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RECUSA DA PETIÇÃO INICIAL
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
ATO TÁCITO DE DEFERIMENTO
Sumário
I – Não se verificando qualquer das circunstâncias excepcionais previstas no artigo 552.º, n.º 9 do Código do Processo Civil, face ao disposto no artigo 558.º, n.º 1, al. f), do mesmo código, há fundamento para rejeitar a petição inicial quando quem move uma acção não procede ao prévio pagamento da taxa de justiça devida, nem faz prova de que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, mesmo que o pedido de apoio judiciário que apresentou para mover um procedimento cautelar, já apensado à acção, ainda esteja pendente de decisão. II – O apresentante de uma petição inicial que considere beneficiar de dispensa do pagamento de taxa de justiça por deferimento tácito de um requerimento de apoio judiciário tem o ónus de suscitar essa questão em momento anterior ao da recusa da petição inicial. III – Da articulação do disposto no artigo 25.º, n.º 4 com aquilo que está preceituado nos artigos 26.º, 27.º e 28º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, quanto à impugnação judicial das decisões da segurança social, resulta que a eficácia externa do deferimento tácito alegado por um sujeito processual encontra-se condicionada pela confirmação da única entidade a quem se encontra atribuída competência para proferir decisão, em primeira instância, sobre a concessão de protecção jurídica. IV – Apenas quando a segurança social não confirma a formação de acto tácito e se pronuncia no sentido do indeferimento de um pedido de protecção jurídica, ou, então, decide anular ou revogar o eventual acto tácito que se tenha formado (cf. artigos 165.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo), é que poderá o tribunal ser chamado a intervir para dirimir as questões suscitadas, o que, no entanto, apenas deve acontecer em sede da impugnação judicial da decisão administrativa que o interessado venha a deduzir. V – Mesmo quando se considera que se verificou uma inércia decisória da segurança social conducente à formação de acto tácito de deferimento de um requerimento de protecção jurídica, constatando-se que neste requerimento não se encontram especificadas as modalidades e a concreta medida do apoio pretendido, a eventual decisão de deferimento tácito mostra-se esvaziada de conteúdo útil, pois não se pode presumir o deferimento tácito da concessão de apoio judiciário numa modalidade que nunca foi discriminada.
Texto Integral
Processo n.º 2386/24.2T8PNF.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 3)
Relator: José Nuno Duarte.
1.º Adjunto: José Eusébio Almeida.
2.º Adjunto: Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo.
Acordam os juízes signatários da quinta secção judicial (3.ª secção cível) do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
AA instaurou, em 23-08-2024, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A., peticionando, em resumo, que a R. seja condenada a indemnizá-la por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de um acidente ocorrido quando, no dia 29 de Julho de 2023, atravessava a via pública e foi atropelada por um veículo automóvel cujo proprietário havia transferido a sua responsabilidade civil para a R. seguradora.
A A. não apresentou comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão de apoio judiciário, requerendo na petição inicial, no entanto, que fossem apensados aos autos o procedimento cautelar nº 1792/24.7T8PRD a correr termos no Juízo Local Cível de Paredes – Juiz 1, referindo que aí “havia requerido o benefício de apoio judiciário”. O processo foi então apresentado à juiz titular, tendo a mesma, em 3-09-2024, proferido o seguinte despacho: «Solicite a providência cautelar melhor identificada na petição inicial para apensação a estes autos.».
Solicitado o processo de procedimento cautelar, foi o mesmo apensado aos presentes autos em 10-09-2024, tendo a secretaria judicial, nesse mesmo dia, recusado a petição inicial, com o fundamento de que não havia sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário e de que também não resultava dos autos de procedimento cautelar que houvesse sido concedido apoio judiciário à A..
A A., após ser notificada nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, reclamou do acto da secretaria, alegando, em suma, que, a propositura da presente acção foi precedida da apresentação junto da segurança social, no âmbito dos autos de procedimento cautelar de arbitramento de indemnização provisoria apensado, de um pedido de apoio, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, o qual, entretanto, foi tacitamente deferido, pois a segurança social não proferiu qualquer decisão sobre o mesmo dentro do prazo legal de 30 dias. Para prova do alegado, a A. juntou à respectiva reclamação documento comprovativo de que o I.S.S., IP, apenas no dia 22-08-2024, a notificou para apresentar documentos para efeitos de apreciação do pedido de protecção jurídica que havia apresentado em 18-07-2024.
A reclamação da A. for apreciada por despacho judicial, proferido em 24-09-2024, e no qual foi decidido o seguinte: «Na presente acção declarativa comum de condenação, que AA move a A..., SA, todos com os sinais dos autos, a secretaria recusou a petição, nos termos do art. 558º, al. f), do CPC, notificando a autora, nos termos e para os efeitos do disposto 17º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08. Decorrido o mencionado prazo, a autora permaneceu reclamou da recusa com os fundamentos vertidos na reclamação que antecede. Não juntou aos autos documento comprovativo da concessão do apoio judiciário nem juntou aos autos os elementos da Segurança Social certificadores do invocado deferimento tácito do apoio judiciário que a autora requereu em sede de reclamação. Nos termos do art. 558º, al. f), do CPC, a secretaria deve rejeitar a petição inicial se o autor não comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do apoio judiciário. Ora, a autora ao apresentar a petição inicial não comprovou nenhuma daquelas circunstâncias e o ónus de prova era seu. Por outro lado, tendo sido determinada a apensação requerida da providência cautelar, verifica-se que aí a autora apenas comprovou ter pedido o apoio judiciário, mas não consta da mesma a sua concessão. Ora, esse pedido era bastante para legitimar o não pagamento da taxa de justiça devida pela providência cautelar, pois que é um processo urgente, mas não o é para a presente acção, dado que não é urgente e não foi pedida a citação prévia. Por outro lado, tendo a autora, em sede de reclamação e não na petição inicial (o que sempre determinaria a extemporaneidade do alegado), invocado o deferimento tácito do apoio judiciário que requereu, a mesma tinha de comprovar, através de documento certificado pela segurança social, as circunstâncias necessárias àquele deferimento tácito, designadamente com a certificação por aqueles serviços que o prazo decorreu sem que tivessem ocorrido circunstâncias de interrupção ou suspensão do mesmo, o que a autora não fez (nem com a petição inicial nem depois de ser notificada da recusa). Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação da autora. De acordo com o disposto no art. 17º, n.º 3, da supra citada portaria, sem prejuízo do benefício concedido ao autor nos termos do artigo 560.º do Código do Processo Civil, decorrido que seja o prazo para reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento, considera-se a peça recusada, dando-se a respectiva baixa na distribuição. Ora, a autora não usou da faculdade prevista no art. 560º do CPC e a sua reclamação da recusa foi julgada improcedente, pelo que se mantém a recusa da petição inicial, ficando os autos sem objecto, o que acarreta uma impossibilidade legal no prosseguimento da presente instância. Pelo exposto, considerando-se recusada a petição inicial, julga-se extinta a presente instância a partir daquela recusa (cfr. art. 277º, al. e), do CPC). Custas do incidente a cargo da autora, fixando-se pelo mínimo a taxa de justiça e levando-se, para estes efeitos, em consideração o valor da acção proposto por aquela. Registe e notifique, dando-se a competente baixa. Após trânsito, remeta a providência cautelar ao Tribunal de origem.»
Desta decisão veio a A. interpor recurso, formulando alegações motivadas com as seguintes conclusões: 1. Por sentença datada de 24.09.2024, o Tribunal a quo recusou apetição inicial apresentada pela Autora e julgou extinta a instância a partir daquela recusa. 2. No dia 18.08.2024, foi distribuída a providencia cautelar nº 1792/24.7 T98PRD, tendo a Recorrente junto aos referidos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário formulado nesse mesmo dia junto do ISS, IP. 3. No dia 23.08.2024, a Autora deu entrada, junto do Tribunal a quo do requerimento inicial dos presentes autos. 4. Na parte final da petição inicial a Recorrente apôs os seguintes dizeres: “a Autora requer que sejam apensados aos presentes autos os autos de procedimento cautelar nº 1792/24.7T8PRD que correram termos no Juízo Local de Paredes J1. 5. No dia 03.09.2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Solicite a providência cautelar melhor identificada na petição inicial para apensação a estes autos.” 6. No dia 10.09.2024, a Autora foi notificada da recusa da petição inicial, tendo a Autora reclamado da decisão de recusa da petição inicial e nela invocado a formação de acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo por si formulado a 18.07.2024. 7. Com efeito, a propositura da presente acção foi precedida do pedido de apoio judiciário requerido a 18.07.2024, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, sem que o ISS, IP proferisse, até à presente data decisão definitiva sobre o pedido formulado pela Autora, tendo-se limitado a solicitar à Autora, já após o decurso do prazo para se pronunciar sobre tal pedido, a composição do agregado familiar da mesma que já constava do respectivo requerimento. 8. Os nºs 4 e 5, do artigo 18º da Lei nº 34/2004, preveem que o beneficio de apoio judiciário se mantém “para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso”, mantendo-se também e ainda nos casos em que seja declarada a incompetência do tribunal e bem assim quando o processo seja desapensado por decisão transitada em julgado (nºs 6 e 7, do artigo 18º da Lei nº 34/2004). 9. A decisão de recusa da petição inicial não pode manter-se porque a mesma teve lugar após a distribuição da petição inicial e após prolação de despacho a ordenar a apensação dos autos de procedimento cautelar 1792/24.7 TBPRD onde semostra junto o comprovativo de requerimento de apoio judiciário, pelo que, tendo tido o Tribunal a quo oportunidade de verificar que a Autora tinha efetivamente requerido o beneficio de apoio judiciário junto do ISS, IP a 18.07.2024, deveria ter notificado a Autora para demonstrar nos presentes autos a concessão do referido benefício, o que não fez. 10. A decisão de recusa da petição inicial não pode igualmente manter-se porque à data em que o Tribunal a quo proferiu a decisão de recusa da petição inicial, já tinha decorrido mais de 30 dias para a formação do acto tácito de deferimento, sendo que no próprio requerimento que corporizou a reclamação feita pela Autora invocou a formação do mesmo, sem que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre tal questão. 11. Com efeito, tendo a autora requerido o benefício de apoio judiciário a 18.07.2024, o acto de deferimento formou-se a 19.08.2024, ou seja, no 1º dia útil que se segue ao trigésimo dia posterior a 18.07.2024. 12. O pedido de informação formulado pelo ISS, IP à autora sobre a a composição do agregado familiar da mesma datado de 22.08.2024, não suspendeu o prazo para que o ISS,IP pudesse decidir, porque o disposto nos arts. 8 B nº4 e 23 nº2 d aLei 34/2004 só tem aplicação dentro do prazo de 30 dias em que o art. 25 nº 1 manda concluir e decidir o procedimento administrativo. 13. Mostrando-se já decorrido o prazo de 30 dias a que alude o art. 25º, nº1, da LAJ aquando da prolação do despacho de recusa da petição inicial, tendo a Autora invocado a formação de acto tácito de requerimento, a decisão recorrida deveria ter refletido a situação que se verificava à data da prolação do referido despacho, face ao disposto no art. 611º do CPC. 14. Tendo a Autora junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar de arbitramento de indemnização provisória o requerimento de apoio judiciário e comprovativo de entrega do mesmo, deveria o Tribunal recorrido oficiosamente conhecido. 15. A falta de menção à formação do acto tácito de deferimento do apoio judiciário não consubstancia requisito ou condição sine qua non, de cuja preterição resultasse a inevitabilidade da rejeição da petição inicial, uma vez que o juiz pode sempre oficiosamente e pelas datas constantes da apresentação do pedido de apoio judiciário na Segurança Social e da entrada em juízo da p.i. constatar o decurso desse prazo ou, pelo menos e se entendesse que tal não seria suficiente, sempre poderia, ao abrigo do art. 6º, nº 2, do CPC, notificar Autor para informar da verificação ou não de tal requisito, ou ordenar o cumprimento do art. 25º, nº 4, da Lei 34/2004 por forma a apurar o decurso dos referidos prazos. 16. A decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que considere que o pedido de apoio judiciário requerido pela Autora se mostra tacitamente deferido desde 19.08.2024, e que, consequentemente, admita a petição inicial, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até final. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada, e, em consequência, ser declarado que a Autora beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo desde 19.08.2024, o qual foi concedido por deferimento tácito, devendo ser igualmente admitida a petição inicial seguindo-se os ulteriores termos até final, pois só assim se fará JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), são duas as questões a tratar:
a) se a petição inicial, com fundamento na falta de apresentação de comprovativo da concessão de apoio judiciário, foi correctamente recusada;
b) se deve ser atendida a alegação da A. de que se formou acto tácito de deferimento do requerimento de apoio judiciário que por si foi apresentado para mover o procedimento cautelar apensado à presente acção.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) Dos factos
Os factos a atender para a decisão a proferir são aqueles que se encontram descritos no relatório do presente acórdão, mais se devendo considerar que resulta dos autos de procedimento cautelar apensados ao processo (cf. processo electrónico disponível na plataforma Citius) o seguinte:
i. Os autos de procedimento cautelar apensados aos presentes autos foram movidos pela aqui A. contra a aqui R. (por requerimento inicial apresentado às 20.39 horas do dia 17-07-2024), tendo aí sido peticionado pela A. o arbitramento a seu favor de uma reparação provisória, a suportar pela R., devido ao acidente de que foi vítima no dia 29-07-2023.
ii. No dia 18-07-2024, a A. apresentou nesses autos de procedimento cautelar um documento comprovativo de que, às 15.30 horas desse mesmo dia, havia enviado para a segurança social, através de correio electrónico, um requerimento de protecção jurídica, assinado por si em 19-12-2023, em que:
- no campo do formulário destinado à indicação da modalidade de protecção jurídica pretendida, se encontra assinalado “apoio judiciário” sem menção a qualquer das modalidades concretas de apoio judiciário aí previstas (dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; nomeação e pagamento de compensação de patrono; pagamento da compensação de patrono oficioso; pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo¸ nomeação e pagamento faseado de compensação de patrono; pagamento faseado da compensação de patrono oficioso; atribuição de agente de execução);
- no campo do formulário destinado à indicação da finalidade do pedido se encontra assinalado “propor acção judicial” – tipo de acção: “procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória”;
- no campo do formulário destinado à indicação da oportunidade do pedido se encontra assinalada a resposta “sim” à frente da pergunta “o requerimento é apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente?”.
iii. Os autos de procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória findaram por força da prolação, em 5-08-2024, de sentença judicial, já transitada em julgado, que homologou a transacção que foi obtida entre as partes.
iv. No dia 19-08-2024, foi solicitada à segurança social informação sobre a decisão que havia recaído sobre o requerimento de proteção jurídica apresentado pela A., tendo o Centro Distrital da Segurança Social ..., no dia 3-09-2024, apresentado nos autos de procedimento cautelar uma resposta com o seguinte teor:
«O Centro Distrital da Segurança Social ..., notificado para o efeito, vem informar que o requerimento para a concessão de proteção jurídica apresentado pela requerente se encontra em fase de Audiência Prévia desde 22/08/2024, nos termos do disposto no artigo 23.º da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, e artigos 121.º e 122.º do CPA, na qual foi solicitada a apresentação de novos elementos, designadamente quanto à atualização do agregado familiar, aguardando-se o decurso do prazo de resposta para que seja proferida decisão final ou considerado o mesmo indeferido, caso nada seja respondido. Mais se informa acerca da existência de um pedido anterior semelhante, que foi objeto de indeferimento a 14/03/2024.».
B) Do direito
1. O artigo 552.º, n.º 7, do Código do Processo Civil estabelece que “[o] autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo…”. Caso esta exigência legal não seja cumprida, resulta do artigo 558.º, n.º 1, al. f), do mesmo código que existe fundamento para a recusa da petição pela secretaria “… excepto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º”.
No caso sub judice, a A., quando apresentou a petição inicial dos presentes autos, destinada a obter da R. uma indemnização fundada em lesões corporais por si sofridas, não apresentou qualquer comprovativo de que havia procedido ao prévio pagamento da taxa de justiça devida ou de que lhe houvesse sido concedido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça. Todavia, dado que, antes da interposição da presente acção, a A. havia intentado contra a R. um procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória (o qual, como estatui o artigo 388.º do Código do Processo Civil, se encontra numa relação de dependência em relação à acção principal e indemnização), e A. requereu que esse procedimento cautelar fosse apensado aos presentes autos, referindo que aí “havia requerido o benefício de apoio judiciário”. No entanto, concretizada que foi a apensação requerida, a secretaria verificou que nos autos de procedimento cautelar não constava que a A. beneficiasse de apoio judiciário (mas apenas que havia apresentado junto dos serviços de segurança social um requerimento de protecção jurídica), pelo que, no dia 10-09-2024, recusou a petição inicial.
Este acto da secretaria afigura-se ter sido correcto pois, tal como resulta do acima exposto, a A. não havia procedido ao prévio pagamento da taxa de justiça devida, nem havia feito prova de que lhe tivesse sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, designadamente na sequência do requerimento que havia apresentado nos autos de procedimento cautelar (o que, se tivesse acontecido, teria que ser considerado nestes autos, já que o artigo 18.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho - Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais - estabelece, entre o mais que “[o] apoio judiciário (…) é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso”). Por isso, à luz do disposto no artigo 558.º, n.º 1, al. f), do Código do Processo Civil, a rejeição da petição inicial tinha pleno fundamento, já que a A. não cumpriu aquilo que está estabelecido no artigo 552.º, n.º 7, do Código do Processo Civil e, para além disso, não se verificava in casu qualquer situação prevista no n.º 9 do artigo 552.º do mesmo código, pois a acção foi interposta sem que tivesse sido requerida a citação urgente da R. (cf. artigo 561.º), nem se vislumbra que, à data, faltassem menos de cinco dias para o termo de qualquer prazo de caducidade ou ocorresse qualquer outra razão de urgência, circunstâncias excepcionais estas que, de resto, nem sequer foram invocadas pela A.
Por outro lado, ainda que a A. a posteriori tivesse vindo alegar que o pedido de protecção jurídica que havia apresentado em 18-07-2024 junto da segurança social, segundo o preceituado no artigo 25.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, devia ser tido como tacitamente deferido, sempre se deve atender ao facto de, até ao momento em que a secretaria rejeitou a petição inicial, a A. jamais havia feito menção em tribunal da formação do acto tácito, tal como, face ao disposto no n.º 3 desse artigo 25.º, seria exigível para que o deferimento do pedido fosse considerado em juízo.
2. Não obstante a conclusão a que se chega sobre ter sido correcto o acto de rejeição da petição inicial praticado pela secretaria judicial, a A. surge a invocar no presente recurso que, quando formulou a reclamação do acto da secretaria, assinalou o deferimento tácito do requerimento de apoio judiciário que havia apresentado, pelo que o tribunal a quo, em vez de indeferir a reclamação, devia ter atendido à sua alegação sobre o facto de, entretanto, ter sido formado acto tácito e, consequentemente, por motivos de economia processual, aproveitamento dos actos praticados e actualidade das decisões, devia aceitar a petição inicial apresentada.
A posição da recorrente acima enunciada encontra respaldo jurisprudencial, nomeadamente na decisão que foi proferida no Ac. RP 17-01-2022, proc. 8099/21.0T8VNG-A.P1 (rel. Paula Leal de Carvalho) [1] em cujo sumário se pode ler o seguinte: “(…) tendo à data da decisão recorrida (decisão sobre a reclamação apresentada do acto de recusa da p.i. pela secretaria) – esta de 08.11.2021 – decorrido os mencionados 30 dias para formação do acto tácito de deferimento da concessão do apoio judiciário (ou, pelo menos, sendo de presumir que tal se poderá ter verificado), e tendo em conta os princípios do aproveitamento dos actos processuais e da economia processual (art. 193º do CPC), os poderes/deveres de gestão processual por parte do juiz (art. 6º da p.i.), o principio da adequação formal (art. 547º do CPC), bem como o da actualidade da decisão (que se extrai do art. 611 do CPC), deveria a p.i. ter sido admitida pelo juiz e ordenado o cumprimento do art. 25º, nº 4, da Lei 34/2004”.
Outro foi, no entanto, o entendimento do tribunal a quo, conforme resulta da seguinte passagem da decisão recorrida: “[p]or outro lado, tendo a autora, em sede de reclamação e não na petição inicial (o que sempre determinaria a extemporaneidade do alegado), invocado o deferimento tácito do apoio judiciário que requereu, a mesma tinha de comprovar, através de documento certificado pela segurança social, as circunstâncias necessárias àquele deferimento tácito, designadamente com a certificação por aqueles serviços que o prazo decorreu sem que tivessem ocorrido circunstâncias de interrupção ou suspensão do mesmo, o que a autora não fez (nem com a petição inicial nem depois de ser notificada da recusa)”.
A questão que se coloca não é de fácil decisão, porque, ainda que se compreenda que a admissão da petição inicial possa ser justificada por razões de economia processual, também se deve ponderar que o acolhimento dessa posição pode contender com o princípio da auto-responsabilidade das partes e, até, com o dever do tribunal assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes (cf. artigo 4.º do Código do Processo Civil), pois a verdade é que a lei impõe a quem apresenta em juízo uma petição inicial deveres específicos de prévio pagamento da taxa de justiça devida ou de demonstração de que se encontra dispensado desse pagamento, que apenas podem ser arredados em situações de urgência devidamente (e atempadamente) invocadas. Por isso, propendemos para considerar que, em casos como o presente, o apresentante da petição inicial que considere beneficiar de dispensa do pagamento de taxa de justiça por deferimento tácito do requerimento que apresentou, tenha o ónus de suscitar a questão em momento anterior ao da recusa da petição inicial e, por isso, não incumbe ao tribunal, após a petição inicial ser devidamente recusada pela secretaria, desenvolver quaisquer diligências nos termos do artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29-07, tanto mais que não é certo que a formação do acto tácito invocado venha a ser confirmada [2]. Para além disso, ainda que existam decisões judiciais que consideram que o tribunal onde corre a acção dispõe de poderes para, quando a segurança social não demonstra a produção de acto expresso e a sua notificação atempada ao particular, reconhecer e acatar o deferimento tácito alegado pela parte [3], somos, antes, do entendimento de que – tal como sustentado em muita jurisprudência [4] – caso a segurança social não confirme o deferimento tácito do pedido e se pronuncie no sentido do indeferimento deste ou, até, no sentido da anulação ou revogação (expressa ou tácita) do acto tácito de deferimento que se tenha formado, o tribunal onde se encontra pendente a acção só pode apreciar tais questões em sede de impugnação judicial da decisão definitiva da segurança social. Com efeito, parece-nos que, da articulação do disposto no artigo 25.º, n.º 4 com aquilo que está preceituado nos artigos 26.º, 27.º e 28º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, quanto à impugnação judicial das decisões da segurança social, resulta que a eficácia externa do deferimento tácito alegado por um sujeito processual se encontra condicionada pela confirmação da única entidade a quem se encontra atribuída competência para proferir decisão, em primeira instância, sobre a concessão de protecção jurídica (cf. artigo 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07), tanto mais que, admitindo-se ser da competência do tribunal proceder a essa confirmação, também se teria de atribuir igual competência, quando o pedido de protecção jurídica não tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, à Ordem dos Advogados, órgão não jurisdicional cujas posições, nesta matéria, não se podem sobrepor àquelas que sejam tomadas pela segurança social. Tudo conflui, portanto, para que se conclua que apenas quando a segurança social não confirma a formação de acto tácito e se pronuncia no sentido do indeferimento do pedido de protecção jurídica (que inclusive pode até já resultar de decisão entretanto proferida), ou, então, se entender haver fundamento para tal, decide anular ou revogar o eventual acto tácito que se tenha formado (cf. artigos 165.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo), é que poderá o tribunal ser chamado a intervir para dirimir as questões suscitadas, o que, no entanto, apenas deve acontecer em sede da impugnação judicial da decisão administrativa que o interessado venha a deduzir [5].
Independentemente, porém, de todas as considerações que acabam de ser tecidas (e que, por si só, já nos conduziriam a decidir no sentido da confirmação da decisão proferida pelo tribunal a quo), no caso sub judice existe um outro elemento que, de todo, impossibilita que a petição inicial seja admitida: a A., no requerimento que apresentou a peticionar a concessão de protecção jurídica, não indicou qual a modalidade de apoio judiciário que pretendia que lhe fosse atribuída. O artigo 16.º da Lei é claro ao referir que o apoio judiciário compreende várias modalidades: a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono; c) Pagamento da compensação de defensor oficioso; d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono; f) Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso; g) Atribuição de agente de execução. Por outro lado, o artigo 19.º da mesma lei estabelece que “[a] decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido”. Ora, face a estes preceitos, afigura-se evidente que, mesmo que se considere que se verificou uma inércia decisória da segurança social conducente à formação de acto tácito de deferimento do requerimento que a A. apresentou, uma vez que neste requerimento não foram especificadas as modalidades e a concreta medida do apoio pretendido, a eventual decisão de deferimento tácito sempre estaria esvaziada de conteúdo quanto às modalidades e à concreta medida do apoio concedido. Consequentemente, e porque não se pode presumir o deferimento tácito da concessão de apoio judiciário numa modalidade que nunca foi discriminada, jamais se poderia afirmar também que, tal como se exige no artigo 552.º, n.º 7, do Código do Processo Civil, alguma vez haja sido concedido à A. o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça.
3. Por tudo o exposto, entende-se ter sido correcta a decisão do tribunal a quo que julgou improcedente a reclamação que a autora apresentou relativamente ao acto da secretaria de recusa da petição inicial. Por via disso, dado que, sem a petição inicial, se torna impossível desenvolver a lide, também nenhuma censura merece a decisão de extinção da instância que, com apelo ao disposto no artigo 277.º, al. e), do Código do Processo Civil, foi subsequentemente proferida.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade do relator - artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)
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Acórdão datado e assinado electronicamente
(redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)
Porto, 25/2/2025
José Nuno Duarte
José Eusébio Almeida
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
_______________ [1] <URL: http://www.dgsi.pt/>. [2] No caso sub judice existem até elementos que apontam no sentido de que a formação do acto tácito invocado pela A. poderá não ser confirmado, pois, para além de se verificar que a A., quando requereu protecção jurídica para propor procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, afirmou que apresentava o seu requerimento antes da sua primeira intervenção processual (o que indicia eventual violação do princípio da boa-fé, consagrado, entre o mais, no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo, já que o procedimento cautelar tinha sido apresentado em juízo no dia anterior), constata-se também que a segurança social, em 3-09-2024, alertou o tribunal “…acerca da existência de um pedido anterior semelhante, que foi objeto de indeferimento a 14/03/2024”. [3] Cf. RL 14-12-2023, 6113/19.8T8LRS-B.L1-2 (rel. Higina Castelo) <URL: http://www.dgsi.pt/>. [4] Vide, a título ilustrativo, o Ac. RL 31-03-2022, pr. 6908/18.0T8SNT-A.L1-8 (rel. Maria do Céu Dias) e o Ac. RP 24-05-2021, pr. 2466/19.6T8AVR-A.P1 (rel. Miguel Baldaia de Morais), ambos <URL: http://www.dgsi.pt/>. [5] Impugnação esta que, como resulta do artigo 27.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, deve ser entregue pelo interessado no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção judiciária, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão, e que o serviço em causa apenas deve remeter ao tribunal caso, no prazo de 10 dias, não revogue a decisão impugnada.