SENTENÇA
QUESTÕES DE FACTO
CAUSA DE PEDIR
OBJETO DO LITÍGIO
EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO
INÍCIO
Sumário

1 - As questões a apreciar na sentença e os limites da factualidade a considerar para o efeito não derivam dos termos em que foram definidos o objecto do litígio e elencados os temas de prova, mas antes da causa de pedir invocada pelo autor e das excepções arguidas pelo réu.
2 – O prazo de 30 dias fixado para a dedução de embargos de terceiro conta-se de qualquer facto em função do qual resulte a convicção de que o embargante tomou conhecimento da virtualidade de um acto (v.g. uma penhora) ofender o direito de propriedade ou a posse que se apresenta a invocar nos próprios autos de embargos de terceiro.
3 – A interposição de um recurso por quem não é parte na causa exige a demonstração de que a decisão recorrida lhe determina um prejuízo directo e efectivo, requisito que não se preenche com a alegação de eventuais efeitos numa outra acção entre as mesmas partes, mas que não resultarão da decisão recorrida, ou com a alegação da afectação da honra e consideração de um dos intervenientes na causa, em função da apreciação da sua intervenção em alguns actos jurídicos relativamente aos quais a decisão recorrida nada dispôs.
4 – O conhecimento das questões suscitadas por via do expediente de ampliação do objecto do recurso, utilizado pela parte vencedora para a eventualidade de reversão da decisão recorrida, fica prejudicado no caso de confirmação deste decisão.

Texto Integral

PROC. N.º 19860/15.4T8PRT-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - Juiz 2

REL. N.º 940
Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Márcia Portela
2º Adjunto: Juiz Desembargador Rodrigues Pires

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1. RELATÓRIO

AA veio deduzir embargos de terceiro por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A..., SA moveu a B..., SA, a propósito da penhora concretizada sobre a fracção autónoma designada pela letra G, destinada a habitação, composta por moradia unifamiliar do tipo T4, com anexo, logradouro com a área de 2.896,35 m2, zona de estacionamento e piscina, integrante do prédio constituído em regime de propriedade horizontal da freguesia e concelho de Cascais, descrito na conservatória do registo predial sob o número .../Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
Requereu o levantamento da penhora e o cancelamento do respectivo registo, alegando que a mesma ofende a sua posse, porquanto:
- o prédio penhorado corresponde ao prédio urbano sito na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., ..., Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ... da ... (anterior artigo n.º ... da freguesia ...), com área total constante da descrição e da matriz de 112m2, apesar de a área real corresponder atualmente a cerca de 375 m2, devido a acrescentos realizados ao longo dos anos,
- após contrato-promessa, a 27.09.2002, foi outorgada a escritura pública de compra e venda respeitante à venda do prédio que corresponde à descrição predial n.º ... – não tendo sido realizada, contudo, a venda da parte urbana referente ao antigo artigo n.º ..., uma vez que esta parte foi previamente desanexada por pedido apresentado em 1999, dando origem à descrição predial n.º ... –, tendo a respetiva aquisição sido registada a favor da “C..., S.A.”
- à data da escritura, já tinha sido desanexada a parte urbana composta pela moradia de 112 m2 (área declarada e descrita para efeitos registais e matriciais) e que corresponde atualmente à descrição predial n.º ... – propriedade do Embargante.
- foi então celebrado um Acordo de Retificação de Estremas, por meio do qual o Embargante e a C... se obrigaram a compensarem mutuamente a contraparte, em caso de alterações à área do prédio conhecida e registada na Conservatória do Registo Predial,
- invocou a aquisição originária do imóvel penhorado.
Notificadas a exequente a executada, ambas contestaram, impugnando especificadamente os factos e concluindo pela improcedência dos embargos.
O processo foi saneado, com fixação do objecto do litígio e selecção dos temas de prova, nos seguintes termos:
“Objeto do litígio
- saber se a penhora do imóvel id. no auto de penhora se deve ou não manter por a penhora ofender a propriedade da embargante
Temas de prova
- aquisição derivada;
-aquisição originária: caracteres da posse do embargante sobre os bens penhorados.
- desanexação de prédios.”
Admitida a prova, o processo prosseguiu para julgamento e, no termo da pertinente audiência, foi proferida sentença que fixou como questões a decidir:
“- caducidade do direito a embargar (o Tribunal não se pronunciou sobre esta matéria em sede de despacho saneador, pelo que inexiste caso julgado material dobre esta questão)
- penhora do imóvel id. no auto de penhora se deve ou não manter por a penhora ofender a propriedade da embargante.”
De seguida, o tribunal concluiu pela extemporaneidade dos embargos, em atenção ao facto de o embargante ter sido notificado da nomeação como fiel depositário da fracção penhorada, em 2021, só tendo deduzido os presentes embargos em 2023, sendo insustentável a sua tese segundo a qual só em Outubro de 2023 teve conhecimento da penhora. Com tal fundamento, decretou a improcedência dos embargos, mantendo a penhora sobre a fracção G.
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Desta decisão vêm interpostos diversos recursos.
O primeiro foi interposto pelo embargante AA, que o terminou formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou os embargos improcedentes e, em consequência, manteve a penhora da fração “G”.
B. Com o devido respeito, entende o Apelante que ficou demonstrada a tempestividade do requerimento de embargos, que a fração “G” não corresponde ao imóvel de que o Apelante é dono e legítimo proprietário e possuidor e que, em qualquer caso, a penhora da fração G não pode produzir quaisquer efeitos sobre o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ..., com a área registada de 112m2,
C. Pelo que, vem também recorrer da matéria de facto, concretamente, dos pontos 3.1.37 dos factos provados e dos pontos 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 dos factos não provados da sentença recorrida.
D. A decisão quanto à alegada extemporaneidade do requerimento de embargos foi proferida sem que tivesse sido objeto de instrução adequada, tratando-se de uma questão que nem sequer foi incluída nos temas da prova.
E. Decorre do art.º 410.º do CPC que a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, os quais balizam a matéria de facto a apreciar, pelo que não pode servir de base fáctica à decisão o que neles não se enquadra.
F. Ao concluir pela extemporaneidade dos embargos, o Tribunal a quo extravasou os temas de prova enunciados, proferindo uma decisão surpresa, fundamentada em factos de ponderação imprevisível, face à delimitação previamente efetuada.
Sem prescindir,
Facto Provado n.º 3.1.37:
G. A fração G e o prédio de que o Apelante é dono e legítimo proprietário não se confundem e não podem ser considerados como se do mesmo imóvel se tratassem.
H. A penhora da fração G não pode produzir efeitos sobre o imóvel com a descrição predial n. º ... e área registada de 112m2, para além de que, este último imóvel (descrição predial n. º ... e área registada de 112m2, apesar de a área de construção corresponder atualmente a cerca de 375m2), sendo propriedade do Apelante, não consta [e bem] do auto de penhora.
I. A prova produzida nos autos permitiu demonstrar que (i) o Apelante vive há mais de 40 anos no imóvel identificado, (ii) o qual era parte de um terreno maior, de natureza mista, que lhe pertencia, (iii) que, antes de vender parte do terreno rústico desanexou a casa principal, tendo sido criada uma ficha no registo predial que tem uma metragem registada de 112m2.
J. Da documentação junta ao processo resulta que, em 27 setembro de 2002, foi transferido um prédio urbano e um prédio rústico para a Apelada C... [e não dois artigos matriciais urbanos] e na mesma data, foi assinado um contrato promessa de compra e venda que excluiu a casa principal (com 112m2 registados no registo predial), a qual era já propriedade do aqui Apelante, e não estava abrangida pelo negócio, o que nunca foi objeto de discussão.
K. Quando questionado sobre “A que corresponde a fração G?”, a testemunha BB disse expressamente que corresponde “ao terreno que sobrou e que tinha que ser passado no contrato promessa de compra e venda mais os 64m2 que estavam registados como a tal casa de caseiro, que era um imóvel que não tinha sido, uma matriz urbana que não tinha sido passada” mas nunca ao prédio que já era propriedade do seu pai e que tinha sido desanexado previamente (conforme transcrição do depoimento efetuada e devidamente identificada nas alegações de recurso).
L. O imóvel desanexado, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ... da ..., com área total constante da descrição e da matriz de 112m2 não poderá ser considerado ou sequer integrado no âmbito da penhora da fração G, ou sequer coincidente ou confundido com a referida fração G.
M. O referido imóvel pertence ao Apelante, sendo sua propriedade, facto que nunca foi colocado em causa pelos Apelados, que sempre o aceitaram sem qualquer objeção ou reserva.
N. Ainda que se conclua que o Apelante ocupa parte da área correspondente à fração G penhorada no processo executivo, é imperioso excluir da mesma o prédio descrito sob o n. º ..., com a área de 112m2 no registo, do qual é dono e legítimo proprietário.
O. A penhora da fração G não poderá produzir efeitos sobre o prédio urbano de que o Apelante é legítimo proprietário - descrito sob o n. º ..., com a área de 112m2 no registo – o qual nem sequer está descrito no auto de penhora, nem é identificado nas comunicações remetidas ao Apelante, nem por provas inequívocas a qualquer construção, porquanto excluindo os 64m2 já construídos e que se mantêm no local com a designação de “...”, nada mais existe, muito menos uma moradia unifamiliar T4.
P. Atendendo aos documentos juntos ao processo, especialmente, os documentos prediais / de registo, plantas e respetivos contratos celebrados e considerando ainda o depoimento da testemunha BB deve ser alterada a redação do ponto 3.1.37 dos factos provados, o qual deverá passar a ter a seguinte redação:
“A fração G, a sua área, corresponde a parte da área do prédio [lote de terreno para construção] ocupado pelo embargante, excluindo o imóvel com a área registada de 112m2 do qual o Embargante é dono e legítimo proprietário.”
Dos factos não provados, n.ºs 3.2.1., 3.2.2. e 3.2.3.
Q. Está demonstrado nos autos que o Apelante é dono e legítimo proprietário, com registo inscrito a seu favor, do prédio urbano sito na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., ..., Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ... da ..., com área total constante da descrição e da matriz de 112m2.
R. O edital não identifica, nem faz qualquer referência ao referido prédio urbano.
S. Não é expectável, nem se pode esperar que, quando confrontado com o edital e com a notificação de nomeação de fiel depositário, o Apelante tivesse percebido e ficado a saber que estaria em causa o imóvel de que é proprietário, o qual nunca foi sequer referido nos documentos que lhe foram disponibilizados.
T. Foram estabelecidos contactos com a Sra. Agente de Execução, tendo em vista o esclarecimento de eventuais questões, não tendo Apelante recebido qualquer despacho ou notificação do qual resultasse que, no entendimento do Tribunal, o Embargante habita no imóvel que corresponde ao imóvel penhorado nos autos.
U. Pelo que, só quando foi notificado do despacho com a referência n.º 448282104, por notificação datada de 25.10.2023, é que o Apelante se apercebeu e tomou conhecimento da ofensa real e iminente aos seus direitos de propriedade e posse, na sequência do que, e de imediato, instaurou uma ação de reconhecimento da sua propriedade contra, entre outros, a Apelada B..., S.A., a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste sob o processo n.º 3597/23.3T8CSC,
V. O que foi atestado pelo próprio Apelante e pela testemunha BB que tem um conhecimento pleno de todo o processo e confirmou ter acompanhado sempre o Pai, prestando um depoimento seguro e credível que deverá ser devidamente valorado.
W. Atendendo à documentação junta aos autos, ao depoimento da testemunha BB e às declarações do próprio Apelante, devem os pontos 3.2.1, 3.2.2. e 3.2.3 ser retirados do elenco dos factos não provados e integrados no elenco dos factos provados com a seguinte redação:
“3.1.41. O embargante apenas teve conhecimento, por notificação datada de 25.10.2023 (embora apenas se considere notificado a 30.10.2023), do despacho do Tribunal com a referência n. º448282104, de que apesar das sucessivas explicações do Embargante à Agente de Execução de que o prédio urbano com a área de 112 m2, com acesso pelo n. º... da Rua ..., em Cascais, propriedade do Embargante dispõe, nada tem a ver com o imóvel objeto de penhora, o qual inexiste fisicamente.
3.1.42. Tendo, inclusive, o Embargante ficado convencido do reconhecimento do seu direito de propriedade e de posse relativo ao imóvel em questão nos presentes autos de execução estava devidamente esclarecido
3.1.43. Pelo que, só com o referido despacho proferido pelo Tribunal, o Embargado teve conhecimento da ofensa real e iminente aos seus direitos de propriedade e posse, o que o levou a dar entrada a ação de reconhecimento da sua propriedade contra, entre outros, a Executada B..., S.A., a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste sob o processo n.º 3597/23.3T8CSC.”
Termos em que deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente, por provado, com a consequente extinção da execução e levantamento da penhora nos precisos termos pedidos pelo aqui Apelante, assim se fazendo a costumada Justiça!
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CC, casado, residente na Rua ..., e D..., SA, com sede na Rua ..., no Porto, invocando aquele a qualidade de legal representante da 2ª, e ambos o facto de serem terceiros prejudicado pela decisão, apesar de não serem parte na execução nem nos embargos, vieram também interpor recurso. Terminaram-no formulando as seguintes conclusões:
“I. Os Recorrentes têm legitimidade, nos termos do disposto no art. 631.º, n.º 2, do Cód. de Processo Civil, para a interposição do presente recurso, uma vez que são terceiros directamente prejudicados pela Decisão sob censura, quer porque o primeiro vê pela mesma ofendido o seu bom nome, sendo-lhe pelos factos ali dados como provados sob os pontos 3.1.27. e 3.1.28. imputada a prestação de falsas declarações aquando da celebração da escritura de propriedade horizontal, quer porque a 2º é titular de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu, uma vez que é a titular inscrita da fracção penhorada, assim lhe sendo subjectivamente extensível a eficácia da sentença, sendo que ambos tomaram conhecimento da decisão em crise em 18/07/2024.
II. Se em regra o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto e de direito, assim não sucede quando a decisão anterior define direitos de tal forma que se apresenta como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, como se verifica in casu relativamente à 2ª Recorrente, face à acção para reconhecimento de Direito que se mostra a correr termos pelo Juiz 2 do Juízo Central Cível de Cascais, interposta pelo Embargante contra si, sendo que por Despacho de 11/02/2024 foi por esse Tribunal solicitada informação sobre o estado dos presentes autos, designadamente se tinham sido recebidos e se existia trânsito e ali foi alegada Litispendência.
III. Nos termos alegados verifica-se entre a indicada acção e os presentes embargos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
IV. A decisão sob censura está ferida de nulidade, na parte em que conhece do pedido, pois que todas as questões levantadas pelo Embargante em sede de embargos, e conhecidas pelo MM Juiz a quo na parte da sentença ora posta em crise, haviam já sido anteriormente, e por mais do que uma vez, decididas pelo próprio Tribunal a quo, e com trânsito, em diversos momentos.
V. O Tribunal a quo pronunciou-se em 16/05/2023, nos autos principais, sobre uma exposição detalhada efectuada pela AE nomeada, acerca do conflito jurídico que envolvia a propriedade da fracção penhorada, onde aquela transmitiu as posições assumidas pelo Embargante e Embargadas, na altura Fiel depositário, Exequente e Executada, transmitindo que aquele alegava que a fracção penhorada não tem existência física, e as embargadas o oposto, e tendo procedido à junção de todos os documentos atinentes à decisão de tal disputa.
VI. E pronunciou-se no sentido de não vislumbrar fundamento jurídico que impedisse a prossecução da execução sobre a fracção penhorada.
VII. Por Despacho proferido nos mesmos autos a 29/06/2023, Ref. 449809845, o Tribunal a quo absteve- se de conhecer do pedido, agora impetrado pelo próprio Embargante, por Requerimento junto aos autos em 19/05/2023, Ref. 35601539, considerando que se tinha já esgotado o seu poder jurisdicional sobre tal conflito estando, assim, vedado ao Tribunal proferir nova decisão sobre a mesma questão.
VIII. A causa de pedir, os factos e os supostos direitos, então alegados pelo Embargante, são idênticos, a factualidade e fundamentação jurídica trazida a juízo por via do seu indicado requerimento de 19/05/2023, para justificar o seu pedido, são rigorosamente idênticas a dos presentes embargos e radicam na alegação do Embargante de que é o dono da fracção penhorada,.
IX. Esta era a única questão levantada pela AE nos seus requerimentos, sempre a questão que foi objecto dos identificados Despachos.
X. Os despachos supra identificados transitaram em julgado, e pelo que estava vedado ao Tribunal a quo pronunciar-se novamente sobre a mesma questão, contradizendo as decisões anteriores por si proferidas, como lhe estava vedada qualquer indagação sobre a relação controvertida, como veio a fazer pela Decisão sob censura.
XI. O Tribunal a quo violou, pois, ao conhecer do pedido, o prescrito nos arts. 615.º, n.º 1, al. d); 619.º n.º 1, todos do Cód. de Processo Civil.
XII. Todo o anómalo andamento dos presentes embargos radicam no recebimento indevido dos mesmos pelo Despacho de 11/12/2023, Ref. 465767958, sendo que por mais que já transitado em julgado, resulta absolutamente contralegem, pois que dos autos constavam já, aquando da sua prolação, e ostensivamente, diversos elementos e concretamente o Auto da penhora efectuada já no ano de 2021, e relativamente à qual o Embargante, na sua petição de embargos, não alegou um único facto, nem a referiu, assim ali não tendo alegado um único facto tendente a demonstrar o seu eventual conhecimento superveniente da mesma.
XIII. Constam dos autos diversos documentos autênticos, Decisões judiciais, e Perícias judicialmente ordenadas, que foram absolutamente desconsiderados, ou erradamente apreciados, e que impunham diversa decisão, no sentido da fracção penhorada ser pertença da ora Recorrente, concretamente a escritura de compra e venda celebrada entre o Embargante e a C..., por via do qual, como o próprio admite (com excepção de 112 m2 que teria destacado em Março de 1999), aquele transmitiu aquela a fracção ora penhorada, bem como a posterior escritura de compra e venda celebrada entre a referida C... e aqui Recorrente, por via da qual essa mesma propriedade foi a esta transmitida, e ainda o contrato promessa celebrado entre o Embargante e aquela sociedade C..., que impediam que fosse produzida, como foi, prova testemunhal a respeito.
XVI. Violou, deste modo, o Tribunal a quo, o prescrito nos arts. art.º 376.º e 394 do Cód. Civil, admitindo prova testemunhal sobre documento particular cuja autoria se mostra reconhecida, e que teve por objecto convenções contrárias ao conteúdo dos documentos autênticos e do documentos particular supra identificado.
XVI. A Motivação mostra-se pejada de tal forma de confusões e de erros, aos mais diversos níveis, que a mesma resulta em diversos pontos absolutamente ininteligível – dir-se-ia a raiar a nulidade.
XVII. Tais ostensivos erros são os seguintes - a p. 15, último parágrafo da Decisão; a p. 16, parágrafo imediatamente a seguir; mesma p., parágrafo seguinte; ainda na mesma p., parágrafo 4.º e p. 18, 2º paragrafo, o Tribunal a quo alude ao facto do ali por si expendido ter sido confirmado em audiência por DD, sendo que este, como é patente, não foi sequer indicado como testemunha, e não prestou em audiência de julgamento qualquer depoimento.
XVIII. Mais grave e ostensivo erro assume o efectuado pelo Tribunal a quo a p. 16, último parágrafo e 17, sempre da Decisão sob censura, pois ali o Tribunal invoca o 2º contrato promessa junto pelo Embargante sob o Doc. 7, celebrado entre a C... e o embargante e sua mulher, mas procede antes à transcrição, do clausulado do 1º dos contratos promessa que ali o Embargante juntou (!”?), ie, o clausulado do contrato promessa celebrado entre o sempre citado DD em nome próprio e o Embargante, para depois afirmar que “Neste contrato promessa de compra e venda não é efectuada qualquer referência ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., o que sustenta a versão do embargante de que a casa onde sempre residiu e que foi objecto de desanexação por pedido formulado em 1999 e admitida em 2002, não foi objecto do contrato de venda (…)”.
XIX. Sendo certo que, ao contrário do ali vertido, no contrato promessa invocado pelo Tribunal a quo, celebrado entre a C... como Primeira Outorgante, e o Embargante e sua mulher, como Segundos Outorgantes, entre o mais, consta sim essa referência à casa onde vive, como o seu simples compulsar impõe concluir.
XX. Nova confissão vai ínsita logo a seguir mais afirmado na Decisão, parágrafo seguinte, uma vez que artigos os artigos matriciais ali indicados, o art. ... e ..., não se mostram em discussão nos presentes autos, assim como também na mesma p. 18, 3.º se verifica outra confusão, desta feita entre a Executada / Embargada B... e a Recorrente, e ainda na mesma p., parágrafo imediatamente a seguir, a mesma confusão, pois por mais que não se aceite que tenha resultado provado que a ora Recorrente tenha isentado o Embargante de comparticipação no condomínio, conforme o dado como provado sob o ponto 3.1.25. tal acordo teria sido alcançado consigo, e não, como ali vertido, com a C..., e sendo ainda que ao contrário do explanado no primeiro parágrafo da p. 19, a titularidade da fracção G nestes autos penhorada não se mantém junto da ATA em nome da executada – mas sim, já se sabe, da Recorrente.
XXI. A p. 20, 1º parágrafo, o Tribunal a quo comete grave erro de julgamento, mormente tendo presente que o ali expendido foi fundante da Decisão sobre a matéria de facto, ao afirmar que a posse do embargante não é precária, porque pelo contrato promessa de venda junto como Doc. n.º 7 resulta, de forma inequívoca, que ocorreu uma promessa de venda, com recebimento imediato do preço, em relação à parte que ali se refere e que viria a integrar a fracção “G”,
XXII. Pois compulsados os dois contratos ali juntos, e sob pena de total ininteligibilidade, verifica-se que o tribunal a quo só se poderá estar a referir ao segundo contrato ali junto, o contrato promessa celebrado entre a C... e o Embargante e sua mulher, pois que no primeiro o recebimento do preço mostra-se previsto acontecer de forma faseada, sendo um determinado remanescente deixado para a data da celebração da escritura de compra e venda, de modo que, elaborando o Tribunal a quo sobre a certeza do “preço” ter sido imediatamente recebido, só se poderá estar a referir ao segundo contrato, celebrado entre a C... e o Embargante e sua mulher, pois que ali efectivamente se alude a um preço já recebido, e de que foi logo dada a competente quitação, por via da outorga do mesmo.
XXIII. O facto é que entende a Recorrente ser inequívoco sim que o preço de € 50.000, 00 ali mencionado é o preço da construção da piscina, ali prescrita vir a ser construída pela Promitente Vendedora – a C..., S.A.. - e que nada tem que ver com o recebimento da venda da fracção a constituir.
XXIV.O contrato sempre em apreço é a este respeito absolutamente omisso.
XXV. Conclusão que se impõe, crê-se, tendo presente que, como se disse, a ali Primeira Outorgante é a C..., sendo o Embargante e sua mulher os Segundos, e mais tendo presente que são estes Segundos Outorgantes que ali declaram ter recebido o preço, e que ali dão a respectiva quitação, sendo ainda certo que o Tribunal a quo mais dá como provado, sob o ponto 3.1.27 (iii), dos Factos Provados, que a piscina veio a ser construída pelo Embargante.
XXVI. Seguro é que no contrato em questão não se mostra clausulado, nem declarado, que a C... tenha recebido o preço, ou o que quer que fosse.
XXVII. Como seguro é que estava vedado ao Tribunal a quo fazer constar da Motivação, como fez, nos termos supra referidos, que ocorreu uma promessa de venda com recebimento imediato do preço, pois que tanto configura convenção contrária ao indicado documento particular.
XXVIII. Assim tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento (error juris), e assim tendo violado o também por aqui, o prescrito no art.º 376.º e 394.º do Cód. Civil.
XXIX. Sob o ponto 3.1.5. dos Factos provados consta logo, como se referiu, que o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ... de freguesias ... (anterior artigo n.º ... da freguesia ...), tem a área real de 375 m2, e que se encontra inscrito na matriz predial urbana a favor do Embargante, quando a simples consulta da caderneta predial em questão impõe a conclusão que da mesma não consta, em absoluto, que o ali respeitante artigo matricial n.º ... se situe na Rua ..., Quinta ... - mas antes pura e simplesmente que se situa na ..., ..., mais sendo ali referido que o mesmo tem a área de 112 m2.
XXX. E pelo que, tendo presente que se trata aqui de um documento autêntico, e que a localização do prédio, bem como a respectiva área, fazem parte das percepções possíveis e obrigatórias da ATA, valem aqui as considerações supra efectuadas, no sentido de ser inadmissível a produção de prova testemunhal a respeito, e assim, também por aqui, ter mais uma vez o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento (error juris), e assim tendo violado o também por aqui, o prescrito no art.º 376.º e 394.º do Cód. Civil.
XXXI. Nenhuma sustentação jurídica têm todos os factos dados como provados sob os pontos 3.1. 17., 3.1.29., 3.1.30, 3.1.31, no sentido do Embargante ter mantido o uso e fruição do prédio urbano com 64 m2, descrito sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na matriz urbana da mesma freguesia sob o art. n.º ..., com uma área de 3.072 m2, com piscina, actuando na convicção de ser o seu proprietário, pois que, como se viu, muito ao contrário do que foi percepcionado pelo Tribunal a quo, a C... ali não recebeu qualquer preço relativa à venda que prometeu efectuar pelo sempre aludido contrato promessa junto com, o Doc. n.º 7 da petição, e nem declarou ter recebido e dado quitação
XXXII. Sendo certo que face que nos termos da 1ª escritura de compra e venda celebrada entre o Embargante e a C..., S.A., esse artigo matricial, bem como a área indicada, vão declarados como vendidos - o próprio Embargante não o nega, antes pelo contrário, na petição de Embargos alega que efectivamente os vendeu – Cfr. arts. 7.º, 8.º e 30.º da PI de Embargos, e nem tão pouco o Tribunal a quo – Cfr. ponto 3.1.29. da Decisão, por mais que também ali reproduza o alegado pelo Embargante, no sentido de que este sempre manteve a sua posse.
XXXIII. Conforme se crê entendimento generalizado na Doutrina e Jurisprudência, o contrato promessa meramente obrigacional, mesmo com tradição e cláusula expressa nesse sentido, não é susceptível, só por si, de transferir a posse em termos definitivos, ficando, até à realização do contrato prometido, o promitente comprador na posição de mero possuidor em nome de outrem - só assim não será em circunstâncias excepcionais – Cfr. Ac. RP 10/11/2022, proc. n.º 1813/20,2T8AVR-E-P1, Ac. RC de 26/03/2019, proc. n.º 7822/16.9T8CBR.C1, e do STJ de 19/02/2019, proc. n.º 1565715.8VFR.P1.S2.
XXXIV. In casu, resultaram provados diversos factos que impedem que se considerem verificadas tais circunstâncias excepcionais, pois que, em vez de cumprir o contrato promessa, resultou provado que a C... optou por vender toda a propriedade que tinha comprado ao Embargante à D... e o preço, muito ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, como se viu, não foi de todo pago.
XXXV. Constam dos autos declarações prestadas em juízo pelo legal representante da promitente vendedora C..., o sempre citado DD, certificadas por Certidão Judicial (junta com a Contestação da Embargada B...), em sentido completamente contrário – ou seja, que o Embargante se encontra na casa onde vive por mero favor, e que em nenhum momento entre 2002 e 2006, até à venda à D..., aquela foi possuidora dos prédios em causa.
XXXVI. O Embargante, é, assim, um mero detentor em nome de outrem – ao contrário do vertido na Decisão sempre em crise.
XXXVII. Os contratos meramente obrigacionais, como é sabido, apenas têm eficácia entre as partes, pelo que com a referida venda à D... a posse dos prédios em causa foi, nos termos gerais e designadamente por via do constituto possessório, transmitida a esta.
XXXVII. O Embargante não fez qualquer prova de que a sua posse era pública, sendo certo que os 3 amigos de longa data do Embargante, ouvidos em julgamento, sabiam apenas que este mora onde mora há muitos anos, mas não faziam a mínima ideia a que título, como percorrendo todos o seus depoimentos, de fio a pavio, resulta claro, conforme os respectivos depoimentos, prestados na sessão de julgamento de 29/05/2024, minutos 10: 13 a 10: 36, impõem concluir, a contrario, pois que é bom de ver que tal questão não foi sequer ali abordada, sendo certo que os interessados para efeitos do previsto no art. 1262.º não são os amigos, mas sim o anterior possuidor ou o titular do direito.
XXXVIII. Os depoimentos do Embargante, e do seu filho, prestados em audiência de julgamento apontam no sentido de que o Embargante sempre teve consciência de que não era proprietário da fracção penhorada, como se crê a reapreciação, nesta matéria, da prova gravada, bem ter esclarecido, e para que basta atentar no que o primeiro disse na sessão de julgamento de 6/05/2024 a minutos (2:55); (3:15); (3: 33); (22: 30); (22: 38); (33: 70); (33: 77) e (38: 22), no sentido de, para vender a sua propriedade, a fracção penhorada sempre aqui em causa, ter sentido a necessidade de se proteger, como se expressou, por via do sempre aludido contrato promessa que celebrou com a C....
XXXIX. Tendo o seu filho, na sessão de 29/05/2024, confirmado isso mesmo, a minutos (56: 52)
XL. Tais declarações do Embargante têm, ao contrário do sempre entendido pelo Tribunal a quo, carácter confessório – uma vez que o Embargante alega por via dos embargos deduzidos que sempre viveu na casa e terreno onde vive de cerca de 3.000 m2, na convicção de ser seu proprietário - e pelo que se impunha ao Tribunal a quo ter dado como confessado que de todo tinha essa convicção.
XLI. Resulta da prova gravada e concretamente dos pontos ora indicados que tudo quanto vai expendido na Decisão sempre em crise, a propósito deste actuar na fracção penhorada na convicção de ser o seu proprietário, não tem qualquer sustentação, e concretamente o vertido nos seus pontos 3.1.29., 3.1.30. XLII. Os pontos 3.1.27. e 3.1.28. e 3.1.29. não têm igualmente qualquer sustentação, sendo certo que se mostra junta aos autos a escritura de propriedade horizontal da fracção penhorada, onde esta vem descrita da seguinte forma:
“Fracção G – Moradia unifamiliar designada por habitação ..., destinada a habitação, com entrada pelo n.º ... da Rua ..., do tipo T4, de um piso (0), com anexo e logradouro de 2.896,35 m2 com zona de estacionamento e piscina, com a área total da fracção de 3.134m2, e com o valor relativo de cento e quarenta e dois vírgula trinta e um por mil do valor total do prédio”,
XLIII. E pelo que valem aqui em pleno todas as considerações acima efectuadas acerca da inadmissibilidade de prova testemunhal sobre o conteúdo dos documentos autênticos – como o que ora nos ocupa.
XLIV. Sendo certo que, se não se ignora que a força probatória do mesmo não inclui o seu conteúdo, na medida em que este escape à percepção da entidade emitente, e que assim pode ser contrariado mediante a invocação da sua falsidade, ou com fundamento, nos termos gerais, de falta ou vícios de vontade que invalidem esse conteúdo, não menos certo é que a propósito o Embargante limitou-se a produzir prova testemunhal, sem arguir e muito menos fazer prova de qualquer vício atinente à vontade dos seus declarantes.
XLV. E não constando dos autos qualquer elemento nesse sentido, tais “factos” dados como provados, que contrariam frontalmente o vertido em escritura pública, não se podem manter.
XLVI. Finalmente, a p. 26, primeiro parágrafo, resulta evidente, sempre salvo todo o devido respeito, a tresleitura efectuada pelo Tribunal a quo da informação prestada pelo Tribunal de Cascais e identificado nos autos, no sentido de resultar dessa informação que a fracção penhorada acabou por não ser apreendida por não se mostrar viável a sua venda por razões que não se prendiam com a titularidade do bem, pois que, uma vez mais compulsada a mesma, o que se verifica é que ali se concluiu pela manifesta integração física e funcional do prédio a que corresponde a verba n.º 2 num outro prédio, do qual tudo indica fazer parte e sem qualquer acesso independente, e que foi esta a razão porque não se considerou viável prosseguir com a liquidação dessa mesma verba no âmbito deste processo de insolvência.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser revogada a sentença recorrida, na parte em que conhece do pedido, consagrando-se dessa forma uma plena e sã justiça.”
*
B..., S.A., veio apresentar resposta e requerer a ampliação do objecto do recurso.
Defendeu a confirmação da decisão sobre a extemporaneidade dos embargos e, no âmbito da ampliação do objecto do recurso, invocou a nulidade da sentença e defendeu sucessivamente a alteração da decisão sobre diversos pontos da matéria de facto.
Conclui como segue:
“I. Decisões surpresa, a verificarem-se, e sendo susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa, constituem, por violação do princípio do contraditório, nulidades processuais, e assim sendo, fosse esse o caso, ou assim o entendesse o Recorrente, haveria de ter arguido a suposta nulidade que agora vem arguir em devido tempo, isto é, cometida a mesma, no prazo geral de 10 dias após ter intervindo em acto no processo – Cfr. arts. 149.º., n.º 1 e 199.º n.º1 do CPC.
II. Ao longo de toda a instrução da causa, o Recorrente teve sempre oportunidade, e produziu, nela intervindo directamente, toda a prova que bem entendeu a respeito da questão de saber se os embargos foram, ou não, tempestivos.
III. Pelo que nenhum sentido tem vir agora dizer que a Decisão sobre a caducidade dos embargos foi uma Decisão surpresa, que não seria expectável que o Tribunal se pronunciasse sobre a mesma, e que, assim, não pôde definir a sua estratégia em termos, quando a sua intervenção na instrução de tal questão foi vasta, e pelo que resulta sem qualquer sustentação tudo quanto vai ínsito nas Conclusões de Recurso D, E e F.
IV. A penhora teve lugar em 1/07/2020, o respectivo edital foi afixado na fração penhorada no dia 8/10/2021, e o Recorrente foi nomeado Fiel Depositário por carta de 12/10/2020, e não alegou na petição de embargos um único facto que pudesse, de forma indiciária que fosse, sugerir um conhecimento superveniente da penhora por sua banda.
V. Resulta, assim, patente, por mais que analisada sumariamente a prova, que à data da prolação do Despacho de recebimento dos embargos, nos termos e para os efeitos consignados no n.º 2 do art. 344.º do CPC, o respectivo direito de os deduzir há muito se mostrava ostensivamente ferido de caducidade, não se mostrando sequer em condições de ser recebidos, seja contando o prazo ali prescrito da data de realização da penhora, 1/07/2020, seja contado da data de afixação do respectivo edital, 8/10/2021, seja contado de um qualquer suposto conhecimento superveniente, por mais que nem alegado.
VI. Esse conhecimento resulta inequívoco, pelo menos, já nas suas alegações de 27/02/2023, como nas alegações que produziu em 19/05/2023, e não deixa de ser inerente, senão pelo cumprimento, pela percepção das obrigações inerentes ao exercício do cargo de Fiel Depositário em que esteve investido desde 12/10/2021.
VII. O Recorrente teve todas as oportunidades, mormente tendo presente que sempre se mostrou assessorado juridicamente, para deduzir em tempo os embargos sempre em causa, e não o fez.
VIII. Face ao facto que pretende dar como provado – que a fracção G nestes autos penhorada corresponde a parte da área do prédio ocupado pelo Recorrente - bem como aos fundamentos que para tanto aduziu, designadamente a documentação junta aos autos e o depoimento do seu filho, resulta inequívoco que, muito ao contrário do que vem alegar, o Recorrente sempre esteve perfeitamente ciente, seguramente mais do que ninguém, de que, como se expressa, um alegado problema entre os Apelados estivesse a afetar o imóvel de que se arroga proprietário.
IX. Assim resultando seguro que os Embargos deduzidos são intempestivos.
X. O Recorrente tem perfeita noção que nenhum sentido tem vir alegar, como vem, a p. 5, quinto parágrafo, das suas Alegações, transposto para as suas Conclusões B, G e H, que “Resultou da prova produzida nos autos que a fracção G e o prédio de que o Apelante é legítimo proprietário não se confundem (…)”, pois é o primeiro a dizer que o prédio que ocupa está integrado naquela, face à redação que pretende para o ponto 3.1.37.
XI. Nos termos do disposto no art. 636.º, n.º 1 e 2, do CPC, ampliado o objecto do presente recurso, forçoso é concluir que a decisão sob censura está ferida de nulidade, na parte em que conhece do pedido, pois todas as questões levantadas pelo Recorrente em sede de embargos, e conhecidas pelo MM Juiz a quo na parte da sentença ora posta em crise, haviam já sido anteriormente, e por mais do que uma vez, decididas pelo próprio Tribunal a quo, e com trânsito, em diversos momentos.
XII. O Tribunal a quo pronunciou-se em 16/05/2023, nos autos principais, sobre uma exposição detalhada efectuada pela AE nomeada, acerca do conflito jurídico que envolvia a propriedade da fracção penhorada, onde aquela transmitiu as posições assumidas pelo Recorrente e Recorridas, na altura Fiel depositário, Exequente e Executada, transmitindo que aquele alegava que era o dono da casa onde vive, e as Recorridas o oposto, ali tendo procedido à junção de todos os documentos atinentes à decisão de tal disputa.
XIII. E pronunciou-se no sentido, tudo visto, de não vislumbrar fundamento jurídico que impedisse a prossecução da execução sobre a fracção penhorada.
XIV. Por Despacho proferido nos mesmos autos a 29/06/2023, Ref. 449809845, o Tribunal a quo absteve-se de conhecer do pedido, agora impetrado pelo próprio Recorrente, por Requerimento junto aos autos em 19/05/2023, Ref. 35601539, considerando que se tinha já esgotado o seu poder jurisdicional sobre tal conflito, estando, assim, vedado ao Tribunal proferir nova decisão sobre a mesma questão.
XV. A causa de pedir, os factos e os supostos direitos, então alegados pelo Recorrente, são idênticos, a factualidade e fundamentação jurídica trazidas a juízo por via do seu indicado Requerimento de 19/05/2023, para justificar o seu pedido, são rigorosamente idênticas às dos embargos, e radicam na alegação do Recorrente de que é o dono da fracção penhorada.
XVI. Esta era a única questão levantada pela AE nos seus requerimentos, sempre a questão que foi objecto dos identificados Despachos.
XVII. Todos os Despachos supra identificados transitaram em julgado, e pelo que estava vedado ao Tribunal a quo pronunciar-se novamente sobre a mesma questão, contradizendo as decisões anteriores por si proferidas, como lhe estava vedada qualquer indagação sobre a relação controvertida, como veio a fazer pela Decisão sob censura.
XVIII. O Tribunal a quo, violou, pois, a conhecer do pedido, o prescrito nos arts. 615., n.º 1, al. d) e 619.º, n.º 1 do CPC.
XIX. Todo o anómalo andamento dos embargos em causa radicam no indevido recebimento dos mesmos pelo Despacho de 11/12/2023, Ref. 465767958, sendo que por mais que já transitado em julgado (com o seu específico alcance), resulta absolutamente contralegem, pois que dos autos constavam já, aquando da sua prolação, e ostensivamente, diversos elementos e concretamente o Auto da penhora efectuada já no ano de 2020, e relativamente à qual o Recorrente, na sua Petição de embargos, não alegou um único facto tendente a demonstrar um eventual conhecimento superveniente, nem a tendo mencionado.
XX. Constam dos autos diversos documentos autênticos, nenhum impugnado, e Decisões Judiciais, Perícias judicialmente ordenadas e realizadas, que foram absolutamente desconsiderados, ou erradamente apreciados, e que impediam que fosse produzida, como foi, prova testemunhal contra o seu conteúdo, concretamente a Escritura Pública de Compra e Venda celebrada em 2002 entre o Recorrente e a C..., por via da qual, como o próprio Recorrente admite (com excepção dos 112 m2 que teria destacado em Março de 1999), aquele transmitiu toda a área da fracção, bem como a posterior Escritura Pública de Compra e Venda celebrada em 2006 entre C... e a D..., por via da qual essa mesma propriedade foi a esta sociedade transmitida, e ainda o Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 2002 entre o Recorrente a dita C....
XXI. Violou, deste modo, o Tribunal a quo, o prescrito nos arts. 376.º e 394.º do Cód. Civil, admitindo prova testemunhal sobre documento particular cuja autoria se mostra reconhecida, e que teve por objecto convenções contrárias ao conteúdo dos documentos autênticos e do documento particular supra indicado.
XXII. Nos termos do disposto no n.º 2 do citado art. 394.º do Cód. Civil, a proibição prescrita no seu n.º 1, de inadmissibilidade de prova testemunhal contra o conteúdo de documentos ou além deles, é extensível a um qualquer eventual acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores,
XXIII. Sendo certo que nenhuma simulação, em negócio nenhum dos que constam dos autos, foi alguma vez alegado, pelo Recorrente, nem em sede de embargos nem posteriormente, e pelo que resultam in totum expúrias e contralegem todas as referências feitas pelo Tribunal a quo, por via da Decisão em crise, a uma qualquer simulação, num qualquer negócio que seja, que nem sequer o mesmo Tribunal identifica.
XXIV. A Motivação mostra-se pejada de confusões e erros, aos mais diversos níveis, resultando em diversos pontos absolutamente ininteligível, a raiar a nulidade, e pelo que se impõe a sua expurgação, nos termos alegados.
XXV. Ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, no contrato promessa que este invoca, celebrado em 2002 entre a C..., como Primeira Outorgante, e o Recorrente e sua mulher, como Segundos Outorgantes, entre o mais, consta a referência à casa onde estes últimos vivem, como o seu simples compulsar impõe concluir.
XXVI. A p. 20, primeiro parágrafo, o Tribunal a quo comete grave erro de julgamento, mormente tendo presente que o ali expendido foi fundante da Decisão sobre a matéria de facto, ao afirmar que a posse do Recorrente não é precária, porque pelo contrato promessa de venda junto como Doc. n.º 7 resulta de forma inequívoca que ocorreu uma promessa de venda com recebimento imediato do preço, em relação à parte que ali se refere e que viria a integrar a fracção G.
XXVII. Pois que o preço de € 50.000,00 ali mencionado é o preço da construção da piscina, ali prescrita ser construída pela Promitente Vendedora, a C..., mas que, como consta dos factos provados, sob o ponto 3.1.15., foi acordado entre o Recorrente e a C... ser paga por esta.
XXVIII. A respeito do preço da compra e venda prometida efectuar, o contrato em causa é absolutamente omisso.
XXIX. Facto que se impõe tendo presente que ali a Primeira Outorgante é a C..., sendo o Recorrente e sua mulher os Segundos, e mais tendo presente que são estes segundos Outorgantes que ali declaram ter recebido um preço, e que ali dão a respectiva quitação.
XXX. No contrato em apreço não se mostra clausulado, nem declarado, que a C... tenha recebido o preço da venda, ou o que quer que fosse.
XXXI. Estava vedado ao Tribunal a quo fazer constar da Motivação, como fez, que ocorreu uma promessa de venda com recebimento imediato do preço, pois que tanto configura convenção contrária / adicional ao constante do indicado documento particular.
XXXII. Ao fazê-lo incorreu em erro de julgamento (error juris), e violou, também por aqui, o prescrito no art. 376.º e 394.º do Cód. Civil.
XXXIII. Sob o ponto 3.1.5. dos Factos Provados vai dito que o direito de propriedade sobre o prédio sito na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., Cascais, com a área actual de cerca de 375 m2, se encontra inscrito na matriz predial urbana a favor do Recorrente, quando a simples consulta da Caderneta Predial do prédio ... impõe a conclusão que na mesma consta, apenas, que o mesmo se situa na ..., ..., sem identificação de qualquer rua, ou número de polícia, e que tem a área de 112 m2.
XXXIV. Trata-se de um documento autêntico, e a localização e área do prédio fazem parte das percepções possíveis e obrigatórias da ATA, e pelo que é inadmissível, a respeito, produção de prova testemunhal, assim tendo mais uma vez aqui o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento, e violado o prescrito nos arts. 376.º e 394.º do Cód. Civil.
XXXV. Nenhuma sustentação jurídica têm todos os factos dados como provados sob os pontos 3.1.17., 3.1.29., 3.1.30. e 3.1.31., no sentido do Recorrente ter mantido o uso e fruição do prédio urbano com 64 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., com uma área de 3.072 m2, e piscina, actuando na convicção de ser o seu proprietário.
XXXVI. Ao contrário do que foi percepcionado pelo Tribunal a quo, no contrato promessa em que intervém a C... enquanto promitente vendedora, junto sob o Doc. n.º 7 da Petição de embargos, esta ali não declarou ter recebido de imediato qualquer preço pela prometida venda, nem deu a respectiva quitação.
XXXVII. Nos termos da primeira escritura de compra e venda celebrada entre o Recorrente e a C..., esse artigo matricial, bem com a área indicada, vão declarados como vendidos.
XXXVIII. O próprio Recorrente não o nega, antes pelo contrário, na Petição alega que efectivamente os vendeu (cfr. arts. 7.º, 8.º e 30.º da Petição de embargos) e nem tão pouco o Tribunal a quo – Cfr. ponto 3.1.29. da Decisão, por mais que também ali reproduza o alegado pelo Recorrente, no sentido de que mesmo após a venda aquele manteve a sua posse.
XXXIX. Os contratos meramente obrigacionais apenas têm eficácia entre as partes, pelo que com a referida venda à D... a posse dos prédios vendidos foi, nos termos gerais, e designadamente por via do Constituto Possessório, transmitida à mesma, sendo certo que a posse de outrem - da D... – sempre fez o Recorrente qualquer putativa posse que pudesse ter.
XL. O contrato promessa meramente obrigacional, mesmo com tradição expressa nesse sentido, não é susceptível, só por si, de transferir a posse em termos definitivos, ficando, até à realização do contrato prometido, o promitente comprador na posição de mero possuidor em nome de outrem – só assim não será em circunstâncias excepcionais – Cfr. Ac. RP de 10/11/2022, proc. n.º 1813/20.2.T8AVR.E.P1, AC RC de 26/03/2019, proc. n.º 7822/16.9T8CBR.C1, e do STJ de 19/02/2019, proc. n.º 15657/15.8VFR.P1.S2.
XLI. In casu, resultaram provados diversos factos que impedem que se considerem verificadas tais circunstâncias excepcionais, pois que em vez de cumprir o contrato promessa, resultou provado que a C... optou por vender toda a propriedade que tinha comprado ao Recorrente à D...,
XLII. E o preço, muito ao contrário do percepcionado pelo Tribunal a quo, não foi de todo pago.
XLIII. Constam dos autos declarações prestadas em juízo pelo legal representante da promitente vendedora, a C..., o sempre citado DD, certificadas por Certidão Judicial, em sentido completamente contrário,
XLIV. No sentido do Recorrente se encontrar na casa onde vive por mero favor,
XLV. Em nenhum momento, conforme ali assevera o dito legal representante, entre 2002 e 2006, e até à venda à D..., tendo o Recorrente sido possuidor dos prédio prometidos vender.
XLVI. O Recorrente é, pois, um mero detentor em nome de outrem.
XLVII. Sem prejuízo, a fracção penhorada sempre teria sido objecto de aquisição originária por parte da D..., por mais que desta feita na forma de Acessão Industrial Imobiliária, pois que resulta provado documentalmente nos autos, a ter existido qualquer união / incorporação efectuada pela D..., em qualquer área que lhe não pertencia, o valor acrescentado ao prédio foi muitíssimo maior, e essa incorporação sempre teria sido feita, como igualmente decorre dos autos, por virtude da mais linear Boa-fé, mormente tendo presente os ensinamentos do Ilustre Professor Oliveira Ascensão, no sentido de que a incorporação / inseparabilidade aqui em causa é a económica, e sendo que no caso em apreço, para além de toda a área da fracção “G” se mostrar materialmente ligada ao Condomínio ..., a sua união económica é inequívoca, como também decorre de todos os documentos juntos aos autos.
XLVIII. O Recorrente não fez qualquer prova de que a sua posse era pública, sendo certo que os três amigos de longa data, ouvidos em julgamento, sabiam apenas que este mora onde mora há muitos anos, mas não faziam a mínima ideia a que título, como percorrendo todos os seus depoimentos, prestados na sessão de julgamento de 29/05/2024 impõe concluir, a contrario, pois tal questão não sequer ali abordada, sendo que os interessados para efeitos do previsto no art. 1.262.º do Cód. Civil não são os amigos, mas sim o anterior possuidor ou o titular do direito – In casu, a D..., como nunca como tal o reconheceu.
XLIX. A acrescer ao que resultava já dos documentos juntos aos autos, o depoimento de parte do Recorrente, assim como o depoimento do seu filho, demonstram que efectivamente o Recorrente sempre teve consciência de que não era proprietário da fracção penhorada, como resulta da reapreciação, nesta matéria, da prova gravada, designadamente do que o primeiro disse na sessão de julgamento de 6/05/2024, a minutos (2:55); (3:15); (3:33); (22: 30); (22:38); (33:70); (33:77) e (38:22), no sentido de que, para vender a sua propriedade, a fracção penhorada, ter sentido necessidade de se proteger, como se expressou, por via do sempre aludido contrato promessa que celebrou com a C....
L. Tendo o seu filho, na sessão de 29/05/2024, confirmado isso mesmo, a minutos (56:52).
LI. Tais declarações do Recorrente têm, ao contrário do sempre entendido pelo Tribunal a quo, carácter confessório – uma vez que o mesmo alega por via dos embargos deduzidos que sempre viveu na casa e terreno onde vive, de cerca de 3.000 m2, na convicção de ser o seu proprietário.
LII. E pelo que se impunha ao Tribunal a quo ter dado como confessado que de todo tinha essa convicção.
LIII. Resulta, assim, sem qualquer sustentação, tudo quanto vai expendido na Decisão em crise, a propósito do Recorrente actuar na fracção penhorada na convicção de ser o seu proprietário, e concretamente o vertido nos seus pontos 3.1.16 a 3.1.21 e 3.1.27. a 3.1.31.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser negado provimento à apelação, e, conhecendo dos fundamentos em que a recorrida decaiu, conforme peticionado, revogada a sentença recorrida, na parte em que conhece do pedido, consagrando-se dessa forma uma plena e sã justiça.”
*
A... S.A., respondeu ao recurso, concluindo pela falta de fundamento da apelação, com os seguintes fundamentos:
A) O Embargante (Recorrente) alicerça o seu recurso em três linhas de argumentação, com vista à extinção da execução e levantamento da penhora. São elas:
1. ao decidir pela caducidade, o Tribunal a quo terá extravasado os temas de prova enunciados, proferindo uma decisão surpresa;
2. a penhora incidir sobre um prédio que não o do Recorrente, visando alterar a redacção do ponto 3.1.37 dos factos provados, no sentido de no mesmo passar a constar que A fração G, a sua área, corresponde a parte da área do prédio ocupado pelo embargante, excluindo o imóvel com a área registada de 112m2 do qual o Embargante é dono e legítimo proprietário;
3. alteração de factos dados como não provados, com vista a demonstrar que o Recorrente apenas tomou conhecimento da penhora quando foi notificado do despacho com a referência n.º 448282104, por notificação datada de 25.10.2023.
B) O 1.º e o 3.º argumentos estão ligados, uma vez que a caducidade quanto a uma eventual decisão surpresa da sentença do tribunal a quo, se reporta ao momento em que o Recorrente tomou conhecimento da penhora que sobre o mesmo incide.
C) A caducidade pela extemporaneidade da apresentação dos embargos foi alegada pela Embargada B... na sua contestação – art.ºs 1º a 31º - e a Meritíssima Juíza decidindo deferido o depoimento de parte do Recorrente sobre toda a matéria da contestação, por isso também quanto à caducidade do momento de apresentação dos embargos.
D) O Embargante não arguiu então a nulidade dessa decisão no prazo legal de 10 dias (art.º 199º, n.º 1, do CPC), como, ao longo de toda a audiência de julgamento, levantou questões relativas à caducidade – sobre o momento em que o Recorrente terá tomado conhecimento da penhora, como bem se pode aferir das alegações por ele juntas
E) Pelo que se terá de considerar que bem decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela extemporaneidade da apresentação dos embargos e, consequentemente, pela sua improcedência.
F) O Recorrente tomou conhecimento da penhora há 2-3 anos, o que se provou por confissão judicial espontânea do Recorrente aquando do seu depoimento de parte.
G) E informou-se devidamente junto do seu Advogado do que deveria fazer, uma vez que lhe entregou toda a correspondência que sobre este assunto recebeu, seguramente desde há 2-3 anos.
H) Pelo que podemos concluir que o seu comportamento, desde então, foi devidamente esclarecido por quem de Direito.
I) Resulta inequívoco dos autos que o Recorrente e sua mulher, andam há muito a “brincar” com a Justiça e os Tribunais, tudo fazendo para continuar a habitar no imóvel penhorado nestes autos, precariamente porque de uma ocupação de mero favor se trata.
J) Ambos passaram por um processo de insolvência onde não indicaram o prédio penhorado como seu bem próprio.
K) Muito pelo contrário, a esposa do Recorrente foi claríssima quanto ao prédio ser propriedade da D..., SA, uma vez que apresentou nesses autos de insolvência um requerimento - documento n.º 11 junto com a contestação da Embargada B... - onde o confessa.
L) Requerimento cujo conteúdo nunca foi posto em causa pelo também aí insolvente e aqui Recorrente, pelo que dúvidas não restam que o aceitou, para todos os devidos e legais efeitos e, nos presentes autos, arroga-se como proprietário deste prédio.
M) Pela Meritíssima Juíza a quo foi requerida informação ao processo de insolvência do Recorrente, cuja resposta do Meritíssimo Juiz de Direito esclarece, entre outras, que o AI não procedeu à apreensão do prédio por se ter apurado a manifesta integração física e funcional do prédio a que corresponde a verba n.º 2 – o prédio do qual o Recorrente aqui se arroga como proprietário - num outro prédio, do qual tudo indica fazer parte e sem qualquer acesso independente
N) Esta situação foi aceite pelo Recorrente e sua mulher no processo de insolvência, onde nunca disseram ou esclareceram que não, era a casa que habitam e a que corresponde a fracção G em causa nestes autos e que era sua propriedade.
O) E, nestes embargos, o Embargante, ora Recorrente, vem dizer que não, esse prédio que não foi apreendido afinal é seu e é vastíssimo, está tudo menos encravado e é constituído por uma moradia tipo T4, com logradouro de 2.896,35m2, piscina, corte de ténis e estacionamento e que corresponde à tal casa de 112 m2!
P) Por todo o exposto, deve improceder o recurso interposto pelo Recorrente.”
*
O embargante AA veio responder ao recurso oferecido por CC e D..., S.A. invocando a sua ilegitimidade para o recurso, a par da falta do respectivo fundamento, quer quanto à nulidade por ofensa de caso julgado, quer quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto, que nem deve ser questão a apreciar por incumprimento de requisitos do recurso.
Conclui extensivamente e em conformidade, sendo dispensável a transcrição de tais conclusões.
*
Admitindo liminarmente a legitimidade de todos os recorrentes, o tribunal a quo declarou admitir “todos os recursos”, como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram depois recebidos nesta Relação, cumprindo apreciar a legitimidade dos recorrentes CC e D..., S.A., bem como a admissibilidade do recurso subordinado interposto B..., S.A.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
Assim, as questões a resolver, extraídas de tais conclusões, reconduzem-se a:
- No recurso do embargante
- Se a decisão é nula, por constituir decisão surpresa, nem tendo feito parte dos temas de prova.
- Tempestividade do requerimento de embargos
- Identificação do imóvel penhorado: se a fração "G" não corresponde ao imóvel do embargante, especificamente o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ..., com uma área registada de 112m2, pelo que a penhora da fração G não deve ter quaisquer efeitos sobre o seu prédio, incluindo em relação à área complementar que correspondia a uma habitação de 64m2 e área envolvente.
- Alteração da matéria de facto: a alteração do ponto 3.1.37 dos factos provados e comprovação dos pontos 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 dos factos não provados da sentença recorrida, em suma, para que se reconheça que a fração G não inclui o seu prédio de 112m2 e que teve conhecimento da ofensa aos seus direitos de propriedade e posse apenas em 25.10.2023.
*
No recurso de CC, casado, residente na Rua ..., e D..., SA
- Legitimidade dos Recorrentes, por afectação do bom nome do primeiro e por ser dona da fracção em causa, a segunda, e por extensão de caso julgado, já que existe uma ação em curso no Juízo Central Cível de Cascais, sobre a propriedade da fracção.
- Nulidade da decisão, por o tribunal já ter decidido as mesmas questões anteriormente, em momentos diversos e com trânsito em julgado.
- Recebimento indevido dos embargos, por extemporaneidade
- Erro na decisão sobre a matéria de facto, com desconsideração de documentos e prova, ininteligibilidade e erros na motivação da decisão:
- Erro de julgamento sobre a posse do embargante
- Erro de julgamento sobre a localização do prédio:
- Erro de julgamento sobre o Embargante ter mantido o uso e fruição do prédio com 64 m2.
- Inadmissibilidade de prova testemunhal sobre o conteúdo de documentos autênticos, designadamente a escritura de propriedade horizontal da fração penhorada.
*
Na ampliação do objecto do recurso, requerida por B..., S.A:
- Violação de caso julgado, face às decisões de 16/05/2023 e de 29/06/2023
- Recebimento indevido dos embargos por extemporâneos
- Erro na decisão sobre a matéria de facto, por consideração de prova testemunhal contra documentos autênticos e decisões judiciais, incluindo escrituras de compra e venda de 2002 e 2006 entre o Recorrente, a C... e a D..., e um contrato promessa de compra e venda de 2002 entre o Recorrente e a C....
- Inadmissibilidade de prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos e particulares, e contra eventuais acordos simulatórios que não foram alegados pelo Recorrente. O tribunal fez referência a uma possível simulação sem que esta tenha sido alegada pelas partes.
- Ininteligibilidade da fundamentação.
- Erro de julgamento na interpretação do contrato promessa de 2002, nomeadamente em relação à posse e ao pagamento do preço.
- Erro de julgamento ao considerar que a posse do Recorrente não era precária, com base numa interpretação incorreta do contrato promessa.
- Erro de julgamento sobre a área do prédio, a convicção do Recorrente de ser o proprietário, quanto à aquisição originária da fração pela D..., através de acessão industrial imobiliária, devido ao valor acrescentado ao prédio, quanto à posse do recorrente.
*
O tribunal pronunciou-se nos termos seguintes, quanto à matéria de facto em discussão.
“Com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
3.1.1. Por auto de penhora de 01.07.2020, foi penhorada a fração autónoma designada pela letra G, destinada a habitação, composta por moradia unifamiliar do tipo T4, com anexo, logradouro com a área de 2.896,35 m2, zona de estacionamento e piscina, fazendo parte de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia e concelho de Cascais, descrito na competente conservatória do registo predial
sob o número .../Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., avaliado nos termos do CIMI pelo valor de 734.618,58 Eur.
3.1.2. Foi afixado o edital de penhora na porta do imóvel no dia 08.10.2021.
3.1.3. Por carta de 12.10.2021 [por lapso, na sentença consta o ano de 2020, mas o documento em questão, junto com a contestação da B... data de 2021, pelo que se rectifica o lapso, nos termos do art. 614º, nº 1 do CPC] o embargante foi nomeado fiel depositário do imóvel penhorado, tendo-lhe sido remetida cópia do auto de penhora, nos seguintes termos:


3.1.4. Em 27.02.2023 foi lavrado pela Exmª Srª AE o seguinte auto de diligência
“EE, Agente de Execução designada nos autos acima referenciados, vem pelo presente informar que no dia 27/02/2023, pelas 12 horas, deslocou-se à Rua ..., em Cascais, a fim de aferir o estado do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos nomeadamente:
Fração autónoma designada pela letra G, destinada a habitação, composta por moradia unifamiliar, com anexo, logradouro com a área de 2.896,35 m2, zona de estacionamento e piscina, fazendo parte de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia e concelho de Cascais, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número .../Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
Assim chegada ao local fui recebida pelo Sr. AA e esposa D. FF, tendo os mesmos permitido o acesso à propriedade.
No âmbito da presente diligencia foi possível constatar a existência da construção de uma casa de habitação de rés do chão e anexo, com pátio e zona ajardínada, encontrando-se em razoável estado de conservação.
Mais foi possível aferir que a área de propriedade deve rondar os 2800 m2, aliás conforme confirmado pelo Sr. AA.
No entanto não foi permitido a recolha de imagens fotográficas.
Por último informa—se que o Sr. AA alega ser proprietário daquela propriedade, uma vez que foi ele que construiu a casa existente tendo mais tarde efectuado obras e ampliação, e que aquando da venda da propriedade que deu origem à propriedade horizontal onde se encontra inserida a Fração “G”, que reservou para si a casa de habitação, conforme consta na descrição predial n.º ... de Cascais, e registada a seu favor.
Para reforçar as informações do Sr. AA, o seu Advogado, Ilustre Dr. GG, enviou um correio electrónico à signatária com o seguinte teor:
"Sucede que o imóvel de que os M/ Constituintes são proprietários, com acesso pelo n. º ... da Rua ..., em Cascais, nada tem a haver com o prédio objeto de penhora no âmbito do processo n.º 19860/15.4T8PRT.
Na verdade, o imóvel onde os M/ Constituintes residem encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... da .../ (anterior artigo ... da freguesia ...) pelo que o imóvel penhorado não é o imóvel em que os M/ Constituintes residem e de que são proprietários, situação para a qual não queremos deixar de vos alertar.
Mais informamos que os M/ Constituintes desconhecem a existência do imóvel identificado na auto de penhora com a descrição de Casa n.º... e não autorizam a entrada no imóvel de que é proprietário a terceiros.
Informamos ainda que, para pôr termo definitivo a esta situação, e de modo a demonstrar a inexistência física do Imóvel penhorado, foi já solicitada à Câmara Municipal ... a emissão de certidão que ateste essa mesma situação, conforme cópia da solicitação em anexo.
De igual modo, reiteramos que atenta a inexistência da Casa ..., uma vez que nunca foi edificada, iremos agir junto da Câmara Municipal ... no sentido de corrigir o erro atualmente existente ao nível da Propriedade Horizontal.”
Tendo ainda dado conhecimento do correio electrónico com o mesmo teor enviado para a PSP ....
Por ser verdade e para que conste, lavro o presente auto, tendo dado por terminada a diligencia pelas 12.30 horas.
É o que cumpre informar.”
3.1.5. O direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., ..., Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ... da ... (anterior artigo n.º ... da freguesia ...), com área total constante da descrição e da matriz de 112m2, apesar de a área real corresponder atualmente a cerca de 375 m2, devido a acrescentos realizados ao longo dos anos, encontra-se inscrito na matriz predial urbana a favor do embargante.
3.1.6. Há mais de 40 anos que o embargante reside no imóvel id. em 3.1.5.
3.1.7. Anteriormente, o imóvel descrito em 3.1.5., era parte integrante do registado sob a descrição predial n.º ... da freguesia ....
3.1.8. Em 17.03.1999, foi requerido pelo Embargante à Conservatória do Registo Predial de Cascais, a desanexação da moradia de 112m2 (a parte da construção existente que se encontrava legalizada), que fazia parte da parte urbana da descrição predial n.º ..., dando origem à descrição predial n.º ....
3.1.9. Em virtude da referida desanexação, que apesar de requerida em 1999 apenas ocorreu em 2002, foi averbado na descrição predial n.º ... que a parte urbana ficou a compor-se apenas da moradia de 64 m2, com o antigo artigo matricial n.º ....
3.1.10. Em 26.06.2002, foi celebrado entre o aqui Embargante e DD, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, em nome e representação da Sociedade Anónima denominada “C..., S.A.”, posteriormente denominada “E..., S.A.”, um contrato-promessa de compra e venda relativamente à parte rústica do prédio misto sob o antigo artigo n.º ... – secção ...-... e à parte urbana a que corresponde o antigo artigo matricial n.º ..., ou seja, uma casa de habitação de 64 m2 de área de implantação.
3.1.11. Nos termos do referido acordo, ficou excluída da compra e venda a parte urbana a que respeita o antigo artigo matricial n.º ... – atualmente inscrito sob o artigo n.º ....
3.1.12. No seguimento da celebração deste contrato-promessa de compra e venda, a 27.09.2002, foi outorgada a escritura pública de compra e venda respeitante à venda do prédio que corresponde à descrição predial n.º ....
3.1.13. Na data da outorga da escritura pública de compra e venda, foi celebrado um Acordo de Retificação de Estremas, por meio do qual o Embargante e a C... se obrigaram a compensarem mutuamente a contraparte, em caso de alterações à área do prédio conhecida e registada na Conservatória do Registo Predial.
3.1.14. Com a venda do prédio rústico à sociedade C..., o Embargante deixou de ter acesso à piscina que tinha instalada no mesmo, uma vez que esta se localizava na zona que iria passar a pertencer à sociedade compradora.
3.1.15. Em face de tal situação, o Embargante e a C... acordaram ainda que a segunda, para além de pagar a vedação que separaria a área da propriedade do Embargante da área que iria desenvolver com a construção de um empreendimento, pagaria ainda a construção de uma nova piscina ao Embargante, a qual se localizaria dentro daquilo que era o lote do Embargante, conforme pedido de pagamento que o Embargante remeteu àquela sociedade em 6.02.2006.
3.1.16. No âmbito do acordo firmado o embargante ficou ainda com a utilização de toda a área vedada em volta do imóvel anteriormente desanexado com uma área de 3070 m2 e na qual existia ainda um segundo prédio urbano (descrito sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o antigo artigo n.º ...) e onde mais tarde foi construída uma piscina.
3.1.17. Desde o dia 7.09.2002, o Embargante, para além do imóvel descrito na CRP sob o n.º ... manteve o uso e fruição do prédio urbano com 64m2, descrito sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o antigo artigo n.º ..., e da área circundante com 3070 m2 onde, atualmente, se localiza também uma piscina, atuando na convicção de que era seu proprietário e utilizando-o em seu beneficio.
3.1.18. Há mais de 20 anos que o embargante utiliza o prédio id. em 3.1.5. e o id. em 3.1.17. na convicção de ser o seu proprietário….
3.1.19….à vista de toda a gente….
3.1.20. ali recebendo a sua correspondência, família e amigos….,
3.1.21….sem oposição de quem quer que seja
3.1.22. A 09.06.2006 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre a C... e a Sociedade D... S.A., transmitindo-se a propriedade do prédio rústico da primeira para a segunda.
3.1.23. A transmissão da propriedade do prédio rústico acima melhor identificado, após urbanização veio a dar origem ao prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e C... com o artigo n.º ...
3.1.24. A Sociedade D... S.A. assumiu todas as obrigações anteriormente assumidas pela referida C....
3.1.25. Nesse sentido, o Embargante e a Sociedade D... S.A. chegaram a um acordo através do qual o primeiro ficou isento de qualquer comparticipação em despesas gerais de manutenção ou quaisquer outras rubricas semelhantes, isenção essa que era reconhecida incondicionalmente e sem limite temporal.
3.1.26. A Sociedade D... S.A. comprometeu-se ainda perante o Embargante a efetuar as seguintes obras/benfeitorias:
a. Muros divisórios em toda a área da propriedade do Embargante;
b. Canalização de acesso ao furo de água existente;
c. Casa das máquinas para condicionamento dos equipamentos de bombagem;
d. Manutenção da casa das máquinas;
3.1.27. A 24.09.2010, no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, foi constituído o regime de propriedade horizontal sobre o prédio misto sito na Rua ..., no lugar das ... – limites do lugar..., ..., Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n. º ... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e C... com o artigo n.º ..., do qual é dona e legítima proprietária a Sociedade D... S.A.
3.1.28. O prédio misto, supra referido, encontra-se inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo matricial n.º ... [que corresponde aos antigos artigos n.º ... secção ...-... (Prédio Rústico), n.º ... secção ... (Parte) e n.º ... (Prédio Urbano)].
3.1.24. Sobre o referido prédio misto foi construído um empreendimento imobiliário – condomínio fechado, denominado “...” –, destinado a habitação, com entrada pela Rua ..., freguesia e concelho de Cascais, composto por trinta e oito frações autónomas, sendo sete moradias unifamiliares, vinte e quatro andares moradias e sete estacionamentos e arrumos.
3.1.25. O empreendimento tem a área total de 19.428m2 (dezanove mil, quatrocentos e vinte e oito metros quadrados), sendo a área coberta 4.350m2 (quatro mil, trezentos e cinquenta metros quadrados), e a área descoberta 15.078m2 (quinze mil e setenta e oito metros quadrados).
3.1.26. Foram construídas trinta e sete frações, uma vez que a fração autónoma discriminada com a letra “G”, com o n.º ... – G, inscrita na matriz em 2010, com o n.º matricial de ..., sob o registo n.º ... – descrita como sendo uma moradia unifamiliar designada por habitação ..., destinada a habitação, com entrada pelo n.º ... da Rua ..., do tipo T4, de um piso (0), com anexo e logradouro de 2896,35m2 com zona de estacionamento e piscina, com área total da fração de 3.134m2 não foi edificada pela C..., nem pela executada.
3.1.27. No lugar da fração autónoma “G” não existe uma moradia unifamiliar com as dimensões supra descritas, mas antes dois prédios urbanos, uma área circundante com 3070 m2 e uma piscina e que correspondem aos prédios descritos em 3.1.5. e 3.1.17.:
(i) Um prédio urbano de 112m2 de área total registada – tendo atualmente cerca de 375 m2, devido a acrescentos realizados ao longo dos anos –, correspondente ao artigo matricial n.º ... (antigo artigo n.º ...), que após desanexação, a 11.09.2002, passou a ser a descrição n.º ..., inscrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais com a seguinte descrição: “moradia tendo a sul 1 porta e 1 janela com 4 divisões, cozinha, 2 casas de banho e abrigo.”
(ii) Um prédio urbano de 64m2 de área total registada – tendo atualmente cerca de 150 m2 –, correspondente ao artigo matricial n.º ... (antigo artigo n.º ...), que após desanexação, a 11.09.2002, passou a ser a descrição n.º ...;
(iii) Uma circundante com 3070 m2, onde foi construída uma piscina pelo Embargante.
3.1.28. Tanto em 2010, aquando da constituição do regime de propriedade horizontal sobre o prédio misto, como atualmente, inexiste no local em questão qualquer fração com as características supra descritas.
3.1.29. O único imóvel em relação ao qual o direito de propriedade se mostra formalmente inscrito a favor da Sociedade D... S.A., apesar de se ter mantido na disponibilidade do embargante nos termos do acordo celebrado, primeiro com a C... e depois com a D..., é o que corresponde ao antigo artigo matricial n.º ... com uma área total registada de 64m2, e respetiva área circundante com 3070 m2, apesar de atualmente o prédio urbano ter uma área superior,
3.1.30…..encontra-se desde 2002 na posse do Embargante, que dele tem disposto como proprietário à vista de todos, incluindo da Sociedade D... S.A.,
3.1.31. Ao longo dos últimos 20 anos, mesmo após a transferência formal da propriedade, o Autor sempre viveu nos referidos imóveis, mantendo a sua posse, na convicção de ser o seu legitimo proprietário, à vista de toda a gente e sem posição de ninguém, encontrando-se vedados em toda a sua extensão
3.1.32. A executada não edificou qualquer construção na denominada fracção “G”.
3.1.33. Em 19.05.2023 o embargante dirigiu aos autos de execução de que estes são apensos requerimento com o seguinte teor:
“Nos presentes autos em que é Exequente A..., S.A. e Executada B..., S.A., foi o ora Requerente objeto de diversos contactos por parte da Agente de Execução nomeada nos autos, a saber a Dra. EE.
2. O Requerente verificou no passado dia 8 de outubro de 2021, ter sido afixado no imóvel sito na Rua ..., Quinta ..., em Cascais, um Edital de Imóvel Penhorado, no âmbito do processo identificado em epígrafe.
3. Tal Edital assinalava a penhora de um imóvel denominado por "fração autónoma designada pela letra G, destinada a habitação, composta por moradia unifamiliar do tipo T4, com anexo, logradouro com área de 2.896,35 m2, zona de estacionamento e piscina", sito na Rua ..., ..., Moradia ..., do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ...... da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da ... com o artigo ....
4. Sucede que o imóvel onde foi afixado o referido Edital, e onde reside o Requerente, apesar de corresponder ao n.º ... da Rua ..., trata-se de um prédio diferente do prédio objeto de penhora no âmbito do processo n.º 19860/15.4T8PRT.
5. Na verdade, o imóvel onde o Requerente reside encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... da ... (anterior artigo ... da freguesia ...), pelo que o Edital em questão foi indevidamente afixado no imóvel errado, situação para a qual em devido tempo o mandatário do Requerente avisou a Agente de Execução nomeada, conforme cópia de comunicação que ora se junta como Doc. 1.
6. Posteriormente, o Requerente recebeu uma comunicação da Agente de Execução, datada de 12.10.2021, constituindo-o como fiel depositário do imóvel melhor descrito em 3. supra, comunicação esta que foi recebida já depois do esclarecimento prestado pelo seu mandatário.
7. O mandatário do Requerente não obteve qualquer resposta à sua comunicação até ao dia 17 de março de 2022, data em que a Agente de Execução nomeada o informou que se iria deslocar ao local na companhia de arquiteta que elaborou o projeto do empreendimento, bem como da PSP, por considerar que a localização da fração penhorada é no local onde havia sido afixado o edital, conforme cópia que se junta como Doc. 2.
8. O Requerente rejeitou tal pedido pelos motivos melhor expressos na resposta constante do Doc. 2 já junto.
9. Posteriormente, em fevereiro de 2023, voltou o ora Requerente a ser notificado pela Agente de Execução de que deveria permitir o acesso à sua residência, sob ameaça de tal acesso ser realizado com o auxilio à força pública, o que obrigou o Requerente a participar o sucedido à esquadra da PSP ..., conforme cópia do e-mail remetido em 24.02.2023 que se junta e dá por reproduzido como Doc. 3.
10. Conforme oportunamente transmitido à Agente de Execução do processo, a Casa ... ou Moradia ..., correspondente à fração “G” do prédio urbano descrito sob o número ..., da freguesia ... não existe, uma vez que nunca foi edificada, sendo tal situação do conhecimento integral dos serviços da Câmara Municipal ..., sendo que apenas a prática de actos ilegais, eventualmente com a envolvência da Câmara Municipal ..., permitiu a constituição da Propriedade Horizontal e respetivo registo na Conservatória do Registo Predial e averbamento no Serviço de Finanças competente de uma fração que não existe.
11. Neste sentido, vejam-se os documentos constantes do processo de obra do empreendimento construído no prédio descrito sob o n.º ..., existente no arquivo da Câmara Municipal ..., nomeadamente das telas finais onde consta manuscrito que a fracção G foi “eliminada no âmbito do Req. N.º SPO ..., de 13.12.2010”, mais constando a menção de que a mesma deve ser excluída da licença de utilização, o que se compreende por nunca ter sido construída, conforme cópia que se junta como Doc. 4.
12. O Requerente está a tentar obter certidão da documentação relevante existente no arquivo da Câmara Municipal ..., protestando proceder à sua junção aos 4 presentes autos assim que possível.”
3.1.34. Por despacho proferido nos autos de que estes são apensos em 16.05.2023 o tribunal decidiu “Quanto ao exposto pela AE: Uma vez que a fração “G” id, no requerimento que antecede tem a propriedade inscrita a favor de quem aqui é executado, e que ninguém deduziu embargos de terceiro, não vislumbramos fundamento jurídico que impeça a prossecução da execução sobre o referido bem”.
3.1.35. O embargante, não foi notificado do despacho id. em 3.1.34.
3.1.36. Por carta registada datada de 21.03.2023 o embargante foi notificado do teor do auto de diligência mencionado em 3.1.4. e para, querendo, se pronunciar.
3.1.37. A fracção “G”, a sua área, corresponde à área do prédio ocupado pelo embargante.
3.1.38. A D..., a respeito da fracção penhorada - a tal que não existe, segundo o Embargante – pagou, desde a constituição da propriedade horizontal até presente, todo o valor devido pelo respectivo IMI e AIMI, num montante respectivamente de € 29.063, 74 e € 20.461, 07, no valor global de € 49.524, 81, assim discriminado:

*
3.1.39. A respeito da fracção penhorada – a tal que não existe, segundo o Embargante – a D... pagou ainda, a título de comparticipação nas despesas de condomínio, de 2014, data de constituição do mesmo, até presente, o valor global de € 166.171, 13, assim discriminado:
2014: € 3.539,40 (Março + € 1.061,82 / Trimestre); 2015: € 4.820,56 (€ 1.178,62 / Trimestre + Quotização Extra); 2016: € 15.533,20 (€3.538,85 / Trimestre + Quotização Extra); 2017: € 14.155,40 (€ 3.538,85 / Trimestre); 2018: € 16.402,56 (€ 3.538,85 / Trimestre + Q Extra); 2019: € 17.071,90 (€ 3.538,85 / Trimestre (1º e 2º) + € 4. 314, 00 / Trimestre (3º e 4º); 2020: €18.626,11 (€ 4.314, 00 / Trimestre + Q Extra ); 2021: € 18.138, 00 (€ 4.314, 00 / Trimestre (1º) + € 4.608, 00 / Trimestre (2º, 3º e 4º); 2022: € 23.864, 00 (€ 4.608, 00 / Trimestre + € 1.358, 00 / Trimestre Q Extra); 2023: € 28.971, 00 (€ 4.608, 00 / Trimestre (1º) + € 5.049, 00 / Trimestre (2º, 3º e 4º) + Q Extra € 2.304, 00 / Trimestre); 2024: € 5.049, 00 / 1º Trimestre.
3.1.40. Em 16.05.2023, no âmbito dos autos principais, o tribunal proferiu o seguinte despacho (refª 448282104): “Quanto ao exposto pela AE: Uma vez que a fração “G” id, no requerimento que antecede tem a propriedade inscrita a favor de quem aqui è executado, e que ninguém deduziu embargos de terceiro, não vislumbramos fundamento jurídico que impeça a prossecução da execução sobre o referido bem.
Porto, d.s.”
3.1.41. Os embargos entraram em juízo em 24.11.2023
*
3.2. Não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
3.2.1. O embargante apenas teve conhecimento, por notificação datada de 25.10.2023 (embora apenas se considere notificado a 30.10.2023), do despacho do Tribunal com a referência n. º448282104, de que apesar das sucessivas explicações do Embargante à Agente de Execução de que o prédio urbano com a área de 112 m2, com acesso pelo n. º... da Rua ..., em Cascais, propriedade do Embargante dispõe, nada tem a ver com o imóvel objeto de penhora, o qual inexiste fisicamente.
3.2.2. Tendo, inclusive, o Embargante ficado convencido do reconhecimento do seu direito de propriedade e de posse relativo ao imóvel em questão nos presentes autos de execução estava devidamente esclarecido
3.2.3. Pelo que, só com o referido despacho proferido pelo Tribunal, o Embargado teve conhecimento da ofensa real e iminente aos seus direitos de propriedade e posse, o que o levou a dar entrada a ação de reconhecimento da sua propriedade contra, entre outros, a Executada B..., S.A., a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste sob o processo n.º 3597/23.3T8CSC.
3.2.4. O Embargante vendeu, em 2002, conjuntamente e indissoluvelmente, todos os prédios de que era proprietário no local em causa nos presentes autos, à sociedade C...,
3.2.5. Que, por sua vez, em 2006, vendeu todos os mesmos prédios, conjuntamente e indissoluvelmente, e com projecto aprovado, à D..., SA (detida a 100% pela ora Embargada, conforme se pode aferir pela consulta do seu RCBE, já junto aos autos principais), nos termos do respectivo Despacho de aprovação de 28/12/2004 emitido pela Câmara ... no processo de licenciamento que sob o n.º .../02 ali correu termos, e foi oportunamente remetida à C..., que ora se junta sob o n.º 5, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado – Cfr. Doc. n.º 5,
3.2.6. Quando procedeu a essa venda, o legal representante da C..., DD, transmitiu à D... que tinha autorizado o Embargante a continuar a residir no prédio penhorado até ao final da construção do empreendimento, e instou-a se tal situação assim se poderia manter,
3.2.7. Ao que a D... aquiesceu.
3.2.8. Somente em finais de 2020 a Embargada teve conhecimento do Embargante alegadamente ter procedido, previamente à venda do prédio misto que corresponde à descrição predial n.º ..., a uma qualquer “(…) desanexação da moradia de 112 m2 (a parte da construção existente que se encontrava legalizada), que fazia parte da parte urbana da descrição predial n.º ..., dando origem à descrição predial n.º ...”, conforme pelo Embargante (melhor) explicado sob os arts. 3.º e 7.º do petitório.”
*
A primeira questão suscitada pelo embargante refere-se a uma pretensa nulidade da decisão, por ter apreciado a tempestividade dos embargos sem que isso fizesse parte dos temas de prova.
Como já se referiu em anterior ac. deste TRP, de 23/11/2021 (proc. nº 8994/19.6T8VNG.P1), a indicação dos temas de prova, no momento próprio do processo, mais exactamente na fase da condensação, não é um acto inócuo e desprovido de utilidade. Veja-se, por exemplo, que os depoimentos testemunhais devem versar, com precisão, sobre a matéria dos temas de prova, tal como dispõe o art. 516º do CPC.
No entanto, diferentemente de soluções processuais anteriores, (v.g. a que compreendia a especificação e questionário e a que previa a indicação dos factos assentes e a organização da base instrutória) o novo CPC adoptou uma solução que antes vinha sendo proposta e que passa, já não pela concretização de factos, mas por uma indicação genérica e eventual ou “aparentemente conclusiva da matéria controvertida sobre a qual há-de incidir a instrução da causa, que apenas deve ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas” (Ac. do TRL de 23/4/2015, proc. 185/14, citado por Lebre de Freitas, CPC Anotado, 3ª ed., Vol. 2º, pg. 670).
Em qualquer caso, como se explica no CPC Anotado (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, vol. I, em anotação ao artigo 596º), dependendo da complexidade do processo em causa, a indicação dos temas de prova pode ter maior concentração, se isso for entendido como facilitador da instrução da causa. Porém, por regra, isso tenderá a ser evitado, por forma a prevenir qualquer tipo de excesso na vinculação temática do tribunal, facultando, pelo contrário, que a decisão sobre a vertente fáctica da causa, no termo da audiência de julgamento, “expresse o mais facilmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.” (ob. e loc. cit.).
Conclui-se, em suma, que os limites da factualidade a considerar não derivam dos termos em que foram elencados os temas de prova, mas antes da causa de pedir invocada pelo autor e das excepções arguidas pelo réu. Tais limites encontram a sua consagração legal no art. 5º do CPC, ao dispor sobre os poderes de cognição do tribunal.
Aí se dispõe que, no que toca à definição da causa de pedir e das excepções, o tribunal está vinculado à alegação das partes (nº1). Porém, estabelecida a causa de pedir em função da alegação suficiente dos factos essenciais, o juiz pode importar para a decisão outros que resultem da instrução da causa: se forem instrumentais, pode fazê-lo sem mais – nº 2, al. a); se forem complemento ou concretização daqueles essenciais, o seu aproveitamento exige que sobre eles a parte tenha tido oportunidade de se pronunciar – nº 2, al. b).
Aplicando o que vem de expor-se ao caso sub judice, cumpre reconhecer, antes de mais, que, em sede de definição do objecto do litígio e, sucessivamente, na identificação dos temas de prova, o tribunal nada referiu a respeito da tempestividade dos embargos.
Todavia, na contestação oferecida, essa fora a primeira questão colocada pela embargada B..., S.A.
Sucessivamente, na contestação oferecida pela A..., S.A, essa fora também a primeira questão colocada pela exequente, então embargada.
Não ignorando a questão, logo no início da audiência de julgamento, o tribunal anunciou que iria admitir a produção de prova requerida a esse propósito, designadamente o depoimento de parte do autor.
Então, o Il. Mandatário do embargante, arguindo a falta de oportunidade anterior para exercer o contraditório relativamente a tal excepção arguida por ambas as embragadas (exequente e executada) ditou requerimento em que exerceu o contraditório relativamente à questão da tempestividade dos embargos. Defendeu ter deduzido os presentes embargos no prazo de 30 dias após o conhecimento da penhora, que apenas se teria verificado em 30.10.2023, após notificação do dia 25 anterior, ou seja, defendeu já então a mesma tese que agora fundamenta o seu recurso, tal como resulta da al. P) das respectivas conclusões.
É, assim, absolutamente claro que a apreciação da questão constituída pela caducidade dos embargos de forma alguma constituiu uma decisão surpresa, sobre a qual aas partes não tenham tido oportunidade de se pronunciar. De resto, ao admitir a produção de prova sobre tal matéria, o tribunal fez incluir expressamente na discussão da causa o contraditório sobre essa excepção, bem como sobre a factualidade que lhe era pertinente.
Nestas circunstâncias, era absolutamente necessário que o tribunal se pronunciasse sobre a caducidade dos embargos, em cumprimento do disposto no art. 608º do CPC, sob pena de verificação da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Somos, assim, devolvidos a uma questão mais simples: a de decidir se a sentença enferma de algum vício por ter decidido uma questão que não podia deixar de decidir, que foi objecto de prévia instrução probatória e discussão, mas que anteriormente não fora identificada como integradora do objecto do litígio (a admissibilidade dos embargos) ou reflectida nos termas de prova (o momento do conhecimento do acto ofensivo, in casu, da penhora).
A resposta a esta questão é necessariamente negativa, pois o tribunal não enveredou pela apreciação de questão cujo conhecimento lhe estivesse vedado, nem se socorreu de factualidade que não tivesse sido alegada pelas partes, nem decidiu sem que as partes, anteriormente, tivessem tido a oportunidade de discutir e produzir prova sobre a matéria.
A não inclusão da questão da tempestividade dos embargos na descrição do objecto do litígio, bem como a não referenciação da factualidade inerente entre os temas de prova não resultaram, no caso, em qualquer vício, quer quanto ao âmbito da factualidade importada para a decisão (em face do disposto no art. 5º do CPC), quer quanto à resolução da própria questão na sentença (arts. 608º e 615º, 1, d) do CPC).
Neste mesmo sentido decidiu o Ac. do STJ de 16/6/2016, (proc. nº 3296/11.9TBLLE.E1.S1, disponível em jurisprudência.pt), nos seguintes termos: “A identificação do objeto do litígio, por sua vez, sendo meramente enunciativa, não atribui nem retira direitos às partes e, como tal, não decide qualquer relação processual, sendo certo ainda que as questões a resolver na ação resultam da alegação deduzida nos seus articulados.
Por isso, o despacho de identificação do objeto do litígio, correspondente ao alegado nos articulados, designadamente na petição inicial, não chega a constituir caso julgado, podendo a sentença, quanto ao objeto da ação, ir além daquele despacho, se o conteúdo dos articulados o permitir, na medida em que são os mesmos que delimitam os poderes de cognição do tribunal, independentemente da identificação do litígio que tenha sido declarada, embora esta, observando a disciplina processual, deva corresponder inteiramente à alegação dos articulados.
Por outro lado, relativamente à enunciação dos temas da prova também esta não forma caso julgado, pois pode ser modificada posteriormente.”
Aliás, acaba por se constatar que o próprio apelante não chega a justificar a ocorrência de qualquer vício processual, que não o de a sentença constituir, quanto à conclusão pela extemporaneidade dos embargos, uma decisão surpresa. Ora, como acima se esclareceu, esta afirmação mostra-se totalmente desprovida de fundamento, quando se atenta no processado que teve lugar a esse respeito, que acima se descreveu.
Improcederá, pois a apelação quanto a esta questão.
*
Alega, em qualquer caso, o apelante que o tribunal decidiu mal, porquanto ele não deixou de cumprir o prazo de 30 dias previsto no nº 2 do art. 344º do CPC, como requisito da admissão dos embargos de terceiro.
Os fundamentos da decisão recorrida são os seguintes:
- o embargante alegou que só por via do despacho de 23/10/2023 teve conhecimento de que o objecto da penhora era o prédio ou parte do prédio que ocupa e alega pertencer-lhe;
- nesse despacho, o tribunal só afirmou que o objecto penhorado – a fracção G – tinha o correspondente direito de propriedade inscrito a favor da executada, não havendo qualquer oposição de terceiros, por embargos;
- no local correspondente à fracção G fora afixado edital de penhora, em 8/10/2021, “com a mesma descrição que consta do auto de penhora porque inscrito o direito de propriedade a favor da executada embargada/poderia ser objecto de venda.”
- por carta de 12/10/2020, foi notificado o embargante de que fora constituído fiel depositário da fracção G “o que lhe possibilitava perceber que dada a alegada inexistência física do descrito como compondo a fracção “G” o que efectivamente foi penhorado foi o seu imóvel, mesmo porque em face do contrato-promessa bem sabia que ao mesmo ia ser atribuída uma fracção que o integraria na propriedade horizontal do projeto edificado pela D....”.
Diferentemente, a tese do embargante assenta no desconhecimento da penhora, por causa da não coincidência entre o bem penhorado – a fracção G, que inexiste como descrita – e os imóveis de que alega ser dono:
- o descrito sobre o nº ... (art. matricial ...), que corresponde a uma habitação de 112m2, incrementada para 375m2, com acesso pelo n. º... da Rua ..., em Cascais, desanexado do prédio descrito sob o n.º ... (art matricial ...), que vendeu,
- uma área de 3.070 m2, que inclui o que era uma habitação de 64m2 que existia no nº ... e que agora corresponde a área envolvente daquela habitação do prédio nº ... e inclui uma piscina.
Em razão dessa falta de coincidência, de que sempre deu notícia na execução, só com a notificação do despacho de 23/10/2023 se teria consciencializado que a penhora concretizada sobre uma invocada fracção G punha em causa o seu direito de propriedade sobre tais realidades imobiliárias.
Para justificar a sua tese, pretende o apelante a alteração de alguns pontos da matéria de facto, a saber:
- Alteração do ponto 3.1.37 (3.1.37. A fracção “G”, a sua área, corresponde à área do prédio ocupado pelo embargante) para passar a ter a seguinte redacção: “A fração G, a sua área, corresponde a parte da área do prédio ocupado pelo embargante, excluindo o imóvel com a área registada de 112m2 do qual o Embargante é dono e legítimo proprietário.”
- Comprovação dos factos 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3, qualificados como não provados, na sentença, referentes ao conhecimento de que a penhora efectuada agredia o seu direito de propriedade.
Neste contexto, a alteração do teor do ponto 3.1.37 – em qualquer caso, apenas admissível quanto à autonomização entre a área a que corresponde a fracção G e a área ocupada com o imóvel de 112 m2, mas já não quanto à conclusão jurídica referente à titularidade do direito de propriedade – constitui premissa da outra questão colocada no recurso do embargante, designadamente a da não identidade do imóvel penhorado - a fração "G" – com o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ..., com uma área registada de 112m2, como razão para que se decrete que a penhora da fração G não tem quaisquer efeitos sobre este último prédio.
Todavia, sendo esse o objecto dos próprios embargos de terceiro, a questão só deve ser apreciada se se tiverem por admissíveis tais embargos. Ora, a respectiva inadmissibilidade foi precisamente o que foi decidido na sentença sob recurso.
Significa isto que, antes de mais, terá de se aferir da admissibilidade dos próprios embargos. E, para esse efeito, o que importará apreciar não é, na sua substância, a realidade predial que resultou dos negócios feitos entre o ora embargante e a C..., mas o conhecimento do embargante sobre o efeito da penhora decretada sobre a fracção G e, para isso, a sua percepção subjectiva sobre aquela realidade predial.
Daí que, na apreciação da admissibilidade dos embargos, não se deva incluir o que possa ser a realidade predial existente. Isso só haverá de ocorrer se os próprios embargos forem admissíveis, constituindo então o objecto do próprio processo de embargos.
Daí também que – desde já se adianta – na medida em que os embargos não venham a ser admitidos, a factualidade neles apreciada só tenha relevo para essa decisão, não podendo vir a constituir caso julgado ou sequer a assumir a autoridade de caso julgado em relação à questão que continua a ser controvertida entre as partes, quanto à propriedade do que venha a reconhecer-se corresponder à fracção G que foi penhorada na execução.
Por conseguinte, atenta a sua precedência lógica sobre qualquer outra questão, importará decidir se deverá dar-se por provada a matéria descrita nos pontos 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3, em atenção aos meios de prova invocados pelo apelante, tendo por efeito a transição de alguma da correspondente factualidade para o elenco dos factos provados. De resto, tendo o apelante observado o regime processual previsto no art. 640º do CPC, referente à impugnação da decisão da matéria de facto, cumpre conhecer o recurso nessa parte.
Deu-se, em tais pontos, por não provada a matéria seguinte:
3.2.1. O embargante apenas teve conhecimento, por notificação datada de 25.10.2023 (…), de que apesar das sucessivas explicações do Embargante à Agente de Execução de que o prédio urbano com a área de 112 m2, com acesso pelo n. º... da Rua ..., em Cascais, propriedade do Embargante dispõe, nada tem a ver com o imóvel objeto de penhora, o qual inexiste fisicamente.
3.2.2. Tendo (…) o Embargante ficado convencido do reconhecimento do seu direito de propriedade e de posse relativo ao imóvel em questão nos presentes autos de execução estava devidamente esclarecido.
3.2.3.Pelo que, só com o referido despacho proferido pelo Tribunal, o Embargado teve conhecimento da ofensa real e iminente aos seus direitos de propriedade e posse, o que o levou a dar entrada a ação de reconhecimento da sua propriedade contra, entre outros, a Executada B..., S.A., a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste sob o processo n.º 3597/23.3T8CSC.
Em suma, afirma o embargante que estava convencido de que, nestes autos, já estava reconhecido o seu direito de propriedade e de posse relativo ao imóvel constituído pelo prédio urbano com a área de 112 m2, com acesso pelo n. º... da Rua ..., em nada sendo afectado pela penhora decretada sobre a fracção G, pois que esta inexiste. E, bem assim, que foi por ter percebido, com o despacho notificado a 25/10/2023, que a execução prosseguiria contra o que era designado por fracção G, que intentou acção contra a D... (sucessora da C...) e a B..., onde pediu a sua condenação a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano a que corresponde o antigo nº matricial ... (habitação de 112m2, ampliada para 375m2), bem como sobre o prédio urbano composto de habitação com 64m2, que actualmente tem 150m2, antes inscrito na matriz sob o nº ..., e respectiva área circundante com cerca de 3070 m2, este adquirido por usucapião.
É útil atentar em que, na petição dessa acção nº 3597/23.3T8CSC (certidão junta aos autos), sob o art. 26º, o aqui embargante afirma que ambos os prédios, a área circundante e uma piscina são o que existe no lugar da fracção autónoma G.
Todavia, nos presentes embargos, apesar de ter afirmado que o que é descrito como fracção G nunca existiu, tal como nessa acção, acaba por referir que o prédio que corresponde à habitação de 112 m2, constante da matriz sob o nº ..., foi destacado e constitui um prédio totalmente autónomo daquele, por isso jamais poderá coincidir, ainda que parcialmente, com a fracção G.
Uma tal realidade predial foi descrita por BB, que explicou também a razão e circunstâncias do destaque do prédio nº ... (habitação de 112 m2), bem como a razão e circunstâncias de não terem salvaguardado para esse prédio a área que incluía a habitação de 64 m2 e a envolvente de 3070m2, onde veio a ser construída a piscina. Pelo contrário, foram incluídas no prédio vendido à C..., a fim de ser conseguido o licenciamento do empreendimento a construir no prédio vendido, para o que ainda foi preciso declarar uma área superior à que realmente existia (min. 9’30’’ e 56´’ do seu depoimento). Então, a conservação do direito de propriedade do prédio constituído pela habitação de 64 m2 e pela área envolvente da outra habitação foi assegurada por via de um contrato relativo a essa área, celebrado com a própria C... (certamente o acordo a que se referem os pontos 3.1.13 a 3/1.15, apesar de a testemunha se lhe referir como um contrato-promessa)
Mais esclarece esta testemunha que, nestas circunstâncias, a fracção G correspondia ao que sobrara para além do empreendimento construído: “sobrava uma parte de terreno, não interessa se se chama fração G, fração Y, ou o que seja, uma parte do terreno, que não tinha sido utilizada na construção do empreendimento (…) Se formos ver o registo dessa fração G, o primeiro registo que aparece, aparece com 64m2 e apenas esse terreno, não tem mais nada.”
Em função disto, afirma o embargante, nas presentes alegações: “…ainda que se conclua que o Apelante ocupa parte da área correspondente à fração G penhorada no processo executivo, é imperioso excluir da mesma o prédio descrito sob o n. º ..., com a área de 112m2 no registo, do qual é dono e legítimo proprietário.”
Como se referiu, não está em causa, nesta fase, aferir se a fracção G, resultante da constituição da propriedade horizontal sobre o imóvel vendido pelo embargante à C... inclui ou não a habitação de 112mº, ampliada para 375m2, destacada para passar a constituir o prédio descrito na matriz sob o nº ..., que é, de resto, o que o próprio embargante afirma acontecer, no articulado daquela acção que intentou e corre no Juízo Central Cível de Cascais sob o nº 3597/23.3T8CSC.
Aqui está somente em questão apurar em que momento o embargante teve conhecimento de que a penhora decretada e executada sobre a fracção G atingia o direito de propriedade e a posse que invoca como fundamento destes embargos, designadamente para se apurar se isso aconteceu apenas com a notificação de 25/10/2023.
Ora, em face dos factos provados, tem de se concluir que o embargante, aliás como o seu próprio filho, sabiam, desde o negócio celebrado com a C..., que a área correspondente à habitação de 64m2 e a área de 3070 m2 envolvente, que segundo ambos sempre foi mantida na pertença do próprio embargante, foi incluída na área para a qual foi licenciado o empreendimento que veio a ser construído; e, bem assim, que foi para ser tudo ser licenciado que tal área, pelo menos, veio a corresponder ao que na escritura de constituição da propriedade horizontal ficou a ser designado por Fracção G.
Por conseguinte, quando foi concretizada e notificada a penhora sobre a Fracção G, não se pode conceber que o embargante não se tenha apercebido de que esse acto colidia com o direito e com a posse que invoca. Ele bem sabia o que existia no local sobre o qual foi declarada a constituição da fracção G, na escritura de constituição da propriedade horizontal: pelo menos o que fora a habitação de 64m2 e a área de 3070m2 envolvente da outra habitação e onde fora instalada uma piscina.
Uma tal consciência sobre a afectação do que invoca ser o seu direito e posse resulta como inequívoca ainda de outra circunstância. Com efeito, resulta do acervo factual adquirido que a entrada para o prédio constituído pela habitação de 112m2, ampliada para 375m2, bem como para todo o espaço envolvente, que inclui a área de 3070m2, com a piscina bem como a área correspondente à antiga habitação de 64m2, se processa através de uma única entrada: o n.º ... da Rua .... Todo esse espaço fica fora dos muros do empreendimento, apesar de este incluir uma fracção G, onde a D..., que assumira a posição da C..., nada edificou. Ou seja, a realidade correspondente à fracção G, o que quer que seja que sobre ela tenha edificado, ficou fora do empreendimento, apesar de o licenciamento deste ter exigido a inclusão da área correspondente no próprio empreendimento. BB explicou-o, como acima se descreveu. Ora quando se tratou de executar a penhora da fracção G, o edital respectivo foi afixado na porta do número 180; o fiel depositário nomeado, foi o embargante, por ocupar o edificado com acesso pelo n. º...; em 27/2/2023, a agente de execução foi ao local e visitou o que ficava no prédio situado na Rua.... E conforme consta do auto, referido sob o ponto 3.1.4 o embargante declarou que a casa de habitação existente no prédio nº ... (matriz nº ...) fora destacada do resto do prédio e que a fracção G resultou da constituição da propriedade horizontal operada sobre esse prédio vendido. E isto bem evidencia que qualquer que fosse a realidade predial correspondente à fracção G, bem ficou ciente o embargante de que era esse o objecto da penhora e que, alegando ele não abranger a habitação de 112m2/375m2 do prédio nº ..., abrangeria seguramente e pelo menos o que para além dele estava no prédio com acesso pelo n. º... da Rua ....
Ora, por via dos presentes embargos, o embargante requer o levantamento da penhora e a extinção da execução em relação a tudo o que fica na Rua ...: “…o prédio com área total constante da descrição e da matriz de 112m2 - – tendo atualmente cerca de 375 m2, devido a acrescentos realizados ao longo dos anos –, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... (antigo artigo n.º ...) e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... da freguesia ...” e o “correspondente ao prédio urbano com 64m2 de área total registada – tendo atualmente cerca de 150 m2 –, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... (antigo artigo n.º ...) e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... da freguesia ..., e respetiva área circundante com cerca de 3070 m2, cuja aquisição se verificou por usucapião.”
Assim, só podemos concluir que o embargante teve conhecimento de que a penhora efectuada e que teve por alvo a fracção G, apesar de a descrição desta não corresponder a qualquer realidade predial e edificada, era ofensiva do direito de propriedade e posse que pretende fazer valer nestes autos de embargos.
Teve esse conhecimento quer por via da afixação do edital que anunciou a penhora, de 8/10/2021, quer por via da sua notificação de nomeação com o fiel depositário, em 12/10/21, quer, ainda, aquando do contacto com a agente de execução, em 27/2/2023.
Note-se que, para esse efeito, é indiferente essa falta de coincidência entre o teor da descrição da fracção G e a realidade predial e edificada que efectivamente existam ali.
Contrariamente ao defendido pelo apelante, não se pode afirmar que, em virtude dessa não coincidência, não exista a fracção G. Esta foi constituída juridicamente e foi gerando responsabilidades tributárias e em sede de propriedade horizontal próprias dessa efectiva existência, como resulta dos pontos 3.1.38 e 3.1.39. O facto de o embargante ter ocupado a área correspondente à fracção G em termos que não coincidem com a descrição que lhe foi dada na constituição da propriedade horizontal não permite concluir que a fracção não exista e que, portanto, a penhora efectuada fosse insuceptível de ofender o seu direito, designadamente o direito que agora pretende fazer valer.
Concorda-se, pois, com a afirmação do tribunal recorrido nos termos da qual “o Sr. AA e o filho, demonstraram em audiência que desde sempre conheciam o projeto de construção apresentado na Câmara, anexo à contestação aos embargos e, assim, necessariamente sabiam que a alegada fracção “G”, os seus limites físicos, coincidiam com a parcela ocupada pelo embargante e que pate dela, como resulta do contrato-promessa, integraria uma fracção do projecto (pois que isso é expressamente referido) a construir e que só nessa altura poderia ser realizada a escritura.”
Conduz-nos isto a uma única conclusão possível: quando se apresentou a deduzir os presentes embargos, em 24/11/2023, há muito se tinha esgotado o prazo de 30 dias previsto no art. 344º, nº 2 do CPC.
Pelo exposto, só pode concordar-se com o tribunal recorrido que, concluindo pela verificação da excepção peremptória de caducidade, decretou a improcedência dos embargos.
Haverá, pois, de confirmar-se a decisão recorrida, na improcedência da apelação.
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Esta conclusão tem inevitáveis consequências quanto ao conhecimento dos restantes recursos, como veremos infra, sem prejuízo de se revelar agora a oportunidade para aferir da legitimidade dos recorrentes CC e D..., S.A.
Como resulta do disposto no art. 641º, nº 5 do CPC, a admissão do recurso pelo tribunal recorrido, que pressupôs, embora sem qualquer justificação, a legitimidade dos recorrentes, não vincula este tribunal de recurso.
Por outro lado, a necessidade de decisão sobre tal legitimidade, como pressuposto processual deste recurso, foi expressamente assumida pelos recorrentes, pelo que a respectiva apreciação nesta fase se impõe, não exigindo qualquer audiência ou contraditório complementares.
Cumpre pois, decidir da respectiva legitimidade
Como cada um destes recorrentes reconhece, nenhum deles é parte na execução, nem nos embargos de terceiro que àquela foram apensos. Invocam, todavia, a sua legitimidade, à luz do art. 631º, nº 2 do CPC.
Dispõe esta norma: “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”
A legitimidade conferida por esta disposição legal exige, assim, um prejuízo directo e efectivo para aquele que se apresenta a recorrer.
No caso, a decisão em recurso e que, como supra se concluiu, haverá de ser mantida é a da improcedência dos embargos, por extemporaneidade. Como acima já se referiu, a factualidade ali apreciada actua apenas como premissa menor da conclusão pela intempestividade dos embargos, não resultando em qualquer outra conclusão, designadamente sobre a definição da composição da fracção G, sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o que seja a composição dessa fracção G, sobre a eventual distinção entre a fracção G e o prédio descrito sob o nº ..., inscrito na matriz sob o art. ..., antigo ....
Face à conclusão pela caducidade dos embargos, a decisão não teve a virtualidade que lhe poderia advir do disposto no art. 349º do CPC: a constituição de caso julgado sobre a decisão da existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou pelas embargadas, isto é, a exequente A..., S.A. e a executada B..., S.A.
Este resultado bem se compreende, pois que a conclusão pela caducidade dos embargos, que determinou a sua improcedência, é incompatível com a prolação de decisões sobre aquele que seria o seu objecto, se houvessem de prosseguir.
Assim, no caso, a decisão da caducidade dos embargos teve por efeito que não se pudesse ou houvesse de decidir, como seria própria de uma decisão de mérito que houvesse de ser proferida, sobre a composição da fracção G, sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o que seja a composição dessa fracção G, sobre a eventual distinção entre a fracção G e o prédio descrito sob o nº ..., inscrito na matriz sob o art. ..., antigo ....
Da mesma forma, a factualidade apreciada em sede de discussão da causa foi-o apenas em ordem à conclusão sobre a definição do momento em que o embargante teve conhecimento de que a penhora efectuada sobre a fracção G era apta a conflituar com os direitos que invoca sobre os imóveis a que referiu o pedido dos embargos.
Assim, tal apreciação jamais poderá assumir autoridade de caso julgado num outro processo em que intervenha qualquer das partes nestes autos, quanto à definição daqueles elementos a composição da fracção G, sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o que seja a composição dessa fracção G, sobre a eventual distinção entre a fracção G e o prédio descrito sob o nº ..., inscrito na matriz sob o art. ..., antigo ....
E isso não acontecerá, obviamente, no âmbito do processo n.º 3597/23.3T8CSC, acção interposta pelo Embargante contra a aqui D..., S.A. e a B..., S.A., no Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 2, para reconhecimento de direito de propriedade.
Com efeito, não sendo a D..., S.A. parte nestes autos de embargos, jamais lhe poderá ser oposta, nessa acção, a autoridade de caso julgado de qualquer segmento da decisão aqui proferida, designadamente o relativo à decisão sobre qualquer dos factos julgados positiva e negativamente.
E isso, adianta-se desde já, acontece de igual forma mesmo em relação à B..., S.A., que nestes autos figura como embargada, pois que, como já se referiu, a apreciação da factualidade em discussão serviu apenas de instrumento para a aferição do conhecimento, pelo embargante, do momento do acto conflituante com os direitos que aqui pretendia exercer.
Significa isto, nesta sede, que não pode admitir-se que a D..., S.A. tenha um interesse directo e efectivo que se mostre prejudicado pela decisão recorrida. Note-se que, para tal efeito, a referência é a decisão efectivamente proferida e não aquela que, numa outra hipótese, poderia ter sido proferida.
Por conseguinte, não pode reconhecer-se à D..., S.A. legitimidade para recorrer da decisão proferida em 1ª instância, à luz do disposto no art. 631º, nº 2 do CPC, pois que a mesma nenhum prejuízo directo e efectivo provoca na sua esfera patrimonial.
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A mesma conclusão, embora por diferente ordem de razões, se tem de dirigir à questão da legitimidade do recorrente CC.
Afirma este recorrente ser legal representante da embargada B..., S.A., tendo sido interveniente na escritura de constituição de propriedade horizontal de que resultou a referida fracção G. E entende que a decisão recorrida acaba por lhe imputar a prestação de falsas declarações, pondo em causa o seu bom nome, honra e consideração.
Essa sua interpretação, mesmo que se admitisse ser a correcta perante os termos do processo, tendo então o tribunal acolhido uma versão diferente daquela defendida pela B... e por si narrada, jamais facultaria que se lhe reconhecesse que a decisão, por esse motivo, lhe acarreta um prejuízo directo e efectivo, relevante para efeitos do disposto no nº 2 do art. 631º do CPC.
Como se refere no Ac. do STJ de 15/12/2011 (proc. nº 767/06.2TVYVNG.P1.S1, em jurisprudência.pt), “O prejuízo, que é pressuposto da legitimidade ad recursum de terceiros prejudicados pela decisão, deve ser um prejuízo real, directo, efectivo, não meramente um prejuízo ou dano colateral, reflexo. Se a decisão não causa um prejuízo directo, se não se repercute de forma nuclear, afectando o património físico ou moral do recorrente, mas antes de modo reflexo lhe puder causar dano, esse terceiro não pode recorrer da decisão por falta de legitimidade.”
No caso, a decisão de improcedência dos embargos, nem no seu efeito, nem nos seus pressupostos, contém a virtualidade de determinar qualquer efeito na esfera jurídica de CC. E a sua percepção de que foi afectado o seu bom nome, honra e consideração, de forma alguma tendo constituído elemento do dispositivo da decisão ou sequer dos seus pressupostos, de forma alguma pode configurar um tal prejuízo efectivo e directo.
Por conseguinte, também quanto a ele, por não verificação do pressuposto previsto no nº 2 do art. 631º do CPC, cabe rejeitar o recurso, por falta de legitimidade.
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Pelo exposto, considerando o disposto no nº 2 do art. 631º do CPC e a ausência de qualquer prejuízo efectivo e directo, resultante da decisão de improcedência dos embargos de terceiro em virtude da caducidade do direito de os interpor, na esfera jurídica de CC e D..., S.A., rejeita-se, por ilegitimidade, o recurso de apelação por ambos interposto.
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B..., S.A., além de responder ao recurso interposto pelo embargante, veio requerer a ampliação do objecto do recurso, defendendo a confirmação da decisão sobre a extemporaneidade dos embargos e, no âmbito da ampliação do objecto do recurso a declaração de nulidade da sentença e a alteração da decisão sobre diversos pontos da matéria de facto.
O expediente processual de ampliação do objecto do recurso, tal como resulta do disposto no art. 636º do CPC, maxime dos seus nºs 1 e 2, destina-se a prevenir a hipótese de procedência do recurso interposto pela parte vencida, em ordem a que, reanalisando-se outras questões, a decisão de vencimento se possa manter para o recorrido, apesar da razão reconhecida ao apelante em face das questões que suscitara no seu recurso.
Nestas circunstâncias, bem se compreende que as questões suscitadas no âmbito desse expediente processual de ampliação do objecto do recurso só devam ser apreciadas se disso puder resultar algum efeito útil para a decisão da própria causa. Pelo contrário, se a decisão recorrida tiver sido mantida apesar do recurso da parte vencida, esta permanecerá vencida, sendo desprovida de qualquer efeito a decisão das questões suscitadas a título preventivo da hipótese contrária, pela parte vencedora.
Isto mesmo refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pg. 94, nos seguintes termos: “O tribunal apenas terá de se pronunciar sobre a ampliação se, acolhendo os argumentos suscitados pelo recorrente ou de que oficiosamente conhecer, aquela se repercutir na modificação do resultado declarado na decisão impugnada em termos de prejudicar o recorrido.”
Como resulta do anteriormente enunciado, a pretensão da recorrida B..., S.A., de confirmação da sentença recorrida, mostra-se satisfeita, pois acima se concluiu pela falta de provimento do recurso interposto pelo embargante.
Fica, assim, prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela apelada B..., S.A. no âmbito do seu pedido de ampliação do objecto do recurso.
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Resta, então, concluir pelo não provimento da apelação oferecida pelo embargante AA, na confirmação da decisão recorrida.
Mais se rejeita, por falta de legitimidade, o recurso interposto por CC e D..., S.A.,, absolvendo-se os recorridos da instância recursiva, a qual se declara extinta.
Por fim, declara-se resultar prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela apelada B..., S.A. no âmbito do seu pedido de ampliação do objecto do recurso, em face da confirmação da decisão recorrida, perante a qual obtivera vencimento.
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Sumariando, nos termos do art. 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
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3 – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em decretar o não provimento da apelação oferecida pelo embargante AA, confirmando a decisão recorrida.
Mais acordam em rejeitar, por falta de legitimidade, o recurso interposto por CC e D..., S.A.,, absolvendo-se os recorridos da correspondente instância recursiva, a qual se declara extinta.
Por fim, acordam em declarar prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela apelada B..., S.A. no âmbito do seu pedido de ampliação do objecto do recurso, em face da confirmação da decisão recorrida, perante a qual obtivera vencimento.
Custas da apelação pelo apelante AA.
Custas quanto ao recurso interposto por CC e D..., S.A pelos próprios.
Reg. e not.

Porto, 25 de Fevereiro de 2025
Rui Moreira
Márcia Portela
Rodrigues Pires