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RESPONSABILIDADE MÉDICA
PERÍCIA
VALOR PROBATÓRIO
LEGIS ARTIS
VIOLAÇÃO
DANO
NEXO CAUSAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - O julgador, em matéria de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial unânime se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada e desconsiderar o meio probatório por excelência neste tipo de responsabilidade. II - Ao doente caberá demonstrar que houve da parte do médico, prestador de serviços de saúde, uma desconformidade entre os actos praticados e as leges artis, bem como o nexo de causalidade entre essa desconformidade e o dano que apresenta.
1.AA intentou acção de condenação sob processo comum contra BB, CC, Clínica A..., Lda e B..., Companhia de Seguros Portugal, SA tendo peticionado a condenação dos réus a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 15.750,00€ acrescida de juros à taxa de 4% a contar da citação, bem como a pagar aquela que vier a resultar de ampliação do pedido, conforme alegado nos arts. 19º e 20º da PI.
Como fundamento da referida pretensão, a Autora alegou em síntese que, em Maio de 2010 foi sujeita a uma intervenção para colocação de um implante dentário, realizada pelo 1º Réu e assistido pela 2ª Ré que o coadjuvou no decorrer da mesma, acto médico que foi realizado nas instalações da 3ª Ré, tendo entregue à 2ª Ré a quantia de €1.250,00 montante fixado para o custo da intervenção, porém, depois de se queixar aos 1º e 2ª RR de dores ao nível da zona bocal intervencionada, bem como fala presa e, após lhe terem retirado o implante, veio a tomar conhecimento, em Fevereiro de 2012, que o implante lhe havia causado lesão no nervo alveolar inferior, não tendo os RR observado as boas regras da prática médica, por inobservância das leges artis, não sendo o efeito normal e próprio de um implante a lesão do nervo alveolar inferior, a qual terá ocorrido por uma errada escolha dos meios técnicos utilizados, a imperícia e/ou a deficiente qualidade do equipamento utilizado e a falta de cuidado exigido.
Mais alegou que aquela lesão provoca-lhe queixas dolorosas na zona da cirurgia, insensibilidade na região mais anterior ao 3.6 e numa região do lábio inferior esquerdo que são irreversíveis, obrigando-a a ingerir diariamente analgésicos e protectores do estômago, o que consubstancia uma despesa até ao fim de vida que calcula em quantia não inferior a 2.500,00€, sequelas que lhe determinam incapacidade permanente cuja valorização desconhece, bem como tendo ficado a padecer de danos morais relevantes cuja compensação reclama em 12.000,00€, pretendendo também a devolução do que pagou pela intervenção falhada no valor de 1250,00€.
2. Todos os Réus deduziram contestação, tendo impugnado os factos alegados pela Autora quanto aos pressupostos da responsabilidade que lhes foi assacada, pugnando pela inexistência de erro médico, e arredando qualquer responsabilidade perante a Autora.
A Ré CC suscitou ainda a excepção da ilegitimidade por não ter sido ela a realizar a intervenção de colocação do implante.
A Ré Clínica A..., Lda alegou ainda que não existe qualquer relação contratual com os médicos dentistas que fazem uso das suas instalações nem com os utentes que são acompanhados pelos referidos médicos dentistas, e embora tivesse um contrato com a 2ª Ré de cedência das suas instalações mediante o pagamento de uma determinada percentagem do valor pago pelos utentes do médico dentista, com o 1º Réu não tinha sequer qualquer relação contratual, não constando registos clínicos do acto médico alegado pela Autora.
Suscitou a intervenção provocada da Companhia de Seguros C..., SA por ter com ela celebrado contrato de seguro mediante o qual transferira os riscos decorrentes da sua actividade.
O Réu BB alegou ainda que apesar das queixas da Autora, dos testes de sensibilidade e da realização de TAC resultou que não existira invasão do nervo alveolar inferior pela colocação do implante e, que o valor do tratamento efectuado foi pago à 2ª Ré e que ele não o recebera.
A Ré B..., Companhia de Seguros Portugal, SA alegou ainda a inexistência do direito da autora em acioná-la directamente, a excepção da prescrição e a exclusão contratual da indemnização por perda de capacidade de ganho.
3. Tendo sido admitida a intervenção da Companhia de Seguros C..., SA como parte acessória, esta contestou, alegando que o seguro celebrado com a co-Ré Clínica A..., Lda não garante a responsabilidade profissional daquela.
4. Realizada audiência prévia, veio a ser proferido posteriormente despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade e relegado o conhecimento das demais excepções para sentença final, assim como foi fixado o objecto do litígio e temas de prova.
5. A Autora procedeu à ampliação do pedido, em acta de audiência final de 12.01.2021, peticionando a condenação solidária dos RR a pagarem-lhe a quantia de 10.000,00€ a título de indemnização pelo dano biológico na sua vertente não patrimonial, pedido esse que foi admitido, tendo sido sobre ele deduzida contestação.
6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente: a) condeno os réus BB e Clínica A..., Lda., a pagar, solidariamente, à autora AA a quantia de 14.500€, acrescido dos juros de mora desde a presente data até integral pagamento. b) condeno ainda a ré Clínica A..., Lda., a pagar à autora AA a quantia adicional de 1.250€, acrescido dos juros de mora desde a presente data até integral pagamento. c) absolvo a ré CC do pedido formulado pela autora. c) absolvo a ré B..., Companhia de Seguros Portugal, SA, do pedido formulado pela autora. As custas da correm pela autora e pelos réus BB e Clínica A..., Lda., atento o decaimento (artigo 527.º, 1 e 2, do CPC). Notifique e registe.”
7. Inconformado, o RéuBB interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES I. A sentença recorrida não pode manter-se, na medida em que não tem qualquer suporte da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração, nos termos constantes do presente recurso; II. A sentença em apreço violou o disposto nos artigos 306.º, 498.º, 566.º, 800.º, 1.154.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que faça a correcta aplicação do direito, conforme se demonstrará; DA REPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA: III. 5. Com interesse para o presente recurso, foi dada como provada e como não provada, entre outra, a matéria constante dos pontos transcritos; IV. É manifesto e notório o erro na apreciação da matéria de facto, impondo-se a sua reapreciação por V.Ex.ªs, mediante a alteração da resposta dos pontos 3), 25), 26), 30) e 40), nos termos defendidos no presente articulado, tendo por referência a prova pericial, documental, testemunhal e por declarações produzida; V. Igualmente, se impõe a eliminação dos pontos 22), 23), 34), 36) e 37) da matéria de facto dada como provada nos termos defendidos no presente articulado; VI. Mais se impõe o aditamento aos factos provados da matéria de facto constante dos pontos 49), 51), 52), 53) e 54) e, bem assim, da matéria relativa às negociações directas entre a Autora e a Ré “D...”, com a redacção que se sugere no presente articulado; VII. O Tribunal, em bloco, e sem qualquer referência concreta aos pontos dados como provados e não provados, a analisar a prova produzida, daí retirando as suas ilações, o que limita e dificulta a tarefa do Recorrente na medida em que não resulta qual a concreta prova que foi tida em consideração para tais respostas; VIII. Tendo por referência as declarações prestadas pelos Réus CC e BB, devidamente identificadas no presente articulado, e considerando a instrumentalidade da matéria apurada, importa alterar a redacção do ponto 3) da matéria de facto dada como provada para a seguinte: “3) No seguimento do acompanhamento que fazia à saúde oral da autora, e considerando as queixas de dor forte e incapacitante, que estava apresentava, a ré CC, em Maio de 2010, aconselhou-a a colocar um implante dentário (pós extracção) ao nível do dente 3.6”; IX. A matéria de facto dada como provada no ponto 22) deve ser eliminada passando a constar do elenco dos factos não provados; X. O Tribunal suportou a resposta, positiva, deste ponto, admite-se, essencialmente, por referência ao teor do relatório pericial e esclarecimentos –escritos e verbais – prestados e o teor do relatório da TAC de 2010; XI. O Tribunal desconsiderou, sem qualquer fundamento, até porque as considerou noutro tempo, as declarações de parte dos Réus BB e CC, e, bem assim, da testemunha DD, por não as considerar credíveis, que, contudo, se revestiam de clareza, calma, concisão, contextualização e assertividade, conforme decorre dos identificados trechos; XII. O Tribunal retirou, ainda, do relatório da TAC de 2010 conclusões que não poderia ter retirado, na medida em que não só o seu teor foi impugnado em tempo, como foi absolutamente desvalorizado pelos Senhores Peritos Médicos no relatório pericial e nos esclarecimentos prestados, sobretudo no decurso da Audiência de Julgamento (12 de Janeiro de 2022, de 10.22 a 11.10h, 21 de Junho de 2022, das 09.26h às 09.44h. de 05m12s a 06m30s), até pelas incongruências que apresenta, que a sua autora não conseguiu justificar, nos termos dos trechos indicados no presente articulado; XIII. A inexistência da imagem da TAC de 2010 impede retirar a conclusão de que a extracção do dente e a colocação do implante causaram lesão do nervo alveolar, sendo o raio X/ortopantomografia um meio inadequado dado o seu carácter bidimensional, sendo certo que no relatório apenas é referida uma aproximação do implante ao canal mas não uma intersecção do nervo alveolar; XIV. Os Peritos Médicos e restantes médicos ouvidos confirmaram a necessidade e importância da visualização da imagem da TAC de 2010, porque apenas a imagem interessa e não o seu relatório, conforme trechos das declarações indicados no presente articulado; XV. Os Réus BB e CC e a testemunha DD visualizaram as imagens da TAC de 2010 e confirmaram que as mesmas não revelaram lesão do nervo alveolar inferior, conforme trechos do depoimento indicados; XVI. O depoimento da testemunha EE não é suficiente para formar a convicção sobre este facto, bastando atentar-se nas imprecisões que a o mesmo encerra, sobretudo ao referir que o raio x é um meio de diagnóstico deste tipo de lesão e que, se tivesse tido conhecimento da real situação clínica da Autora a sua conclusão teria sido diversa, e pediria uma TAC; XVII. As queixas que a Autora foi apresentando ao longo dos danos, alternadamente, não são indicadoras deste tipo de lesão, e esta sempre reagiu, positivamente, a todos os testes realizados, o que se retira do depoimento das testemunhas DD e FF; XVIII. Existem outros factores que podem levar à lesão do nervo alveolar e que o Tribunal não teve em consideração; XIX. O relatório pericial e o relatório da TAC de 2010 não permitem concluir que o implante levado a cabo pelo Réu levou à lesão do nervo alveolar inferior e, por essa razão, é impossível estabelecer um nexo de causalidade entre a colocação do implante e, alegada, lesão do nervo alveolar; XX. A matéria de facto do ponto 23) da matéria de facto dada como provada deve ser eliminada passando a constar do elenco dos factos não provados; XXI. O Tribunal alicerçou a sua convicção no relatório pericial, mas desvalorizou a demais prova produzida a este propósito; XXII. O relatório pericial confirma que o procedimento adoptado foi o adequado e cumpriu as legis artis e, a igual conclusão, chegaram os Senhores Peritos Médicos em sede de esclarecimentos prestados na Audiência de Julgamento, conforme trechos assinalados no presente articulado; XXIII. A correcção do procedimento é, igualmente, corroborado pela testemunha DD, que de forma credível, isenta e directa, o indicou e descreveu, até porque, sujeitar um paciente a uma TAC, nessas circunstâncias, traduz um excesso de radiação desnecessário; XXIV. Bem como pela testemunha EE, cujo depoimento foi valorizado pelo Tribunal, referindo expressamente que, em 2010, a TAC não era o meio complementar de diagnóstico porque emitia muita radiação e, bem assim, tem de ser muito ponderada a prescrição da TAC, considerando o custo/benefício em termos de radiação; XXV. Bem como pelo Réu BB que, com precisão e rigor, relatou o procedimento adoptado, confirmando a razão da adopção do mesmo, esclarecendo que a TAC nunca é, nem nunca será um exame de primeira escolha, apenas sendo requisitada em casos especiais que o justificam, tanto mais que, o que consta da TAC previamente à extracção do dente será alterado pela mesma (veja-se o trecho das declarações de 35m30s a 37m07s); XXVI. A prova produzida não permite concluir que a lesão poderia ter sido evitada caso a autora tivesse efetuado previamente ao ato cirúrgico TAC, tanto mais que, conforme defendido, não está demonstrada a ocorrência de qualquer lesão nesse acto; o Réu cumpriu as legis artis e escolheu devidamente os meios técnicos; e podem ocorrer alterações anatómicas que nem sempre são passíveis de ser identificadas na data do evento/procedimento; XXVII. Impõe-se a alteração da redacção dos pontos 25) e 26) da matéria de facto dada como provada, nos termos preconizados no presente articulado, isto porque não só as queixas, alternadamente apresentadas, não têm relação com a, invocada, lesão do nervo alveolar inferior, XXVIII. Como o carácter subjectivo de tais queixas impede a sua comprovação/valorização; XXIX. Considerando o teor do relatório pericial e dos depoimentos das testemunhas FF e DD e as declarações prestadas pela Ré CC, a matéria dada como assente no ponto 25) dos factos assentes não tem sustentação na prova produzida e indicada a este propósito, pelo que se impõe a alteração da redacção do aludido ponto para a seguinte: “Após a intervenção a Autora manteve as queixas de dores ao nível da zona bocal e sensações álgicas; XXX. Partindo desta alteração, impõe-se, igualmente, a alteração da redacção do ponto 26) para a seguinte: “A Autora deu nota dessas queixas aos réus BB e CC”; XXXI. Considerando as declarações prestadas pela testemunha DD e o teor do relatório clínico junto pela CESPU, da autoria de GG, resulta que a Autora foi vista, pelo menos, nos dias 9 de Dezembro de 2010, 17 de Março de 2011, 19 de Maio de 2011, 2 de Fevereiro de 2012 e 23 de Fevereiro de 2012; XXXII. Importa a alteração do ponto 30) para a seguinte: “A Autora foi observada, em mais de uma ocasião, designadamente nos dias 9 de Dezembro de 2010, 17 de Março de 2011, 19 de Maio de 2011, 2 de Fevereiro de 2012 e 23 de Fevereiro de 2012 pelo Professor DD tendo, perante a insistência da comunicação de dores pela autora, sugerido que fosse removida a coroa”; XXXIII. Considerando a preconizada alteração quanto aos pontos 22) e 25), o ponto 34) deverá ser excluído da matéria de facto dada como provada, dando-se como não provada tal matéria; XXXIV. Não foi feita prova cabal da matéria de facto constantes dos pontos 36) e 37), nada podendo retirar-se do relatório pericial e esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos Médicos e do depoimento do marido e filha da Autora quanto a esta concreta matéria, até pelo carácter parcial, pouco claro e credível com que prestaram depoimento; XXXV. A Autora, igualmente, não demonstrou documentalmente a compra de tal medicação; XXXVI. Os pontos 36) e 37) devem ser eliminados do elenco da matéria dada como provada; XXXVII. Considerando o alegado a propósito da eliminação do ponto 22), impõe-se a alteração da redacção do ponto 40) para a seguinte: “A Autora apresenta um défice funcional permanente da integridade física de 5 pontos de origem não concretamente apurada”; XXXVIII. O Tribunal deveria ter valorizado as declarações prestadas pelos Réus que, ao prestarem declarações de parte cooperaram com o Tribunal com vista à descoberta da verdade material e ao apuramento das concretas circunstâncias que antecederam, ocorreram e precederam o procedimento em causa; XXXIX. E, nessa medida deveria ter dado como provada a matéria dos pontos 49) e 50) com a redacção seguinte:“49) Após remoção do dente e a colocação do implante, a Autora efectuou, mensalmente, consultas e raio-x de controlo, apresentado apenas queixas próprias do procedimento; e 50) Numa dessas consultas, foram efectuados exames sensoriais, sensitivos e motores, com resultados normais, sem indicação de insensibilidade; XL. Considerando, igualmente, tais declarações, devidamente identificadas no presente articulado, e o depoimento da testemunha DD, o Tribunal deveria ter dado como assente que: “Na sequência da análise das imagens da TAC o réu BB constatou a inexistência de qualquer lesão ou invasão no nervo alveolar, o que transmitiu à Autora que, após, aceitou concluir o procedimento com a colocação da coroa” e “As queixas que a Autora apresentava não tinham qualquer relação com o procedimento cirúrgico, nem tinham suspeita na TAC”, XLI. Impondo-se o seu aditamento ao elenco dos factos provados; XLII. Tendo por referência o depoimento o da testemunha DD que, de forma coerente e clara, descreveu os testes que, por várias vezes, efectuou à Autora, devidamente identificado no presente recurso, impõe-se, pois, o aditamento à matéria de facto dada como provada da seguinte matéria com a redacção que se sugere: “Em novos testes de sensibilidade realizados, designadamente de quente, frio e de percussão, a autoria voltou a reagir positivamente, ficando demonstrado que o nervo alveolar não havia sido atingido”; XLIII. Mais resultou provado que a Autora encetou negociações directamente com a “D...”, conforme decorre dos documentos juntos aos autos a 15.12.2016, devidamente esclarecidos pelo depoimento da testemunha HH; XLIV. Pelo que, e considerando as várias soluções de direito possíveis impõe-se aditar à matéria de facto dada como provada a seguinte, cuja redacção se sugere: “Por comunicação escrita, a Autora, por intermédio dos seus Mandatários, iniciou contactos directos com a Ré “D...”; XLV. A preconizada alteração permite concluir que, contrariamente ao que consta da sentença, não ocorreu qualquer situação que permita concluir pela responsabilização, contratual ou extracontratual dos Réus nos termos vertidos na sentença; XLVI. Não se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual nos termos vertidos na sentença; XLVII. O procedimento de extracção do dente 3.6 e de colocação do implante foram efectuados diligentemente pelo Réu, acompanhado da Ré CC, com o cuidado objectivamente devido, quer no diagnóstico, quer no acompanhamento, quer na busca das soluções para o problema apresentado; e XLVIII. Em rigoroso cumprimento com as leges artis; XLIX. Da prova produzida resulta que o procedimento o procedimento usado em 2010 foi o correcto, não se impondo a realização de uma TAC, salvo em caso de situações excepcionais (o que não era o caso), não só pelo custo/benefício que traduziria em termos de radiação, mas, igualmente, porque a realidade visualizada na imagem da TAC alteraria com a extracção do dente; L. Não se demonstrou que, de tal concreto procedimento tenha resultado lesão do nervo alveolar inferior; LI. Importa realçar todas as fragilidades apuradas nos autos, que, infelizmente, o Tribunal não teve em consideração, ou seja, a) em data anterior à da realização do procedimento a Autora apresentava um quadro clínico de depressão (há largos anos e com toma de medicação forte), e já se queixava de dor forte que a impedia de viver; b) o Réu cumpriu correctamente o procedimento cirúrgico; c) há um conjunto de variáveis ou razões que podem levar a este tipo de lesões e não só o procedimento em si, designadamente anatómicas; d) a Autora não facultou ao Tribunal, como o deveria ter feito, tanto mais que o exame estava na sua posse, as imagens da TAC de 2010; e) para além das incongruências que apresenta, o relatório do TAC de 2010 apenas relata uma aproximação e, nessa medida foi desvalorizado pelos Senhores Peritos Médicos e demais médicos ouvidos; f) O raio-x não é o meio de diagnóstico apropriado para determinar a ocorrência ou não deste tipo de lesão, atento o seu carácter bidimensional; e g) não é possível determinar, com a certeza, exigível que a lesão que a Autora apresentava em 2017 (na data da realização da perícia) era resultante deste procedimento ou da relatada e imputada lesão; LII. O acerto, correcção e assertividade dos procedimentos adoptados foram confirmados pelas imagens da TAC e pela análise sensorial dos estímulos da Autora; LIII. É incorrecta a imputação de responsabilidade, ainda que a título de negligência, que a 1.ª instância lhe faz; Ainda, LIV. Que se admita a manutenção da resposta positiva do ponto 22), o que se faz por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá, ainda assim, que os Réus não podem ser responsabilizados nos termos constantes da sentença; LV. Basta atentar no disposto nos artigos 31.º e 35.º, n.º 1 do Código Deontológico das Ordem dos Médicos; LVI. As leges artis podem ser entendidas com o conjunto de regras da arte médica, ou seja, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico na concreta situação em que tal abordagem ocorre; LVII. O ponto de partida para qualquer acção de responsabilidade civil médica é, assim, o da desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na mesma data; LVIII. Tratando-se de uma obrigação de meios, caberá ao lesado fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão) do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do pretendido resultado; LIX. A actuação do médico não será culposa quando, consideradas as circunstâncias de cada caso, ele não possa ser reprovado ou censurado por ter actuado como actuou; LX. No caso em apreço nos autos não está em causa a decisão da extracção do dente 3.6 e do implante subsequente que, aliás, correspondia à vontade da Autora, mas apenas o efeito negativo da mesma; LXI. Conforme decorre da prova produzida, designadamente da explicação de escolha e da execução do procedimento por parte do Recorrente e da sua correção, confirmada pelo seu Colega EE e pelos Senhores Peritos Médicos, aquele empregou todos os meios ao seu alcance para o diagnóstico prévio e consequente definição do tratamento; LXII. Executou esse procedimento de acordo com as práticas médicas habituais; LXIII. O Réu, Recorrente descreveu com rigor e precisão o procedimento e que, foi acompanhando o mesmo com a realização de radiografias peri apicais, adequadas à situação em concreto, procedimento este que foi aceite pelos Senhores Peritos Médicos como adequado; LXIV. Nenhuma queixa ou desconforto foi transmitido pela Autora no decurso do procedimento, ou nos três meses que se lhe seguiram, pelo que, do ponto de vista objectivo, nada justificava a interrupção do procedimento para a realização de outros exames de diagnóstico para além dos que estavam a ser usados; LXV. Não só a Autora não demonstrou a violação das leges artis, ao contrário do que consigna a 1.ª instância, ou seja, que o Réu não lhe prestou os melhores cuidados médicos possíveis, ou que a sua conduta não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem propiciar o tratamento das suas lesões; LXVI. O Réu agiu, igualmente, com obediência às práticas exigíveis, na sequência das queixas da Autora, cumprindo designadamente o dever de vigilância e acompanhamento da evolução do tratamento, já que requisitou, imediatamente, a realização de uma TAC e, após a sua análise, e não existindo qualquer evidência de lesão, mas mantendo-se as queixas, orientou a Autora para consulta junto da CESPU, onde esta foi acompanhada durante mais de um ano, ali fazendo testes, cujos resultados, como se viu, eram contraditórios com as queixas apresentadas; LXVII. Após a extracção do implante, o Réu manteve-se disponível para a sua substituição (veja-se declaração prestada a 21 de Junho de 2022, concretamente de 30m28s a 31m14s), e orientou a Autora para nova especialidade, designadamente junto do serviço de estomatologia do Hospital ..., sob a supervisão do Dr. FF, que, depois de receitar a Autora, com melhorias, mais nenhum diagnóstico conseguiu fazer LXVIII. Em conclusão: nenhum indício resulta demonstrado e que seja revelador da falta de cuidado, zelo, diligência, imperícia ou de falta de conhecimentos técnico-científicos necessários ao exercício da profissão, aos quais se possam imputar os, invocados, efeitos danosos; LXIX.Sempre tendo por referência a preconizada alteração quanto à matéria de facto, pela eliminação dos pontos 36) e 37), entende o Recorrente que não existe qualquer fundamento para a sua condenação no pagamento de uma indemnização a este propósito; LXX. Nem o valor obtido, a manter-se tal matéria, será adequado e proporcional; LXXI.A condenação, solidária, dos Réus no pagamento de tais valores constituirá para a Autora, Recorrida, uma situação de enriquecimento ilícito à custa do património destes; LXXII. O, alegado, direito de crédito da Autora sobre a “D...” não se encontrava prescrito na data da entrada da acção e da citação desta; LXXIII.O disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil determina o alongamento do prazo prescricional, que depende apenas de o facto ilícito constituir crime; LXXIV. Transpondo para o caso vertente, e embora não seja possível apurar a data concreta do conhecimento do eventual direito de que se arroga titular, temos por certo que o procedimento decorreu em Maio de 2010; LXXV. Em causa poderão estar factos que, em abstracto, poderiam integrar a prática de um crime de ofensas à integridade física grave, por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 144.º, alínea b) do Código Penal, cuja moldura penal abstrata é de prisão até dois anos, a que corresponde o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o previsto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal; LXXVI. Devendo, por essa razão, ser revogada a sentença nessa parte, improcedendo, pois, a invocada excepção de prescrição, com as naturais consequências quanto à determinação do responsável pelo pagamento, ainda que de forma solidária, da indemnização devida à Autora; LXXVII. Conforme alegado, e decorre dos autos, à data dos factos, encontrava-se válido e em vigor um contrato de seguro, do ramo responsabilidade civil, celebrado entre o Réu BB, titulado pela apólice nº ...93, até ao limite de € 300.000,00, sem prejuízo da franquia contratual aplicável; LXXVIII. Da instrução da causa resultou que, após a participação do sinistro, a Autora contactou directamente com a Seguradora, razão pela qual, pode, nos termos da Lei do Contrato de Seguro, demanda-la, igualmente, a título principal; LXXIX. Admitindo-se a responsabilidade do Réu BB pela prática dos factos e, consequentemente, o direito da Autora a ser indemnizada, o que apenas se admite por hipótese de raciocínio, o pagamento deverá ser assegurado pela Ré “D...”, sem prejuízo deste assumir, conforme lhe compete contratualmente, a franquia contratual aplicável; LXXX. Face ao exposto, deve a sentença proferida ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que absolva os Réus do pedido, com todas as consequências legais; LXXXI. Ou, mantendo-se, o que apenas se admite por hipótese de raciocínio, deve ser revogada a parte condenatória relativamente à indemnização pelos medicamentos e, ainda, a Ré “D...” condenada, solidariamente, à Autora o valor indemnizatório que assim se venha a apurar, sem prejuízo da franquia contratual a cargo do Réu BB, com todas as consequências legais.
8. Igualmente inconformada, a RéClínica A..., Lda interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. No art. 7º da sua contestação a Recorrida invoca que entregou à Ré CC a quantia de 1.250,00€, que foi fixada para os custos dos actos médicos prestados, ou seja, extracção e colocação de implante. 2. Mais invoca a Ré CC lhe comunicou que os RR estariam dispostos a devolver-lhe a quantia de 1.250,00€ (art. 45º da contestação). 3. A Ré CC, no art. 40º da sua contestação, reconheceu que propôs devolver os 1.250,00€ à Recorrida. 4. A Recorrente, no art. 26º da sua contestação, admitiu que tivesse sido a Ré CC a receber os 1.250,00€, conforme alegado pela Recorrida e invoca não ter recebido qualquer parte de tal quantia. 5. O Réu BB, no art. 76º da sua contestação, admitiu que tivesse sido a Ré CC a receber os 1.250,00€, conforme alegado pela Recorrida e invoca não ter recebido qualquer parte de tal quantia. 6. Conjugadas tais posições manifestadas pelas ditas partes, na audiência prévia de 15/09/2015, logo a M.ma Juiz a quo, que inicialmente era a titular do processo, admitiu conhecer de imediato do pedido formulado contra a Recorrente, ou seja, absolvendo-a, por entender que os factos alegados pela Recorrida não eram suficientes para fundamentar a responsabilidade daquela. 7. A conjugação e análise crítica das supra aludidas posições das partes com os depoimentos que se identificam nesta motivação na parte respeitante ao ponto 16) e, ainda, a inexistência de qualquer recibo de pagamento do montante de 1.250,00€, emitido pela Recorrente, não permitia ao M.mo Juiz a quo dar como provada a matéria vertida no ponto 16) da matéria provada, tendo incorrido em manifesto erro de julgamento e violação das regras da apreciação da prova. 8. Devendo ser excluído da matéria provada o ponto 16). 9. Apenas foi dado por provado no ponto 14) da matéria provada, que existia contrato entre a Recorrente e a Ré CC. 10. O Réu BB depôs que só pontualmente praticava actos médicos nas instalações da Recorrente e quando chamado pela Ré CC, o que a mesma também reconheceu. 11. A análise crítica de tais depoimentos não deveria levar o M.mo Juiz a quo à conclusão de que o Réu BB fizesse parte do quadro de médicos da Recorrente, como sucede no ponto 13) da matéria provada. 12. Que deve ser modificado, pela exclusão de qualquer referência ao mesmo Réu BB. 13. A sentença em recurso dá como provado o teor do ponto 22) da matéria provada, com a fundamentação nela constante, designadamente que foram decisivas para essa resposta positiva o relatório pericial, os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos e o relatório da TAC efectuada à Recorrida em 2010. 14. Afirmando-se em tal fundamentação que, apesar da dúvida razoável manifestada no Relatório Pericial, o relatório daquela TAC de 2010 afasta essa dúvida, pois aí consta que o implante ultrapassava em milímetros dentário inferior da Recorrida. 15. Ora, as respostas dadas pelos Srs. Peritos, no Relatório Pericial, concretamente na pág. 12 ao quesito 3º, na pág. 14 ao quesito 5º, na pág. 15, ao quesito 2º, na pág. 16 ao quesito 7º e ao quesito 8º, bem como o facto de reiterarem expressamente, na pág. 19 do mesmo relatório, a adequação, no caso em apreço, de dúvida razoável quanto ao nexo de causalidade entre a lesão e o procedimento de implante.implante. 16. E, ainda, nas respostas dadas no Complemento ao Relatório Pericial, com data de 15/09/2020, aos quesitos 8º e 16º. 17. Conjugadas com a explicação do Sr. Perito II na sessão de julgamento de 21/06/2022, melhor identificado supra nesta motivação. 18. E com a própria letra do dito relatório da TAC e depoimento prestado pela subscritora, Dra JJ, na sessão de julgamento de 21/06/2022, melhor identificada supra nesta motivação. 19. Não poderia, de forma alguma, conduzir à respsoat vertida no ponto 22) da matéria provada. 20. Tanto mais que os depoimentos prestados pelo Réu BB, em 21.06.2022, Prof. DD, em 16.09.2022 e Dr FF, em 21.06.2022, melhor identificados supra na presente motivação tiveram o mérito de esclarecer com toda a clareza e independência, que a ausência da lesão no nervoalveolar em questão, quer a impossibilidade de ter sido detectado por simples Raio-X. 21. Sem dar qualquer justificação ou sem que a mesma fosse clara e esclarecedora, o M.mo Juiz a quo entendeu não dar credibilidade que a tais depoimentos de quem efectivamente participou nos actos médicos em causa e acompanhou a Recorrida pouco tempo depois e viu as imagens do TAC de 22.10.2020, quer ao Relatório Pericial, incorrendo, salvo o devido respeito, em erro manifesto na apreciação da prova, pelo que, deverá o ponto 22) ser excluído da matéria provada. 22. O que terá, forçosamente, como consequência, a eliminação, ou pelo menos desconsideração, da matéria provada sob os pontos 23), 34), 35) e 40). 23. Não foi, pois, celebrado qualquer contrato entre a Recorrente e a Recorrida, que não pagou qualquer valor à primeira pelos actos médicos em causa. 24. Em face do contrato dado por provado sob o ponto 14), a Ré CC não estava obrigada a prestar serviços à Recorrente, sendo mais uma arrendatária do espaço, não podendo ser consoderada auxiliar para os efeitos do art. 800º, nº 1 do Cód. Civil. 25. Também o Réu BB não tinha qualquer contrato com a Recorrente, sobre cujos actos médicos a mesma não tinha qualquer controlo ou interferência, pelo que também não pode ser considerado da mesma para os efeitos do diro art. 800º, nº 1 do Cód. Civil. 26. Em face do disposto no art. 1154º do Cód. Civil e das circunstâncias concretas do caso em apreço, a Recorrente, que é uma sociedade que tem em vista o lucro, só se obrigaria a prestar qualquer serviço à Recorrida, através de auxiliares, mediante o pagamento de uma retribuição o que, como vimos, não estabeleceu, enm recebeu. A conclusão só pode ser, por isso, que não foi celebrado qualquer contrato entre a Recorrida e a Recorrente, não podendo sobre esta recair qualquer responsabilidade contratual. 27. Mas mesmo que assim não se entendesse, a Recorrente só poderia ser responsabilizada se o acto médico em causa tivesse provocado lesão do nervo alveolar inferior da Recorrida, o que não admitimos e, por isso, sustentamos a exclusão do ponto 22) da matéria provada. 28. Não estão demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil exigidos pelo art. 483º, nº 1 do Cód. Civil, desde logo que o acto médico em causa tenha causado a dita lesão, face à dúvida expressa no relatório pericial e à clara insuficiência do documento 7 junto com a P.I., para afastar essa dúvida, como aliás, referm os Srs. Peritos. 29. A impossibilidade de os Srs. Peritos analisarem as imagens da TAC de 2010 não lhes permitiu concluir pelo nexo de causalidade entre o acto médico prestado pelo R. BB e a lesão apresentada, em 2020, pela Recorrida, impossibilidade essa que, em última análise, se deve à Recorrida que não facultou tais imagens, ou intencionalmente ou por se terem extraviado. 30. Como foi explicado à saciedade pelos médicos que prestaram depoimento e pelos Srs. Peritos, o Raio-X não é suficiente para concluir pela existência de lesão, dado apenas ter duas dimensões e sobreposição de imagens, sendo crucial a análise de uma TAC, que é tridimensional, para poder, com segurança admitir essa conclusão. 31. Os médicos que viram a TAC de 2010 não hesitaram em afirmar a inexistência de lesão no nervo alveolar da Recorrida. 32. O relatório junto como doc. 4 com a P.I., além de também não referir tal lesão, não merece crédito para afirmar a existência da mesma. 33. Não ficando demonstrada a prática de qualquer acto ilícito e culposo por parte do R. BB, muito menos nexo de causalidade entre a lesão examinada pelos Srs. Peritos e o dito acto médico, não pode haver qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual, nem a condenação proferida, devendo a sentença ser revogada e a Recorrente e o R. BB absolvidos. 34. Até porque era sobre a Recorrida que impendia o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade, previstos no art. 483º, nº 1 do Cód. Civil, prova que não logrou, designadamente que o R. BB tenha violado as legis artis ou os deveres de cuidado, diligência e perícia. 35.A sentença proferida viola, pois, salvo o devido respeito, os arts. 165º, 342º nº 1, 350º, 351º, 356º, nº 1, 798º, 800º, nº 1, 483º, nº 1 e 487º, nº 1 do Cód. Civil e os arts. 413º, 414º e 607º, nº 4 do CPC. Concluiu, pedindo que o presente recurso seja julgado procedente e a Recorrente, bem como o Réu BB, sejam absolvidos do pedido, revogando-se a sentença proferida. 9. Foram apresentadas respostas aos recursos quer pela Autora, quer pela D...- Companhia de Seguros, SA, pugnando pela confirmação do julgado. 10. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir, em função das conclusões apresentadas em ambos os recursos, são as seguintes: 1ªQuestão- Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 2ª Questão- Se falham os pressupostos da ilicitude e do nexo de causalidade entre a lesão que apresenta a Autora e o acto médico executado pelo Réu BB; 3ª Questão-Se não existe qualquer relação contratual entre a Autora e a Ré Clínica A..., Lda, nem o Réu BB é auxiliar desta Ré; 4ª Questão-se não se verifica a excepção da prescrição; 5ª Questão-se deve haver condenação solidária da Ré/Seguradora.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) A ré CC foi durante vários anos médica dentista da autora, sendo consultada por esta nas instalações da ré Clínica A..., Lda.
2) Em janeiro de 2008 a ré CC, após realização dos testes de disgnósticos necessários, procedeu à realização de um tratamento endodôntico de restauração dos dentes 3.6 e 4.7.
3) No seguimento do acompanhamento que fazia à saúde oral da autora, a ré CC, em Maio de 2010, aconselhou-a a colocar um implante dentário (pós extracção) ao nível do dente 3.6.
4) A ré CC informou a autora que não seria ela a realizar o implante, mas sim o réu BB, tendo a autora efetuado previamente um raio-x e uma ortopantomografia.
5) A intervenção consistente na colocação do implante dentário foi realizada pelo réu BB em maio de 2010, tendo sido acompanhado pela ré CC que o coadjuvou nos trabalhos de limpeza bocal.
6) O réu BB iniciou o procedimento cirúrgico com a administração de anestesia local.
7) Verificando que a autora já não sentia dor, o réu BB procedeu à extração do dente 3.6 do terceiro quadrante inferior, fazendo a divisão da raiz, seccionando as duas.
8) O procedimento de extração do dente decorreu sem queixa pela autora.
9) Concluída a extração do identificado dente, no mesmo ato cirúrgico, o réu BB colocou o implante, utilizando para o efeito uma broca do kit cirúrgico.
10) O réu BB seguiu o trajeto deixado pela raiz do dente extraído.
11) Concluído o procedimento, a autora foi medicada para as dores.
12) Tendo o ato médico em causa sido realizado nas instalações da ré Clínica A..., Lda., onde sempre a autora foi consultada pela ré CC em todos os tratamentos que efetuou à boca e aos dentes até 2010.
13) A ré Clínica A..., Lda., disponibiliza aos seus utentes serviços de várias especialidades médicas, entre eles de medicina dentária, permitindo que um quadro de médicos, entre os quais se contam os réus BB e CC, pratiquem nas suas instalações todos os atos médicos que são solicitados pelos utentes que se lhes dirigem, obtendo a ré Clínica A..., Lda., vantagens económicas com a atividade dos réus BB e CC.
14) Entre as rés Clínica A..., Lda., e CC foi celebrado o contrato constante de fls. 56, verso/57, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no âmbito do qual a segunda presta serviços de medicina dentária nas instalações da primeira, dividindo os honorários pagos pelos utentes, recebendo a primeira 30% e a segunda 70% desses montantes.
15) Pelos serviços prestados nas instalações da ré Clínica A..., Lda., os utentes pagavam a esta, que faturava o serviço, acertando posteriormente com o médico que tinha prestado o ato médico a divisão de honorários.
16) Assim tendo acontecido com a autora que pagou à ré Clínica A..., Lda., a quantia de 1.250€ pelo ato médico referido em 5) e 7), montante em que tal serviço foi orçamentado.
17) No exercício da sua atividade quer o primeiro réu, quer a segunda ré agem com independência técnico-científica, seja no que concerne a diagnósticos e prescrições médico-medicamentosas, seja em matéria de intervenções cirúrgicas e respetivas técnicas utilizadas, seja quanto à oportunidade temporal das intervenções e tratamentos conexos, bem como quanto à observância das demais leges artis
18) A ré Clínica A..., Lda., não dirigiu ao primeiro réu ou à segunda ré quaisquer ordens ou orientações a respeito do tratamento.
19) Não controlando os atos médicos prestados pelos réus BB e CC.
20) A ré Clínica A..., Lda., fornece o espaço, serviços administrativos, água, eletricidade, o autoclave, a máquina seladora para esterilizar o material utilizado e o serviço de enfermagem.
21) A cadeira dentária e demais material existente no gabinete pertencia à ré CC.
22) Aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora.
23) A lesão poderia ter sido evitada caso a autora tivesse efetuado previamente ao ato cirúrgico uma TAC.
24) Após o procedimento referido em 5) e 7) foi agendada uma consulta à autora com vista à observação e avaliação clínica da intervenção efetuada.
25) Após a intervenção a autora passou a ter dores ao nível da zona bocal intervencionada, bem como fala presa e sensações álgicas.
26) A autora deu conta destes sintomas aos réus BB e CC.
27) Numa consulta posterior com os réus CC e BB a autora exibiu um documento que tinha consigo de onde resultava que o nervo alveolar tinha sido intercetado.
28) Dada a persistência da sintomatologia de que a autora se queixava, e por determinação dos réus BB e CC, a autora efetuou um RX em 23/09/2010 e uma TAC em 22/10/2010, tendo sido elaborado em relação a esta o seguinte relatório:
“Identificamos a presença de implante dentário no 2º quadrante, na topografia de 2.6, a sua extremidade caudal ultrapassando em milímetros o canal do dentário inferior e distando cerca de 2mm a extremidade cranial do implante da crista alveolar. Não há halos radiolucentes adjacentes ao implante que pudessem indicar reacção granulomatosa.
Na topografia de 1.6 a espessura óssea existente entre a crista alveolar e o canal do dentário inferior é, de aproximadamente 14mm, conforme medido na imagem n°. 57.
Não identificamos alterações na textura da medular óssea da mandíbula ou na regularidade da sua cortical óssea”, conforme termos do relatório junto a fls. 11, cujo teor se dá por reproduzido.
29) Em data não concretamente determinada, a autora colocou a coroa sobre o implante.
30) A autora foi observada, em mais de uma ocasião, pelo Professor DD tendo, perante a insistência de comunicação de dores pela autora, sugerido que fosse removida a coroa.
31) Posteriormente, por insistência da autora, foi removido o implante que lhe havia sido colocado, contra a opinião dos réus CC e BB, o que foi feito em data não exatamente determinada, mas no ano de 2011.
32) A autora continuou a manifestar ter dores e a sentir incómodo.
33) A autora foi consultada pelo Dr. FF.
34) A lesão referida em 22) provocou à autora queixas dolorosas na zona da cirurgia, insensibilidade na região mais anterior ao 3.6 e numa região do lábio inferior esquerdo.
35) Dores e insensibilidade que são irreversíveis dada a lesão do nervo alveolar inferior.
36) Para suportar as dores a autora toma comprimidos de benuron.
37) Para obviar às contraindicações da referida toma de comprimidos a autora tem também de tomar um protetor gástrico
38) Por causa das dores que sentiu, a autora ficou maldisposta, impaciente e irritada.
39) A autora sentiu-se abatida e revoltada.
40) As lesões sofridas pela autora determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.
41) E implicaram uma nevralgia unilateral sensitiva de ramo do trigénio, enquadrado no Dec-Lei nº 352/2007 de 23, de Outubro, Capítulo III, ponto 4.5 correspondente ao V par (trigémio), alínea 4.5.1 (parte sensitiva) alínea: b), de 0,2.
42) A autora nasceu a ../../1967.
43) Entre 2008 e 2012 a autora era doméstica, não auferindo rendimentos de trabalho por conta própria ou de terceiro.
44) Entre o réu BB e a ré B... – Companhia de Seguros, SA, foi celebrado o contrato de seguro identificado pela apólice nº ...93, do ramo responsabilidade civil, constante da apólice, condições especiais e gerais de fls. 39/48, cujo teor aqui se dão por reproduzidas.
45) Entre a ré Clínica A..., Lda., e a terceira acessória Companhia de Seguros C..., SA, foi celebrado o contrato de seguro do ramo multirriscos estabelecimento, titulado pela apólice n.º ...00, junta a fls. 147/152, cujas condições particulares e gerais são as que constam de fls. 144/146, de tudo aqui se dando por reproduzido.
46) Este contrato tem por objeto o recheio do estabelecimento sito na Rua ..., ..., ... ..., recheio esse propriedade da terceira ré, concretamente:
a) Montras/ Vitrines/ Reclamos Luminosos e Toldo, com o capital e limite indemnizatório de 997,60€;
b) Mobiliário e Equipamento, com o capital e limite indemnizatório de 17.457,93€;
c) Benfeitorias, com o capital e limite indemnizatório de 9.975,96€;
d) Máquinas Eléctricas, com o capital e limite indemnizatório de 17.457,93€;
e) Mercadorias e outros bens, com o capital e limite indemnizatório de 4.987,98€, tudo conforme estabelecido nas Condições Particulares da Apólice
47) Tendo ainda a ré Clínica A..., Lda., subscrito a cobertura de “Responsabilidade Civil Exploração”, nos termos da qual fica garantida pela aqui contestante a responsabilidade civil extracontratual em que aquela possa incorrer, em consequência da exploração normal da actividade segura, com o capital contratado de 50.000,00€, com uma franquia de 10% sobre o valor do sinistro, com o valor mínimo de 100,00€.
2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
48) O réu BB colocou o implante entre 3 a 5 milímetros abaixo do limite superior ao rebordo alveolar ósseo remanescente,
49) Um mês após a remoção e colocação do implante a autora foi novamente observada pela ré CC, tendo aquela constatado que a autora havia recuperado totalmente da cirurgia
50) Numa nova consulta, a autora realizou testes de sensibilidade ao lábio, dentes e rebordo alveolar, aos quais sempre respondeu positivamente, não se detetando qualquer lesão.
51) O réu BB constatou a inexistência de qualquer lesão no nervo alveolar.
52) Da observação da TAC mencionada em resultou que não existia invasão do nervo alveolar inferior pelo implante, o que a autora aceitou.
53) As queixas que a autora apresentava não tinham relação com o procedimento cirúrgico, nem tinham suspeita na TAC efetuada e reportavam-se aos dentes incisivos centrais
54) Em novos testes de sensibilidade realizados, designadamente de frio e quente, a autora voltou a reagir positivamente, ficando demonstrado que o nervo alveolar não havia sido atingido.
55) Em 03/02/2012 a autora apresentava quadro de hipersensibilidade na zona anterior do 3.º quadrante
56) O Professor DD propôs à autora a colocação de novo implante ou de uma ponte metalo-cerâmica, por forma a reabilitar a boca, após um período de cicatrização não inferior a 3 meses.
57) O Dr. FF concluiu que o implante colocado à autora e posteriormente extraído causou-lhe uma lesão no nervo alveolar inferior
58) A autora toma dois comprimidos de benuron por dia.
59) A autora gasta 8€ mensais com aquisição dos medicamentos que necessita.
60) A autora era uma pessoa de bom trato, afável, bem disposta, disponível e amiga de ajudar.
61) A autora por causa do acontecido se tornou uma pessoa de feitio desagradável, fugindo a convívios e refugiando-se em casa.
62) A autora se sente apreensiva pelo facto de ser obrigada a tomar durante toda a sua vida medicamentos para as dores
63) A autora vive permanentemente incomodada pelas dores.
64) Nos ficheiros da 3ª ré não existe qualquer registo do ato médico relatado pela autora nem qualquer ficha clinica à mesma respeitante.
65) Nos registos da 3ª ré não existe qualquer referência a qualquer pagamento efetuado pela autora nem por ela foi recebida qualquer quantia referente a um tal pagamento.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que quando há impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra.
Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que tais ónus de impugnação da decisão da matéria de facto mostram-se minimamente cumpridos pelos Apelantes, em cada um dos recursos interpostos, sendo que a sorte dos presentes recursos está absolutamente dependente da procedência da alteração da matéria de facto dada como provada, como melhor veremos de seguida.
O Réu BB fez expressa referência à pretensão de alteração dos seguintes pontos de facto: 1. alteração da redação dos pontos 3, 25, 26, 30 e 40 dos factos provados (Conclusões IV, VIII, XXVII a XXXII e XXXVII); 2.eliminação dos pontos 22, 23, 34, 36 e 37 dos factos provados (Conclusões V, IX a XXVI, XXXIII a XXXVI); 3. aditamento aos factos provados da matéria de facto constante dos pontos 49, 51, 52, 53 e 54 dos factos não provados(Conclusões VI, XXXVIII a XLII); 4. aditamento do seguinte facto (Conclusões XLIII e XLIV):
“Por comunicação escrita, a Autora, por intermédio dos seus Mandatários, iniciou contactos directos com a Ré “D...”.
A Ré Clínica A..., Lda fez expressa referência à pretensão de alteração dos seguintes pontos de facto: 1. eliminação dos pontos 16, 22, 23, 34, 35 e 40 dos factos provados (Conclusões 8, 21 e 22); 2. alteração da redação do ponto 13 dos factos provados (Conclusões 11 e 12).
Iremos proceder à reapreciação, por ordem numérica, dos aludidos pontos de facto impugnados, atendendo à argumentação conjunta de ambos os Apelantes no que se refere aos pontos de facto impugnados que são comuns.
Vejamos. Impugnação dos factos provados: Ponto 3 dos factos provados-“No seguimento do acompanhamento que fazia à saúde oral da autora, a ré CC, em Maio de 2010, aconselhou-a a colocar um implante dentário (pós extracção) ao nível do dente 3.6.”
Pretende o Apelante/Réu que se altere a redação deste ponto de facto para o seguinte:
No seguimento do acompanhamento que fazia à saúde oral da autora, e considerando as queixas de dor forte e incapacitante que esta apresentava, a ré CC, em Maio de 2010, aconselhou-a a colocar um implante dentário (pós extracção) ao nível do dente 3.6.”
Não vemos utilidade na pretendida alteração da redação deste ponto, sendo certo que não estão em causa os motivos que determinaram a intervenção de implantologia efectuada na Autora, não está questionada a necessidade ou utilidade da realização daquele acto médico, nem do tipo de sintomatologia ou ausência dela que o terá determinado, estando apenas questionado - em função da causa de pedir invocada pela Autora na petição inicial- se aquele acto médico foi ou não realizado com violação das leges artis, sendo que as dores a ponderar na eventual manutenção da indemnização concedida na sentença recorrida serão apenas as decorrentes da referida intervenção independentemente daquelas de que a Autora eventualmente já padecesse anteriormente. Ponto 13 dos factos provados- “A ré Clínica A..., Lda., disponibiliza aos seus utentes serviços de várias especialidades médicas, entre eles de medicina dentária, permitindo que um quadro de médicos, entre os quais se contam os réus BB e CC, pratiquem nas suas instalações todos os atos médicos que são solicitados pelos utentes que se lhes dirigem, obtendo a ré Clínica A..., Lda., vantagens económicas com a atividade dos réus BB e CC.”
Quanto a este ponto afigura-se-nos que de toda a prova produzida nos autos não resulta com suficiente clareza e segurança que o Réu BB pratique habitualmente atos médicos nas instalações da Apelante/Ré Clínica A..., nem que esta tenha obtido, mormente no acto médico em apreço nestes autos, qualquer vantagem económica com a actividade daquele, como contrariamente ocorre com a actividade ali desenvolvida pela co-Ré CC, que o faz a coberto de um contrato de prestação de serviços que lhe permite utilizar o espaço cedido pela Ré A... mediante a retenção de uma determinada percentagem dos honorários clínicos dos pacientes por aquela atendidos, que se mostra comprovado documentalmente no doc nº 1 junto com a contestação da Apelante/Ré.
Da prova documental, por declarações de parte, e testemunhal não resulta qualquer demonstração consistente de que o Apelante/Réu faça parte do quadro de médicos da Apelante/Ré, que tenha qualquer vínculo com aquela, nomeadamente como prestador de serviços de cirurgia dentária, resultando da prova produzida em audiência que quando praticou algum acto médico nas instalações da Ré Clínica, o fez de forma esporádica como o próprio referiu em declarações, e a pedido da co-Ré CC, como esta também mencionou, assim como não resulta que a Apelante/Ré tenha retirado vantagens económicas com a atividade do Apelante/Réu BB, pois que ainda que a Apelante/Ré possa ter recebido algum valor por um acto praticado pelo referido co-Réu (não estando demonstrado nos autos) terá sido no âmbito do contrato celebrado com a co-Ré CC.
Deste modo, concorda-se com a Apelante/Ré, determinando-se a eliminação nesse ponto da matéria de facto da referência ao Apelante/Réu BB, por não existir prova nesse sentido e não se poder inferir que só porque assim se passa com a co-Ré CC se tenha como adquirido que também se passará com aquele co-Réu.
Deste modo, o ponto 13 dos factos provados passa a ter a seguinte redação:
“A ré Clínica A..., Lda., disponibiliza aos seus utentes serviços de várias especialidades médicas, entre eles de medicina dentária, permitindo que um quadro de médicos, entre os quais se conta CC, pratiquem nas suas instalações todos os atos médicos que são solicitados pelos utentes que se lhes dirigem, obtendo a ré Clínica A..., Lda., vantagens económicas com a atividade da ré CC.” Ponto 16 dos factos provados- “Assim tendo acontecido com a autora que pagou à ré Clínica A..., Lda., a quantia de 1.250€ pelo ato médico referido em 5) e 7), montante em que tal serviço foi orçamentado.”
Tal como sustenta a Apelante/Ré, afigura-se-nos que não podemos afirmar que a Autora tenha pago a esta ré a quantia de €1.250,00, desde logo porque a própria Autora havia afirmado na sua PI que “foi à 2ª Ré que a A. entregou a quantia de €1.250,00 montante fixado para o custo da intervenção” (art. 7º da PI)- sendo a 2ª Ré CC- não existindo prova documental de que o pagamento tenha sido feito à Apelante/Ré A..., nem se mostra junto aos autos qualquer factura e/ou recibo emitido por aquela.
Para se poder afirmar, como consta deste ponto de facto impugnado, que a Autora pagou à ré A... aquele valor por aquele acto médico, pagamento que a Apelante sempre negou ter recebido, manifestamente não basta ter sido produzida prova de que “era prática comum os utentes pagarem à clínica”, nem perante tal prova o tribunal poderia afirmar, como o fez, “que assim também terá sucedido com a autora”, até porque, como é obrigatório e normalmente assim sucede, deve exigir-se prova documental da emissão de factura descritiva do serviço prestado, bem como do pagamento efectuado e entrega do respectivo recibo (recibo esse que era emitido pela Apelante, como decorre da prova convocada pelo tribunal a quo para dar como provado tal facto), pelo que, se neste caso concreto a Autora não alegou ter pago à Apelante mas à co-Ré CC e não se mostra junto qualquer documento que ateste que o pagamento foi efectivamente feito à Apelante, este facto não pode manter-se no elenco dos factos provados, pois mesmo que o orçamento junto aos autos tenha sido apresentado em papel timbrado da Apelante isso por si só não prova nada quanto a qual dos Réus a Autora pagou pelo referido acto médico.
Deste modo, elimina-se este ponto 16 dos factos provados, transitando para os factos não provados. Ponto 22 dos factos provados- “Aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora.”
Este é um dos pontos de facto fulcrais da apreciação deste recurso e, antecipamos desde já que não podemos acompanhar a fundamentação do tribunal a quo para dar como provado tal facto.
Pelo contrário, quer a prova produzida nos autos, mormente documental, devidamente articulada com a prova testemunhal e por declarações de parte, quer a prova primordial neste tipo de ações de responsabilidade civil por acto médico- prova pericial pelo colégio de médicos da especialidade- quer mesmo as regras do ónus de prova, impunham que tal facto fosse considerado não provado, resultando evidente o erro de julgamento quanto a esta matéria de facto da própria fundamentação vertida na sentença recorrida.
Não podemos deixar de realçar que o tribunal a quo não especificou em que meios de prova assentou a sua convicção relativamente a cada um dos factos que considerou provados, tendo referenciado de forma bastante extensa todos os meios de prova atendidos para o conjunto dos 47 pontos dos factos provados, dificultando a percepção do(s) meios probatório(s) que foram determinantes para a decisão de cada facto, nomeadamente para os pontos impugnados.
Não obstante, a determinada altura da motivação o tribunal a quo afirmou que “decisivo para a resposta à matéria de facto foi o relatório pericial junto a 13/03/2019, os esclarecimentos posteriores prestados pelos Senhores peritos juntos a 16/09/2020 e o relatório da TAC efetuada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7 (cujo original foi junto a 23/02/2018, a fls. 253), no que tange à existência de uma lesão no nervo alveolar inferior e de ter resultado do procedimento de extração do dente e colocação do implante”.
Esta afirmação, numa primeira análise, indiciava que o tribunal a quo teria acompanhado as conclusões do relatório pericial e nestas os Srs peritos teriam concluído que o procedimento da extração do dente e colocação do implante haviam causado uma lesão no nervo alveolar da autora- meio probatório crucial para uma decisão assertiva e sustentada em matéria cujo juízo eminentemente técnico ultrapassa os conhecimentos de um juiz- no entanto assim não aconteceu porquanto o Sr Juiz a quo, contrariando frontalmente as conclusões a que chegaram os Srs peritos que compunham o colégio de especialistas em medicina dentária, considerou superada a dúvida razoável a que aqueles peritos chegaram quanto ao erro médico de que a Autora se queixava e do nexo causal entre a intervenção de implantologia realizada pelo Apelante Réu e a lesão que hoje ela apresentará, com base num simples relatório de uma TAC que padece confessadamente de erros e não se mostra acompanhado das imagens (essenciais para confirmação do relatório escrito desse exame) e que foi por isso mesmo considerado pelos Srs peritos um meio inadequado para a prova daqueles factos.
Para total compreensão do raciocínio percorrido pelo Sr Juiz a quo, passamos a citar o segmento da motivação que a esse propósito consta da sentença recorrida: “Nestes relatório e esclarecimentos os Senhores Peritos tomam posição concreta sobre a existência de uma lesão no nervo alveolar inferior (p. 16 do relatório inicial e resposta 7 aos “quesitos constantes da página 184” dos esclarecimentos) e embora não sejam tão assertivos quanto à causalidade dessa lesão com a colocação do implante, dizendo que os indícios são sugestivos, mas pode existir uma dúvida razoável (p. 16 do relatório inicial e resposta ao quesito 8) nos esclarecimentos), o relatório da TAC afasta essa dúvida. Nesse documento 7 junto com a petição inicial diz-se concretamente que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior, ou seja, o implante intercetou, cortou o nervo alveolar. É verdade que este relatório do TAC contém dois lapsos, pois que refere o implante dentário no 2.º quadrante e na topografia de 2.6, quando discutimos o 3.º quadrante e o dente 3.6, se bem que estas incongruências foram admitidas pela testemunha JJ, médica que fez o TAC e escreveu o relatório, tendo em julgamento admitido que a referência ao segundo quadrante e ao dente 2. 6 e não ao 3.º quadrante e ao dente 3.6 se tenham tratado de lapsos de escrita. E disso certamente se tratou, não havendo noticia que a autora tenha feito outro implante, concretamente naquele dente 2.6 (e que, por coincidência incrível, tivesse cortado o nervo alveolar – se bem que teria de ser o superior e não o inferior, dado o 2.º quadrante se situar nos dentes de cima da boca), não tendo o demais exposto no relatório do TAC efetuado pela Dr. JJ sido posto em causa, concretamente que o implante tenha ultrapassado o canal dentário inferior, sendo esta a questão essencial. O próprio réu BB, insurgindo-se contra o papel com que a autora se apresentou numa consulta em que aparentava a interceção do implante com o nervo alveolar (a ré CC aludiu igualmente a esta situação dizendo que a autora tinha consigo um desenho, não sabendo o tribunal se esse tal papel/desenho poderá ser o documento 4 junto com a petição inicial), referia que se trata de uma imagem a duas dimensões que não permitia concluir desse corte, apenas uma TAC o permitia avaliar. Também a testemunha FF, médico que a determinada altura seguiu em consulta a autora, explicou que a TAC é que permitiria verificar a origem do problema. E o relatório pericial apresentado pelos Senhores peritos igualmente o menciona, dizendo que “um exame de tomografia computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, estão ou não intacta e dessa formam poder-se estabelecer a ausência ou eventual afetação do nervo” (p. 17 do relatório pericial junto a 1 de março de 2019). Ora, essa TAC foi feita e muito embora não se tenha a imagem, que não foi junta ao processo, tem-se o relatório, onde a interceção do implante com o nervo alveolar é referida expressamente, não tendo o relatório nesta parte sido objeto de controvérsia ou de emenda aquando do depoimento da médica que o elaborou. O relatório da TAC é assim decisivo e permite afastar as dúvidas expressas. Uma nota para referir que o réu BB mencionou que da imagem da TAC que posteriormente ao ato médico a autora fez resultava que o implante e o nervo não estavam sobrepostos, mas mais uma vez se chama a atenção que essa imagem não consta do processo, apenas consta o relatório da TAC elaborado pela médica que o fez, cuja conclusão de sobreposição não foi colocada em causa aquando do seu depoimento. O mesmo se dirá a propósito do relatório da CESPU, clinica onde DD presta atividade, junto a fls. 222, que se julga que data de dezembro de 2016 (o relatório em si não tem data, tendo esta data o ofício que o envia para tribunal (fls. 221), pois que referindo que da TAC verificava-se que o implante colocado na zona do dente 3.6 estava próximo do nervo alveolar, mas sem interceção, continua sem se fornecer a imagem da TAC, já se sabendo que do relatório do médico que o fez (a testemunha JJ) resulta exatamente o contrário, existe interceção do implante com o nervo alveolar ou, como se diz nesse relatório, a sua extremidade caudal ultrapassa em milímetros o canal do dentário inferior. Esta menção no relatório da TAC de 2010 à interceção do nervo alveolar com o implante não é considerada no processo de sinistro efetuado pela ré B..., que foi junto com o requerimento de 15/12/216 (fls. 189 e seguintes), não obstante o relatório dessa TAC constar desse processo de sinistros, referindo que o resultado da TAC “foi dado a conhecer ao segurado que concluiu não existir secção do nervo alveolar” (p. 193) e mais à frente que “não existe prova da natureza da lesão que a paciente alegar sofrer; ao invés, existe um relatório de uma TAC mandibular que não identifica qualquer lesão no nervo alveolar inferior”(p. 196), certo que do dito relatório resulta exatamente o contrário, sendo assim este processo de sinistro mais um documento que não merece credibilidade. Por outro lado, a TAC entretanto realizada à autora no âmbito deste processo, cujo relatório foi junto a 18/10/20219 (fls. 307), não consegue trazer nova luz a esta questão, porquanto concluiu que o método de imagem não permite excluir ou afirmar a existência de danos no nervo alveolar inferior, permitindo apenas definir a integridade da cortical do canal ósseo em que esse nervo se localiza. (…) Aqui chegados, cabe recordar que o único elemento objetivo que existe quanto à lesão e causalidade é o relatório da TAC realizada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7, constado o original a fls. 253, dele, como se viu, resultando que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior. Sem prejuízo, existem outros elementos que igualmente apontam para a existência de uma lesão e para a sua causalidade com o ato médico em causa. Tal como referido por FF e por KK, médico que referiu ter observado a autora numa consulta há cerca de 12 anos, tendo-lhe feito um exame clínico e uma radiografia (embora não tivesse sido dito, ficou a pensar-se que poderia ser a imagem que constitui o documento 4 junto com a petição inicial), as queixas que a autora apresentava eram compatíveis com esse tipo de lesão, queixas que estas testemunhas disseram ser adormecimento do lábio, falta de sensibilidade e dor (KK referiu que a autora podia sentir dor, dor neuropática), tendo apenas FF referido que estas sensações deveriam ser na mandíbula e não propriamente no lábio, onde a esta distância temporal julgava que a autora apresentava as ditas queixas. Independentemente disso, é certo que a autora se queixava de dores e/ou de desconforto, pois que o fez perante os réus CC e BB, que em função da sua repetição mandaram fazer a TAC e reencaminharam a autora para ser assistida pelo Professor DD, fê-lo perante este (que disse que se queixava de ter dores e “picos”), fê-lo perante FF e KK como se viu,, fê-lo perante LL (marido da autora), MM (amiga da autora) e NN (filha da autora), o que leva a ponderar que a situação clínica que exibia era no sentido de ter sofrido uma lesão que pudesse justificar essas dores. E estas queixas da autora surgem após a intervenção levada a cabo pelo réu BB e repetem-se, pelo que se percebeu, durante anos, variando um pouco conforme as pessoas que as relatavam, fossem dores ou falta de sensibilidade (LL, MM e NN aludiram sobretudo a falta de sensibilidade (o primeiro), sensação de boca paralisada e babar-se (a segunda e terceira), acabando estas queixas por encontrar respaldo ou justificação no relatório da TAC que descreve o corte do nervo alveolar. A lesão, os sintomas e as queixas de dor são igualmente mencionadas no relatório pericial e esclarecimentos posteriores escritos, tal como dado por provado, aludindo-se a sensação álgica, afasia, disartria (embora se tenha entendido não terem grande significado por o decurso do tempo permitir uma adaptação e reabilitação e a insensibilidade), tendo ainda os Senhores Peritos dissertado nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento sobre uma parestesia com o corte do nervo alveolar, acabando nos esclarecimentos posteriores escritos por concluir que as lesões sofridas pela autora determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, tendo ainda uma nevralgia unilateral sensitiva de ramo do trigénio de 0,2. Em função desta prova, as declarações dos réus CC e BB e da testemunha DD de que o procedimento médico efetuado pelo segundo foi correto, na extração do dente e colocação do implante não houve interceção do nervo alveolar e que os testes de sensibilidade efetuados à autora não davam resposta positiva não merecem credibilidade e são dadas por não provadas.”
Temos sérias dificuldades em perceber como pode o julgador, leigo em matéria de medicina dentária, afirmar de forma peremptória que não tem dúvidas que “o implante intercetou, cortou o nervo alveolar”, quando quem tem competência médica para tal poder afirmar não o afirmou, como se extrai do relatório pericial elaborado por peritos médicos da especialidade cuja competência não foi posta em causa por qualquer das partes, os quais estando habituados a interpretar relatórios médicos não consideraram suficiente para ultrapassar as suas dúvidas o relatório da TAC de 2010 dissociado das imagens que o deviam acompanhar e que não se mostraram acessíveis para análise e confirmação daquele relatório, como eles próprios esclareceram.
Os Srs peritos haviam solicitado que lhes fossem enviadas as “imagens constantes da TAC de 22.10.2010, de forma a avaliar a proximidade da extremidade do implante com o nervo mandibular do lado esquerdo da face da Autora”, por se mostrarem necessárias para a conclusão do relatório pericial, precisamente porque o mesmo contém várias imprecisões, nomeadamente quanto à identificação do dente alvo de intervenção cirúrgica e posterior colocação do implante dentário, imagens que o tribunal a quo não conseguiu que lhes fossem entregues.
O julgador, neste tipo de matérias eminentemente de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, das quais são especificamente conhecedores os profissionais dessa área- neste caso de medicina dentária-, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada que ele próprio admitiu ser um meio probatório “decisivo”.
Admitiríamos que o tribunal a quo o pudesse fazer se estivesse por ex. na posse das imagens da referida TAC de 2010 e estas mostrassem o referido corte do nervo alveolar, mas não foi isto que sucedeu.
Salvo o devido respeito, não deve o Sr juiz a quo lançar mão de um meio de prova de valor incomensuravelmente inferior ao laudo médico (relatório de uma TAC desacompanhado das imagens), que os Srs peritos fundamentadamente não consideraram ter valia técnica para afastar as dúvidas sobre o próprio erro médico e o nexo causal, e afirmar que não tem dúvidas, e que não as tem porque no seu entender aquele relatório da TAC de 2010 as afasta, em total oposição ao juízo técnico vertido no relatório pericial unânime que também acedeu a tal relatório da TAC.
Mas mais importante que tudo é que, ainda que se pudesse afastar a valia técnica do relatório pericial pela razão exposta na fundamentação da sentença recorrida, o que não concedemos, consideramos que o juízo feito pelo Sr Juiz a quo não encontra suficiente arrimo em qualquer outro meio de prova produzido nos presentes autos, não existindo absolutamente nada que lhe permita afirmar que “o implante intercetou, cortou o nervo alveolar”, porque contrariamente ao sustentado na decisão recorrida mesmo que o referido relatório da TAC de 2010 fosse suficiente para contrariar o relatório pericial, o que mais uma vez não concedemos, também nele não se atestou que tenha havido interceção do implante com o nervo alveolar, ou que o implante tenha cortado o nervo alveolar, apenas que identificaram “a presença de implante dentário no 2º quadrante, na topografia de 2.6, a sua extremidade caudal ultrapassando em milímetros o canal do dentário inferior e distando cerca de 2 mm a extremidade cranial do implante da crista alveolar.”
Resulta ainda incontroverso dos autos que a Autora, após a intervenção realizada pelo Apelante/Réu e perante as suas queixas, foi por eles encaminhada para acompanhamento pelo médico DD, o qual foi ouvido como testemunha e confirmou no geral o que já constava do relatório clínico enviado aos autos pelo CESPU, do qual consta expressamente o seguinte: “a senhora AA recorreu pela primeira vez à consulta de Medicina Dentária da Unidade Clínica de E..., onde foi observada pelo Prof. Doutor DD, na consulta de especialização do Mestrado Em Reabilitação Oral, no dia 9 de dezembro de 2010, referindo dor difusa na região dos incisivos e pré-molares do quadrante inferior esquerdo. Na análise da tomografia axial computorizada de que a paciente era portadora, visualizava-se um implante colocado na zona de dente 3.6, próximo do nervo alveolar, mas sem interceção. Os testes de sensibilidade aos referidos dentes mostravam-se positivos.”
Nessa altura, próxima da intervenção realizada pelo Apelante/Réu, aquele médico observou a autora e afirmou que esta se fazia acompanhar da TAC, e que da análise desse meio de diagnóstico não tinha visualizado qualquer interseção do nervo alveolar.
Tendo sido posteriormente encaminhada a autora para o serviço de estomatologia do Hospital ..., veio a ser consultada pelo médico Dr FF, como este confirmou e já constava do relatório clínico enviado aos autos por este hospital, médico que não afirmou ter constatado qualquer interseção ou corte do nervo alveolar (como ficou vertido no ponto 57 dos factos não provados- facto não impugnado), contrariamente ao que alegara a autora na PI, o que veio a ser corroborado pelo médico que passou a seguir a autora naquele hospital- OO- que lhe realizou Rx ortopantomografia, “não visualizando qualquer alteração anatómica ou lesão patológica”, pelo que referenciou para a consulta da dor após falar com outro médico da mesma especialidade daquele serviço.
Não existe nos autos um único relatório clínico que afirme que aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora, tal como não foi produzida qualquer prova testemunhal nesse sentido, mormente nenhum dos médicos que posteriormente acompanharam a autora o afirmou, e o relatório pericial do colégio da especialidade realizado nestes autos, complementado pelos vários esclarecimentos escritos e orais dos peritos médicos que o subscreveram, também não o conseguiram afirmar.
Nesse relatório, ao quesito “o implante atingiu o nervo alveolar?” os Srs peritos médicos responderam de forma unânime que “na imagem radiográfica (referindo-se à ortopantomografia porque não tiveram acesso às imagens da TAC) o ápice do implante está mais baixo que a porção mais superior do canal do nervo alveolar inferior, mas esse dado pode não ser suficiente para provocar lesão neurológica(…); ao quesito “intervenção levada a cabo pelo 1º Réu- a extração do dente 3.6 e colocação de implante dentário causou lesões à Autora?” responderam de forma unânime que “ constam do processo e do exame pericial relatos nesse sentido e até indícios muito valorizáveis que corroboram essa possibilidade, no entanto há variáveis que estes peritos não conseguem apurar para de forma concreta e robusta afirmarem essa causalidade”; ao quesito “pode ocorrer lesão no nervo alveolar inferior por motivos externos à extração e colocação de implante dentário ?” responderam que sim e deram como exemplo os mais frequentes: traumatismo, processos inflamatórios, vírus ou casos de osteomielite que podem conduzir à lesão dessa estrutura nervosa; ao quesito de “ se as lesões que afetam a autora a nível do nervo alveolar inferior são resultado de um implante realizado ao nível do 3º quadrante (dente 36)?” responderam que existe essa possibilidade, salvaguardando-se a possibilidade de ser difícil de apurar esse facto de forma concreta e robusta, e ao quesito “ é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o implante realizado e as dores alegadamente sofridas pela autora?“ responderam unanimemente que apesar dos indícios serem disso sugestivos, poder haver uma dúvida razoável sobre o estabelecimento, de forma concreta e robusta, do nexo de causalidade sugerido no quesito.
Os Srs peritos acrescentaram ainda que, “um exame de Tomografia Computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, está ou não intacta e dessa forma, poder-se estabelecer a ausência ou eventual afectação do nervo, respectivamente”, daí que, não lhes tendo sido facultadas as imagens da TAC de 2010, realizada pouco depois da intervenção executada pelo Apelante/Réu, tenham concluído existir dúvida razoável sobre se a lesão que hoje a autora apresenta (aquando do relatório pericial haviam decorrido cerca de 9 anos) tenha sido causada pelo acto médico por aquele praticado.
Ora, se a inexistência das imagens invocada pela clínica que realizou tal exame não suscita à partida grandes reservas dado o hiato de tempo entretanto decorrido, o mesmo não podemos afirmar relativamente à autora, que delas foi portadora, que inclusivamente as terá mostrado aos Réus e ao médico DD e que alegou no decurso do processo, quando foi instada a juntá-las para apresentação aos Srs peritos, que não as tinha, não sendo curial que as não tenha guardado se efectivamente evidenciavam a alegada lesão do nervo alveolar como sustentava, até porque terá sido submetida à referida TAC em 2010 precisamente para averiguar se teria havido alguma lesão na intervenção de implantologia em questão, o que reforça as nossas dúvidas que tal lesão tenha sido causada pelo ato médico em questão.
Para sermos rigorosos vertemos aqui a parte das conclusões do relatório pericial que importa para esta questão de facto:
“ 6. Admite-se como facto clínico uma proximidade do implante ao canal onde está, normalmente, localizado o nervo mandibular.
(…) 8. Processos inflamatórios ou traumáticos que afectem este nervo podem desencadear o quadro clínico descrito no foro neuromuscular reportado pela autora com carácter que pode ser temporário ou permanente.
(…)10. Os peritos consensualizaram para o presente caso, que face aos dados existentes e constantes do processo ou verificáveis aquando da perícia médico-legal, pode ser adequada uma razoável dúvida acerca do nexo de causalidade entre o procedimento conjunto de exodontia do dente 36 e de colocação de implante imediato, com os efeitos relatados do quadro neurológico consequente.”
E é aqui que entra a regra do ónus probatório, regra determinante em sede de julgamento da matéria de facto, porquanto se da articulação e apreciação crítica de toda a prova produzida o juiz se deparar com a dúvida sobre a realidade de determinado facto deverá observar a regra consagrada no art.414º do CPC.
E sendo assim, como se impunha à Autora a prova da violação das leges artis e do nexo de causalidade entre o acto médico praticado pelo Apelante/Réu e a lesão e sequelas de que se queixa, confrontados com a dúvida sobre a realidade desse facto a mesma resolve-se contra a autora, a quem o facto aproveita, pelo que nada mais nos resta que dar tal ponto de facto como não provado.
Em suma, pelas razões exaustivamente expostas determinamos a eliminação do ponto 22 dos factos provados e sua transição para o elenco dos factos não provados. Ponto 23 dos factos provados- “A lesão poderia ter sido evitada caso a autora tivesse efetuado previamente ao ato cirúrgico uma TAC.”
A propósito deste ponto de facto há duas considerações que impõem a sua eliminação dos factos provados: a primeira e mais relevante é que este facto não foi alegado por nenhuma das partes e como tal o tribunal não podia ter aditado essa matéria de facto sob pena de violação do art. 5º nº 1 do CPC (não sendo facto instrumental, complementar ou concretizador dos que a autora alegara, e ainda que o fosse, o que não concedemos, não se deteta dos autos que tenha sido observado o condicionalismo exigido no referido nº 2 do mesmo preceito legal); e a segunda é que tal como está formulado tem como adquirida a lesão relatada no ponto de facto anterior (ponto 22) que foi dado nesta instância como não provado.
Deste modo, deve passar este ponto 23 para os factos não provados. Ponto 25 dos factos provados- “Após a intervenção a autora passou a ter dores ao nível da zona bocal intervencionada, bem como fala presa e sensações álgicas.”
Pretende o Apelante/Réu que se altere a redação deste ponto para a seguinte: ”Após a intervenção a Autora manteve as queixas de dores ao nível da zona bocal e sensações álgicas.” Ponto 26 dos factos provados- “A autora deu conta destes sintomas aos réus BB e CC.”
Pretende o Apelante/Réu que se altere a redação deste ponto para a seguinte: “A Autora deu nota dessas queixas aos réus BB e CC”.
Relativamente a estes dois pontos consideramos que a prova produzida, inclusivamente por declarações dos Réus, que relataram que a autora apresentou aquelas queixas após a intervenção, corroboradas pelo depoimento da testemunha Dr FF que a observou e que mencionou as queixas de dor e insensibilidade, articuladas com os registos clínicos acima mencionados que dão conta de algumas dessas queixas apresentadas pela autora após aquela intervenção, bem como o relatório pericial que refere que embora não haja registos de medição da dor a mesma é de admitir, apesar de os peritos apenas terem registado o que foi relatado pela autora no momento de realização da perícia colegial, parece-nos que não há grande diferença entre a redação pretendida e aquela que foi dada pelo tribunal a quo porquanto quer se apelidem de queixas, quer de sintomas, não houve outra forma de aferição das mesmas que não fosse o relato da autora. Ponto 30 dos factos provados- “A autora foi observada, em mais de uma ocasião, pelo Professor DD tendo, perante a insistência de comunicação de dores pela autora, sugerido que fosse removida a coroa.”
Pretende o Apelante/Réu que se altere a redação deste ponto para a seguinte:
“A autora foi observada, em mais de uma ocasião, designadamente nos dias 9 de Dezembro de 2010, 17 de Março de 2011, 19 de Maio de 2011, 2 de Fevereiro de 2012 pelo Professor DD tendo, perante a insistência de comunicação de dores pela autora, sugerido que fosse removida a coroa.
Este facto considera-se suficientemente demonstrado com base no depoimento da testemunha DD e no conteúdo do relatório clínico junto pelo CESPU que o corrobora, porém a alteração pretendida, que se reduz à concretização das datas em que a autora foi observada por aquele médico, não assume qualquer relevância para a decisão deste recurso, pelo que mantém-se a redação dada pelo tribunal a quo. Ponto 34 dos factos provados- “A lesão referida em 22) provocou à autora queixas dolorosas na zona da cirurgia, insensibilidade na região mais anterior ao 3.6 e numa região do lábio inferior esquerdo.”
Como se referiu relativamente ao ponto 23 dos factos impugnados, tal como está formulado este ponto de facto, tem como adquirida a lesão relatada no ponto ponto 22 que foi dado nesta instância como não provado, aqui se dando por reproduzida toda a fundamentação exarada quanto a esse ponto relativamente à inexistência de prova consistente quer sobre a produção de qualquer lesão na sequência da intervenção executada pelo Apelante/Réu, quer do nexo de causalidade entre aquele acto médico e as queixas que a autora relatou.
Por isso mesmo determina-se a eliminação deste ponto de facto do elenco dos factos provados, transitando para os factos não provados. Ponto 35 dos factos provados- “Dores e insensibilidade que são irreversíveis dada a lesão do nervo alveolar inferior.”
No tocante a este facto tem-se como certo que aquando da realização do relatório pericial a autora padecia de uma lesão no nervo alveolar, e segundo o relatório pericial embora não haja registos de medição da dor, a mesma é de admitir e estará consolidada de forma irreversível.
Pese embora os peritos apenas tenham registado o que foi relatado pela autora no momento de realização da perícia colegial, admitem que perante a lesão que a autora apresenta há indícios muito valorizáveis que corroboram aquela possibilidade, o que aliado aos registos clínicos que registaram tais queixas permitem com suficiente segurança considerar este facto como provado. Ponto 36 dos factos provados- “Para suportar as dores a autora toma comprimidos de benuron.” Ponto 37 dos factos provados- “Para obviar às contraindicações da referida toma de comprimidos a autora tem também de tomar um protetor gástrico.” Ponto 40 dos factos provados- “As lesões sofridas pela autora determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.”
Estes três pontos de facto também estão devidamente comprovados no relatório pericial e respectivos complementos, assim como esclarecimentos dos peritos, sendo que a lesão no nervo alveolar existente à data do exame pericial foi confirmada naquela data, e a toma do benuron para as dores de que se queixa a autora e o protector gástrico, foi considerada medicação adequada para aquele tipo de lesão pelos Srs peritos, toma que o marido e a filha da autora confirmaram.
Quanto ao ponto 40 pretende o Apelante Réu que se altere a sua redação para o seguinte: A autora apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos de origem não concretamente apurada” porém não é isso que resulta do complemento ao relatório pericial colegial de medicina dentária datado de 3.12.2020 junto aos autos, nele tendo ficado determinado que as lesões que a autora apresentou aquando do exame médico enquadram-se no Anexo II da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil como nevralgia unilateral sensitiva de ramo trigémio (também dado como provado no ponto 41 dos factos provados que não foi impugnado) não estando em causa neste ponto de facto a origem dessas lesões, apenas o défice correspondente às lesões que apresenta.
Deste modo, mantém-se a redação dos pontos de facto 36, 37 e 40. Impugnação dos factos não provados: Ponto 49 dos factos não provados- “Um mês após a remoção e colocação do implante a autora foi novamente observada pela ré CC, tendo aquela constatado que a autora havia recuperado totalmente da cirurgia.” Ponto 51 dos factos não provados- “O réu BB constatou a inexistência de qualquer lesão no nervo alveolar.” Ponto 52 dos factos não provados- “Da observação da TAC mencionada em resultou que não existia invasão do nervo alveolar inferior pelo implante, o que a autora aceitou.” Ponto 53 dos factos não provados- “As queixas que a autora apresentava não tinham relação com o procedimento cirúrgico, nem tinham suspeita na TAC efetuada e reportavam-se aos dentes incisivos centrais.” Ponto 54 dos factos não provados- “Em novos testes de sensibilidade realizados, designadamente de frio e quente, a autora voltou a reagir positivamente, ficando demonstrado que o nervo alveolar não havia sido atingido.”
Pretende o Apelante /Réu que sejam dados como provados com a seguinte redação:
“Após remoção do dente e a colocação do implante, a Autora efectuou, mensalmente, consultas e raio-x de controlo, apresentado apenas queixas próprias do procedimento;
Numa dessas consultas, foram efectuados exames sensoriais, sensitivos e motores, com resultados normais, sem indicação de insensibilidade;
Na sequência da análise das imagens da TAC o réu BB constatou a inexistência de qualquer lesão ou invasão no nervo alveolar, o que transmitiu à Autora que, após, aceitou concluir o procedimento com a colocação da coroa;
As queixas que a Autora apresentava não tinham qualquer relação com o procedimento cirúrgico, nem tinham suspeita na TAC;
Em novos testes de sensibilidade realizados, designadamente de quente, frio e de percussão, a autoria voltou a reagir positivamente, ficando demonstrado que o nervo alveolar não havia sido atingido”.
Para que todos estes pontos de facto fossem dados como provados necessário seria que tivesse existido prova segura e inequívoca, mormente pericial como já afloramos a propósito do ponto 22 dos factos impugnados, de que não existiu invasão do nervo alveolar inferior pelo implante, o que também não podemos afirmar de forma consistente, tal como não afirmamos em sentido contrário, exactamente porque os Srs peritos concluíram pela dúvida razoável e dada a ausência das imagens da TAC de 2010 que podiam elucidar tal facto temos de concluir, acompanhando o relatório pericial, que não há prova bastante de que tal invasão tenha ocorrido, como não há de que tenha ocorrido, como escrevemos anteriormente.
Resulta do teor do Complemento nº 2 ao relatório pericial colegial de medicina dentária datado de 22.09.2021 junto aos autos, que “não é, à data da realização do exame, possível determinar se no passado, ocorreu alguma invasão do lúmen desse canal (estando-se a referir ao canal mandibular, lado esquerdo) por algum implante dentário, (…) no entanto, também não há evidência que não tenha ocorrido esse evento adverso.
Este exame não permite, à data em que foi realizado, estabelecer causalidade entre a colocação do implante imediato no local de exodontia do dente 36 e consequente alteração da sensibilidade nervosa e respectiva incompetência motora que se verificou à posteriori.”
Perante tais conclusões periciais, e não sendo considerada suficiente para suplantar tal dúvida a prova por declarações de parte (interessadas no desfecho da ação e não corroboradas por outro meio de prova cabal), ou por depoimentos testemunhais, desacompanhados das imagens do TAC de 2010, devem manter-se como não provados estes pontos impugnados. Aditamento à matéria de facto provada:
“Por comunicação escrita, a Autora, por intermédio dos seus Mandatários, iniciou contactos directos com a Ré “D...”.
Relativamente a este facto, como o mesmo não foi oportunamente alegado, não pode ser levado à matéria de facto elencada na sentença recorrida, em cumprimento do disposto no art. 5º nº 1 do CPC, como acima também já havíamos referido a propósito do ponto 23 dos factos provados.
Os factos atendíveis na sentença devem ser apenas e só os alegados pelas partes, sem prejuízo da consideração dos factos instrumentais, complementares ou concretizadores verificado que se mostre o condicionalismo exigido pelo nº 2 desse preceito legal, o que não se verifica no caso dos autos, desde logo porque consubstanciaria um facto essencial à possibilidade de demanda da Ré seguradora directamente pela autora, e esse facto nem por esta, nem sequer pelo Réu/Apelante foi oportunamente alegado.
Também se diga que os documentos juntos pelas partes destinam-se, apenas e só, à demonstração de factos oportunamente alegados nos respectivos articulados, não suprindo a falta dessa necessária alegação. Responsabilidade dos Apelantes à luz da responsabilidade civil por acto médico
Tal como se considerou na sentença recorrida estamos perante um caso de responsabilidade civil por acto médico, à luz da qual a paciente demandou os médicos que a intervencionaram e a Clínica onde o acto médico foi executado por sustentar que as lesões de que hoje padece se devem a erro médico- violação das leges artis- no decurso de uma intervenção dentária a que foi submetida.
Afigura-se-nos ser entendimento maioritário, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, que a responsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual, na medida em que médico e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso (João Álvaro Dias, Procriação Assistida e Responsabilidade Médica, Coimbra, 1996, págs. 221/222; António Henriques Gaspar, A Responsabilidade Civil do Médico, in CJ, III, 1º, pág. 341 e, A responsabilidade Médica, Rui Torres Vouga, Coleção Formação Contínua, Março de 2017, CEJ; Ac RP de 10/2/2015, Proc. nº 2104/05.4TBPVZ.P1).
Este contrato é qualificado pela doutrina nacional como contrato de prestação de serviços.
Ferreira de Almeida entende que este contrato, embora não seja um tipo legal (porque não tem regulamentação legal própria), é um tipo social e nominado, porque como tal referido na prática e pressuposto em algumas disposições legais, isto é, trata-se de um “contrato socialmente típico inserido na categoria ampla de contrato de prestação de serviço, onde se incluem prestações de “trabalho intelectual” (Ferreira de Almeida, Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, Direito da Saúde e da Bioética, Lisboa, AAFDL, 1996; André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, FDUC, centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 2004).
O objecto da relação médico/paciente é o tratamento da saúde deste último e o acto referencial e enquadrador dos interesses em jogo é juridicamente qualificável como um contrato de prestação de serviços médicos, com previsão no art. 1154º do Cód. Civil, mas não especialmente regulado.[2]
O médico, em consultório privado, aceita prestar ao doente, que o procura para o efeito, a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, por seu lado, a retribuição que for devida (honorários), muito embora este pagamento não seja elemento essencial.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, a responsabilidade civil médica é contratual “quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais.[3]
Existe, por um lado, a manifestação da vontade do doente no sentido de ser observado e tratado pelo médico; do outro, a aceitação, por parte deste último, desse encargo, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente (neste sentido, entre outros, António Henriques Gaspar, Ob. cit., Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Centro de Direito Biomédico da FDUC, Coimbra Editora, pág. 56-69, AC RL de 09.10.97, Rec. nº 4816 – 6ª Secção, AC RP de 20.07.2006, Proc. nº 0633598, AC RP de 1.03.2012, Proc. n.º 9434/06.6TBMTS.P1, todos in www.dgsi.pt).
Atendendo à matéria de facto demonstrada nos autos, no seguimento do acompanhamento que fazia à saúde oral da autora, a ré CC, em Maio de 2010, aconselhou-a a colocar um implante dentário (pós extracção) ao nível do dente 3.6, tendo-a informado que não seria ela a realizar o implante, mas sim o réu BB, sendo que a intervenção consistente na colocação do implante dentário foi realizada pelo réu BB em Maio de 2010, tendo sido acompanhado pela ré CC que o coadjuvou nos trabalhos de limpeza bocal.
Sendo assim, no caso sub judice, a verificarem-se os danos causados à Autora, enquanto paciente, por acto ilícito praticado pelo Apelante/Réu, como a mesma alegou, a responsabilidade afigura-se-nos assumir natureza contratual, na medida em que decorrerá de violação de dever jurídico referente ao contrato de prestação de serviços médicos estabelecido de modo informal entre a Autora e aqueles Réus, pois que da parte da Autora houve manifestação de vontade de ser tratada pelo Apelante/Réu e pela co-Ré CC e a aceitação desse encargo por parte destes últimos, embora não se exclua, sem mais, a possibilidade de coexistir responsabilidade civil extracontratual.[4]
A distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual não é despicienda, cabendo destacar, entre outras, que enquanto na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado demonstrar a existência de todos os pressupostos que a caracterizam, na responsabilidade contratual há uma inversão do ónus da prova no que diz respeito à culpa, pois, uma vez provado o incumprimento do dever contratual, cabe à parte infractora demonstrar que não agiu culposamente, justificando devidamente a razão da sua conduta ou invocando causa excludente da responsabilidade.
Como salienta Rui Torres Vouga, “ embora, em principio, os deveres de conduta a que o médico está sujeito sejam sensivelmente os mesmos, interceda ou não uma relação contratual entre ele e o doente, o regime jurídico da responsabilidade contratual mostra-se mais favorável ao paciente/credor e mais desfavorável ao médico/devedor do que o regime da responsabilidade extra-contratual.”[5]
Assumindo-se a posição de que a responsabilidade civil médica é, por regra, de natureza contratual, apenas recairá sobre o médico a presunção de culpa a que alude o nº 1 do citado art. 799º (neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1996, AAFDL, págs. 117-118, J. Sinde Monteiro, RLJ, 123º, pág. 93, Sinde Monteiro/Maria Manuel Veloso e Álvaro da Cunha Rodrigues, Reflexões em Torno da Responsabilidade Civil dos Médicos, Revista Direito e Justiça, 2000, XIV, nº 3, págs. 182, 183 e 209, AC RP de 24.02.2011, já citado, AC RP de 17.11.2005, Proc. nº 0534727, os já citados Acs. do STJ de 05.07.2001, de 18.09.2007 e de 27.11.2007, os Acs. do STJ de 17.12.2002, Proc. nº 02A4057, de 22.05.2003, Proc. nº 03P912, todos in www.dgsi.pt; o AC STJ de 15.12.2011, CJ STJ, XIX, 3º, pág. 163 e Ac RL de 13/5/2013, Proc. nº 2199/08.9TVLSB.L1-2), embora haja igualmente quem sustente que, salvo casos excepcionais, a presunção de culpa do devedor consagrada no art. 799º nº 1 do CCivil não tem lugar no domínio da responsabilidade civil médica, porque não recai sobre o médico, em regra, qualquer obrigação de resultado (Manuel Rosário Nunes, O Ónus de Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos, 2005, p. 48/56; Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, ob. Cit., p. 127).
Não obstante, a opção por qualquer um dos tipos de responsabilidade- contratual/extracontratual- não assumirá relevância no caso sob apreciação, já que a demonstração do pressuposto da ilicitude e do nexo de causalidade entre o acto médico violador das leges artis e a lesão e sequelas de que a Apelada padece caberia sempre e em qualquer daqueles casos a esta última, atendendo ao tipo de obrigação concretamente assumida pelo médico.
A execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode, em alguns casos, implicar uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, porém, o corrente, na prática, é o acto médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios, o que se nos afigura ter sido o caso.
A este respeito já Manuel de Andrade, ensinava que “embora o doente busque naturalmente, ao recorrer ao médico, a sua cura, a sua saúde perdida – ou que ele lhe evite um estado de doença –, o médico não se obriga à produção de tal resultado, mas apenas a empregar uma certa diligência para tentar curar o doente ou evitar-lhe o mal que ele receia; somente se vincula – por outras palavras – a prestar-lhe assistência, mediante uma série de cuidados ou tratamentos aptos a curar». «Só a isso se obriga, só por isso responde.”[6]
De igual modo António Henriques Gaspar escreve que, “a obrigação do médico, em termos gerais, consiste, pois, em prestar ao doente os melhores e mais adequados cuidados ao seu alcance, de acordo com a sua aptidão profissional e em conformidade com as «leges artis» e os conhecimentos científicos actualizados e comprovados ao tempo da prestação, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida. Nesta fórmula ampla se compreende toda a actividade profissional, intelectual ou técnica que tipicamente se pode designar por «acto médico». [7]
O médico não assegura, nem pode assegurar, ao menos em princípio, a cura da enfermidade do paciente, tanto mais que tal cura não depende, apenas, de intervenção médica, mas também de vários factores endógenos e exógenos, entre os quais relevam, designadamente, a resistência do doente, a sua capacidade de regeneração e o estado do organismo (Álvaro da Cunha Rodrigues, «Reflexões em Torno da Responsabilidade Civil dos Médicos», Revista Direito e Justiça da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, vol. XIV, 2000, pág. 182-183).
Deste modo, o médico erra não quando não atinge o resultado da cura ou da atenuação do mal ou do sofrimento do paciente, mas quando não utiliza com diligência, perícia e consideração as técnicas e conhecimentos reconhecidos pela ciência médica, para o concreto caso clínico, que definem, em cada momento, as leges artis.
Como se pode ler, a título exemplificativo, do Ac RC de 28.11.2018, “Considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, sobre este recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade, nos termos do art. 799º, nº1 do C.Civil, que consagra uma presunção de culpa do devedor.
Mas esta presunção refere-se, tão só, à culpa, pois que a prova da existência do vínculo contratual e da verificação dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do médico competiria sempre ao doente (…)
No caso de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.”[8]
As leges artis são entendidas como o conjunto de regras da arte médica, isto é, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal abordagem ocorre. [9]
No mesmo sentido o Ac RL de 29.06.2017, de forma esclarecedora decidiu que “em sede de responsabilidade civil médica, porque por regra a obrigação (contratual) do médico é de meios, que não de uma obrigação de resultado, incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.
Ou seja, ao paciente incumbirá a prova de que foi vitima de erro médico, provando v.g. um cumprimento defeituoso do médico, porque vítima de imperícia (v.g. utilizando a técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais), de imprudência, de desatenção, de negligência (cumprindo defeituosamente a sua obrigação) e/ou de inobservância dos regulamentos.
Feita a prova indicada, então sim, tem lugar a presunção de culpa do médico, podendo esta última ser ilidida caso demonstre o médico que agiu correctamente, maxime provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas.”[10]
O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o médico actue em conformidade com essas regras e actue com diligência normal (neste sentido, Moitinho de Almeida, op. cit., pág. 337, António Henriques Gaspar, op. cit., págs. 335 e segs., Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., pág. 126, Ac. STJ de 15.11.2012, Proc. n.º 117/2000.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Não estando em causa, em princípio, a prestação de um resultado, não será suficiente alegar e demonstrar a não obtenção de um certo resultado ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside, sempre, na prática deficiente/defeituosa do acto, na abstenção da prática dos actos exigidos pela situação clínica do doente ou na prática de actos sem obtenção prévia do necessário consentimento livre e esclarecido.
Como assertivamente se decidiu no recente Ac STJ de 16.01.2025, “No domínio dos contratos de prestações de serviços médicos, considera-se que a prestação é defeituosa quando for levada a cabo com violação de deveres de cuidado a que o prestador está obrigado, nomeadamente com violação das leges artis.”[11]
A obrigação de indemnizar o paciente só surge se a actuação do médico for ilícita (violadora de deveres deontológicos; da leges artis), culposa (merecedora de censura) e causadora de danos.
Relativamente à matéria do ónus de prova dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, é sobre quem invoca a prestação inexacta da outra parte como fonte da responsabilidade que há-de recair o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento (facto ilícito), os nexos de imputação e de causalidade, bem como os prejuízos dele decorrentes (dano), ou seja, esses pressupostos da obrigação de indemnizar ficam a cargo do paciente, com excepção da culpa, cuja demonstração de inexistência impende sobre o médico demandado - art. 342º, nº 1, do Cód. Civil.
Como sustenta Carlos Ferreira de Almeida, ao paciente/credor incumbirá provar além do prejuízo, a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as «leges artis», bem como o nexo de causalidade entre defeito e dano.[12]
Essencial numa ação de responsabilidade por acto médico é a prova da desconformidade da concreta actuação do médico com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes.
Ao doente/credor caberá demonstrar que houve da parte do médico, prestador de cuidados de saúde, inobservância de um dever objectivo de cuidado, em termos de ter existido uma inexecução de um dever geral de diligência que o médico ou o prestador de serviços conhecia ou podia conhecer aquando da cirurgia, do tratamento ou internamento, ou que utilizou uma técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais da chamada leges artis(entre outros Ac STJ de 6.01.2020, Proc. Nº 700/16.3T8PRT.P1.S1 e Ac STJ de 23.03.2017, Proc. Nº 296/07.7TBMCN.P1.S1, consultáveis em júris.stj.pt; Ac RC de 28.11.2018, Proc. Nº 558/11.9TBCBR.C1, Ac RL de 29.06.2017, Proc. Nº 4386/07.8TVLSB.L1-6, Ac RP de 10.02.2015, Proc. nº 1485/10.2TJVNF.P1 e, www.dgsi.pt).
Reportando-nos ao caso sub judice a responsabilidade dos Apelantes pela lesão de que a Apelada neste momento padece estava dependente da prova, a cargo da mesma, de que o acto médico fora executado defeituosamente pelo Apelante BB ao não ter observado as boas regras da prática médica, por inobservância das leges artis, por uma errada escolha dos meios técnicos utilizados, por imperícia e/ou deficiente qualidade do equipamento utilizado e/ou por falta de cuidado exigido, como a autora alegara na petição inicial, de que na intervenção de extração do dente e colocação de implante havia ficado lesionado o nervo alveolar inferior, e que fora essa execução defeituosa que dera causa à lesão na sua saúde.
A causa de pedir invocada pela Apelada/Autora para a instauração da presente ação de responsabilidade civil por acto médico não se fundamentou na omissão de qualquer meio de diagnóstico (como de forma inédita o tribunal a quo introduziu nos autos sem prévia alegação da parte), mas no alegado corte ou interseção do nervo alveolar aquando da cirurgia de extração do dente e simultânea colocação de um implante.
Deste modo, era sobre a Apelada/Autora que recaía o ónus de provar que o Apelante/Réu cumprira com defeito a intervenção de extração do dente e colocação do implante e que havia uma relação de causa/efeito entre tal cumprimento defeituoso e a lesão que agora apresenta.
Acontece que a Apelada/Autora não logrou provar o acto ilícito que imputou ao Apelante/Réu, não logrou demonstrar o defeito de execução na intervenção de extração do dente e simultânea colocação do implante que segundo a sua alegação se tinha traduzido na lesão do nervo alveolar, não tendo ficado demonstrada a apontada violação da leges artis.
Falhando esse pressuposto essencial da responsabilidade civil subjacente à pretensão indemnizatória formulada pela aqui Apelada/Autora, a mesma terá de ser julgada improcedente, e dela absolvidos quer o Apelante/Réu BB, quer a Apelante/Ré Clínica A..., Lda, desde logo porque a pretensão formulada contra esta última dependia em absoluto da responsabilização daquele Réu (alegadamente enquanto auxiliar daquela).
Em suma, não estando demonstrados os necessários pressupostos da responsabilidade civil, não subsiste qualquer fundamento legal para a condenação dos Apelantes/Réus, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
E nessa medida, considera-se prejudicado o conhecimento das demais questões recursivas (art. 608º nº 2 ex vi do art. 663º nº 2 do CPC).
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedentes os recursos interpostos pelos Apelantes, revogando-se a sentença recorrida e consequentemente absolvendo-se os ApelantesBB e Clínica A..., Lda de todos os pedidos.
Custas a cargo da Apelada, que ficou vencida.
Notifique.
Porto, 25.02.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Márcia Portela
(1ª Adjunta)
João Diogo Rodrigues
(2º Adjunto)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
____________________________________ [1] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [2] neste sentido, entre outros, AC STJ de 05.07.2001, CJ STJ, IX, 2º, pág. 166, AC STJ de 18.09.2007 Proc. nº 07A2334, AC STJ de 27.11.2007 Proc. nº 07A3426 e o AC RP de 24.02.2011 Proc. nº 674/2000.P1, todos in www.dgsi.pt [3] Sobre o Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica, Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1996, AAFDUL, pág. 127 [4] neste sentido o Ac RP de 11.09.2012, Proc. nº 2488/03.9, Ac STJ de 28/5/2015, Proc. nº 3129/09.6TBVCT.G1.S1 e Ac STJ de 28/1/2015, Proc. nº 136/12.5TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt [5] A responsabilidade Médica, Rui Torres Vouga, Colecção Formação Contínua, Março de 2017, CEJ [6] eoria Geral das Obrigações, 3ª edição, Coimbra, pág. 414 [7] Ob. cit., pág. 342 [8] Proc. Nº 558/11.9TBCBR.C1, www.dgsi.pt [9] neste sentido, Ac RP de 12.09.2024, Proc. Nº 7157/16.7T8PRT.P1, www.dgsi.pt [10] Proc. Nº 4386/07.8TVLSB.L1-6, www.dgsi.pt [11] Proc. Nº 1476/17.2T8LSB.L1.S1 [12] ob. cit., pág. 117.