Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RECUSA JUSTIFICADA DA EXONERAÇÃO
Sumário
I - Segundo o artigo 243º nº 1 al. a) do CIRE, para que a recusa da exoneração do passivo restante se considere justificada, ter-se-ão de verificar os seguintes requisitos cumulativos: i) incumprimento pelos insolventes da obrigação de informação sobre os seus rendimentos e/ou de entrega à fiduciária da parte dos seus rendimentos objecto de cessão; ii) incumprimento imputável aos insolventes a título de dolo ou grave negligência; iii) que desse incumprimento decorra, em termos de causalidade adequada, prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência. II - Incumprindo o insolvente, de forma reiterada, com grave negligência, o dever principal e elementar de entrega do rendimento à fidúcia e o dever de informação sobre os seus rendimentos, e decorrendo daquela falta de entrega do rendimento prejuízo para a satisfação dos credores, que se viram impedidos de, à custa de tais valores, serem, pelo menos parcialmente pagos, justifica-se a recusa da exoneração do passivo restante.
Texto Integral
Processo nº 3691/17.0T8STS.P1- APELAÇÃO Juízo de Comércio de Santo Tirso- Juiz 1
*
Sumário (elaborado pela Relatora):
………………………………………..
………………………………………..
………………………………………..
*
I. RELATÓRIO
1.AA e BB apresentaram-se à Insolvência em 20.11.2017, declarando pretender a exoneração do passivo restante. 2. Por sentença proferida em 28.11.2017, Ref Citius 387247139, já transitada em julgado, foi decretada a Insolvência dos requerentes.
3. O pedido de exoneração do passivo restante foi liminarmente admitido por despacho proferido em 17.01.2018, tendo ficado determinado que o rendimento dos devedores que ultrapassasse o equivalente a dois salários mínimos por mês seria cedido à fidúcia.
4. Por requerimento de 11.01.2021 o insolvente veio comunicar o óbito da insolvente mulher ocorrido em 23.11.2020.
5. Foi proferido despacho em 19.012021 a declarar a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide relativamente à insolvente mulher.
6. Tendo entregue anualmente os relatórios previstos no art. 240º do CIRE, o fiduciário apresentou em 27.04.2021 novo relatório no qual informou existir uma dívida do insolvente por falta de entrega de valores à fidúcia nos três primeiros anos de cessão no valor de €1646,30.
7. Foi então proferido despacho em 25.05.2021, notificado ao insolvente, com o seguinte teor: “Atendendo a que do relatório apresentado resulta que o insolvente não procedeu a pagamento de quantias em dívida à fidúcia, notifique o mesmo para proceder ao pagamento em falta sob cominação de que a exoneração do passivo restante poderá ser cessada antecipadamente, nos termos do disposto no artigo 243º/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Prazo: 10 dias. Notifique nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 243º/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Decorrido o prazo fixado deve o Sr. Fiduciário informar os autos da concretização do pagamento pelo insolvente e complementar o relatório apresentado.”
8. Posteriormente, em 16.06.2021 o fiduciário veio informar que o insolvente havia depositado a importância de €500,00 permanecendo em dívida o valor de €1146,30.
9. Foi apresentado novo relatório anual pelo fiduciário em 21.04.2022 em que informa que o insolvente não entregou à fidúcia nesse ano o valor de €1579,34, a que acrescia o valor ainda em dívida relativo aos três primeiros anos (€1146,30) o que perfazia o valor em dívida de €2725,64.
10. Por requerimento de 9.05.2022 o insolvente veio requerer a concessão da exoneração do passivo restante, com consequente extinção de todos os créditos, sustentando que já havia decorrido o período dos 3 anos da cessão.
11. Foi proferido despacho a 7.06.2022, que foi notificado ao insolvente, com o seguinte teor: “Requerimento de 09.05.2022 – O sentido da decisão final do incidente de exoneração do passivo restante depende do cumprimento dos deveres decorrentes do período de cessão que, atenta a redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro aos artigos 235º, 239º e 244º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, terminou em 11.04.2022. Assim, atendendo a que do relatório apresentado resulta que o insolvente não procedeu a pagamento de quantias em dívida à fidúcia, notifique o mesmo para proceder ao pagamento em falta. Prazo: 10 dias. Decorrido o prazo fixado deve o Sr. Fiduciário informar os autos da concretização do pagamento pelo insolvente e emitir parecer nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 244º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.” 12.Por requerimento de 27.06.2022 o insolvente defendeu que o período de cessão havia terminado em 9.02.2021 e que o valor em dívida à fidúcia era de €0,00.
13. Foi proferido despacho em 23.09.2022, do qual o insolvente foi notificado, com o seguinte teor: “ Requerimentos com refªs 42695544 e 42789012: Quanto ao cálculo do rendimento disponível, como menciona o(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a) obviamente que terão de ser considerados todos os rendimentos que auferiram os insolventes até ao falecimento da insolvente e não apenas a pensão do cônjuge sobrevivo. No mais, prescreve o artº 10º da Lei nº 9/2022, de 11-01: “1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável. 2 - O disposto nos artigos 17.º -C a 17.º -F, 17.º -I e 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a redação introduzida pela presente lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor. 3 - Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera -se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei. 4 - O disposto no número anterior não prejudica a tramitação e o julgamento, na primeira instância ou em fase de recurso, de quaisquer questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, tais como as referentes ao valor do rendimento indisponível, termos de afetação dos rendimentos do devedor ou pedidos de cessação antecipada do procedimento de exoneração.” Deste modo, decorre do nº 3 do preceito supramencionado que nos processos de insolvência de pessoas singulares nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da referida lei, se considera findo o referido período nesse momento, ou seja, 11-04-2022, e não quando ocorreram os três anos. Por outro lado, resulta do nº 4, que, à data da entrada em vigor da predita Lei, encontrando-se por decidir questões da fidúcia as mesmas terão de ser objeto de decisão. Destarte, aos 11-04-2022,estando em incumprimento o valor de €2.725,64, como última oportunidade, concede-se ao insolvente o prazo de 10 [dez] dias, para proceder ao seu pagamento ou apresentar plano de pagamento nos termos do artº 242º-A da Lei nº 9/2022, de 11-01, alertando-se que durante o prazo de prorrogação mantém-se as obrigações decorrentes da lei, incluindo a cessão do valor disponível, e o período da fidúcia não pode ultrapassar os 6 anos. Notifique.”
14. Por requerimento apresentado em 7.11.2022, o insolvente veio requerer que o Fiduciário viesse indicar o valor em falta na Massa Insolvente, até 31 de Dezembro de 2020, discriminando, as quantias referentes ao Insolvente AA, e as quantias referentes a BB, sustentando que a dívida de entrega de valores reportava-se a esta última.
15. Por requerimento de 15.12.2022 o Fiduciário deu parcialmente razão ao insolvente e reformulou o valor em dívida, fixando-o em €1538,16 relativamente ao período compreendido entre Janeiro de 2021 e Março de 2022.
16. Foi proferido despacho em 25.01.2023, do qual foi o insolvente notificado, com o seguinte teor: “Requerimento com refª 44170140: Tendo o(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a) procedido à retificação do cálculo do rendimento a ceder, da qual o insolvente não deduziu qualquer impugnação, concede-se a este prazo de 10 [dez] dias, para proceder ao pagamento do valor em falta ou apresentar plano de pagamento nos termos do artº 242º-A da Lei nº 9/2022, de 11-01, alertando-se que, durante o prazo de prorrogação, mantêm-se as obrigações decorrentes da lei, incluindo a cessão do valor disponível, e o período da fidúcia não pode ultrapassar os 6 anos. Notifique.”
17. Pelo insolvente foi apresentado em 22.02.2023 o seguinte requerimento:
“AA, Requerente nos autos de insolvência pessoa singular (apresentação) supra indicados, notificado do despacho de fls., vem, requerer, a V. Exa., que o montante em dívida à Massa Insolvente - € 1.538,16 (mil quinhentos e trinta e oito euros e dezasseis cêntimos) - seja liquidado, em 10 (dez) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 153,81 (cento e cinquenta e três euros e oitenta e um cêntimos), cada uma.“
18. Foi proferido despacho em 22.03.2023, notificado ao insolvente, com o seguinte teor: “Requerimento com ref.ª 44800519: Face ao silêncio do(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a) e dos credores, nos termos do disposto no artº 242º-A, nº 3, do CIRE, prorroga-se o prazo da exoneração do passivo restante pelo prazo requerido, sendo que nunca pode ultrapassar o dia 16 de janeiro de 2024- prazo máximo legal de duração do incidente da exoneração do passivo restante-, findo o qual o insolvente terá de ter regularizada a quantia em dívida, bem como o que tiver de ceder durante o período de prorrogação. Notifique. Findo o período da cessão deverá o(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a) juntar o relatório do período prorrogado, bem como parecer sobre a concessão, ou não, da exoneração do passivo restante ao devedor. Após, e sendo caso disso, notifique-se o devedor e os credores para, querendo, no prazo de 10 [dez] dias, se pronunciarem sobre a concessão, ou não, da exoneração do passivo restante – cfr. artº 244º, nº 1, do CIRE. Mais se notifique o insolvente para juntar o CRC atualizado.”
19. Por requerimento de 22.01.2024 veio o Fiduciário requerer a notificação do insolvente, para que lhe fossem remetidos documentos que atestassem os rendimentos auferidos pelo mesmo, no período compreendido entre Abril de 2022 e Dezembro de 2023, sob cominação de ser recusada a exoneração do passivo restante, nos termos legais.
20. Foi proferido novo despacho em 22.02.2024, notificado ao insolvente conforme A/R por ele assinado em 8.03.2024, com o seguinte teor: “Requerimento com refª 47726683: Tomei conhecimento do teor da informação em epígrafe. Notifique-se o insolvente, na pessoa do(a) Ilustre Patrono(a) e diretamente, por carta registada, com aviso de receção, para, no prazo de 10 [dez] dias, entregar os elementos e a quantia expostos pelo(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a), sob pena de recusa da exoneração do passivo restante. Entregues os documentos e a devida quantia ou transcorrido o prazo tal, deverá o(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a) prestar a respetiva informação e juntar parecer final.”
21. Por requerimento apresentado em 20.03.2024, veio o credor Banco 1..., SA requerer a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, ao abrigo do art. 243º nº 1 al. a), por violação do art. 239º nº 4 al. a) e c) do CIRE.
22. Por requerimento de 27.03.2024, notificado ao insolvente, veio o Fiduciário informar que o devedor, até ao dia 26 de Março de2024, se limitou a transferir o montante global de€ 600,00 (€ 300,00, em Fevereiro de 2024 e € 300,00 no corrente mês) para a conta bancária da massa insolvente, não lhe facultando quaisquer elementos relativos à respectiva situação patrimonial durante a prorrogação do período de cessão e que a dívida que o insolvente gerou com a massa insolvente se cifra, no mínimo, no valor de € 938,16.
23. Por decisão proferida em 2.05.2024, Ref. Citius 459612006, foi recusada a exoneração do passivo restante, tendo a decisão recorrida o seguinte teor: “Decisão final de recusa de Concessão da Exoneração do Passivo Restante Nos presentes autos de insolvência, aos 17-01-2018, foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante referente ao insolvente AA. Entrada em vigor a Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, por força da qual foi alterado o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa – CIRE-, sendo imediatamente aplicável aos processos pendentes [cfr. artº 10º, nº 1], temos que, nos processos de insolvência de pessoas singulares nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da referida lei, se considera findo o referido período [cfr. artº 10º, nº 3], o que foi determinado por despacho proferido aos 23-09-2022, devidamente transitado em julgado. Aos 23-02-2023, os insolventes vieram requerer a prorrogação do período de exoneração do passivo restante por mais 10 meses, a fim de procederem ao pagamento da quantia em falta, o que foi deferido até ao dia 16 de janeiro de 2024, por despacho devidamente transitado em julgado – refª 446669782. De acordo com o disposto no artº 244º, nº 1, do CIRE - na redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11-01-, “[N] Não tendo havido lugar a cessação antecipada, ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, o juiz decide, nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão, sobre a respetiva prorrogação, nos termos previstos no artigo 242.º -A, ou sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor”.
*
Prevê o nº 2 do artº 244º do CIRE que a exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artº 243º do mesmo código. Nos termos do artº 243º, nº 1, alínea a) do CIRE, ainda antes de terminado o período da cessão, deve o Juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artº 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência. Por seu turno, estabelece o artº 239º, nº 4, do CIRE, que, durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão; d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. Cumprido o disposto no artº 244º, nº 1, do CIRE, pronunciaram-se o(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a) e a sociedade credora Banco 1..., S.A., no sentido de recusa da exoneração do passivo restante, dada a não regularização da fidúcia e a não entrega da documentação referente ao período de prorrogação. O insolvente nada veio expor nos autos. Isto posto e sem mais delongas, o insolvente, com a sua conduta omissiva de prestar informações e de entregar os valores devidos à fidúcia, violou culposamente, os deveres inscritos nas alíneas a) e c) do nº 4 do artº 239º do CIRE, prejudicando por esses factos a satisfação dos créditos sobre a insolvência. Em face do exposto e atento o comportamento culposo do Requerente AA, visto o disposto no artº 239º, nº 4, alíneas a) e c), 243º, nº 1, alínea a), e 244º, nº 2, todos do CIRE impõe-se RECUSAR a exoneração do passivo restante, declarando encerrado o correspondente incidente. Cessam as funções do(a) Exm(a) Sr(a) Fiduciário(a). Custas a cargo do devedor. Notifique e publicite (artº 247º do CIRE). Notifique.” 24. Inconformado com a decisão que recusou o pedido de exoneração do passivo restante, o insolvente interpôs recurso de apelação da decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1 – Vem o presente recurso interposto do despacho, que, “Em face do exposto e atento o comportamento culposo do Requerente AA, visto o disposto no artº 239º, nº 4, alíneas a) e c), 243º, nº 1, alínea a), e 244º, nº 2, todos do CIRE impõe-se RECUSAR a exoneração do passivo restante, declarando encerrado o correspondente incidente”. 2 - Insurge-se o Recorrente, com o despacho em causa, porquanto o mesmo, “Isto posto e sem mais delongas, o insolvente, com a sua conduta omissiva de prestar informações e de entregar os valores devidos à fidúcia, violou culposamente, os deveres inscritos nas alíneas a) e c) do nº 4 do artº 239º do CIRE, prejudicando por esses factos a satisfação dos créditos sobre a insolvência. Em face do exposto e atento o comportamento culposo do Requerente AA, visto o disposto no artº 239º, nº 4, alíneas a) e c), 243º, nº 1, alínea a), e 244º, nº 2, todos do CIRE impõe-se RECUSAR a exoneração do passivo restante, declarando encerrado o correspondente incidente”. 3 – Por decisão de 20 de Outubro de 2021 foi o Recorrente, declarado insolvente. 4 – O processo teve início em 14 de Outubro de 2021 por requerimento apresentado pelo próprio. 5 – O Requerente é viúvo, e, pensionista do Centro Nacional de Pensões, recebe o montante de € 347,89, a título de pensão por velhice, e, o montante de € 328,98, a título de pensão de sobrevivência. 6 – O Recorrente vive em casa arrendada cuja renda não é inferior a € 300,00. 7 – O Recorrente deduziu o incidente de exoneração do passivo restante, e, requereu que o rendimento disponível, objecto da cessão que vier a ser determinada, será integrado por todos os rendimentos que ao mesmo advenham a qualquer título, desde que em quantia superior a 01 (um) salário mínimo nacional (SMN). 8 – O Recorrente não beneficiou, anteriormente, da exoneração do passivo restante. 9 – O pedido de exoneração do passivo restante foi liminarmente deferido. 10 – Entende o Recorrente que, in casu, a fundamentação do despacho recorrido se mostra contra a lei e insuficiente, em termos tais que, não permitem ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da mesma, pelo que o despacho recorrido é nulo, por força do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, que aqui se invoca para todos os efeitos legais. 11 – Da leitura da decisão recorrida não resulta que se tenha efectuado qualquer apreciação crítica ou jurídica decorrente de factos que concretamente se tenham apurado, limitando-se o Tribunal a remeter para os elementos constantes dos autos. 12 – Na decisão a proferir, deve o Tribunal realizar uma análise crítica das provas produzidas, visando a formação da convicção através de um processo racional, alicerçado e, de certa maneira, objectivado e transparente, na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da justiça. 13 – O que importa verdadeiramente é que o Tribunal “a quo” faça consignar na parte da fundamentação a manifestação ou exteriorização da sua convicção na decisão proferida, o que não se verifica no caso presente. 14 – Desconhece-se nos seus termos essenciais o percurso lógico que foi feito pelo Tribunal “a quo”, no sentido de não conceder a exoneração do passivo restante. 15 – A não concessão da exoneração do passivo restante ao Recorrente importa uma cabal explicação sobre os factos que levaram o Tribunal a decidir pela recusa e não pela sua concessão, não se compadecendo com uma simples remissão para os elementos constantes dos autos. 16 – Não é pelo facto de ter sido proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, que permite automaticamente ao Tribunal “a quo” decidir pela concessão ou recusa da exoneração final. 17 – Por força do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, determina que o despacho judicial seja declarado nulo, o que aqui se requer para todos os efeitos legais. 18 – Relativamente à fundamentação de facto, compulsado o despacho proferido nos autos verifica-se que o mesmo é totalmente omisso quanto à sua enunciação, nomeadamente quanto a qualquer elenco de factos provados e/ou de factos não provados, e, naturalmente, quanto a qualquer apreciação crítica da prova produzida nos autos. 19 – Logo, o despacho recorrido é nulo, por falta de fundamentação de facto. 20 – Quanto à fundamentação de direito, verifica-se que, após a enunciação genérica do regime legal aplicável ao instituto de exoneração do passivo restante, o despacho dos autos conclui na recusa da exoneração do passivo restante ao Insolvente, ora Recorrente. 21 - Como só a falta absoluta de fundamentação, e não a mera fundamentação insuficiente ou medíocre, comina de nulidade a decisão de mérito, não se pode ter a mesma como verificada, neste particular. 22 - Deve proceder, assim, a arguição de nulidade do despacho recorrido, por verificada falta absoluta de fundamentação de facto, mas não de direito. 23 – O despacho recorrido é nulo, por o Tribunal “a quo”, não ter especificado os fundamentos de facto que justificam a decisão, subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. Concluiu, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, proceda a arguição de nulidade do despacho recorrido, por verificada falta absoluta de fundamentação de facto, revogando-se, assim, o mesmo. 25. Não foram apresentadas contra-alegações.
26. Foram observados os Vistos.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
*
A questão a decidir, em função das conclusões de recurso, é a seguinte: - Se a decisão de recusa da exoneração do passivo restante ao insolvente é nula por falta absoluta de fundamentação de facto.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para a decisão a proferir relevam todos os factos, inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais, constantes do relatório acima elaborado, tendo-se procedido à consulta integral dos autos para prolação da presente Decisão.
**
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto
O Apelante, essencialmente sob as Conclusões 10 a 23, resumiu o recurso por si interposto à arguição da nulidade da decisão de recusa da exoneração do passivo restante, defendendo que a fundamentação é insuficiente, em termos tais que não lhe permitem percepcionar as razões de facto e de direito da mesma, que da leitura da decisão recorrida não resulta que tenha sido efectuada qualquer apreciação crítica ou jurídica decorrente de factos que concretamente se tenham apurado, que desconhece o percurso lógico feito pelo tribunal a quo no sentido de não conceder a exoneração do passivo restante, que o tribunal não consignou na parte da fundamentação da decisão proferida a manifestação ou exteriorização da sua convicção, e que a não concessão da exoneração do passivo restante importa uma cabal explicação sobre os factos que levaram o tribunal a decidir pela recusa, não se compadecendo com uma simples remissão para os elementos constantes dos autos.
Aludiu expressamente à total omissão de enunciação da fundamentação de facto, nomeadamente quanto a qualquer elenco de factos provados e/ou de factos não provados e quanto à apreciação crítica da prova produzida nos autos, concluindo pela nulidade do despacho por falta de fundamentação de facto, admitindo, porém, que não há falta de fundamentação de direito.
Concluiu, requerendo que o despacho seja declarado nulo, por o tribunal a quo não ter especificado os fundamentos de facto que justificam a decisão, convocando o disposto no art. 615º nº 1 al. b) do CPC.
Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo[1], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença.
Refere o mencionado art. 615º nº 1 do CPC, para o que aqui importa decidir, o seguinte: “É nula a sentença quando: (…) b)não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Vejamos.
A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados e, de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Apesar da exigência de fundamentação da sentença ou de qualquer outro acto decisório (que não seja de mero expediente), não é, todavia, qualquer eventual vício ao nível dessa fundamentação que conduz à nulidade da sentença.
Como é entendimento pacífico da Jurisprudência e Doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do citado art. 615º do CPC.
A mera fundamentação deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a sua nulidade. [2]
E isto vale quer para a falta de fundamentação de direito, quer para a falta de fundamentação de facto, isto é, a falta de fundamentação de facto e/ou de direito tem de ser absoluta.
Desde logo, como salientam quer Alberto dos Reis, quer A. Varela, não basta para que exista falta de fundamentação de facto e/ou de direito que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta ou não convincente; é preciso que haja falta absoluta ou total de fundamentação, seja de facto, seja de direito.[3]
Assim sendo, para que haja falta de fundamentação, enquanto causa de nulidade da sentença, é necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão, ou, ainda, quanto aos fundamentos de direito, que o juiz não explicite as razões jurídicas que servem de apoio à solução por si adoptada. [4]
O mencionado art. 615º nº 1 al b) do CPC apenas determina a nulidade da sentença caso o juiz nelanão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, porém não impõe que nela deva constar obrigatoriamente autonomizado o elenco dos factos provados e não provados, não sendo a sentença nula desde que nela haja uma referência explícita aos factos concretos subjacentes à decisão prolatada.
No rigor dos princípios o tribunal deve, na fundamentação de facto da sentença, elencar os factos que considerou provados e os que considerou não provados, de forma a tornar percetível a base factual em que alicerçou a sua decisão e permitir que de forma simples seja passível de ser sindicada pelas partes e pelo tribunal de 2ª Instância caso dela seja interposto recurso.
No entanto, se assim não proceder, mas apesar de tudo os factos estiverem suficientemente explicitados no texto da sentença, não estaremos perante uma sentença nula, porque não existe ausência total de factos, quando muito estaremos perante uma peça menos bem conseguida.
Afigura-se-nos ser esse o caso, pois embora a decisão recorrida não prime pela clareza quanto à base factual subjacente, e não tenha feito um elenco dos factos provados e/ou dos factos não provados, dela extrai-se com relativa certeza quais os factos que o tribunal considerou demonstrados que estiveram na base da decisão de recusa da exoneração do passivo restante.
Tal como consta da decisão recorrida, o insolvente foi sendo notificado ao longo do período da cessão de que havia valores em dívida para com a fidúcia, valores que devia ter cedido à fidúcia sem que os tenha entregue ao fiduciário e, depois de terem sido proferidos vários despachos a propósito da determinação de qual era o valor em dívida, o próprio insolvente admitindo que tal valor totalizava a importância de €1.538,16 veio requer, em 23.02.2023, a prorrogação do período de cessão de forma a pagar aquela importância em 10 prestações mensais, o que lhe foi deferido por despacho ref. 446669782 mediante a condição de que esse pagamento ocorresse até ao dia 16.012024 (termo do período máximo da cessão).
Contudo, cumprido o disposto no art. 244º nº 1 do CIRE o Fiduciário e um credor vieram pronunciar-se no sentido da recusa da exoneração do passivo restante dada a não regularização da fidúcia e a não entrega da documentação referente ao período da prorrogação, e como o insolvente nada veio expor nos autos o tribunal considerou verificada a violação culposa dos deveres de informação e de entrega dos valores devidos à fidúcia, assim como o prejuízo daí decorrente para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Na sentença recorrida foram mencionados esses fundamentos fáctico-jurídicos subjacentes à decisão final proferida, apesar da evidente omissão de elenco de factos provados e de factos não provados, tendo sido feita expressa referência aos despachos que foram proferidos a compelir o insolvente a cumprir o dever de entrega dos valores em falta perante a fidúcia e da documentação solicitada pelo Fiduciário que não havia sido entregue, bem como às notificações ao insolvente a comunicar-lhe tais incumprimentos com a advertência de que se não regularizasse os valores em dívida e não prestasse as informações em falta sobre os seus rendimentos lhe seria recusada a exoneração do passivo restante, assim como ao silêncio a que se remeteu o insolvente apesar de ter sido notificado de que permanecia em dívida pelo menos cerca de €938,16, não tendo apresentado qualquer justificação para os incumprimentos que lhe foram imputados.
Deste modo, não podendo concluir-se pela total ausência de base factual não podemos afirmar que a sentença seja nula por falta de fundamentação de facto.
Sem prejuízo, ainda que estivéssemos perante uma total falta de especificação dos factos subjacentes à sentença recorrida, o que não concedemos, sempre incumbiria a este Tribunal de 2ª Instância declarar a nulidade e supri-la, enquanto tribunal de substituição (art. 665º do CPC), estando no caso concreto em condições de o fazer porque os factos subjacentes à decisão recorrida extraem-se suficientemente e de forma objectiva dos próprios autos, factos esses que elencamos no relatório deste Acórdão sob os pontos 3 a 22, nos quais consta de forma exaustiva a factualidade subjacente à decisão sob recurso, factualidade essa que apesar de tudo nela está contida ainda que de forma demasiado sucinta e redutora.
“O juiz do processo não tem, em sede de decisão final após o decurso do período da cessão, um poder discricionário quanto à concessão ou recusa da exoneração, antes vinculado, pois que deve atribuí-la ou não, consoante a avaliação que faça, à luz dos elementos colhidos nos autos ou de outras diligências de instrução que julgue pertinentes, quanto à verificação ou não de algum dos fundamentos e requisitos previstos nas alíneas a) a c), do n.º 1, do artigo 243º, do CIRE. “[5]
Os pressupostos exigidos pelo referido preceito legal para a recusa da exoneração do passivo restante, mantiveram-se os mesmos, apesar das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11/1, que entrou em vigor a 11/4/2022 e, que de acordo com o art. 10º nº 3 se aplica aos processos pendentes.
Preceitua aquele art. 243º do CIRE, no que para aqui importa, o seguinte:
1 – Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando: a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
A hipótese vertida no art. 243º nº 1 al. a) do CIRE remete para a violação de alguma das obrigações impostas aos devedores pelo art. 239º nº 4 do CIRE.
Segundo esse preceito legal, durante o período de cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
(…)
c) entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
Da fundamentação vertida na sentença recorrida, conjugada com a factualidade elencada no relatório deste acórdão e objectivamente demonstrada nos autos, decorre que o tribunal a quo recusou a exoneração do passivo restante ao Apelante porque este, depois de lhe terem sido dadas inúmeras oportunidades para entregar os valores em falta e para prestar as informações e documentação sobre os seus rendimentos durante o período da prorrogação do prazo da cessão (prorrogação essa pedida pelo próprio insolvente) para além de não ter cumprido tais deveres, não deu a mínima justificação que fosse para tal comportamento, mesmo tendo sido notificado que a manter-se tal comportamento lhe seria recusada a exoneração do passivo restante.
Efectivamente, no art. 239º nº 1 al. a) do CIRE está consagrado, durante o período da cessão, o dever de o devedor informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado e, sob a al. c) está consagrado o dever de entrega imediata ao fiduciário, quando por si recebida, da parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
Segundo o 243º nº 1 al. a) do CIRE do CIRE, para que a recusa da exoneração do passivo restante proferida nestes autos se considere justificada, ter-se-ão de verificar os seguintes requisitos cumulativos:
i)incumprimento pelos insolventes da obrigação de informação sobre os seus rendimentos e/ou de entrega à fiduciária da parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
ii) incumprimento imputável aos insolventes a título de dolo ou grave negligência;
iii) que desse incumprimento decorra, em termos de causalidade adequada, prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Resulta à saciedade da factualidade apurada nos autos, atendida na sentença recorrida, que o insolvente foi por diversas vezes notificado de que não havia entregue todos os valores devidos à fidúcia e advertido que se o não fizesse no prazo que lhe fora concedido ser-lhe-ia recusada a exoneração do passivo restante, e apesar de ter admitido que não entregara cerca de €1.538,16 propondo-se efectuar tal pagamento em 10 prestações(o que lhe foi concedido com término em Janeiro de 2024), em Março de 2024 já findo o prazo máximo de cessão ainda permanecia em dívida cerca de € 938,16, sem que o Apelante tenha apresentado qualquer justificação para tal incumprimento.
Ora, tal como escrevem Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões em anotação ao art. 243º do CIRE, “o devedor tem o ónus de colaborar neste processo, sob pena de, não o fazendo, a exoneração ser recusada. É o que sucede se não fornecer os elementos solicitados pelo tribunal (…)”[6]
Com tal comportamento ostensivamente omissivo e injustificado temos como demonstrado que o insolvente negligenciou de forma grave os deveres a que estava obrigado durante o período de cessão.
Não cumprindo aquilo a que estava obrigado, o insolvente assumiu as consequências dessa sua atitude, tendo sido devidamente advertido, de forma reiterada, que a consequência seria a recusa da exoneração do passivo restante, sendo merecedor de um juízo de censura por ter actuado daquela forma quando podia e devia ter actuado de forma diversa.
Apurado o circunstancialismo fáctico acima descrito não temos dúvidas em afirmar que o insolvente podia e devia ter cumprido pontual e correctamente a entrega dos valores estabelecidos na decisão que fixou o rendimento objecto de cessão, e de forma voluntária e consciente não entregou quantias que bem sabia que não podia fazer suas (se virmos os mapas apresentados pelo Fiduciário a dívida reporta-se praticamente a valores referentes a meses em que recebeu rendimentos a dobrar por força dos subsídios de férias e/ou Natal).
Dos autos resulta suficientemente provado que o insolvente adoptou uma conduta ostensiva ou grosseiramente negligente, pois o incumprimento quer da obrigação de informação, quer o dever principal e elementar de entrega do rendimento devido à fidúcia, sem a invocação de qualquer justificação para o efeito, traduzem condutas que só um cidadão particularmente displicente e descuidado cometeria, consubstanciando erros indesculpáveis.
E não tendo o insolvente entregue ao fiduciário parte dos valores que estava obrigado a entregar durante o período de duração da cessão, nem se mostrando justificada essa sua conduta, prejudicou a satisfação do credor na estrita medida em que este não viu satisfeito o seu crédito como o poderia ter visto caso o valor em dívida tivesse sido entregue, porque nenhum outro património do insolvente foi apreendido para satisfação do crédito reclamado.
Conforme já decidido no Ac RP de 12.09.2023, também subscrito pela aqui Relatora (ali como Adjunta) “ (…)E daí que o legislador tenha concebido a seguinte regra: baseando-se o requerimento de recusa da exoneração nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 243.º, o mesmo é sempre deferido, por via do comando normativo inserto na segunda parte do n.º 3 do mesmo artigo, se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer ao tribunal, no prazo que lhe seja indicado para o efeito, informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las. A leitura conjugada do estatuído nas citadas disposições legais, leva-nos a concluir que o comportamento objetivo assumido pelo devedor, traduzido na falta de fornecimento de informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, sem apresentar justificação para tal, no seguimento de notificação para cumprimento efetuada pelo tribunal, produz efeito cominatório ou sancionatório, em termos de se considerarem verificados os pressupostos da cessação antecipada da exoneração do passivo restante. Ou, em termos de repartição do ónus da prova nesta matéria, constatado o incumprimento objetivo da obrigação de o devedor entregar ao fiduciário, noperíodo da cessão, certos montantes devidos, cabe ao devedor demonstrar uma causa justificada do incumprimento”[7], entendimento esse transponível para o caso aqui sob recurso.
Estando devidamente explicitados os factos subjacentes à decisão de recusa da concessão da exoneração do passivo restante apesar de na sentença recorrida dela constarem de forma pouco explícita, mas a cuja especificação este tribunal procedeu, temos de concluir, tal como concluiu o tribunal a quo, que da factualidade apurada através da análise dos elementos colhidos nos autos o Apelante, com a sua conduta omissiva de prestar informações e de entregar os valores devidos à fidúcia, violou culposamente os deveres inscritos nas alíneas a) e c) do nº 4 do artº 239º do CIRE, prejudicando por esses factos a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Deste modo, embora se entenda que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe foi apontada pelo Apelante, tendo-se procedido nesta sede de recurso a melhor especificação dos factos subjacentes à decisão proferida, e permitindo tais factos sustentar a recusa de exoneração do passivo restante tal como fora decidido pelo tribunal a quo, o pedido formulado pelo Apelante de revogação dessa decisão terá necessariamente de ser julgado improcedente.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante, confirmando-se a sentença recorrida de recusa da exoneração do passivo restante ao Insolvente.
Custas a cargo do insolvente.
Notifique.
Porto, 25.02.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Artur Dionísio Oliveira
(1º Adjunto)
Rui Moreira
(2º Adjunto)
(O presente Acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
__________________________________________ [1] A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686. [2]A. Varela, M. Bezerra, S. Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 687-688; AC STJ de 14.12.2016, www.dgsi.pt. [3] Alberto dos Reis, ob. Cit., pág. 140 e A. Varela, ob. Cit., pág. 687 [4]A. Varela,ob. cit., pág. 688. [5] L.Carvalho Fernandes, J. Labareda, CIRE Anotado, 3ª edição, pág 870 e, neste sentido, ainda, L. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, pág. 335, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, pág. 329 e A. Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência ”, 2015, pág. 557. [6] Ob cit, pág. 675 [7] Proc. Nº 2614/18.3T8STS.P2, www.dgsi.pt