I - O recorrente apenas pode beneficiar do prazo adicional de 10 dias concedido pelo legislador no artigo 638º, nº7, do Código de Processo Civil, se tiver, no recurso, impugnado a decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do disposto no artigo 640º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil, independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respetivo mérito.
II - Caso contrário, ou seja, quando não impugne a matéria de facto ou quando impugne a matéria de facto, mas sem que essa impugnação seja baseada na reapreciação de depoimentos gravados, terá o recorrente de se sujeitar ao prazo geral do artigo 638º, nº1, do Código de Processo Civil, sob pena de se verificar uma situação de extemporaneidade determinante da rejeição do recurso.
III - A tal não obsta a circunstância de ter sido proferido despacho a admitir o recurso, considerando-o tempestivo, pelo Tribunal recorrido, na medida em que, nos termos do artigo 641º, nº 5, do Código de Processo Civil, a decisão que admite o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o Tribunal superior, e a apreciação dos pressupostos processuais dos recursos, designadamente a sua tempestividade, compete ao Tribunal ad quem independentemente de solicitação das partes nesse sentido.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Ovar
Relatora: Juíza Desembargadora Teresa Pinto da Silva
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora Anabela Morais
2º Adjunto: Juiz Desembargador José Eusébio Almeida
I - RELATÓRIO
AA intentou contra BB e CC providência cautelar de arbitramento de alimentos provisórios, pedindo que lhe seja arbitrado o montante de alimentos no valor mínimo mensal de €700,00.
Para tanto, alegou a Requerente que nasceu a ../../1981, é filha dos Requeridos, tem um filho (DD) nascido em ../../2018 e vive com o marido e pai do seu filho, EE, em casa propriedade deste. É, juntamente com o seu companheiro, empresária em nome individual, não tendo fonte de receita certa e determinada, sobrevivendo o seu agregado familiar com recurso ao RSI e ao abono de família de que são beneficiários, no valor global aproximado de €593,00 (quinhentos e noventa e três euros), consoante os rendimentos mensais que são declarados e provenientes do exercício das suas atividades independentes. Antes de ter um relacionamento amoroso com a Requerente, EE contraiu dois empréstimos, um respeitante à aquisição da casa de morada de família e outro relativo à “Linha de Apoio ao Empreendedorismo”, e após o relacionamento amoroso com a Requerente, EE contraiu um empréstimo automóvel. Desde 2023 até à presente data, de modo a fazer face a despesas correntes, a Requerente e EE contraíram sucessivos créditos pessoais e créditos ao consumo, tendo o seu agregado familiar despesas no valor médio global mensal de €1700,00 (mil e setecentos euros), das quais o valor aproximado de €1.100,00 (mil e cem euros) corresponde ao necessário para o sustento, habitação e vestuário, sendo os rendimentos do agregado familiar da Requerente apenas de €593,00.
Mais alegou que padece de obesidade mórbida, o que representa um fator dissuasor da sua contratação para qualquer função ou posto de trabalho a que se candidate e que os Requeridos auferem rendimentos superiores a €3000,00 (três mil euros) por mês, provenientes das suas reformas e outros rendimentos e têm poupanças.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, que se prolongou por três sessões (3/09/2024, 11/10/2024 e 15/10/2024), tendo os Requeridos, na 1ª sessão, apresentado contestação, alegando, em síntese, que não se mostram preenchidos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar requerida e impugnando parte dos factos vertidos no requerimento inicial.
Em 15 de outubro de 2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios, instaurado pela requerente AA contra os requeridos BB e CC e, em consequência, absolvo os requeridos BB e CC de todos os pedidos formulados pela requerente AA.
Custas pela requerente (cfr., artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia.
Registe e notifique.”
A. Discorda a Recorrente do entendimento do tribunal a quo ao considerar como não indiciado, e assim não provada a obesidade mórbida da Recorrente e bem assim que tal é um fator dissuasor da sua contratação.
B. Em presença física em tribunal, é precisamente por todas as características físicas que foram possíveis de observar, nomeadamente a sua altura, porte e dificuldade locomotora, que não se compreende a necessidade de mais “produção de prova documental e/ou testemunhal (…) para considerar como provada a sua realidade.”
C. A Recorrente apresenta estatura baixa e bem assim um perímetro abdominal alargado; demonstrou espontaneamente dificuldades em se sentar, em andar, contornar obstáculos e se levantar em frente à Mma. Juiz a quo, ditando pois que pelas regras da experiência comum e o padrão normal exigido a um homem médio, que a mesma não tem aptidão física para tratar de crianças, que não é visualmente atrativa a qualquer empregador.
D. Assim, a obesidade da Recorrente deveria ser considerada como provada, talqualmente que tal circunstância é um “facto dissuasor da sua contratação para qualquer função ou posto de trabalho a que se candidate.”
E. Entendeu o tribunal a quo que não se encontra preenchido o requisito “periculum in mora, ao abrigo dos artigos 362.º, n.º1, 368.º, n.º1, ex vi artigo 376.º, n.º1, todos do Código de Processo Civil”.
F. Resulta desde logo provado que as necessidades básicas resultantes do normal sustento (alimentação), habitação, e vestuário comportam ao agregado familiar da Recorrente o valor global de €1100,00 (mil e cem euros), sendo que o rendimento médio de que auferem é de €593,00 (quinhentos e noventa e três euros).
G. A diferença no montante de €507,00 (quinhentos e sete euros), tem vindo a ser suprida desde 2022 com recurso a sucessivos créditos ao consumo resulta demonstrado e provado pelos documentos juntos.
H. Em Dezembro de 2022, foi proferida uma sentença judicial que julgou improcedente o pedido de alimentos anteriormente feito aos Recorridos.
I. Após tal data resultou ainda a impossibilidade de auxílio pelos familiares do marido da ora Recorrente, pelo que, na esperança de dias melhores, tentaram pelos seus próprios meios superar a situação de carência e dependência económica.
J. A Recorrente e o seu marido – sendo que este “explicou, com rigor e detalhe, o ciclo vicioso dos empréstimos contraídos para fazer face às despesas (vencidas) do seu agregado familiar”, e como os próprios referem “ao dia a dia” – demonstraram que ambos se vêm como que no fim de uma linha, colocando-se em causa a possibilidade do cumprimento das suas obrigações e bem assim a sua sobrevivência.
K. O recurso cíclico ao crédito e a impossibilidade de obter outras fontes de rendimento advenientes de actividades profissionais insuficientes, levam a um estrangulamento financeiro que terminará em incumprimentos, processos executivos e eventualmente numa venda judicial da casa de morada de família.
L. O estado de emergência é tal que não pode a Recorrente esperar mais tempo, ou aguardar pela prolação de sentença de uma acção principal de alimentos; tanto mais que do andamento e postura processual dos Recorridos é perceptivel que tudo farão para retardar qualquer diligência ou démarche.
M. O recurso a novo pedido de alimentos foi a sua “última porta” a que a ora Recorrente bateu, pois que não se poderá ignorar o incontestável clima de conflito e tensão familiar.
N. O valor de alimentos a título provisório e eventualmente o que vier a ser determinado a título definitivo é essencial à sobrevivência, tratamento e desenvolvimento pessoal e profissional da ora Recorrente.
O. Apenas com a fixação de alimentos provisórios poderá a Recorrente garantir a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar, e bem assim a manutenção efectiva de um direito de propriedade, na medida em que já estão completamente estrangulados e não conseguem suportar muito mais o círculo vicioso de créditos em que se encontram.
P. Face ao exposto é de concluir que a fundamentação de direito e o enquadramento do mesmo à matéria de facto - provada e não provada -, padece de erro, considerando que todas as premissas supra melhor referenciadas deveriam ter levado a outra conclusão e assim à procedência do pedido.
Q. Com efeito, a providência cautelar de alimentos provisórios, visa assegurar os meios de subsistência básicos, quando os Requerentes se encontram numa situação de carência tal que estará em causa a satisfação do essencial para a condição humana.
R. Dos factos considerados provados em 1, 6, 21, 22, 25, 26 e 27, resulta que se verificam todos os elementos preliminares que indiciam a possibilidade de alimentos definitivos.
S. Na sendo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, “o periculum in mora na providência cautelar de alimentos provisórios decorre do estado de necessidade de “esperar pela formação e execução da sentença a proferir no processo principal de alimentos definitivos”.
T. Será o caso, designadamente, da existência de necessidades mensais em termos de habitação, sustento e alimentação, bem como, se for caso disso, de instrução e educação.
O perigo de dano decorre, não da duração do processo em si mesma considerada, mas antes na possibilidade de que falte sustento ao autor até que se obtenha uma decisão definitiva na ação principal.”
U. Resulta provado e demonstrado o periculum in mora, estando em causa a habitação, sustento e saúde da ora Recorrente e do seu agregado familiar, devendo pois a providencia cautelar especificada de alimentos provisórios ser julgada procedente e em consequência ser arbitrado quantum pecuniário adequado a suprir as necessidades básicas da ora Recorrente.
Em 23 de janeiro de 2025, a Recorrente veio pronunciar-se, pugnando pela tempestividade do recurso interposto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.
Mercê do exposto, o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
1ª – Da extemporaneidade do recurso, e, em caso negativo,
2ª – Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença quanto ao facto não provado relativo à obesidade mórbida da Recorrente e bem assim que tal é um fator dissuasor da sua contratação.
3ª – Da repercussão dessa alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso e, independentemente disso,
4ª – Se a decisão proferida deve ser alterada por verificação do periculum in mora.
Como decorre do relatório que antecede, recebido o recurso nesta Relação foi proferido despacho, em 8 de janeiro de 2025, a determinar a notificação das partes nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 655º, nº1, do Código de Processo Civil, a fim de se pronunciarem sobre a questão da extemporaneidade do recurso.
Para a apreciação desta questão importa ter presente a seguinte tramitação processual que emerge dos autos:
1º A secção do Tribunal de 1ª Instância notificou a sentença recorrida às partes, por via eletrónica, através do sistema Citius, encontrando-se certificada, através do documento nº 135247103 daquele sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, a data da elaboração da notificação como sendo o dia 16 de outubro de 2024.
2º A Autora apresentou o seu requerimento de interposição de recurso da sentença em 19 de novembro de 2024.
Resulta do disposto no artigo 248º do Código de Processo Civil que aquela notificação da sentença se presume feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele o não for. No caso concreto, decorre de tal normativo que a sentença se considera notificada às partes, e, em concreto, à Autora, em 21 de outubro de 2024, iniciando-se a contagem do prazo de recurso no dia 22 de outubro de 2024.
In casu, a Autora veio recorrer da decisão que pôs termo ao procedimento cautelar de alimentos provisórios.
O prazo para a interposição de tal recurso – artigo 644º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil - é reduzido para 15 dias, atenta a urgência prevista no artigo 363º, nº1, em conexão com o artigo 638º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, sem embargo do prazo suplementar de 10 dias, previsto para o recurso de apelação no qual seja impugnada a decisão da matéria de facto com base em prova gravada, atento o disposto no artigo 638º, nº7 do citado diploma fundamental.
Quer isto dizer que o prazo de 15 dias para a interposição do recurso terminou no dia 5 de novembro de 2024, ou, no limite, no dia 8 de novembro de 2024, por força do disposto no artigo 139º, nº5, do Código de Processo Civil.
Sucede que a Autora apenas apresentou o requerimento de interposição de recurso em 19 de novembro de 2024, ou seja, muito para além do prazo de que dispunha para o efeito.
É certo que, nos termos do nº7, do artigo 638º, do Código de Processo Civil, na apelação, pretendendo impugnar a decisão da matéria de facto a partir da reapreciação de meios de prova gravados (e apenas neste caso), o recorrente beneficia de um acréscimo de 10 dias, sendo este, aliás, o argumento esgrimido pela Autora para sustentar a tempestividade do seu recurso.
No entanto, como salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[1], para o recorrente beneficiar desse acréscimo de 10 dias, é necessário que a alegação por ele apresentada, “ou seja, a peça que define o objeto do recurso, contenha alguma impugnação da decisão acerca da matéria de facto a partir da reponderação de meios de prova que, tendo sido prestados oralmente, tenham ficado registados, independentemente do juízo que ulteriormente seja feito acerca do cumprimento do ónus de indicação das passagens da gravação ou de qualquer outro requisito previsto no artigo 640º”.
O recorrente apenas pode beneficiar desse prazo alargado se tiver, no recurso, impugnado a decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do disposto no artigo 640º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil, independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respetivo mérito. Caso contrário, ou seja, quando não impugne a matéria de facto ou quando impugne a matéria de facto, mas sem que essa impugnação seja baseada na reapreciação de depoimentos gravados, terá o recorrente de se sujeitar ao prazo geral do artigo 638º, nº1, do Código de Processo Civil, sob pena de se verificar uma situação de extemporaneidade determinante da rejeição do recurso.
Este prazo adicional de 10 dias concedido pelo legislador no artigo 638º, nº7, do Código de Processo Civil, compreende-se perante as maiores dificuldades inerentes ao cumprimento do ónus de apresentação de alegações quando o recorrente pretende que a Relação reaprecie a prova gravada, o que implica necessariamente o acesso da parte ao conteúdo das gravações que foram realizadas. Por isso, faz sentido que, para poder beneficiar desse prazo adicional de 10 dias, não seja suficiente o recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, uma vez que essa impugnação pode ser efetuada com base em meios de prova distintos dos “meios de prova gravados”, como seja a prova documental ou pericial.
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de abril de 2016, proferido no âmbito do processo nº 1006/12, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt, por referência ao artigo 638º, nº7, do Código de Processo Civil, “Resulta claro do preceito que a aplicabilidade da extensão temporal não se basta com o facto de terem sido produzidos oralmente meios de prova na audiência de julgamento, sendo imprescindível que a impugnação da decisão da matéria de facto (relativamente a todos ou alguns dos pontos impugnados) implique, de algum modo, a valoração desses meios de prova. Aliás, não é suficiente que os depoimentos gravados tenham interferido potencialmente na formação da convicção, sendo necessário que o recorrente efetivamente se sirva do teor de depoimentos ou declarações prestadas e gravadas para sustentar, perante a Relação, a modificação da decisão da matéria de facto”.
No caso concreto, no que respeita à impugnação da matéria de facto, a Recorrente apenas menciona o seguinte nas conclusões de recurso:
A. Discorda a Recorrente do entendimento do tribunal a quo ao considerar como não indiciado, e assim não provada a obesidade mórbida da Recorrente e bem assim que tal é um factor dissuasor da sua contratação.
B. Em presença física em tribunal, é precisamente por todas as características físicas que foram possíveis de observar, nomeadamente a sua altura, porte e dificuldade locomotora, que não se compreende a necessidade de mais “produção de prova documental e/ou testemunhal (…) para considerar como provada a sua realidade.”
C. A Recorrente apresenta estatura baixa e bem assim um perímetro abdominal alargado; demonstrou espontaneamente dificuldades em se sentar, em andar, contornar obstáculos e se levantar em frente à Mma. Juiz a quo, ditando pois que pelas regras da experiência comum e o padrão normal exigido a um homem médio, que a mesma não tem aptidão física para tratar de crianças, que não é visualmente atrativa a qualquer empregador.
D. Assim, a obesidade da Recorrente deveria ser considerada como provada, talqualmente que tal circunstância é um “facto dissuasor da sua contratação para qualquer função ou posto de trabalho a que se candidate.
Por outro lado, nas alegações, relativamente à impugnação da matéria de facto, a Recorrente alega o seguinte:
“- entende ainda a Recorrente que o facto não provado, considerado como não indiciado constante da al. b) deveria ser relegado para facto provado, atenta o facto de que a Requerente esteve presente em tribunal e foi possível observar a sua robustez física e as dificuldades de locomoção que apresenta.
Vejamos,
Sobre o Facto não indiciado
Entendeu o tribunal a quo considerar como não indiciado, e assim, como não provado:
“b. A requerente padece de obesidade mórbida e representa um facto dissuasor da sua contratação para qualquer função ou posto de trabalho a que se candidate.”
A ora recorrente esteve presencialmente em tribunal, nomeadamente no dia 15 de Outubro, data em que prestou declarações perante a Mma Juiz a quo.
Com o devido respeito, é precisamente por todas as características físicas que foram possíveis de observar, nomeadamente a sua altura, porte e dificuldade locomotora, que não se compreende a necessidade de “produção de prova documental e/ou testemunhal suficientemente consistente e segura para considerar como provada a sua realidade.”
Com efeito, perante a estatura baixa da ora Recorrente e bem assim o seu visível perímetro abdominal; perante as dificuldades que demonstrou em se sentar, em andar, contornar obstáculos e se levantar em frente à Mma. Juiz a quo, seria necessário documento para atestar a obesidade mórbida?!?
Não será antes de concluir, atentas as regras da experiência comum e o padrão normal exigido a um homem médio, que a mesma não tem aptidão física para tratar de crianças com carência de colo, ou mesmo mais agitadas?!?...
Do visto, podemos concluir que a mesma tem uma aparência física atrativa a qualquer empregador?
Com o devido respeito por melhor entendimento, resulta da observação e análise da postura e condição física da ora recorrente que a mesma é efectivamente obesa (morbidamente obesa), e que a mesma dificilmente poderá encontrar trabalho na sua área – de educação de ensino básico e ensino especial - ou fora dela atenta a falta de aptidão física para tarefas elementares.
Neste conspecto, e salvo douta opinião, tal facto deverá ser considerado como perfuntoriamente provado, resultando ainda demonstrada a constatação de que tal circunstância é um “facto dissuasor da sua contratação para qualquer função ou posto de trabalho a que se candidate.” em face da observação fática e do conhecimento empírico de qualquer homem médio atenta as regras da experiência comum, às exigências do mercado de trabalho e bem assim à aptidão física necessária para o exercício de actividades elementares.
Assim, e face ao exposto deverá a decisão proferida ser alterada e ser aditado aos factos provados que a requerente padece de obesidade mórbida o que representa um facto dissuasor da sua contratação para qualquer função ou posto de trabalho a que se candidate.”
Nada mais se alega tendo em vista a reapreciação da prova.
É, por conseguinte, de concluir que a Recorrente, no recurso que interpõe, pretende a reapreciação da matéria de facto relativa ao ponto b) dos factos que o Tribunal a quo considerou como não indiciado, sustentando que o mesmo deve ser dado como provado. No entanto, a Recorrente em lado algum do seu recurso impugna a decisão desse facto baseada na reapreciação de meios de prova gravados, limitando-se a sustentar essa impugnação na observação das características físicas que o Tribunal teve oportunidade de visualizar quando a Autora prestou declarações, nomeadamente a sua altura, porte e dificuldade locomotora.
Não se nega que nas alegações a Recorrente faz a transcrição de excertos de depoimentos prestados em sede de audiência final. Porém, não faz corresponder tais depoimentos a concretos factos que considere incorretamente julgados, limitando-se a efetuar aquelas transcrições para demonstrar, em termos de subsunção jurídica, o desacerto da decisão proferida pelo Tribunal recorrido quando conclui que não se mostra preenchido o requisito “periculum in mora”.
Vale isto por dizer que, lendo e relendo as alegações de recurso, não se descortina qualquer impugnação da matéria de facto baseada em reapreciação da prova gravada. A Recorrente apenas comenta e transcreve parcialmente os depoimentos de algumas das testemunhas inquiridas, do Requerido e as declarações por ela prestadas, deles extraindo ilações, sem que, contudo, chegue a impugnar a matéria de facto com base em qualquer prova gravada.
Ora, a Recorrente só poderia beneficiar do alargamento do prazo de recurso de 10 dias, previsto no nº7, do artigo 638º, do Código de Processo Civil, caso tivesse impugnado a matéria de facto baseada em reapreciação de prova gravada, caso pretendesse que o Tribunal ad quem reapreciasse os depoimentos gravados, o que não sucede.
Consequentemente, não existe qualquer razão para a Recorrente beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias a que alude o nº7, do artigo 638º, do Código de Processo Civil.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de abril de 2021, proferido no âmbito do processo nº 18853/17.1T8PRT.P1, disponível in www.dgsi.pt, resulta do artigo 638º, nº7, do Código de Processo Civil, que o “acréscimo de prazo para apresentação das alegações de recurso não se aplica sempre que houver recurso da matéria de facto, mas apenas quando, havendo recurso da matéria de facto, o recorrente pretenda que o tribunal ad quem reaprecie os depoimentos gravados. Para o alargamento do prazo é, portanto, necessário que (i) haja recurso da matéria de facto, que (ii) a decisão seja impugnada com fundamento em depoimentos de testemunhas ou das partes (não bastando, por exemplo, que o seja exclusivamente com fundamento em documentos), que (iii) estes meios de prova estejam gravados e que (iv) no caso a decisão a proferir pressuponha a reapreciação destes meios de prova.
O que importa é que, para justificar a alteração da decisão da matéria de facto pretendida, o recorrente recorra mesmo aos depoimentos gravados, que o recorrente pretenda de facto que o tribunal reaprecie a prova gravada. E acentuámos que não releva para o efeito se o recorrente tinha ou não necessidade de o fazer ou se essa sua leitura tem sentido; para efeitos de reconhecimento do direito ao prazo alargado, o que releva é se o recorrente, tal como construiu a sua argumentação recursória, pretende que o tribunal ad quem faça essa reapreciação.”
No caso sub judice, perante os considerandos anteriormente tecidos, resulta clarividente que o thema decidendum objeto do recurso não suscita qualquer questão relativa à impugnação da decisão de facto, com a reapreciação da prova gravada, o que valida a conclusão nos termos da qual a Recorrente não dispunha de outro prazo para apresentar o seu recurso para além do prazo de 15 dias previsto na lei para os processos de natureza urgente.
Consequentemente, quando a Recorrente apresentou o requerimento de interposição de recurso já o seu direito ao recurso se encontrava extinto pelo decurso do prazo perentório fixado para a sua prática.
Por conseguinte, o recurso é intempestivo, por extemporaneidade, o que tem como consequência a sua rejeição.
A tal não obsta a circunstância de ter sido proferido despacho a admitir o recurso, considerando-o tempestivo, pelo Tribunal recorrido, na medida em que, nos termos do artigo 641º, nº 5, do Código de Processo Civil, a decisão que admite o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o Tribunal superior, e a apreciação dos pressupostos processuais dos recursos, designadamente a sua tempestividade, compete ao Tribunal ad quem independentemente de solicitação das partes nesse sentido.
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