I – Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito – n.º 3 do artigo 9.º da LAT.
II – Tendo em conta critérios de adequação social e de razoabilidade, a interrupção feita pelo sinistrado por 1 hora em casa de uma sua cunhada, onde ingeriu bebidas alcoólicas, não poderá considerar-se como tendo sido determinada pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, não visou a satisfação de qualquer necessidade elementar de convívio social do mesmo e não consubstancia uma necessidade compreensível e ainda com conexão com a relação laboral.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra
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AA intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho com processo especial contra A...–SUCURSAL EM PORTUGAL, pedindo que a ação seja julgada procedente, devendo por via disso:
I – Ser a ré, condenada a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia no montante de €742,02 com início no dia seguinte ao da alta, acrescida de juros, à taxa legal, desde o dia seguinte ao da alta;
II- Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €193,68 a título de despesas com transporte para deslocação obrigatória a este Juízo do Trabalho para estar presente na realização de perícia médica e atos judiciais;
III – O montante que se venha a apurar a título de despesas com transporte para deslocação obrigatória a este Juízo do Trabalho para estar presente em atos judiciais.
Alegou em síntese:
- O autor celebrou com a sociedade B..., LDA. um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 meses, com início a 04-04-2022 para exercer as funções de pedreiro nas obras que a sociedade se proponha executas, sob autoridade de direção daquela, conforme contrato de trabalho junto.
- Esse contrato renovou-se automaticamente e ainda se mantém em vigor.
- O autor sofreu um acidente de viação no dia 21-06-2022 perto da localidade de ....
- Nessa data o autor residia no n.º ...00 da Rua ..., na localidade de ..., ..., ....
- Trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora supra referida numa obra de construção civil.
- Para realizar a sua prestação de trabalho o autor deslocava-se diariamente com viatura própria desde a sua habitação ao local de trabalho, regressando pela mesma via no final do dia de trabalho.
- Nessa data, ao regressar a casa no final da jornada de trabalho, um pouco antes das 18h00, o trabalhador seguia o seu trajeto habitual de motociclo quando sofreu um despiste numa curva acentuada;
-A entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho relativamente ao sinistrado transferida para a companhia de seguros supra referida, pela apólice ...88, mas apenas em função da retribuição de €750,00 x 14 meses, acrescida de €116,20 x 11 meses de subsídio de alimentação, a que corresponde a retribuição anual ilíquida de €11.778,20.
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A ré contestou, sustentando em síntese não ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia ao sinistrado, impugnando a factualidade por esta alegada, aduzindo, além do mais, que não aceita a caracterização do acidente como de trabalho, já que o sinistrado efetuou desvio e interrupção do percurso por motivo de âmbito particular, não justificado por motivo de força maior, caso fortuito ou necessidade atendível do trabalhador. Na verdade, no dia do acidente, após sair do local de trabalho, o sinistrado dirigiu-se para a casa de uma sua cunhada, residente na localidade de ... – localidade da obra – e aí permaneceu até, pelo menos, às 18H 30M, local onde esteve a confraternizar e a ingerir bebidas alcoólicas, sendo que só depois das 18H30M, é que o sinistrado saiu da localidade de ..., em direção à sua residência.
Realizou-se audiência de julgamento e na sequência da mesma foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Assim sendo, e tendo em conta os considerandos tecidos, decide-se julgar totalmente improcedente a ação, por não provada, absolvendo-se as rés dos pedidos deduzidos.
Custas da ação pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
*
Registe e notifique.”
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O autor interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…).
A..., Sucursal em Portugal apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
(…).
O Exmº Srº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, por manifestamente infundado, e a sentença ser confirmada, nos seus precisos termos.
Não houve resposta a este parecer.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na 1ª instância fixou-se a matéria de facto da seguinte forma:
“i) Factos provados:
1) O autor celebrou com a sociedade B..., LDA. um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 meses, com início a 04.04.2022 para exercer as funções de pedreiro nas obras que a sociedade se proponha executas, sob autoridade de direção daquela, conforme contrato de trabalho junto.
2) Esse contrato renovou-se automaticamente nos termos do Código do Trabalho e ainda se mantém em vigor.
3) O A. sofreu um acidente de viação no dia 21 de junho de 2022 perto da localidade de ....
4) Desse acidente resultou fratura do 2º ao 6º arcos costais esquerdos, fratura mediana da clavícula e corpo da omoplata, bem como ferido no maleolateral esquerdo.
5) Nessa data o autor residia no n.º ...00 da Rua ..., na localidade de ..., ..., ....
6) Trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora supra referida numa obra de construção civil.
7) Para realizar a sua prestação de trabalho o autor deslocava-se diariamente com viatura própria desde a sua habitação ao local de trabalho, regressando pela mesma via no final do dia de trabalho.
8) À data do acidente o sinistrado tinha a categoria profissional de pedreiro e auferia a remuneração base mensal de €750,00 x 14 meses, acrescida de €6,00 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação, a que corresponde a retribuição anual ilíquida de €11.952,00.
9) A entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho relativamente ao sinistrado transferida para a companhia de seguros supra referida, pela apólice ...88, mas apenas em função da retribuição de €750,00 x 14 meses, acrescida de €116,20 x 11 meses de subsídio de alimentação, a que corresponde a retribuição anual ilíquida de €11.778,20.
10) Do acidente resultaram para o sinistrado, direta e necessariamente, as lesões examinadas e descritas no relatório pericial de clínica médico-legal de fls. 28 a 30 dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido.
11) A ré seguradora pagou ao sinistrado as indemnizações devidas pela incapacidade temporárias devidas até 21.02.2023, data da alta.
12) Não pagou as indemnizações devidas pela incapacidade parcial nem pelas deslocações ao Tribunal.
13) Entre aquele que foi o local de trabalho do A. no dia 21/06/2022, sito em ..., e o local de residência do A., sito na localidade de ..., distam cerca de 9 quilómetros.
14) O período de tempo habitualmente gasto pelo A. para realizar o percurso entre o seu local de trabalho e o local da sua residência é de cerca de 15 minutos.
15) No dia 21/06/2022 o A. terminou o seu período de trabalho às 17H 15M, altura em que saiu da obra onde trabalhava.
16) Acontece que após deixar o local de trabalho, o A. não se dirigiu para sua casa.
17) Após sair do local de trabalho, o sinistrado dirigiu-se para a casa de uma sua cunhada, residente na localidade de ...–localidade da obra–e aí permaneceu até, pelo menos, às 18H 30M.
18) Em casa da cunhada o A. esteve a confraternizar e aí ingeriu bebidas alcoólicas.
19) Só depois das 18H 30M, é que o sinistrado saiu da localidade de ..., em direção à sua residência.
20) Quando o A. tripulava o seu ciclomotor na Estrada Municipal nº 1143, pelas 18H 46M, após a localidade de ... e circulando na direção Corisco – Cernache do Bonjardim.
21) Após descrever uma curva que se lhe apresentava para a esquerda, o A. perdeu o controle do veículo que conduzia, deixou esse veículo entrar em despiste e invadir a berma direita da estrada, atento o seu sentido de marcha, 22) O que fez com que A. e ciclomotor caíssem ao solo.
23) Logo após o acidente, foram chamados ao local os Bombeiros Voluntários ..., tendo o alerta ocorrido pelas 18H 50M do dia 21/06/2022.
24) Acresce que, ao ser submetido ao teste para determinação de álcool no sangue, o A. revelou uma taxa de alcoolémia de 0,85 gr/l, correspondente à TAS registada de 0,93 gr/l, deduzido o erro máximo admissível.
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ii) Factos não Provados:
Não resultaram provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. O despiste supra referido aconteceu quando o trabalhador estava a regressar a casa no final da jornada de trabalho, um pouco antes das 18h00.”
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A única questão colocada que compete a este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC consiste em saber se o autor foi vítima de um acidente de trabalho in itinere.
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Se o autor foi vítima de um acidente de trabalho in itinere.
Na sentença recorrida considerou-se “Ora, no nosso caso, tendo em conta critérios de adequação social e de razoabilidade, a interrupção feita pelo sinistrado com a paragem por 1 hora em casa de uma sua cunhada, onde ingeriu bebidas alcoólicas, não poderá considerar-se como tendo sido determinada pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, não visou a satisfação de qualquer necessidade elementar de convívio social do mesmo e não consubstancia uma necessidade compreensível e ainda com conexão com a relação laboral.
De notar que não foi alegado, nem tal resulta indiciado nos autos, que o autor se encontrava carente de convívio social ou que a paragem que efetuou e as bebidas alcoólicas que ingeriu visaram a satisfação de qualquer necessidade fisiológica do mesmo. Aliás, o que o autor alega é que ao regressar a casa no final da jornada de trabalho, um pouco antes das 18h00, sofreu um despiste enquanto seguia o seu trajeto habitual, não aludindo a qualquer interrupção no trajeto na sua petição inicial, apresentando uma versão dos fatos que não veio a obter a mínima adesão da prova produzida.
E assim, entende-se que esta paragem que o autor efetuou conforme alegada pela ré seguradora - não manteve conexão com a relação laboral havida, nem se revela determinada para satisfação de uma necessidade compreensível e adequada, pelo que não será atendível.
(…).
Aqui chegados, conclui-se assim que o acidente de que foi vítima o autor não pode considerar-se acidente de trabalho in itinere, não sendo tutelado pela lei laboral, por se situar numa esfera de risco do próprio trabalhador, para a satisfação de necessidades privadas e a cujos perigos sempre se exporia mesmo sem o trabalho e, como tal, não é indemnizável, improcedendo, pois, a ação contra ambas as rés, o que se decide”.
O apelante sustenta que “a expansão do conceito de acidente de trabalho in itinere, através das diversas alterações na legislação, baseia-se na ideia de risco econômico ou de autoridade. Ou seja, entende-se que a compensação pelos danos sofridos pelo trabalhador em razão do trabalho não se deve limitar apenas aos acidentes ocorridos durante a execução direta de suas tarefas, mas também incluir situações que, embora não estejam diretamente ligadas à sua prestação de trabalho, como os acidentes de trajeto, ainda são relevantes.
Assim, entende-se que o legislador, ao ampliar o alcance do artigo 9.º da LAT para abranger diferentes situações reais — incluindo casos em que ocorrem interrupções no trajeto para atender a necessidades consideradas razoáveis — procurou oferecer maior proteção ao trabalhador no contexto de sua atividade laboral, seja antes, durante ou depois da execução direta do trabalho.
Assim, admitindo tudo isso, a decisão do respeitável tribunal de instância inferior não pode ser vista como outra coisa senão contraditória, ao não considerar o caso em questão protegido pelo alcance material daquela norma.
Diante de tudo o que foi exposto, o apelante considera que o tribunal recorrido cometeu um erro de julgamento ao não enquadrar o acidente em questão nas disposições do artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, da LAT, violando assim tanto o texto quanto o propósito desta norma legal.” (alíneas O) a R) das conclusões de alegações).
Vejamos.
Dispõe o artigo 9º- Extensão do conceito
1 – Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;
c) No local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;
e) No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito;
f) No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito;
g) Em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso;
h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos.”
2 – A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:
a) Entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego;
b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;
c) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição;
d) Entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente;
e) Entre o local de trabalho e o local da refeição;
f) Entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional.
3 – Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
4 – No caso previsto na alínea a) do nº 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige.”
“Na presente norma prevê-se, entre outras circunstâncias, o denominado acidente in itinere que tantas questões tem suscitado na sua delimitação e que se encontra explicitado de forma mais detalhada no nº 2 deste mesmo preceito legal. O conceito base é o de que o sinistro deve ser considerado como sendo de trabalho, mesmo quando se verifique no trajeto entre a residência do sinistrado e o seu local de trabalho. O disposto no nº 3 desta mesma norma estabelece que o acidente é ainda considerado como de trabalho mesmo que o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de interesses atendíveis do trabalhador (ex. quando o sinistrado se dirige a um posto de abastecimento de combustível para abastecer o veículo, seu ou da entidade empregadora, utilizado nas deslocações por força do exercício das suas funções; quando opta por um trajecto diferente, por o habitual se encontrar interditado por circunstâncias do próprio trajecto, etc.).”[1]
De entre elas destaca-se, pela frequência com que é debatida judicialmente a questão do preenchimento da sua previsão normativa, a extensão que está consagrada na alínea b), do nº 2, do artigo 9º, da N.L.A.T., da qual decorre que é acidente de trabalho o que se verifique no trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho.
Consagra-se legalmente, assim, o entendimento de que o risco dos trabalhadores sofrerem acidentes no referenciado percurso é inerente ao cumprimento do dever que lhes incumbe de comparecerem nos respectivos lugares de trabalho, para neles executarem as prestações inerentes aos contratos de trabalho, sendo, por isso, uma das suas obrigações instrumentais ou acessórias.
Nesse enquadramento, se os trabalhadores têm de fazer os percursos necessários aos seus desempenhos funcionais nos lugares determinados pelos empregadores, usando para o efeito as vias de acesso e os meios de transporte à sua disposição, compreende-se que os acidentes ocorridos nesses percursos e no tempo habitualmente gasto para os percorrer beneficiem da tutela infortunística própria dos acidentes de trabalho.
Atente-se em que nos termos do nº 3, do artigo 9º da N.L.A.T., devem considerar-se acidentes de trabalho os que ocorrerem quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.”[2]
Posto isto e reportando-nos ao caso dos autos, verifica-se que:
-O autor sofreu um acidente de viação no dia 21/06/2022 perto da localidade de ....
-Nessa data o autor residia no n.º ...00 da Rua ..., na localidade de ..., ..., ....
-Trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora supra referida numa obra de construção civil.
- Para realizar a sua prestação de trabalho o autor deslocava-se diariamente com viatura própria desde a sua habitação ao local de trabalho, regressando pela mesma via no final do dia de trabalho.
-Entre aquele que foi o local de trabalho do autor no dia 21/06/2022, sito em ..., e o local de residência do autor, sito na localidade de ..., distam cerca de 9 quilómetros.
-O período de tempo habitualmente gasto pelo autor para realizar o percurso entre o seu local de trabalho e o local da sua residência é de cerca de 15 minutos.
- No dia 21/06/2022 o autor terminou o seu período de trabalho às 17H 15M, altura em que saiu da obra onde trabalhava.
-Acontece que após deixar o local de trabalho, o autor não se dirigiu para sua casa.
-Após sair do local de trabalho, o sinistrado dirigiu-se para a casa de uma sua cunhada, residente na localidade de ... localidade da obra e aí permaneceu até, pelo menos, às 18H30M.
-Em casa da cunhada o autor esteve a confraternizar e aí ingeriu bebidas alcoólicas.
-Só depois das 18H30M, é que o sinistrado saiu da localidade de ..., em direção à sua residência.
-Quando o autor tripulava o seu ciclomotor na Estrada Municipal nº 1143, pelas 18H 46M, após a localidade de ... e circulando na direção Corisco Cernache do Bonjardim.
-Após descrever uma curva que se lhe apresentava para a esquerda, o autor perdeu o controle do veículo que conduzia, deixou esse veículo entrar em despiste e invadir a berma direita da estrada, atento o seu sentido de marcha,
-O que fez com que autor e ciclomotor caíssem ao solo.
-Do acidente resultaram para o sinistrado, direta e necessariamente, as lesões examinadas e descritas no relatório pericial de clínica médico-legal de fls. 28 a 30 dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido.
A lei não define o que seja “necessidade atendível” do trabalhador, pelo que se terá de recorrer a um critério de adequação social, atendendo a regras de razoabilidade.
Conforme refere Júlio Gomes[3]:
“Quanto às necessidades atendíveis, parece-nos claro que serão, desde logo, necessidades da vida pessoal e familiar do trabalhador que a nossa Lei, aliás, não exige sequer que sejam urgentes ou de satisfação imprescindível. Podem tratar-se de necessidades fisiológicas, de tomar um café ou um pequeno-almoço no caminho para o trabalho ou de almoçar findo o trabalho e antes de regressar a casa, de comprar medicamentos numa farmácia ou enviar uma carta registada, de levar ou de ir buscar os filhos à escola ou ao jardim-de-infância.”
No caso em apreço, importa apurar é se, segundo um critério de adequação social, atendendo a regras de razoabilidade, se tratou de uma necessidade compreensível e ainda com conexão com a relação laboral (neste sentido o Ac. da RL de 5/12/2018[4]).
É certo que o convívio social faz parte da essência humana, não se podendo exigir a um ser humano que aja como se fosse uma máquina, ou seja, como mero cumpridor de horários e sem procurar satisfazer as mais elementares necessidades de convívio social.
Porém, sendo o convívio social uma necessidade incontornável do ser humano, para que essa necessidade seja atendível nos termos do n.º 3 do art.º 9.º da LAT, torna-se indispensável que, na concreta situação em análise, ela se mostre justificável e compreensível.
No caso vertente, segundo critérios de adequação social e de razoabilidade, afigura-se-nos que interrupção feita pelo sinistrado por 1 hora em casa de uma sua cunhada, onde ingeriu bebidas alcoólicas, não poderá considerar-se como tendo sido determinada pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, não visou a satisfação de qualquer necessidade elementar de convívio social do mesmo e não consubstancia uma necessidade compreensível e ainda com conexão com a relação laboral.
Note-se, a este respeito, que não foi alegado, nem tal resulta indiciado nos autos, que autor se encontrava carente de convívio social ou que a paragem que efetuou e o copo de vinho que bebeu visaram a satisfação de qualquer necessidade fisiológica do mesmo.[5]
Com efeito, o sinistrado só iniciou a viagem de regresso a casa mais de uma hora depois de sair do seu local de trabalho e fê-lo após ter estado a ingerir bebidas alcoólicas.
Ora o risco do percurso a que se sujeitou nestas circunstâncias nada tem a ver com o cumprimento da obrigação de trabalhar.
Aqui chegados, conclui-se assim que o acidente de que foi vítima o autor não pode considerar-se acidente de trabalho in itinere, não sendo tutelado pela lei laboral, por se situar numa esfera de risco do próprio trabalhador, para a satisfação de necessidades privadas.
Assim sendo, na improcedência das conclusões da recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida, em conformidade.
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DECISÃO
Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
As custas seriam devidas pelo apelante, se não beneficiasse de apoio judiciário.
Coimbra, 26 de fevereiro de 2025
Mário Rodrigues da Silva- relator
Paula Maria Roberto
Felizardo Paiva
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Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):
(…).
Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original
([1]) Susana Maria G. Tavares, Lei dos Acidentes de Trabalho – Anotações Práticas, 2024, pp. 20-21.
([2]) Jorge Manuel Loureiro, Processo Judicial de Acidente de Trabalho - Momentos Prévios e a Fase Conciliatória - Notas Práticas, 2021, pp. 31-32.
([3]) O acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização, pp. 188-190.
([4]) Proc. 4899/16.0T8LRS.L1, relator Sérgio Almeida, www.dgsi.pt.
([5]) Cf. Ac. do TRC, de 22-05-2020, proc. 7304/17.1T8CBR.C1, relatora Paula Roberto, www.dgsi.pt.