I – Conforme resulta do artigo 403.º, do C.T., <<considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar>>; presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência do trabalhador durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
II – É ao empregador que compete provar a base da presunção, ou seja, cabe ao empregador fazer a prova quer da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos dez dias úteis seguidos, quer da falta de comunicação do motivo da ausência.
III – Encontrando-se indemonstrada a situação de abandono do trabalho, o contrato de trabalho não cessa por iniciativa do trabalhador mas antes por despedimento por parte da empregadora ao comunicar-lhe a denúncia do mesmo, nos termos do n.º 3 do artigo 403.º do CT, despedimento este ilícito porque, desde logo, não foi precedido do respetivo procedimento (artigo 381.º, c), do CT) e com as consequências previstas nos artigos 389.º, 390.º e 391.º, todos do CT.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
AA, residente em ...
intentou a presente ação de processo comum, contra
A..., Lda., com sede em ...
alegando, em síntese que:
Trabalhou por conta da Ré desde o dia 02/03/2022 até ao dia 17/04/2023 como motorista; sofreu um acidente de trabalho em 03/01/2023 e ficou com incapacidade para o trabalho; no dia 27/01/2023 voltou ao trabalho mas como não se encontrava curado ficou de baixa médica por incapacidade de 30/01/2023 a 10/02/2023; neste espaço de tempo tentou contactar a Ré sobre o regresso ao trabalho mas face à ausência de resposta, no dia 10/03/2023 enviou uma carta a mencionar que se encontrava disponível para trabalhar, à qual não teve resposta; manteve a incapacidade para o trabalho de 11/02 a 12/03/2013 e de 17/03 a 28/03/2023 e neste dia tentou contactar a Ré mas não conseguiu conversar/combinar com a gerência; no dia 29/03/2023 apresentou-se ao trabalho mas não se encontrava ninguém na empresa e no dia 30/03/2023 voltou ao estaleiro da Ré e não se encontrava ninguém e no dia 31/03/2023 não se encontrava a gerência mas conversou com um funcionário que o informou de que era ele quem conduzia o camião que era hábito o A. conduzir; no dia 17/04/2023 a gerência marcou uma reunião no estaleiro e demitiu verbalmente o Autor e no dia 21/04/2023 enviou-lhe uma carta alegando o abandono do trabalho por parte do Autor, o que não é verdade; o despedimento é ilícito por inexistência de procedimento disciplinar e de justa causa.
Termina formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá deve ser o réu condenado:
A reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora, consequentemente:
a) Condenado a reintegrar a Autora, reconduzindo-a ao seu posto de trabalho;
b) Condenado a pagar os vencimentos desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida.
Ou, caso o Autor venha a optar pela indemnização:
c) Condenado a pagar ao A, a título de indemnização por despedimento sem justa causa, a importância de € 3.000,00
d) Condenado a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a importância de € 3.000,00
e) Condenado a pagar ao Autora os direitos laborais não liquidados, no montante de € 1.705,41;
Sempre, e em qualquer dos casos, condenada;
f) No pagamento de juros legais vencidos desde a data de citação até efetivo e integral pagamento;
g) Em custas e procuradoria condigna.”
*
A Ré veio contestar alegando, em sinopse, que:
O contrato de trabalho terminou em 21/04/2023, por abandono do trabalho; a Ré pagou ao A. todos os créditos laborais devidos e respeitantes ao segundo contrato de trabalho que vigorou entre 01/09/2022 e 21/04/2023; o Autor não se apresentou na sede da Ré nos dias que indica e não foi despedido verbalmente.
Conclui nos seguintes termos:
“A) DEVE A ACÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE E, POR VIA DISSO, ABSOLVER-SE A R. DO PEDIDO;
B) DEVE A RECONVENÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA E, POR VIA DISSO, SER O RECONVINDO AA CONDENADO A PAGAR À RECONVINTE A IMPORTÂNCIA DE 442,63 (cfr. artº 15) ACRESCIDA DOS JUROS MORATÓRIOS VINCENDOS, À TAXA LEGAL, ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO;
C) DEVE O RECONVINDO SER CONDENADO EM CUSTAS, CONDIGNA PROCURADORIA E NO MAIS QUE LEGAL FÔR.”
*
O A. apresentou resposta à reconvenção e na qual conclui como na p. i., pela improcedência da reconvenção e pela sua absolvição do pedido reconvencional.
*
Foi proferido o despacho saneador e dispensada a enunciação dos temas da prova.
*
Procedeu-se a julgamento, conforme resulta das respetivas atas. *
Foi, depois, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e procedente a reconvenção e, em consequência:
a) Absolve-se a Ré A..., Lda. do pedido de reconhecimento da ilicitude do despedimento do Autor, AA.
b) Condena-se a Ré A..., Lda. a pagar ao Autor AA a quantia de € 619,80 (seiscentos e dezanove euros e oitenta cêntimos), a título de férias não gozadas e subsídio de férias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
c) Condena-se o Autor AA a pagar à Ré A..., Lda. a quantia de € 1000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a notificação do Autor do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento.”
*
O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
(…).
*
A Ré apresentou resposta concluindo:
(…).
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos termos constantes do douto parecer de fls. 95 e segs., concluindo “no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se consequentemente a sentença nos seus precisos termos.”
*
Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Questões a decidir:
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do CPC), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo Autor recorrente, quais sejam:
1ª – Reapreciação da matéria de facto.
2ª – Se não ocorreu o abandono do trabalho por parte do Autor, tendo este sido ilicitamente despedido com as legais consequências.
3ª – Se o A. foi condenado em montante superior ao peticionado pela Ré e a quantia de € 1.000,00 já foi deduzida no último recibo de vencimento.
*
*
III – Fundamentação
a) Factos provados e não provados constantes da decisão recorrida:
1.º – O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 02/03/2022, mediante a celebração de contrato de trabalho verbal, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de motorista.
2.º – O Autor auferia o vencimento base de € 1.000,00, a que acrescia subsídio de alimentação de € 4,52 por cada dia de trabalho e os duodécimos dos subsídios de férias e de natal.
3.º – No dia 3 de janeiro de 2023 o Autor sofreu um acidente de trabalho, com incapacidade para o trabalho até ao dia 16 de janeiro de 2023.
4.º – Nesta data o Autor retomou a sua atividade por conta da Ré com 30% de incapacidade mas não se tendo adaptado ao trabalho voltou a ser consultado na clínica da Seguradora e ficou novamente com incapacidade de 100% até ao dia 26 de janeiro de 2023.
5.º – No dia 27 de janeiro de 2023 voltou ao trabalho com 30% de incapacidade.
6.º – Como o Autor considerou que ainda não se encontrava curado do acidente, decidiu marcar uma consulta no médico de família e ficou de baixa médica por incapacidade temporária para o trabalho de 30/01/2023 até 10/02/2023.
7.º – A baixa médica do Autor por incapacidade temporária para o trabalho renovou-se no dia 11/02/2023 até ao dia 12 de março de 2023.
8.º – No dia 10/03/2023 o Autor enviou uma carta registada com aviso de receção à Ré, que a recebeu no dia 13/03/2023, com o seguinte teor:
“Venho por este meio que a partir do dia 13/03/2023 estou disponível para o trabalho como motorista CAT (C+E).
No prazo de receção desta a contar 5 (cinco dias) úteis, aguardando vossa resposta, se é do vosso interesse a minha continuidade.
Em caso contrário irei tomar medidas legais a quem tem competência de lei (ACT-advogados).
(…)”
9.º – A Ré não respondeu à carta enviada pelo Autor.
10.º – O Autor voltou a ter consulta no médico de família tendo sido renovada a incapacidade temporária para o trabalho do Autor de 17/03/2023 até 28/03/2023.
11.º – No dia 17 de abril de 2023, pelas 14h, ocorreu uma reunião entre o Autor e a gerência da Ré, no estaleiro, nada tendo sido conversado sobre quando deveria o Autor retomar a atividade por conta da Ré.
12.º – O Autor não voltou a apresentar-se na Ré para prestar atividade.
13.º – No dia 21 de abril de 2023 a Ré enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor:
“Como é do seu perfeito conhecimento, desde o passado dia 29 de Março do corrente ano, inclusive e até à data, consecutivamente, V. Excia não se apresenta no seu local de trabalho, sendo certo que também não recebemos qualquer justificação para a sua ausência ou qualquer manifestação de intenção de aí retornar. Mais chegou agora ao n/ conhecimento que está a prestar serviço para entidade terceira.
Esta sua conduta constitui abandono de trabalho ao abrigo do disposto no artº 403º do Código do Trabalho. Deste modo, a sua conduta é equiparada a denúncia do contrato de trabalho pelo que, consideramos cessado o vínculo laboral que o ligava a esta firma com efeitos a partir da recepção da presente.
Mais informamos que, conforme disposto nos art.ºs 400º, 401º e 403º, n.º 5, todos do Código de Trabalho, pelo abandono do trabalho, V. Excia tem que nos indemnizar no valor equivalente a trinta dias de vencimento base, o que será considerado no apuramento das contas finais.
(…)”
14.º – Em resposta, o Autor enviou à Ré, uma carta datada de 10 de maio de 2023, com o seguinte teor:
“Serve o presente, na sequência de carta enviada por V.Exas, por alegado abandono ao trabalho para esclarecimento do seguinte:
a) A vossa posição face à minha situação laboral tem vindo a degradar-se ao longo dos últimos meses, tendo V.Exa. várias vezes tentado despedir-me sem justa causa;
b) Em Maio de 2022, após me recusar a fazer transportes com excesso de peso, a gerência não satisfeita, colocou-me duas semanas em casa, sem justificação, tendo inclusive dado baixa de mim como trabalhador, na segurança social;
c) Voltei ao trabalho em Junho de 2022 e tive um acidente de trabalho em 3 de Janeiro de 2023;
d) Tive incapacitado para o trabalho, pelo seguro até 16 de Janeiro de 2023;
e) Nesta data, voltei ao trabalho com 30% de incapacidade e não me adaptei, tendo voltado a uma consulta à clínica, e fiquei novamente com incapacidade a 100% até ao dia 26 de janeiro de 2023;
f) No dia 27 de Janeiro de 2023 voltei ao trabalho com 30% de incapacidade;
g) Não me sentido bem, foi a uma consulta ao médico de família e fiquei de baixa médica de 30 de Janeiro de 2023 a 10 de Fevereiro de 2023 e de 11 de Fevereiro a 12 de Março de 2023 e de 17 de Março a 28 de Março de 2023.
h) No dia 28 de março de 2023, no último dia de baixa, tentei contactar a vossa empresa através da Sra. BB por telefone, para combinar a entrega das chaves do camião, uma vez que o meu horário de trabalho era sair do estaleiro às 5h da manhã e não atendeu o telefone;
i) No dia 29 de Março de 2023, após terminar a minha baixa médica, apresentei-me ao trabalho, e não se encontrava ninguém na empresa, e não tinha camião disponível para trabalhar;
j) Nesse dia passei o dia no estaleiro e não compareceu ninguém, e voltei a ligar e ninguém atendeu;
k) No dia 30 voltei à empresa e não se encontrava ninguém, e o camião que era hábito eu conduzir não se encontrava no estaleiro;
l) No dia 31 de Março voltei ao estaleiro, não se encontrava ninguém da gerência, mas conversei com o funcionário Sr. CC, que se encontrava a conduzir o camião que era hábito eu conduzir – Volvo matrícula ..-..-VO que me informou que era ele quem conduzia aquele camião agora e que tinha entrado para a empresa há 2 dias.
m) A gerência marcou uma reunião no estaleiro, para o dia 17 de Abril de 2023 às 14h, e nesta reunião a gerente BB discutiu comigo, humilhou-me e rebaixou-me, face à queixa que apresentei no ACT de Leiria.
n) A partir deste momento, não houve mais condições de se estabelecer qualquer contacto, pois fui maltratado e humilhado, sofrendo represálias face à queixa apresentada no ACT.
Sou a esclarecer que não abandonei o meu posto de trabalho, fui despedido sem justa causa e sem aviso prévio, apresentei-me ao trabalho e nunca se encontrava ninguém no estaleiro, não disponibilizaram nenhum camião para eu poder trabalhar.
(…)”
15.º – A Ré emitiu um recibo de remunerações, em 28/04/2023, no qual inscreveu o montante de € 351,36 a título de férias (7 dias) não gozadas pela cessação do contrato e o montante de € 333,33 referente a subsídio de férias.
Factos Não Provados:
a) No dia 28 de março de 2023, o Autor tentou contactar a Ré, através da gerente, por telefone, a fim de combinarem a entrega das chaves do veículo pesado, e saber do horário de trabalho.
b) No dia 29 de março de 2023, o Autor apresentou-se ao trabalho, mas não se encontrava ninguém na empresa, e não tinha viatura disponível para trabalhar.
c) Voltou a tentar contactar a Ré mas ninguém atendeu.
d) No dia 30 de março de 2023 voltou ao estaleiro da Ré mas não se encontrava ninguém e o camião que era hábito conduzir não se encontrava no estaleiro;
e) No dia 31 de março de 2023, o Autor voltou ao estaleiro, não se encontrava ninguém da gerência, mas conversou com o funcionário Sr. CC, que se encontrava a conduzir o camião que habitualmente era conduzido pelo Autor, o qual o informou que era ele quem conduzia aquele camião agora e que tinha entrado para a empresa há 2 dias.
f) A Ré, na sequência da incapacidade temporária para o trabalho do Autor, contratou outro funcionário para o seu lugar.
g) Na reunião que teve lugar no dia 17 de abril de 2023 a Ré demitiu o Autor.
h) O Autor despediu-se, invocando motivos pessoais, no dia 31 de julho de 2022, tendo sido novamente admitido pela Ré, a pedido daquele, no dia 01/09/2022.
i) O Autor sentiu-se abandonado pela Ré.
j) O Autor sentiu tristeza, inquietação e insegurança, tendo ficado deprimido, sentindo-se enxovalhado na sua honra, em virtude de conduta da Ré.
k) A Ré deu a gozar ao Autor seis dias de férias vencidas em 01/01/2023.
“Fundamentação da matéria de facto
(…).”
*
*
b) - Discussão
1ª questão
Reapreciação da matéria de facto
(…).
2ª questão
Se não ocorreu o abandono do trabalho por parte do Autor, tendo este sido ilicitamente despedido, com as legais consequências.
Alega o recorrente que:
- A ré veio mais tarde enviar uma carta por abandono de trabalho, como justificação, quando na realidade, esta não criou condições ao trabalhador para regressar ao trabalho – o que indiretamente se considera um despedimento ilícito, sem procedimento disciplinar.
- Daí o autor ter pedido que a Ré fosse condenada no pagamento de uma indemnização pela ilicitude no despedimento.
- E também que fosse condenada no pagamento de uma indemnização, por danos morais.
Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“No caso vertente, temos que o Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 02/03/2022, mediante a celebração de contrato de trabalho verbal, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de motorista
Dispõe o art.º 403.º do Código do Trabalho que:
“1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de o não retomar.
2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 – O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
4 – A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.”
Conforme se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.11.2012 (processo n.º 499/10.7TTFUN.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, «O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção.
É pacificamente adquirido, pela doutrina e pela Jurisprudência mais qualificadas, que a figura do abandono do trabalho (introduzida no nosso Ordenamento Jurídico pela LCCT/Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), se analisa em dois elementos estruturantes: um, objetivo, consistente no incumprimento voluntário do contrato que na generalidade dos casos se traduz na ausência/não comparência do trabalhador no local e tempo de serviço (o trabalhador deixa de se manter disponível para prestar o seu trabalho ao empregador, incumprindo o vínculo com a sua ausência voluntária e prolongada); outro, subjetivo, traduzido no animus extintivo, que se capta através de algo que o patenteie ou que se exteriorize em factos que, de acordo com a lei, ‘com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho’.
Como se alcançou no Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção de 3.6.2009, já referido na nota supra, para que o facto seja havido como ‘concludente’ da vontade de não retomar o serviço, por banda do trabalhador, não se torna necessário que o sentido dele extraível – citamos – haja sido representado pelo respetivo agente: a concludência de um comportamento determina-se ‘de fora’, ‘objetivamente’…não exigindo a consciência subjetiva por parte do seu autor desse seu significado implícito».
O legislador presume o abandono do trabalho em caso de ausência do trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, conforme resulta do n.º 2 do artigo 403º do Código do Trabalho, presunção que pode ser ilidida pelo trabalhador mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, conforme estabelece o seu n.º 4.
Deste modo, a entidade empregadora tem o ónus da prova da ausência do trabalhador ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, mas beneficia da presunção – “iuris tantum” – do abandono do trabalho se lhe não for comunicado o motivo da ausência, presunção que pode, no entanto, ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da sua ausência.
Neste sentido também se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.1.2014 (processo n.º 140/12.3TTLRA.C1), disponível em www.dgsi.pt «Nos termos do artigo 403.º n.º 1 do Código do Trabalho, o “abandono ao trabalho” consubstancia-se pela ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelam a intenção de não o retomar.
Trata-se de uma forma de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, que a lei faz equivaler à denúncia sem aviso prévio (nº 4).
Relativamente ao empregador, esta particular modalidade de cessação não opera automaticamente, já que aquele deve invocar a cessação do contrato com fundamento no abandono do trabalho, através de comunicação ao trabalhador mediante o envio de carta registada, com aviso de receção, para a sua última morada conhecida (n.º 3).
Assim, para que se verifique o abandono não basta a simples ausência ao trabalho. É necessário que, concomitantemente com ela, haja factos que fortemente indiciem (“com toda a probabilidade”, diz a lei) que a ausência ocorre porque o trabalhador tem a intenção de não retomar o trabalho.
As faltas injustificadas que não revelem essa intenção de não voltar ao trabalho, podem ser fundamento para despedimento com justa causa (v. artigo 351.º n.º 2 al. g) do Código do Trabalho), mas já não de cessação do contrato por denúncia.»
Importa, por referência à factualidade provada, analisar se estamos na presença da figura jurídica do abandono do trabalho, o que impõe concretamente a análise e ponderação dos pressupostos operatórios da presunção legal estabelecida a favor do empregador e da sua eventual ilisão por parte do trabalhador – n.ºs 2 e 4 do art.º 403.º do Código do Trabalho.
No caso em apreço, constata-se que no dia 3 de janeiro de 2023 o Autor sofreu um acidente de trabalho, com incapacidade para o trabalho até ao dia 16 de janeiro de 2023.
Nesta data o Autor retomou a sua atividade por conta da Ré com 30% de incapacidade mas não se tendo adaptado ao trabalho voltou a ser consultado na clínica da Seguradora e ficou novamente com incapacidade de 100% até ao dia 26 de janeiro de 2023.
No dia 27 de janeiro de 2023 voltou ao trabalho com 30% de incapacidade.
Como o Autor considerou que ainda não se encontrava curado do acidente, decidiu marcar uma consulta no médico de família e ficou de baixa médica por incapacidade temporária para o trabalho de 30/01/2023 até 10/02/2023.
A baixa médica do Autor por incapacidade temporária para o trabalho renovou-se no dia 11/02/2023 até ao dia 12 de março de 2023.
No dia 10/03/2023 o Autor enviou uma carta registada com aviso de receção à Ré, que a recebeu no dia 13/03/2023, com o seguinte teor:
“Venho por este meio que a partir do dia 13/03/2023 estou disponível para o trabalho como motorista CAT (C+E).
No prazo de receção desta a contar 5 (cinco dias) úteis, aguardando vossa resposta, se é do vosso interesse a minha continuidade.
Em caso contrário irei tomar medidas legais a quem tem competência de lei (ACT-advogados).
(…)”
A Ré não respondeu à carta enviada pelo Autor.
O Autor voltou a ter consulta no médico de família tendo sido renovada a incapacidade temporária para o trabalho do Autor de 17/03/2023 até 28/03/2023.
De tudo resulta que o Autor apesar de ter comunicado que a partir do dia 13/03/2023 estaria disponível para o trabalho não se apresentou para trabalhar e renovou a incapacidade temporária para o trabalho de 17/03/2023 até 28/03/2023, não se dando como provado que se apresentou nos dias seguintes para trabalhar.
Ou seja, o Autor não provou, em algum momento, que tivesse apresentado à Ré a justificação para as suas faltas.
Quando ocorreu a reunião, em 17 de abril de 2023, o Autor já se encontrava a faltar injustificadamente.
Se não se apresentou ao trabalho e nada transmitiu à Ré, a partir do dia 29 de março, a mesma podia legitimamente efetuar a comunicação que lhe dirigiu no dia 21 de abril de 2023.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.01.2004 (processo 2664/03) «se o trabalhador não faz chegar ao conhecimento da sua entidade patronal a razão da sua ausência, se por outro lado nada impõe a esta o dever de indagação sobre tal, então é perfeitamente legítimo que considere a situação de “abandono de trabalho”, utilizando a presunção legal que a lei a seu favor, estabelece (…). Portanto se a A pretendia evitar que, desde o momento em que terminou a primeira baixa médica e como continuava sem comparecer ao trabalho, não passasse a funcionar contra ela a presunção estabelecida no aludido art.º 40º n.º 2 [do DL n.º 64-A/89, de 27.02], deveria ter providenciado pela comunicação sucessiva das razões da sua ausência».
No caso que nos ocupa encontram-se, a nosso ver, preenchidos os requisitos de que depende a verificação da presunção a que alude o n.º 2 do art.º 403.º do Código do Trabalho.
Por outro lado, podendo esta presunção ser ilidida pelo trabalhador através da prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador das razões da sua ausência, é manifesto que o Autor não fez qualquer prova da ocorrência de um qualquer motivo que o tenha impedido de comunicar à Ré a razão das suas faltas ao trabalho a partir do dia 29.03.2023, tendo-se mantido ausente do serviço por mais de 10 dias úteis seguidos sem que a Ré tivesse sido informada do motivo da sua ausência.
Na verdade, e conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de 28/11/2012, acima citado, «demonstrados os factos que constituem a base da presunção prevista no n.º 2 do artigo 403º do C. Trabalho, (a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos e a inexistência/falta de qualquer informação sobre os motivos dessa ausência), funciona, em benefício do empregador, a presunção do abandono, na plena configuração da previsão constante do n.º 1, que apenas poderia ser ilidida pelo trabalhador nos termos e pela única via prevista no n.º 4 do mesmo art.º 403º».
No mesmo sentido veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2011 (processo n.º 338/10.9TTTVD.L1-4) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2013 (processo 8/11.0TTSTS), ambos também disponíveis em www.dgsi.pt, destacando-se deste último que “A presunção estabelecida no n.º 2 só pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência (n.º 4 do artigo 403.º do C.T.), sendo irrelevante a junção, vários meses depois do início das faltas, de documentos para fazer prova duma pretensa impossibilidade de prestar o trabalho”.
Assim sendo, e tendo o Autor estado ausente do serviço durante um período muito superior a 10 dias úteis seguidos sem ter informado a Ré empregadora do motivo da sua ausência, é quanto basta para se encontrarem preenchidos os factos que sustentam a presunção do abandono invocado pela Ré.
Deste modo, beneficiando a Ré da presunção legal de abandono do trabalho e tendo feito a comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos dessa presunção através de carta registada recebida pelo Autor, estamos perante uma cessação do contrato por abandono do trabalho, ou seja, por denúncia tácita do contrato por parte do trabalhador.
Neste conspecto, improcede a ação, devendo, a final, a Ré ser absolvida dos pedidos formulados pelo Autor, assentes no pressuposto – que não se verifica – do despedimento ilícito do Autor pela Ré, já que não se provou que a Ré tivesse, por alguma forma, despedido o Autor.”
*
Como já referimos, o recorrente não se conforma com esta decisão.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Resulta da matéria de facto provada que:
– No dia 10/03/2023 o Autor enviou uma carta registada com aviso de receção à Ré, que a recebeu no dia 13/03/2023, com o seguinte teor:
“Venho por este meio que a partir do dia 13/03/2023 estou disponível para o trabalho como motorista CAT (C+E).
No prazo de receção desta a contar 5 (cinco dias) úteis, aguardando vossa resposta, se é do vosso interesse a minha continuidade. (…)”
– A Ré não respondeu à carta enviada pelo Autor.
– O Autor voltou a ter consulta no médico de família tendo sido renovada a incapacidade temporária para o trabalho do Autor de 17/03/2023 até 28/03/2023.
– No dia 17 de abril de 2023, pelas 14h, ocorreu uma reunião entre o Autor e a gerência da Ré, no estaleiro, nada tendo sido conversado sobre quando deveria o Autor retomar a atividade por conta da Ré.
– O Autor não voltou a apresentar-se na Ré para prestar atividade.
– No dia 21 de abril de 2023 a Ré enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor:
“Como é do seu perfeito conhecimento, desde o passado dia 29 de Março do corrente ano, inclusive e até à data, consecutivamente, V. Excia não se apresenta no seu local de trabalho, sendo certo que também não recebemos qualquer justificação para a sua ausência ou qualquer manifestação de intenção de aí retornar. Mais chegou agora ao n/ conhecimento que está a prestar serviço para entidade terceira.
Esta sua conduta constitui abandono de trabalho ao abrigo do disposto no artº 403º do Código do Trabalho. Deste modo, a sua conduta é equiparada a denúncia do contrato de trabalho pelo que, consideramos cessado o vínculo laboral que o ligava a esta firma com efeitos a partir da recepção da presente.
Mais informamos que, conforme disposto nos art.ºs 400º, 401º e 403º, n.º 5, todos do Código de Trabalho, pelo abandono do trabalho, V. Excia tem que nos indemnizar no valor equivalente a trinta dias de vencimento base, o que será considerado no apuramento das contas finais. (…)”
– Em resposta, o Autor enviou à Ré, uma carta datada de 10 de maio de 2023, conforme consta do ponto 14 do elenco dos factos provados.
Pois bem, tendo em conta a matéria de facto provada, desde já avançamos que não acompanhamos a sentença recorrida.
Na verdade, da matéria de facto provada, nomeadamente dos pontos 10 a 12, não se extrai que a partir de 28/03/2023 o Autor não mais compareceu ao serviço nem que a Ré empregadora não foi informada do motivo da ausência, mas tão só que a partir do dia 17/04/2023 não voltou a apresentar-se na Ré para prestar atividade e que, no dia 21/04/2023, a Ré enviou ao Autor uma carta registada com AR invocando o abandono do trabalho por parte do mesmo ao abrigo do disposto no artigo 403.º do CT, por desde o dia 29/03/2023, consecutivamente, não se ter apresentado no local de trabalho, não tendo recebido qualquer justificação para a sua ausência.
Pois bem, perante este cenário, impõe-se concluir que o Autor não abandonou o trabalho.
Conforme resulta do artigo 403.º do CT:
<<1 – Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.
2 – Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 – O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
4 – A presunção estabelecida pelo nº 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 – Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401º.>>
Como se decidiu no acórdão desta Relação de 19/11/2015, disponível em www.dgsi.pt:
“I – Ao empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento na situação prevista no artº 403º do Código do Trabalho e querendo beneficiar da presunção consagrada no nº 2 deste normativo, compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono do trabalho.
II – O facto indiciário em que se baseia o abandono integra dois elementos: i – a não comparência do trabalhador ao serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos; ii – a falta de informação do motivo da ausência”.
Ora, da matéria de facto apurada, mesmo que se entendesse que a descrita no ponto 12 se reporta à data de 28/03/2023 e não apenas à de 17/04/2023, não se extraem factos capazes de integrar, na totalidade, aquele “facto indiciário” nem que relevem, com toda a probabilidade, a intenção de o trabalhador não retomar o trabalho.
Como se refere no acórdão desta Relação, de 18/12/2019, relatado pelo aqui 1º adjunto e subscrito pela aqui relatora como 2ª adjunta, disponível em www.dgsi.pt.:
<<Dispõe o normativo inserto no n.º 1 do artigo 403.º do Código do Trabalho que se considera “abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar”.
Por sua vez, o n.º 2 do preceito dispõe o seguinte: “presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”.
Esta presunção pode ser ilidida pelo trabalhador, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, nos termos previstos pelo n.º 4 do normativo.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo, “o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste”.
O abandono do trabalho integra, pois, a modalidade de cessação do contrato de trabalho prevista na alínea h) do artigo 340.º do Código do Trabalho, ainda que, por alguns, seja considerada um caso particular de denúncia irregular (cf. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição, pág. 553 e seguintes).
Para o empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento na situação prevista pelo aludido artigo 403.º, e querendo beneficiar da presunção prevista no n.º 2 do normativo, compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono.
Este facto integra dois elementos: (i) a não comparência do trabalhador ao serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos; (ii) a falta de informação do motivo da ausência.
Compete ao empregador alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso da presunção do abandono os factos que suportam a presunção (base da presunção), ou seja, a ausência do trabalhador ao serviço por mais de 10 dias úteis seguidos e a falta de comunicação do motivo da ausência pelo trabalhador (cf. Acórdãos do STJ de 26/3/2008, P. 07S2715, de 29/10/2008, P. 08S2273 e de 28/11/2012, P. 499/10.7TTFUN.L1-S1, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).
Incumbe ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência (nº 4 do artº 403º do CT).
Mas, o que releva verdadeiramente para efeitos extintivos da relação laboral é a vontade do trabalhador em colocar um fim ao vínculo contratual, o seu animus extintivo[3], exteriorizado através de factos concludentes, ou seja, que com toda a probabilidade revelem a vontade do trabalhador dissolver o contrato.
Não há abandono de trabalho quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de o trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho; e, havendo este conhecimento tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2 do artigo 403º do Cód. do Trabalho.
Nas sugestivas palavras de João Leal Amado “in” RLJ, Ano 139º, Março-Abril de 2010, nº 3961, págªs 235 a 241 “para que se verifique o abandono do trabalho, é necessário que o trabalhador “deserte” (ausência de serviço acompanhada de factos que revelem o seu animus extintivo da relação) ou que ele “desapareça em combate” (ausência prolongada do serviço, sem notícias, facto do qual a lei extrai a ilação de abandono) ”.>>
No caso em análise, a Ré empregadora não logrou provar a verificação dos dois elementos que integram o facto indiciário do abandono do trabalho.
Aliás, na sentença recorrida refere-se “não se dando como provado que se apresentou nos dias seguintes a trabalhar”, ou seja, “o Autor não provou, em algum momento, que tivesse apresentado à Ré a justificação para as suas faltas”.
Acontece que, como já referimos, é à Ré e não ao Autor que compete provar a base da presunção, ou seja, cabe ao empregador fazer a prova quer da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos dez dias úteis seguidos, quer da falta de comunicação do motivo da ausência.
Desta forma, não se encontrando demonstrada a invocada situação de abandono do trabalho, o contrato de trabalho do A. não cessou por sua iniciativa[2] mas antes por despedimento por parte da Ré ao comunicar-lhe o abandono do trabalho e sua cessação, nos termos do disposto no artigo 403.º do CT, despedimento este ilícito porque, desde logo, não foi precedido do respetivo procedimento (artigo 381.º, c), do CT) e com as consequências previstas nos artigos 389.º, 390.º e 391.º, todos do CT.
Conforme resulta do disposto no artigo 389.º, do C.T. sob a epígrafe:
Efeitos da ilicitude do despedimento:
<<1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º. (…)>>, ou seja, de indemnização em substituição da reintegração a pedido do trabalhador ou do empregador.
Na verdade, o trabalhador pode optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, ponderando-se todo o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial – n.ºs 1 e 2 do artigo 391.º, do CT, indemnização que não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
O trabalhador tem, ainda, direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – n.º 1, do artigo 390.º, do CT, deduzindo-se àquelas as importâncias descritas no n.º 2 do mesmo normativo.
Face à declaração da ilicitude do despedimento é como se este nunca tivesse existido e o trabalhador tivesse estado ininterruptamente ao serviço do empregador.
Assim, face à referida ilicitude do despedimento do trabalhador e ao por si peticionado, o trabalhador tem direito:
- a uma indemnização em substituição da reintegração no montante de € 3.000,00, tendo em conta que o contrato de trabalho teve o seu início em 02/03/2022 e não pode ser inferior a três meses de retribuição base, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral e efetivo pagamento.
- às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (21/04/2023) e até ao trânsito em julgado da presente decisão – artigo 390.º, do C.T.
A estas retribuições deve ser deduzido o eventual subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador (artigo 390.º, n.º 2, c), do C.T.), sendo certo que da matéria de facto provada não resulta que o trabalhador tenha auferido rendimentos de trabalho após o despedimento.
O montante desta compensação terá de ser apurado no respetivo incidente de liquidação (artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C.), por ausência de elementos que nos permitam proceder aos respetivos cálculos (artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.), ou seja, dos eventuais valores recebidos a título de subsídio de desemprego.
No que concerne ao pedido de indemnização por danos morais, da matéria de facto não resulta a existência de quaisquer danos sofridos pelo Autor resultantes da conduta da Ré, pelo que, tal pedido tem necessariamente de improceder.
Quanto aos juros peticionados pelo Autor:
Nos termos do disposto no art.º 805º, nº 1, al. a) do Cód. Civil, o devedor constitui-se em mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo. Não obstante, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 805.º, do CC, <<se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; (…)>>.
O disposto na segunda parte deste normativo diz respeito à responsabilidade por factos ilícitos (extracontratual), pelo que, não tem aplicação no domínio da responsabilidade contratual, nomeadamente, no caso de despedimento ilícito (neste sentido os acórdãos desta Relação de 11/05/2017, processo n.º 2211/15.5T8LRA.C2 e de 23/01/2014, processo n.º 273/12.6TaAVR.C1).
A este propósito escreveu-se no Ac. do STJ de 21/10/2009, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: <<como se observou no Acórdão deste Supremo de 25 de Junho de 2008 (Documento n.º SJ200806250010334, em www.dgsi.pt) (…), “[a] regra in illiquidis non fit mora, acolhida na primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º citado, justifica-se na medida em que não é razoável exigir ao devedor que cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar, e a única excepção é a falta de liquidez poder ser imputada ao próprio devedor, isto é, se o devedor for o culpado da não liquidação da prestação>>, sendo que a <<obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo (ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol. I., p. 446) ou, no dizer de ANTUNES VARELA, é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (DAS Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, pp. 918 e 920>> (…)>>.
Ora, dúvidas não existem de que as retribuições intercalares devidas ao trabalhador por força do despedimento ilícito constituem obrigações com prazo certo.
Acontece que, como já supra se decidiu, o montante desta compensação terá de ser apurado no respetivo incidente de liquidação por ausência de conhecimento dos eventuais valores recebidos a título de subsídio de desemprego e cujo desconto se impõe. Acresce que esta iliquidez não é imputável ao empregador.
Pelo exposto, os juros de mora sobre as retribuições intercalares apenas serão devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão judicial que proceda a tal liquidação.
No mais:
Por força da ilicitude do despedimento foi atribuída ao trabalhador uma indemnização em substituição da reintegração.
Assim sendo, fixando a presente decisão o valor desta indemnização devida pela ilicitude do despedimento, só a partir desta data a mesma se torna líquida, permitindo ao devedor saber o seu valor e devendo, por isso, os respetivos juros de mora ser contabilizados a partir da data do seu trânsito em julgado.
Desta forma, à quantia devida a este título acrescem juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data do trânsito em julgado da presente decisão.
Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas pelo recorrente, impondo-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.
3ª questão
Se o A. foi condenado em montante superior ao peticionado pela Ré e a quantia de € 1.000,00 já foi deduzida no último recibo de vencimento.
Alega o A. recorrente que:
- O tribunal a quo condena o autor em valor superior ao valor peticionado no pedido reconvencional, pois a Ré veio pedir indemnização por abandono do trabalho, no montante equivalente a um vencimento base (30 dias), de € 1.000,00, valor que deduziu no último recibo de vencimento, resultando um crédito a favor da Ré no montante de € 442,63.
- Apesar do Autor entender que não se produziu prova quanto ao abandono do posto de trabalho, e que deve ser absolvido do pedido reconvencional.
Na sentença recorrida decidiu-se, a este propósito, o seguinte:
“A Ré deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor a indemnizar a Ré no montante equivalente a um vencimento base, no total de €1000,00 acrescida de juros calculados à taxa legal em vigor.
Ora, na sequência do já exposto, equivalendo o abandono a denúncia de contrato, sem aviso prévio, está o Autor constituído na obrigação de indemnizar a R. na quantia correspondente ao aviso prévio em falta atento o disposto nos art.ºs 401.º, 400.º e 403.º, n.º 5 do Código do Trabalho, que é de 1 mês, no montante de € 1000,00, devendo, pois, proceder a reconvenção.”
Acontece que, conforme resulta da apreciação da questão anterior, o contrato de trabalho do A. não cessou por sua iniciativa mas antes por despedimento ilícito por parte da Ré ao comunicar-lhe o abandono do trabalho e sua cessação, nos termos do disposto no artigo 403.º do CT, pelo que, facilmente se conclui que o Autor não está obrigado a indemnizar a Ré no valor de € 1.000,00 correspondente ao aviso prévio em falta de um mês (artigos 403.º, n.º 5 e 401.º, n.º 1, ambos do CT).
Por outro lado, como foi alegado pela Ré e resulta do recibo junto aos autos a que se refere o ponto 15 da matéria de facto provada, a Ré procedeu ao desconto da quantia de € 1.000,00 a título de “Falta Pre-Aviso”, tendo apurado a quantia final de € 442,63 a seu favor e que peticionou a título reconvencional, no entanto, tendo em conta o que ficou dito, o desconto de tal quantia é ilegal e, consequentemente, o pedido reconvencional não pode proceder.
Procedem, assim, estas conclusões do recorrente.
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*
IV – Sumário[3]
(…).
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V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, na parcial procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida em conformidade e, em consequência,:
1 – declara-se que o Autor foi alvo de um despedimento ilícito por parte da Ré;
2 – condena-se a Ré A..., Lda., a pagar ao Autor AA, uma indemnização em substituição da reintegração no montante de € 3.000,00 (três mil euros) e as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 21/04/2023 até ao trânsito em julgado da presente decisão, no que vier a ser liquidado no respetivo incidente, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e da decisão que proceda à respetiva liquidação, respetivamente, até integral e efetivo pagamento;
3 – absolve-se o Autor do pedido reconvencional contra si deduzido pela Ré e
4 – mantém-se a sentença recorrida no que concerne à condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 619,80 (seiscentos e dezanove euros e oitenta cêntimos) a título de férias não gozadas e subsídios de férias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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Custas a cargo do recorrente e da recorrida na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que foi concedido ao A..
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(Paula Maria Roberto)
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(Felizardo Paiva)
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(Mário Rodrigues da Silva)