos factos provados em 25, não pode a deliberação ter cumprido as normas imperativas, da alínea a), do n.º 1, do Art.º 58º do CSC, pelo que a deliberação é anulável.

Ora, daqui também não resulta qualquer invalidade da deliberação, uma vez que, como já vimos acima, a sócia participou na deliberação e só não votou porque estava impedida de o fazer (como constava da própria convocatória), pelo que o que consta do ponto 25 traduz apenas a opinião da sócia sobre a forma como a assembleia estava a decorrer, o que verbalizou perante o Presidente, e não a forma como a assembleia efetivamente decorreu.

Finalmente, alegaram que:

30.ª A deliberação no ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Requerida de 20 de janeiro de 2022 tem declaração de invalidade (nulidade ou anulabilidade) e torna-se útil apreciar o periculum in mora.

Como vimos acima, a deliberação não é nula nem anulável, pelo que também se poderia desde já concluir também pela desnecessidade de apreciar do periculum in mora, aqui traduzido num “dano apreciável”.

Não obstante, sempre se dirá que também por aqui haveria de julgar improcedente o recurso.

Diz-nos António Santos Abrantes Geraldes, “Código de Processo Civil anotado”, vol. I, 2ª edição, Almedina, 2021, pág. 471:

O requisito que se reporta ao "dano apreciável" configura um conceito indeterminado, decorrendo de factos dos quais possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe, por um lado, dos danos irrisórios ou insignificantes, mas sem atingir,
por outro lado, o ponto da irrecuperabilidade ou da grave danosidade. Tal conceito abarca os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais que se repercutam na sociedade ou no sócio (…)
.

Trata-se de matéria de facto a alegar pela parte e a apreciar pelo Tribunal. Como nos diz Alexandre Soveral Martins, ob, cit., pág. 6:

Mas no Ac. RP de 12 de Fevereiro de 1996, Proc. n.° 9551089, já se defendeu que «constitui matéria de facto a alegar na petição a existência de tal dano, bem como a sua dimensão ou ordem de grandeza; sendo matéria de direito a sua qualificação como apreciável». E esta parece ser a solução mais adequada.

Analisemos então os factos apurados quanto a esta matéria:

 “O Sócio, omite, que pretendeu vender o prédio, mas não encontrou comprador”.

“O Sócio omite que a sociedade tinha dívidas com o fornecedor e impostos para pagar, IMI, AIMI e retenções na fonte”

“A Autora sempre foi uma pessoa respeitada no meio de ...”

“A Autora é conhecida como sócia-gerente desta sociedade”.

Analisados tais factos, concluímos que, também por esta via, seria de julgar improcedente o presente procedimento, uma vez que não decorre dos factos apurados que a substituição do gerente pudesse ser prejudicial para a sociedade, ao ponto de a questão ter de ser decidida em sede cautelar[5]. Na verdade, o ato de substituição de um gerente é um ato normal na vida de qualquer sociedade, que não precisa sequer de ser justificado.

Acresce que a alternativa seria deixa a gerência entregue a uma gerente que, como vimos, violou o seu dever de lealdade para com a sociedade.

Sobre a importância de se ponderar sempre se a suspensão da deliberação pode causar prejuízo maior do que o causado pela sua execução, ver Rui Pinto Duarte, ob. cit., pág. 33, e António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 837.

Deste modo, embora com diferente fundamentação, cumpre julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo as decisões recorridas.

                                                            

Custas pelos Apelantes – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.

         Coimbra, 25 de Fevereiro de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Chandra Gracias

         Catarina Gonçalves

                 


[1] Neste sentido Alexandre Soveral Martins, “Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas”, Revista da Ordem dos Advogados, Abril 2003, pág. 2.
Sobre esta matéria – dúvidas respeitantes à ilicitude ou à imperfeição das deliberações -, que não abordaremos aqui com maior detalhe, ver também Rui Pinto Duarte, “O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (e não só sociais…) e o novo Código de Processo Civil”, in Direito das Sociedades em Revista, Setembro 2013, págs. 30 e 31.
[2] 1 - São anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
[3] Como ensina António Menezes Cordeiro, “Direito da Sociedades” I, 3ª edição, Almedina, 2011, pág. 842: Tecnicamente, a administração é um direito potestativo: traduz a permissão normativa que os administradores têm de decidir e agir, em termos materiais e jurídicos, no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade. Embora se trate de um direito – ao administradores são autónomos, ou teriam de ir procurar a administração noutra instância – é um direito funcional ou fiduciário: os administradores devem observar regras e agir na base da lealdade... (sublinhado nosso)
[4] Paulo Câmara, Vocação e Influência Universal do Corporate Governance: Uma visão transversal sobre o tema, in O Governo das Organizações – A vocação universal do corporate governance, Coimbra, Almedina, 2011, pág. 25 e 26.
[5] Como se diz no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de Novembro de 2011, proferido no processo nº 158/10.0T2AVR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt:
5. A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.
6. O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo.