AVALIAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE VALOR LOCATIVO DE IMÓVEL
VALOR PROBATÓRIO
PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
MÁ FÉ DO POSSUIDOR
Sumário

I - Não vale como prova pericial, submetida às regras dos art.ºs 467.º e seguintes do CPC, um relatório de avaliação imobiliária junto com a petição inicial, subscrito por alguém que se identifica como Perito Avaliador credenciado pela CMVM.
II - Possuindo tal documento valor meramente informativo, na ausência de outros elementos de prova deve o tribunal, de acordo com o disposto no artº 566º, nº 3, do C.Civil, julgar equitativamente, dentro dos limites que teve por provados, quanto ao valor locativo do imóvel.
III - A indemnização pela privação do uso do imóvel pressupõe a demonstração da má fé do possuidor.
IV - Não se demonstrando em que momento o possuidor se apercebeu, por qualquer modo, que o exercício da sua posse lesava direitos de outrem, presume-se a má fé como efeito da citação, nos termos da alínea b), do art.º 564, do CPC.

Texto Integral

Processo n.º 13716/23.4T8PRT.P1– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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A... Unipessoal Lda., com domicílio no ..., Edifício ... nº ..., Bloco ... - loja ..., ..., ... - Madeira, propôs contra AA, residente na Rua ..., ..., 3º frente esquerdo, ... ..., acção com processo comum, pedindo a condenação da ré:
a) a ver declarada a autora como dona e legítima proprietária do imóvel em apreço nos autos;
b) a restituir à autora o imóvel em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;
c) a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer acto que viole o direito de propriedade da autora sobre aquele prédio;
d) a pagar uma indemnização correspondente ao valor pela ocupação do imóvel, calculada nos termos do art. 661º, n.° 2 do Cód. Proc.Civil, que nunca poderá ser inferior € 37.559,00;
e) a pagar as quantias vincendas até à efectiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens;
f) a pagar uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fracção nos termos peticionados no art. 39º;
g) a pagamento a sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação.
Alega para tanto em síntese que a autora é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra H, destinado a habitação, sito na Rua ..., ..., ... ..., que identifica, com o valor patrimonial actual € 55.173,90, cuja aquisição de propriedade foi registada a seu favor pelas inscrições AP. ... de 2020/02/26 na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Valongo. A autora nunca chegou a usufruir integralmente do imóvel uma vez que, o imóvel se encontra ilegalmente ocupado pela ré que detêm as chaves do imóvel. Por várias vezes, a autora interpelou a ré para proceder à imediata entrega do imóvel, desde a aquisição da primeira metade do bem, o que não logrou êxito. A ré retira do imóvel os seus frutos privando a autora, de obter quaisquer rendimentos do imóvel, uma vez que é essa actividade principal da empresa. Se o imóvel fosse arrendado, às actuais condições de mercado, poderia render uma quantia mensal aproximada de € 1.186,00, conforme relatório de avaliação imobiliária que junta como tendo sido elaborado por um perito avaliador credenciado pela CMVM.
Citada, a ré contestou, em síntese dizendo que a autora é proprietária apenas de ½ do imóvel, por aquisição em processo de execução, não tendo a titularidade do prédio na sua plenitude. Impugna o relatório de avaliação imobiliária junto por ser excessivo o valor de €1.186,00 para o tipo de apartamento e no local onde se situa, tendo em conta a média do salário nacional. Mais alega que a ré tem título para ocupar o imóvel, e que autora e ré se deparam com este litígio devido a um erro no processo de execução fiscal, sendo a venda de metade do imóvel em processo de execução fiscal proibida por lei e nula.
Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador que julgou o processo isento de nulidades e excepções, prosseguindo com a fixação do objecto do litigio e enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, que julgo a acção parcialmente procedente, por provada, em consequência do que:
a) Declarou a autora como dona e legítima proprietária do imóvel em apreço nos autos;
b) Condenou a ré a restituir à autora o imóvel em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;
c) Condenou a ré a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer acto que viole o direito de propriedade da autora sobre aquele prédio;
d) Condenou a ré no pagamento de uma indemnização pela ocupação ilícita do imóvel, correspondente à quantia de 500,00 euros por mês a título de indemnização pela não entrega do referido imóvel descrito no ponto 1 da matéria de facto provada desde a data da citação da ré nesta acção até efectiva entrega do imóvel á A.
e) absolveu a ré do demais peticionado.
Inconformada, interpôs a autora recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A. Vem este recurso interposto da Douta Sentença que julgou parcialmente procedente a Acção Declarativa de Condenação intentada contra a Recorrida, tendo declarado a Recorrente como dona e legítima proprietária do imóvel sito a Rua ..., ..., Código Postal: ... ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Valongo, com o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o nº ....
B. Consequentemente, condenou a Recorrida, no sentido de restituir o imóvel a Recorrente e cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer acto que viole o direito de propriedade da Recorrente sobre o prédio;
C. O Tribunal assentou erradamente a sua convicção decorrente da análise dos documentos juntos aos autos, nomeadamente a avaliação pericial do valor do imóvel supra mencionado, bem como da análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas;
D. Tendo considerado que: No que tange aos factos não provados: No que tange à al. A) os depoimentos prestados não foram claros no que tange a tal matéria. As funcionárias ouvidas referiram que visitaram um imóvel e que deixaram um papel na porta do mesmo para a ré contactar. Neste contexto, e na ausência de prova documental que sustente tal matéria, considerou o tribunal a mesma não provada; No que tange à al. B) o Tribunal atendeu à circunstância do relatório de avaliação imobiliária ter sido impugnado pela parte contrária e não ter sido produzida prova em julgamento sobre o valor locativo do bem imóvel. (...);
E. Por fim, julgou a Acção parcialmente procedente por concluir que o valor mensal da renda atribuída à condenação da Recorrida seria o valor mínimo de € 500,00 (quinhentos euros), o que determina o pagamento calculado em cima dessa quantia, desde a data da citação até a entrega efectiva do imóvel.
F. Salvo o devido respeito, discorda a Recorrente da interpretação feita pelo Tribunal "a quo" da factualidade que fixou como não provada, divergindo-se também da aplicação do Direito que foi feita no caso, incorrendo em erro de julgamento;
G. Deveria a douta sentença ter levado em consideração que o documento anexado à petição inicial, nomeadamente RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO IMOBILIÁRIA, é válido e condiz com as condições de arrendamento do actual mercado imobiliário, tendo o mesmo sido realizado por um perito credenciado pelo CMVM;
H. Tal relatório, DEVE SER considerado válido para julgar o valor de locação do imóvel conforme constante no documento, por se tratar de um instrumento sério e condizente com as condições do mercado. Além disso, o documento de avaliação juntado é a confirmação aprofundada do que ocorre no mercado imobiliário e fácil de se visualizar mediante pesquisas na internet, em sites de divulgação de arrendamento, que os valores para arrendar um T3, nos tempos atuais, estão na faixa de valor de € 1.186,00 ou mais. Inclusive, na zona em que está situado o imóvel em causa.
I. Não é necessário ir tão longe para que se entenda o valor avaliado como sendo justo e legítimo a ser cobrado à Recorrente, pelo que deve ser mantido e julgado como facto provado, ao invés do fixado à indemnização das rendas correspondente ao mínimo, uma vez que não faz sentido com a realidade factual.
J. Restando óbvio que a quantia de € 1.186,00 deve ser mantida como valor estipulado para a renda mensal, sobre o qual deve ser calculado o montante de indemnização pela ocupação exclusiva do imóvel, desde a aquisição até a entrega efectiva.
K. Com a devida licença para discordar, mas em que pese o fato da fixação do valor da condenação ter sido o mínimo de € 500 (quinhentos euros), esse não condiz com a realidade factual do nicho imobiliário do país e isso não é novidade, não foram utilizados os parâmetros mínimos da razoabilidade, prova disso é a avaliação do imóvel que o Douto Juízo insistiu em ignorar, tendo posto um valor arbitrário, cuja justificação em nada se identifica com o imóvel nas mesmas condições de mercado.
L. Dessa forma, a Sentença recorrida desconsidera os prejuízos suportados pela Recorrente, bem como o preenchimento dos pressupostos da indemnização em causa, uma vez que, além de fixar valor mínimo, determina o cálculo a partir da data da citação, deixando de lado os anos a fio, em que se verifica a ilicitude na conduta da Recorrida, que é, conforme descrito pelo Magistrado, inexplicável, culposa e geradora de danos, pois que, não se tendo verificado a entrega do imóvel que incumbia à Recorrente, não pôde esta rentabilizar o bem que lhe pertence.
M. Conclui-se que a decisão recorrida é um tanto contraditória, por enxergar a ilicitude da parte Recorrida, mas não englobar a totalidade dos danos sofridos pela Recorrente no montante indemnizatório.
N. No caso em que nos ocupa restou comprovado que Janeiro de 2020, em que foi adquirida a 1/2 do imóvel em causa pela Recorrente, é a data a partir da qual deve-se calcular o montante indemnizatório, especificamente no valor de € 1.186,00 (mil, cento e oitenta e seis euros) por mês até a entrega efectiva do imóvel, uma vez que os prejuízos de privação de uso decorrem desde a compra da primeira metade.
O. Até porque, a Recorrida sempre teve conhecimento sendo devidamente citada no processo de n.° 1344/20.0T8VLG, o qual foi autorizado a acompanhar o processo em questão, cfr. referência citius n.° 457861101.
P. Então, deve ser considerado o montante indemnizatório no valor de € 37.559,00 (trinta e sete mil, quinhentos e cinquenta e nove euros), referente às rendas da aquisição da primeira metade, em Janeiro de 2020 até a aquisição de toda a propriedade, mais € 1.186,00 (mil, cento e oitenta e seis euros) por mês desde a última aquisição, em Novembro de 2021, até a concretização da entrega do imóvel.
Q. Por todo exposto, restando provado que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em virtude da má apreciação dos factos, impõe-se a sua revogação e consequentemente sua substituição por um acórdão que julgue a Acção Declarativa de Condenação totalmente procedente, dando como provados os factos não provados A) e B) da sentença sob censura, com as devidas e consequências legais.

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A ré apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, todos do C.P.C.), as questões a decidir consistem em saber qual o valor a atender para cálculo da indemnização pela privação do uso do imóvel e a data a partir da qual tal indemnização é devida.
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A 1.a instância considerou provados e não provados os seguintes factos:
A. Factos provados:
1º Encontra-se registada a favor da autora pela Ap... de 2021/11/26 a aquisição da fracção autónoma designada pela letra H, destinada a habitação no terceiro andar, frente, esquerdo e garagem na cave com 17 m2, sita na Rua ..., n.º ... e ..., ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Valongo, com o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o nº ..., com o valor patrimonial actual € 55.173,90, e que possui 3 divisões.
2. A fracção referida em 1 encontra-se ocupada pela autora e seu agregado familiar, que possui a chave.
3. A autora tem como objecto a compra e venda de bens imóveis adquiridos para o mesmo fim, remodelação de edifícios, actividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários, comércio, importação e exportação de veículos automóveis.
4. Em consequência da ocupação da ré a autora ficou impedida de proceder á sua alienação ou ao seu arrendamento.
B. Factos não provados:
A) Por várias vezes, a autora interpelou a ré para proceder à imediata entrega do imóvel, desde a aquisição da primeira metade do bem,
B) O Imóvel referido em 1 º dos factos provados se fosse arrendado, às actuais condições de mercado, poderia render uma quantia mensal aproximada de € 1.186,00 (mil cento e oitenta e seis euros), a título de retribuição compensatória.
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A primeira questão suscitada pela recorrente prende-se o valor locativo do imóvel, relevante para determinar a indemnização pela privação do seu uso. Na sua tese, deveria o tribunal ter levado para tal em consideração o documento que juntou com a petição inicial epigrafado de “relatório de avaliação imobiliária”, pela validade da avaliação, face às condições do mercado, e por ter sido realizado por um perito credenciado pelo CMVM. De onde que, sustenta, não poderia o tribunal colocar em crise a quantia de € 1.186,00 aí arbitrada como valor estipulado para a renda mensal, sobre o qual deve ser calculado o montante de indemnização pela ocupação do imóvel, desde a aquisição até a entrega efectiva.
A prova em processo comum não pressupõe uma certeza absoluta ou ontológica, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191). A livre apreciação da prova, consagrada no art.º 396.º do C. Civil, é uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19º, 40).
A Mma. Juíza baseou a sua convicção negativa quanto à matéria do ponto B) da matéria julgada não provada na circunstância do relatório de avaliação imobiliária ter sido impugnado pela contraparte e não ter sido produzida prova em julgamento sobre o valor locativo do bem imóvel. O relatório a que a recorrente se reporta é o documento n.º 6 que havia juntado com a p.i., subscrito por BB, que se identifica como Perito Avaliador PAI n.º ... da CMVM e ANAI Nº ..... A prova assim produzida não constitui prova pericial, submetida às regras dos art.ºs 467.º ss. do CPC. Tratar-se-ia de prova testemunhal, complementada pelo aludido relatório, caso o seu subscritor houvesse deposto em audiência de julgamento, ainda que para a respectiva valoração importassem os conhecimentos científicos ou técnicos do (suposto) depoente. Ensinava Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 135) que a prova pericial “traduz-se na percepção por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas”. Não valendo o relatório em apreço, quer como prova pericial, quer como prova testemunhal, ele possui valor meramente informativo quanto à questão de prova de que ora se cuida, que é a de determinar o valor que um locatário prudente e avisado estaria disposto a pagar pela fruição do prédio, numa situação normal de mercado sem os constrangimentos impostos pela urgência de conseguir alojamento, numa negociação em que apenas o arrendamento de tal imóvel fosse equacionado.
Como o relatório refere, “Para o apuramento do valor do imóvel em análise neste relatório foram utilizados o Método Comparativo de Mercado e o Método de Capitalização de Rendimento” (…) “Não foi realizada ou obtida qualquer inspecção técnica sobre o imóvel em análise, pelo que não se pode emitir nenhuma garantia sobre o estado das estruturas, tendo o seu estado de conservação sido descrito com base na inspecção visual; a avaliação foi efectuada com base em documentação e informação fornecida pelo cliente e informação recolhida na vizinhança”. Na sequência do que, tendo recolhido informação de 5 outros apartamentos à venda na mesma localidade, chegou a um valor total da avaliação do apartamento de € 204.000,00, a que fez corresponder, por método da capitalização rendimento (ou rendas), em função da sua capacidade de produzir rendimentos, um valor de renda de 1.188,55.
É de elementar senso comum que, além da localização e da área, e do próprio valor comercial de venda, o estado de conservação da habitação a arrendar é factor que influi de sobremaneira no valor da renda, a par de outros, como o do prazo por que é celebrado o contrato, dispondo-se em regra o locatário a remunerar melhor um arrendamento que lhe ofereça maiores garantias de estabilidade. Consequentemente, mesmo abstraindo da impropriedade formal do meio de prova, bem andou a Mma. Juíza ao desconsiderar o resultado da avaliação aí expresso e concluir pela não prova da matéria da al. B) dos factos não provados, que vai confirmada.
Face a tal não prova, restava ao tribunal, de acordo com o disposto no artº 566º, nº 3, do C.Civil, julgar equitativamente, dentro dos limites que teve por provados, tendo para tal ajuizado que o valor mensal de € 500,00 seria o valor mínimo da renda que seria possível obter pelo arrendamento do imóvel, atenta a localização do imóvel, a sua tipologia e ano de construção. Vem provado que se trata de uma fracção autónoma destinada a habitação no terceiro andar, frente, esquerdo e garagem na cave com 17 m2, situada na Rua ..., n.º ... e ..., em ... - uma artéria servida por estação ferroviária -, possuindo 3 divisões. Com estas características, e numa situação normal de mercado locativo, poderá a fracção em questão com alguma facilidade obter interessado por uma renda de € 500,00, não sendo tão líquido que o venha a conseguir por valor mais elevado. Afigurando-se, por isso, equilibrado aquele valor que a sentença recorrida tomou como base de cálculo mensal para a indemnização pela privação do uso do imóvel.
No que concerne ao período relevante para o cálculo da peticionada indemnização, reclama a recorrente todos os valores mensais desde Fevereiro de 2020. Ora, como acertadamente se entendeu na sentença recorrida, estamos no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, a título de culpa, o que pressupõe a demonstração da má fé do possuidor. Sendo equiparadas às situações de conhecimento da lesão do direito de outrem todas aquelas em que o possuidor, apesar de não se ter apercebido dessa lesão, tinha todas as condições para a conhecer, o que só não aconteceu porque não teve o cuidado que normalmente seria de esperar de um cidadão diligente, com os seus condicionantes, naquelas circunstâncias (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 08-05-2018, Proc.º 4668/17.0T8CBR.C1, in dgsi.pt). Assim, ainda que porventura se demonstrasse que o possuidor de boa-fé, supervenientemente, se apercebeu, por qualquer modo, que o exercício da sua posse lesava direitos de outrem, altera-se a condição do possuidor, passando essa posse, em todos os seus aspectos, a exercer-se como posse de má-fé. A mudança da condição de possuidor de boa-fé para a de possuidor de má-fé produz-se, na ausência de outros concretos elementos, como efeito da citação, nos termos da alínea b), do art.º 564, do CPC.
A tal respeito, alegou a recorrente - item 12.º da p.i. – que “Por várias vezes, a autora interpelou a ré para proceder à imediata entrega do imóvel, desde a aquisição da primeira metade do bem, o que não logrou êxito, isso por que a mesma na situação que está se beneficia todos os meses com a utilização indevida do imóvel da autora, e, portanto, nunca nem cogitou a possibilidade de entregar as chaves“. O que já de si não concretiza o momento dessa alegação, que no limite poderá reportar tais interpelações ao próprio dia da propositura da acção. E nem isso logrou a recorrente provar. Deverá, consequentemente, fazer-se coincidir o início da posse de má-fé com o momento da citação da recorrida, confirmando-se o pagamento da peticionada indemnização pela ocupação ilícita do imóvel desde a data da citação da ré nesta acção até efectiva entrega do imóvel à A.
Improcedendo, consequentemente a apelação.

DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 25/2/2025
João Proença
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda