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ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
SOLIDARIEDADE
PROVA DE PAGAMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário
I - Nos termos do disposto no art. 595º do C.Civil, a assunção de dívida, quanto aos seus efeitos, pode revestir duas modalidades: assunção de dívida liberatória – a vinculação do novo devedor (assuntor) importa a exoneração do antigo devedor -, e assunção cumulativa – a vinculação pelo novo devedor não implica a libertação do antigo devedor, passando ambos a responder, indistintamente, pela dívida perante o credor, só sendo liberatória se houver declaração expressa do credor nesse sentido. II - Tendo ficado provado que um terceiro (a sociedade que agenciava o exequente, na qualidade de jogador profissional de futebol), assumiu o pagamento da quantia exequenda (dívida do executado com origem no contrato de mútuo que celebrou com o exequente), nada tendo sido dito quanto à exclusão do primitivo devedor, tem de entender-se que passaram ambos a responder solidariamente pelo pagamento daquela dívida, nos termos do disposto no art. 512º do C.Civil.. III - Ao executado incumbe a prova do pagamento total ou parcial da obrigação exequenda, nos termos do art. 342º nº 2 do Código Civil. IV - Tendo aquele logrado provar que o assuntor pagou parte do valor em dívida, terá esse montante que ser abatido à quantia exequenda. V - Não se mostra suficiente para a prova do pagamento em numerário, o teor duma conversa via “WhatsApp”, cujo teor foi apenas confirmado pelo executado, se tal meio de prova não for reforçado por documentação bancária demonstrativa (pelo menos), da saída do dinheiro da conta do executado, que permita dalguma forma reconstituir o “rasto” do dinheiro, para mais tratando-se duma quantia de valor elevado, sendo que, na sua ausência, impõe-se a dúvida sobre a ocorrência dos factos que deve ser resolvida contra a parte a quem aproveita, nos termos do art. 414º do C.P.C. VI - A conclusão da litigância de má fé é casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto, devendo o tribunal ser prudente na sua apreciação, só devendo condenar a parte, como litigante de má fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Texto Integral
Proc. n.º 5031/23.0T8PRT-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 5
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Márcia Portela
Artur Dionísio Oliveira
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I-RELATÓRIO:
AA, Executado, na ação executiva que lhe move BB, veio deduzir OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO MEDIANTE EMBARGOS DE EXECUTADO, veio pedir que seja julgada procedente, por provada, a exceção de falta de título, com a absolvição do Embargante da instância;
b) julgado como inepto o requerimento executivo nos termos e para os efeitos dos artigos 724.º n.º 1 al. e) e 726.º n. º2 al. c) do CPC;
c) julgado como inepto o requerimento executivo nos termos e para os efeitos dos artigos 724.º n.º 4 e 726.º n. º2 al. a) do CPC;
Sem prescindir,
d) julgados procedentes, por provados, os presentes Embargos e, em consequência, ser julgada extinta a instância executiva, com a consequente absolvição da Embargante do respetivo pedido.
Mais requereu a suspensão da ação executiva sem necessidade de prestação de caução, dando estrito cumprimento ao disposto no artigo 733.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
Em sede impugnação, alegou em suma que, é meramente um agente que presta serviços à sociedade A..., Lda., legalmente representada pelo seu sócio gerente CC.
Que atenta a relação de amizade existente entre o Exequente, ora Embargado, o pai do Exequente e o Executado ora Embargante, era ele responsável pelo Exequente, jogador de futebol, conhecido por “DD”.
Porém, a representação e intermediação da carreira do Exequente era assumida pela A..., Lda.
Embargado, e Embargante, e ainda CC na qualidade de legal representante da A..., Lda., mantinham uma relação, que extravasava por diversas vezes o âmbito da relação profissional, sendo efetivamente uma relação de amizade, tendo por isso estado reunidos em junho de 2022, assim como as respetivas famílias, estiveram reunidas no casamento do Exequente/ Embargado.
Confessa que o Exequente lhe emprestou a quantia de 400.000,00, mas afirma que a mesma já foi paga, pretendendo o exequente agora, obter em dobro aquela quantia.
Invoca para além disso, a inexigibilidade da obrigação.
O Exequente/embargado contestou, defendendo-se das exceções invocadas, pugnando pela sua improcedência e no demais, alega que o executado não só apresenta uma versão verossímil dos factos como não apresenta prova que o pagamento tenha sido efetuado.
Alegou que o executado era o gerente de facto da A..., Lda., e era o seu agente de facto.
Pediu a condenação do Embargante como litigante de má-fé.
Opôs-se à suspensão da execução.
Por despacho de 21.6.2023 foi indeferido o pedido de suspensão da execução.
Foi realizada a audiência prévia e finda a mesma foi proferido despacho saneador, onde ficou a constar o seguinte despacho:
“Face à posição manifestada pelos Ilustres Mandatários das partes durante o debates que ocorreram na audiência prévia (cfr. ata), ficaram ultrapassadas as questões relativas à inexistência de título executivo e ineptidão do requerimento executivo suscitadas pelo embargante, bem como da nulidade da citação.”
De seguida foi indicado o objeto do litigio e fixados os temas de prova.
Veio a realizar-se o julgamento e no final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, determinando, em consequência, a redução da quantia exequenda para o montante de € 204.000,00 à qual acrescem juros de mora desde o dia 16.05.2022. Absolvo o embargante do pedido de condenação como litigante de má fé. Condeno o embargado como litigante de má fé em multa de 3 UC´s e no pagamento de uma indemnização à parte contrária no valor de € 1000,00. Custas na proporção do decaimento.”
Inconformado, o exequente/embargado BB, veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
Termos em que deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, e, em consequência:
a) ser a decisão recorrida revogada, na parte em que considerou os embargos parcialmente procedentes, ordenando-se o prosseguimentos dos autos;
b) ser revogada a condenação como litigante de má-fé do RECORRENTE;
c) ser o RECORRIDO condenado como litigante de má-fé.”
Contra-alegou o Executado/embargante AA, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
(…)
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverão as presentes contra-alegações serem admitidas e julgadas procedentes por provadas, julgando-se improcedente por não provado o recurso interposto pela Recorrente, e em consequência manter-se-á na sua totalidade a sentença recorrida.”
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões de recurso, são as seguintes:
-modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação.
-alteração da decisão quanto à litigância de má-fé do apelante e apelado.
III-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO POR REAPRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA:
Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.
Tal como explica Abrantes Geraldes[1], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade
Mas se o Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPC, há porém que não olvidar os princípios da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa,[2] o que está em causa não é determinar se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, “sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se matéria considerada como um facto provado reflete, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.
Nos termos do preceituado no art. 607º n.º 5, do CPC, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Não obstante, a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão.
A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e percetibilidade e tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
Daí que a jurisprudência[3] acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”.
Importará, por isso, aquilatar se as conclusões que foram retiradas a partir da prova que foi produzida e credibilizada pelo tribunal, não contende com as regras da experiência comum e da lógica.
Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela Apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade.
Há ainda que atentar que, tal como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência, não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, nº 1, 137.º e 138.º, todos do C.P.C.).
Finalmente ainda, tendo em consideração os ónus decorrentes para aquele que impugna a matéria de facto do disposto no art. 640º do CPC, entendemos que o Apelantes cumpriu tal ónus, pelo que nada impede a reapreciação da matéria de facto.
Procedemos à audição da prova gravada a qual foi concatenada com a prova documental junta aos autos, em ordem a reapreciar a matéria de facto impugnada, nos moldes acabados de mencionar.
O apelante veio invocar erro de julgamento, quanto á decisão da matéria de facto, tendo impugnado os seguintes factos provados, que pretende ver julgados não provados (6 e 7 da petição):[4]
“-O Embargante, tendo por base o empréstimo (...) à data existente entre ambos, propôs ao embargado comprar o imóvel supra referido, fazendo contas mais tarde.
--Para esse efeito o embargante solicitou à A..., Lda., que outorgasse o contrato de promessa de compra e venda anteriormente referido.”
E dos não provados que pretende ver provados, 2 e 5 da contestação:
“--Por forma a manter a representação do EMBARGADO, O EMBARGANTE propôs-lhe que adquirisse a fração autónoma S, de tipologia T3, do prédio designado "..." que a A... tinha prometido comprar em 2019 à B..., Lda. (a "B..."), sendo o respetivo preço pago pela A....
--Assim, resulta claro que:
a) a aquisição do imóvel não foi solicitada pelo EMBARGANTE, mas sim uma forma de o EMBARGADO, através da A..., manter a representação do EMBARGADO; e
b) o pagamento do imóvel pela A... não teve como pressuposto a compensação do crédito devido pelo EMBARGANTE.”
Para tanto alega que foi dada credibilidade unicamente às declarações prestadas pelo próprio executado, não se tendo atendido à prova no seu conjunto, nomeadamente às declarações do Recorrente (a cuja transcrição parcial procedeu nas alegações), aos documentos, nomeadamente ao que ficou acordado nos contratos promessa celebrados, tendo em vista a aquisição da casa do embargante, na “...” nos âmbito dos quais a A... uma obrigação, que esta assumiu perante o RECORRENTE, de pagamento do montante de € 567.000,00 e que foram incumpridos.
Após audição da prova gravada a qual foi concatenada com a prova documental junta aos autos, entendemos que a factualidade provada (artigos 6 e 7 da petição), não refletem na íntegra o acordo efetuado entre embargante, embargado e a sociedade A..., Lda, sociedade que agenciava o exequente/embargado, na sua carreira futebolística com vista á liquidação do empréstimo de 400.000,00 feito pelo Embargado ao Embargante.
Com efeito, e não interessando aqui apurar se foi o embagado ou o embargante quem solicitou à A..., para assumir o pagamento da dívida do apelado, mas sim, o que ficou então acordado entre os intervenientes a esse respeito, da conjugação dos documentos juntos aos autos constituídos pelos contratos promessa de compra celebrados entre a A..., Lda e a sociedade vendedora B..., LDA., em 19.9.2019 (junto com a petição) ; a revogação desse contrato, de Junho de 2020 (junto com a contestação) e o contrato promessa celebrado entre a vendedora e o embargado, na mesma data, em 1.6.2020, assim como a confissão de dívida de 27.3.2022, com as declarações das partes, AA, Executado/embargante, e do exequente/embargante BB e da testemunha CC, legal representante da A..., Lda, resulta que todos aqueles depoimentos convergem no facto, que é suportado ademais pela aludida documentação, de ter sido feito um acordo, que envolveu o embargante, o embargado e a sociedade A..., no sentido de que a dívida do executado AA ao exequente BB, decorrente do mútuo que aquele lhe fez da quantia de €400.000,00 (que se encontra em execução), fosse liquidado através da aquisição pela A..., dum imóvel à B..., LDA., no qual o exequente BB estava interessado, e que se encontrava em construção (como resulta do contrato promessa), assumindo a A... o pagamento do preço do mesmo, revertendo posteriormente o imóvel para a titularidade do exequente.
Conforme contrato promessa junto aos autos, o pagamento desse imóvel, no “...”, era no valor de €630 mil euros. Uma vez pago o imóvel pela sociedade A..., o imóvel passaria para a titularidade do ora Apelante, sendo que, tal como este expressamente reconheceu no seu depoimento, o Apelante considerava-se dessa forma pago da aludida dívida de AA no valor de 400.000,00.
O legal representante da sociedade A..., CC, por sua vez, reconheceu que a sociedade que representa pretendeu “facilitar a dívida do AA”, assumindo o pagamento da mesma através daquele acordo.
E explicou a razão do acordo. Esperavam receber uma comissão no valor de 700 mil euros pela transferência do exequente BB, jogador profissional de futebol, agenciado pela empresa e por AA, sendo que 50% dessa quantia seria atribuída ao agente de facto, AA, o qual, mal a recebesse “acertava as contas” com a A.... No fundo, a empresa aceitou “adiantar” aquela quantia ao AA, seu funcionário, mas que era um funcionário muito relevante para a empresa, como reconheceu, já que era ele quem agenciava na prática o ora embargado.
Revelou também que era do interesse da A..., manter este jogador de futebol como agenciado, na empresa.
A quantia referente ao preço do imóvel que excedida os 400 mil euros, já nada tinha a ver com o pagamento do empréstimo, mas sim com “contas” entre a A... e o embargado, e corresponderia à quantia que entenderem ter o Apelante direito pela renovação do seu contrato de agenciamento com a A....
Liquidada a dívida a A... acertaria a contas com o seu funcionário AA, na parte dos 400.000,00 euros.
A ocorrência deste acordo de pagamento da dívida de AA, a ser liquidada por um terceiro (A sociedade A...), tem assim explicação e mostra-se compreensível, fazendo-se apelo às regras da experiência e da normalidade, atendendo às particulares circunstâncias do caso, fruto da grande relação de confiança existente entre os três intervenientes no acordo, como da expetativa que AA e a A..., tinham de vir a receber, na continuidade daquele relacionamento profissional (relacionamento que existia desde os 15 anos do jugador), de uma quantia a título de comissão pela transferência do ora Apelante que permitia à A... “acertar contas” com o seu funcionário, liquidando este o valor adiantado por conta daquela comissão à A....
E resulta dos depoimentos prestados, quer pelo ora Apelante, quer pelo ora Apelado, (credor e devedor, respetivamente), que ambos estavam de acordo em que o empréstimo dos 400.000,00 fosse liquidado dessa forma.
Os depoimentos prestados são convergentes entre si, nesta parte e a documentação junta aos autos comprova a existência desse mesmo acordo e vai de encontro ao que o Apelante explicou no seu depoimento, de que pretendia transformar dois apartamentos em um, onde pretendia passar a residir, no “...”, aceitando que um fosse adquirido por si e o outro pela A....
Ora para ser obtido tal objetivo, (era necessário que os apartamentos fossem contíguos) e por terem constatado (como reconheceram o executado e o legal representante da A...), da dificuldade que seria com base no primitivo contrato promessa celebrado entre a A... e a promotora da venda, o imóvel prometido comprar vir a ser “transferido” após o pagamento do preço para o Apelante, as partes (promitente compradora e promitente vendedora) revogaram o primitivo contrato por acordo em junho de 2022, tendo ficado consignada a seguinte cláusula, porque a A... havia já pago, no âmbito do anterior contrato 63.000,00 a titulo de sinal e principio de pagamento, expressamente na Cláusula Terceira que: “Com a assinatura do presente Acordo, a segunda outorgante (A...)declara e aceita expressamente que a quantia por si paga a título de sinal à primeira outorgante, no montante de 63.000€ (sessenta e três mil euros), fique na posse daquela primeira outorgante, que por sua vez, aceita e compromete-se a destinar tal valor para parte e por conta do preço relativo ao Contrato Promessa de Compra e Venda que irá outorgar nesta mesma data com BB, residente (…)”.
Nessa data a mesma promitente vendedora celebra diretamente com BB, o contrato promessa junto com a contestação, onde constam expressamente os seguintes considerandos: “(…) d) Por Acordo de Revogação outorgado na presente data, a primeira e a terceira outorgantes, procederam à Revogação do Contrato Promessa de Compra e Venda outorgado em 19.09.2019, e que tinha por objeto a supra referida “Fração S”. e) Em tal Acordo de Revogação, as partes estabeleceram que o sinal ali pago pela aqui terceira outorgante à primeira, no montante de euros: 63.000€ (sessenta e três mil euros) ficaria na posse da primeira que o destinaria ao pagamento de parte e por conta do preço do presente contrato.”
Ficou também consignada a pretendida alteração da configuração das frações pretendida pelo ora Apelante, da seguinte forma: “f) O segundo outorgante pretende que a primeira outorgante diligencie pela alteração da Propriedade Horizontal do supra indicado edifício “...”, em moldes a permitir que as projetadas “fração S” e “fração N” dêem lugar a uma “Nova fração” Tipologia T4 que represente o conjunto das duas, fração nova com letra a designar, conforme projeto de arquitetura da futura fração que se anexa ao presente contrato (ANEXO I), fração essa que pretende adquirir nos termos das cláusulas infra.”
Quanto aos pagamentos que foram efetuados, ao abrigo deste acordo, também inexiste controvérsia:
A sociedade da A..., pagou as seguinte quantias:
-63.000,00 (ainda no âmbito do primeiro contrato promessa, mas cujo pagamento serviu para amortizar o preço no segundo, como do segundo contrato promessa consta) e mais 63.000,00, perfazendo o toral de 126 mil euros, que aquela sociedade entregou à promitente vendedora, B..., LDA, por conta daqueles contratos promessas.
Também aqui os depoimentos são coincidentes, sendo que o Apelante confessa que esse pagamento ocorreu e que foi feito pela A... no âmbito do aludido acordo.
Também AA e a A..., através do seu legal representante afirmam que aquelas quantias foram pagas no âmbito desse mesmo acordo.
Acresce o documento 3 junto com a petição, denominado de “confissão de dívida” que se mostra subscrito pela A..., datado de 27.3.2022, - Doc nº 4 da contestação – confissão de dívida prestada perante o credor, (que dessa forma tem força probatória plena, nos termos do art. 358º do C.Civil), o qual se insere no âmbito daquele acordo global em que a A..., se comprometeu perante o ora Apelante a pagar à vendedora o preço da fração autónoma prometida vender, por conta da liquidação da dívida de AA e tal confissão ocorre no contexto que foi explicado pelo Apelante BB nas suas declarações e resulta do teor do documento, da A... ter falhado o pagamento das prestações do preço do imóvel acordadas com a promitente vendedora, tendo aquele tido a necessidade de, para não entrar em incumprimento, pagar ele próprio das prestações vencidas (no valor de 260.000,00).
Resulta do mesmo, que não obstante essa situação de incumprimento, a A... reitera que irá pagar o valor em falta, de 126.000,00 por conta do preço do imóvel, confessando-se devedora desse valor perante o ora apelante.
Considerando que o primeiro outorgante é o Apelante BB e o segundo outorgante a A..., ficou aí acordado o seguinte:
De seguida, a A... reconhece-se devedora, perante o ora Apelante, nestes termos:
Daqui resulta que, tal como o Apelante declarou em julgamento, a A... não pagou a totalidade das prestações referentes ao preço do imóvel, a que se vinculara, tendo por isso o Apelado suportado as prestações em falta, comprometendo-se, não obstante a A..., a liquidar as vincendas durante o Mês de Junho de 2022, no valor de €126.000,00, de que se reconhece devedora, perante o Apelante.
Concluindo, na conjugação destes meios de prova, podemos dizer que há convergência dos depoimentos das três partes envolvidos neste acordo de pagamento da quantia de 400.00,00 euros ao Apelante – do credor BB, do devedor AA e do terceiro, a A..., que assumiu o pagamento daquela dívida ao credor.
A discordância entre a partes que existe, tal como resultou da conjugação dos depoimentos dos envolvidos, é relativamente à interpretação que cada um faz quanto à questão de saber se o pagamento da quantia de 126,000,00€ feita pela A... deve ser ou não imputada à liquidação parcial da dívida exequenda, o que o Apelante nega, por entender, como explicou, que a dívida de AA permanece por liquidar, porque aquele a si nada lhe pagou e o acordo feito era no sentido da A... liquidar a totalidade do preço do imóvel, o que aquela também não fez, tendo sido o apelante quem liquidou à vendedora o remanescente do preço do imóvel.
Esta questão, porém, a que urge dar resposta, pois constitui uma parte relevante do litígio que opõe as partes nestes embargos, é já uma questão de direito, a qual, nessa qualidade será de seguida oportunamente apreciada.
Em face do acordo referido, que resulta inequivocamente da prova produzida, impõe-se a alteração da matéria de facto em conformidade, uma vez que, os factos que foram julgados provados na sentença, não o refletem na íntegra.
Assim, julgam-se provados os seguintes factos, eliminando-se os factos constante da anterior redação, que foi impugnada: -O Embargante, tendo por base o empréstimo (...) à data existente entre ambos, propôs ao embargado comprar o imóvel supra referido, fazendo contas mais tarde, sendo que o pagamento do preço seria parcialmente para liquidação da dívida (de 400 mil euros) e o restante para pagamento da quantia que o embargado teria direito, pela renovação do contrato com A..., Lda. -Para esse efeito, com o acordo do embargado BB, a A..., Lda., que pretendia manter a representação do embargado, aceitou ser ela a custear o imóvel, com a aludida finalidade, tendo para tal outorgado o contrato de promessa de compra e venda anteriormente referido,, ficando de acertar as contas, posteriormente com o seu funcionário AA. -Foi para tanto celebrado o contrato promessa datado de 19.9.2019, junto aos autos, com a petição, o qual veio a ser revogado em Junho de 2020 e substituído pelo contrato promessa celebrado entre a promitente vendedora B..., Lda e o embargado BB, em 1.6.2020, obrigando-se a A..., perante este, a liquidar o respetivo preço do imóvel prometido comprar à promitente vendedora, por conta do pagamento da dívida do Embargante nos termos acordados nos factos anteriores.
E eliminam-se os factos não provados supra impugnados, assim como em consequência o facto 9 facto 9 da p.i, que se encontra integrado na factualidade provada.
O Apelado, nos embargos de executado, alegou ainda que parte da dívida exequenda foi ainda liquidada através do pagamento a que procedeu de despesas do casamento do ora Apelante.
Este, no recurso impugna os seguintes factos, respeitantes a essa questão, ou seja ao pagamento da quantia de 70.000,00 pelo embargante, de despesas do casamento do ora Apelante, com a finalidade da liquidação parcial da dívida de 400.000€ do executado, que o tribunal julgou provado: factos provados 10. e 11. do Requerimento Inicial, que pretende ver julgados não provados, os quais tem o seguinte teor:
“10. Quem pagou, em parte, o aludido casamento do Embargado foi o ora embargante, que, diretamente liquidou pelo menos a quantia de 70.000,00 €.
11. Provado apenas que o embargante pagou € 70.000,00 relativos ao casamento do embargado.”
E pretende que os factos os factos não provados 1., 3.e 4 da Contestação sejam julgados provados:
“1. A A... é controlada de facto e materialmente pelo embargante, que determina as decisões, a vontade e os atos desta sociedade.
3. Como se referiu no Requerimento Executivo, esta sociedade A... é controlada de facto e materialmente pelo EMBARGANTE, que determina as decisões, a vontade e os atos desta Sociedade.
4. Posteriormente, ao longo do ano de 2021, o EMBARGADO contactou a A... - ou seja, o AA, que controla de facto esta sociedade - por diversas vezes no sentido de alertar e interpelar para o cumprimento das suas obrigações contratuais, estando sempre disponível para chegar a um entendimento e apresentando possíveis soluções.”
Desde já diremos que não iremos reapreciar estes últimos factos que foram julgados não provados, dada a sua irrelevância para a decisão de mérito a proferir.
Como dissemos já, há que atender que, na tarefa de reapreciação da prova produzida, a apreciação da modificabilidade da decisão de facto é atividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objeto incida sobre factualidade que extravase o objeto do processo – sendo propósito precípuo da impugnação da decisão de facto, o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto à interferência na solução do caso, ou seja, fica a impugnação limitada àquela cuja alteração/modificação se mostre relevante para a decisão a proferir.
Assim sendo, sob pena de estar a levar a cabo atividade inútil, infrutífera, vã e estéril, deve a Relação abster-se de apreciar da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto relativamente a factualidade que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação.[5]
É que a reapreciação da matéria de facto apenas se justifica quando, se for alterada, essa alteração tiver incidência na questão de direito; se assim não suceder, não tem o Tribunal da Relação de proceder à análise do material probatório tendo em vista saber se a prova produzida justifica ou não justifica que determinado quesito seja dado como provado integralmente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe inútil.
Iremos pois reapreciar apenas a questão do eventual pagamento da quantia de 70.000,00€ feita pelo embargante para liquidação de despesas do casamento do apelante, para abate ao montante em dívida do empréstimo de 400.000,00€, já que se trata de factualidade impugnada com relevância na questão da procedência/improcedência dos embargos.
O tribunal a quo formou convicção quento à prova deste facto, com os seguintes fundamentos: “Como se viu, existem versões contraditórias sobre o tema: o embargante confirma integralmente a entrega do dinheiro e a testemunha EE refere que nunca recebeu qualquer valor em numerário. O embargado refere que pensa que pagou tudo diretamente e por transferência, mas não tem a certeza. Ora, as declarações de parte do embargante têm que merecer inteiro acolhimento sobre este tema uma vez que resulta evidente do teor das conversas juntas aos autos que existiu a entrega de, pelo menos, € 70.000,00 em numerário ao arquiteto. As conversas tidas por WhatsApp são bastante elucidativas quanto a essa matéria, quer a conversa ocorrida entre o embargante e o embargado, quer a conversa entre o embargante e o arquiteto – na qual, repete-se, resulta evidente que estavam a combinar a entrega de valores em numerário relativos ao casamento. Soma-se a isto os documentos bancários juntos pelo embargante e que demonstram os levantamentos em numerário referidos pela testemunha FF e que depois serviriam para entregar ao arquiteto EE. Tudo sopesado, fez-se prova convincente de que o embargante entregou € 70.0000,00 em dinheiro ao arquiteto responsável pela organização do casamento e que este valor serviria para abater ao montante de € 400.000,00 emprestado pelo embargado ao embargante. Os restantes € 20.000,00 (uma vez que a versão do embargante é a de que entregou € 90.000,00) não resultou minimamente apurado pelo que foi dado como não provado. Como é evidente a prova deste género de negócios, feitos informalmente, é sempre indireta. Se o objetivo das partes é o pagamento de parte do valor de forma não declarada, é cristalino que não iriam formalizar os pagamentos com documentos. No caso dos autos, no cotejo de toda a prova produzida em audiência, resulta bastante claro que o embargante pagou, pelo menos, € 70.000,00, em dinheiro por conta da dívida que tinha para com o embargado e dentro da relação de grande proximidade e confiança que existia entre os dois. Quer este valor, quer o pago no negócio da casa seriam tidos em conta no acerto que entre as partes ter-se-ia que fazer relacionado com o empréstimo do embargado.”
O Tribunal recorrido, partindo do pressuposto que se tratou de um pagamento de forma não declarada a um prestador de serviços (organizador da festa de casamento do Apelante) e que, como tal, os envolvidos “não iriam formalizar os pagamentos com documentos”, aceitou que fosse feita prova indireta sobre o pagamento, concretamente por presunções.
Baseou a prova daqueles factos, numa conversa de “WhatsApp”, transcrita em documento junto aos autos, ocorrida entre Apelado e Apelante (mas não confirmada por este nas declarações que prestou, de forma evasiva é certo), em que este pede àquele pede a este para entregar dinheiro “ao gajo do casamento”, do montante de, “70k para aí”, que o Apelado aceitou porque “sabes que te vou pagar”, “não vou ficar a dever nada”, confirmando o Apelante no final da conversa que “o arquiteto EE ligou-se e disse que faltavam 5 mil”. Recebeu 2 x 30 e 1 x 5.
E na prova da ocorrência de outra conversa de “WhatsApp”, entre o Apelado e o arquiteto EE (negada por este), nos seguintes termos:
O teor destas conversas foi apenas confirmado pelo executado/apelado, já que o Apelante e a testemunha EE, disseram não se recordar das mesmas.
A questão que se coloca é a de saber se o teor destas conversas, confirmado apenas pelo executado, se mostra suficiente para provar com a necessária segurança, em primeiro lugar, que AA entregou a quantia de 70.000,00 ao organizador do casamento EE, em segundo lugar, que houve acordo entre exequente/executado que tal pagamento teria por finalidade ser abatida à dívida ora em execução.
Relativamente a esta questão, como já assinalamos, constata-se que os depoimentos dos envolvidos, não só não são coincidentes, como deram mesmo origem a uma acareação entre a testemunha EE, o arquiteto que confirmou ter sido o responsável pela decoração e estruturas da festa de casamento do ora Apelante e o executado AA.
A testemunha EE, o gerente da sociedade C... Unipessoal, Lda, afirmou desconhecer AA, tendo afirmado perentoriamente que todo o seu trabalho foi faturado e pago pelo Embargado, conforme documentação que remeteu aos autos.
Foram juntos aos autos em 2.2.2024 e em 5.2.2024, documentos juntos por aquela empresa constituídos por duas faturas, uma datada de 11.4.2022, referente à prestação e serviços “evento 1 tranche”, de €25,000,00 mais IVA no tal de 30.750,00 euros.
O pagamento desta fatura foi comprovado com o documento junto aos autos, emitido pelo Banco 1... de transferência em 22.4.2022 de BB, para C... Unipessoal, desse mesmo valor de 30.750,00 euros.
A segunda fatura referente “evento Junho 2 tranche”, é no valor de 85.000,00 mais IVA no valor global de 104.550,00€, valor que se mostra pago através do documento do Banco 1... que acusa uma transferência datada de 22.05.2022 para EE, dessa mesma quantia de 104.550,00€.
Quer as faturas emitidas, quer os documentos bancários aludidos, demonstram o pagamento dos servições prestados pela sociedade do arquiteto EE, pelo ora Apelante, tal como afirmado por ambos, nos respetivos depoimentos.
Quanto ao invocado pagamento em dinheiro, de 90 mil euros, que o tribunal julgou ter sido efetuado, apenas no montante de 70.000,00 euros, inexiste qualquer fatura emitida por aquela empresa, sendo que o arquiteto EE, ouvido como testemunha nega o seu recebimento. Também o exequente nega que tal pagamento tenha ocorrido.
Vejamos então, se podemos acompanhar o juízo crítico do tribunal recorrido no sentido de que ficou demonstrado esse pagamento e que o mesmo serviu para abater à dívida exequenda.
O Tribunal a quo convenceu-se da sua ocorrência, por entender que o mesmo resulta de forma segura das conversas” tidas por WhatsApp que são bastante elucidativas quanto a essa matéria, quer a conversa ocorrida entre o embargante e o embargado, quer a conversa entre o embargante e o arquiteto – na qual, repete-se, resulta evidente que estavam a combinar a entrega de valores em numerário relativos ao casamento.” “Soma-se a isto os documentos bancários juntos pelo embargante e que demonstram os levantamentos em numerário referidos pela testemunha FF e que depois serviriam para entregar ao arquiteto EE. Tudo sopesado, fez-se prova convincente de que o embargante entregou € 70.0000,00 em dinheiro ao arquiteto responsável pela organização do casamento e que este valor serviria para abater ao montante de € 400.000,00 emprestado pelo embargado ao embargante.”
Pondera-se em primeiro lugar que estas conversas de caráter privado, apenas foram confirmadas por um dos intervenientes, o executado, que naturalmente tem interesse na prova do pagamento.
Atendendo às regras de repartição do ónus da prova, é ao executado que incumbe a prova destes factos, nos termos do disposto no art. 342º nº 2 do C.Civil.
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Contudo, a livre apreciação da prova, não se confunde, de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve, portanto, colocar o julgador ao apreciar livremente a prova.
A livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão.
Também não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.
Como refere Manuel de Andrade,[6] a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Isto posto, concordamos com o Tribunal a quo, no sentido que as conversas via “WhatsApp”, trocadas entre os embargante e embargado e trocadas entre AA e o arquiteto EE, são conversas privadas que “aparentemente” versam sobre um eventual pagamento de serviços prestados pelo organizado do casamento do ora Apelante, que terão sido feitos pelo embargante a pedido do embargado, que podem ser configurados no âmbito da chamada “economia paralela”, já que não têm reflexo nas duas faturas por aquele emitidas supra analisadas.
A ser esse o caso, reconhece-se a dificuldade da prova do recebimento da quantia por inexistirem faturas ou recibos, não bastando para tal a mera confirmação do executado, sobre quem impende o ónus da prova do pagamento.
Mas isto não impede que a prova possa ser feita, para mais, tratando-se dum valor elevado – 70 mil euros – exigindo-se que, pelo menos, o executado venha comprovar a saída do dinheiro que diz nas conversas ter entregue ao organizador do casamento, de molde a confirmar o que ali diz.
Segundo o depoimento da filha do Apelado, FF foi ela quem emprestou esse valor ao pai (este encontrava-se já em situação de insolvência) e foi obtido através de levantamentos de conta bancária. Foi o dinheiro posteriormente entregue a um funcionário da A..., de nome GG, que o entregou ao arquiteto EE.
Uma vez que os movimentos bancários têm reflexo nos registos dos bancos, foi solicitada a junção da documentação bancária, a qual veio a ser junta aos autos, com o requerimento de 21.5.2024.
Ora é da análise desta documentação, que divergimos da análise crítica feita pelo tribunal a quo, que considera que ficou demonstrada a saída do dinheiro utilizado para o pagamento mencionado nas aludidas conversas.
Senão vejamos.
O normal, como afirma EE[7], é que o pagamento e movimento de dinheiro deixe um rasto documental e bancário, sendo fácil ao titular de uma conta bancária fazer prova dos movimentos da mesma.
Apesar de não existir fatura/recibo do pagamento alegado e de EE negar ter recebido o mesmo, tratando-se de uma elevada quantia – de 70 mil euros – não deveria seria difícil ao embargante demonstrar a saída desse dinheiro do banco, para depois ser entregue em dinheiro àquele, como alegou.
Quer o embargante, quer a sua filha, a testemunha FF, vieram dizer que fizeram uns levantamentos bancários para proceder a tal pagamento.
Ora, da análise da documentação junta para comprovar a saída do dinheiro do banco para ser entregue em numerário ao organizador do casamento, constata-se que a mesma não é clara quanto à saída do montante de 70€ do banco para ser feito tal pagamento.
Em primeiro lugar, os documentos não são claros quanto à origem do dinheiro, já que se reportam a movimentos bancários duma conta bancária duma outra sociedade comercial, sociedade D..., Lda., que é uma sociedade imobiliária diversa da sociedade A..., Ldª, que assumira o pagamento da dívida do executado.
É certo que a filha do executado disse ser sócia dessa sociedade imobiliária. Porém, não se confundindo os sócios com as sociedades, por força do princípio estabelecido no art. 5º do Código das Sociedades Comerciais, estamos perante movimentos bancários da conta duma sociedade comercial, que não se confunde nem com AA nem com a sua filha, que afirmou ter emprestado o dinheiro ao pai.
Em segundo lugar, os movimentos bancários constantes daqueles documentos, totalizam €40.000,00 e não os €70.000,00 que foram julgados provados.
Por último, também não demonstram a saída do dinheiro daquela conta para a titularidade de FF (para emprestar ao pai, como referiu), ou ao próprio executado.
Com efeito, os três documentos bancários juntos aos autos respeitam a movimentos bancários que tiveram lugar em 29.6.2022, na Banco 2..., sendo o primeiro por débito na conta da D..., Lda., através de cheque da quantia de €12.000,00 euros, sendo identificado o interveniente GG; o segundo por débito por cheque da quantia de €13.000,00 sendo identificado o interveniente GG; e um terceiro movimento bancário feito também em 29.6.2022 de €15.000,00 euros, este por transferência bancária para um IBAN cujo titular se desconhece (mas que não é o IBAN da sociedade C... Unipessoal, que consta dos documentos do Banco 1... juntos aos autos com o requerimento de 5.2.2024).
Estes documentos não são assim suscetíveis de comprovar de forma isenta de dúvidas, o aludido “empréstimo” alegado pela testemunha FF ao seu pai, da quantia que este entregou ao arquiteto EE para pagamento do casamento do Apelante.
Respeitam uma movimentação da quantia global de € 40.000,00 euros da conta da sociedade D..., Ldª, não sendo por isso possível fazer qualquer ligação entre aquela documentação bancária e o pagamento de 70.000,00 ao organizador do casamento do Apelante, que negou ter recebido tal quantia.
Inexiste pois, a nosso ver, prova suficiente, em face do exposto, que AA tenha efetivamente pago a quantia de 70.000,00 a um dos organizadores do casamento do Apelante, com o fito de abater à dívida exequenda, uma vez que não obstante as conversas de “WhatsApp”, impõe-se a dúvida quanto à efetiva realização desse pagamento em dinheiro, que é negado pela pessoa que supostamente o teria recebido, inexistindo prova documental quer do levantamento da quantia, quer do recebimento da mesma por aquele.
Não tendo sido possível reconstituir o “rasto” do dinheiro, pelo menos a saída do dinheiro do executado, impõe-se a dúvida sobre a ocorrência dos factos mencionadas nas aludidas conversas, que ademais foram apenas confirmadas pelo executado, pelo que, nos termos do art. 414º do CPC a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser resolvida contra a parte a quem aproveita, que no caso é o executado/embargante.
Impõe-se desta forma julgar procedente a impugnação, julgando-se os factos impugnados não provados, devendo pois, em consequência, os factos 10 e 11 da p.i passarem para o elenco dos factos não provados.
IV-FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão, foram julgados provados os seguintes factos:
1. Os sócios da A..., Lda., são a D..., Lda., e CC, sendo este último o sócio gerente da referida sociedade.
2. Embargado, e Embargante, e ainda CC na qualidade de legal representante da A..., Lda., (ainda que não seja parte), mantinham uma relação, que extravasava por diversas vezes o âmbito da relação profissional, sendo efetivamente uma relação de amizade.
3. Em junho de 2022, Embargado, Embargante, CC e ambas as respetivas famílias, estiveram reunidas no casamento do ora embargado.
4. O Exequente emprestou a quantia de 400.000,00 (quatrocentos mil euros) ao Executado.
5. A A..., Lda., na qualidade de promitente compradora, celebrou com a sociedade B...,LDA., na qualidade de promitente vendedora, um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, designado por letra S de Tipologia T3, do prédio “...” sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, pelo preço de 630.000,00 (seiscentos e trinta mil euros), no dia 19 de setembro de 2019. 6-O Embargante, tendo por base o empréstimo (...) à data existente entre ambos, propôs ao embargado comprar o imóvel supra referido, fazendo contas mais tarde, sendo que o pagamento do preço seria parcialmente para liquidação da dívida (de 400 mil euros) e o restante para pagamento da quantia que o embargado teria direito, pela renovação do contrato com A..., Lda. (facto ora alterado) 7-Para esse efeito, com o acordo do embargado BB, a A..., Lda., que pretendia manter a representação do embargado, aceitou ser ela a custear o imóvel, com a aludida finalidade, tendo para tal outorgado o contrato de promessa de compra e venda anteriormente referido,, ficando de acertar as contas, posteriormente com o seu funcionário AA.(facto ora alterado) 8-Foi para tanto celebrado o contrato promessa datado de 19.9.2019, junto aos autos, com a petição, o qual veio a ser revogado em Junho de 2020 e substituído pelo contrato promessa celebrado entre a promitente vendedora B..., Lda e o embargado BB, em 1.6.2020, obrigando-se a A..., perante este, a liquidar o respetivo preço do imóvel prometido comprar à promitente vendedora, por conta do pagamento da dívida do Embargante, nos termos acordados nos factos anteriores.(facto ora alterado)
9. Na data da outorga do contrato promessa de compra e venda, a A..., Lda., pagou a título de sinal a quantia de 63.000,00 (sessenta e três mil euros).
10. Pagou ainda mais 63.000.00 (sessenta e três mil euros), totalizando assim o montante de 126.000,00 (cento e vinte e seis mil euros).
11. (eliminado o facto10 da p.i))
12. (eliminado o facto 11 da p.i)
13. O embargante atravessou nos últimos anos dificuldades financeiras tendo sido declarado insolvente.
14. O EMBARGADO, após visitar o empreendimento, decidiu aceitar a proposta do EMBARGANTE e ainda comprar, por sua própria conta, uma nova fração (a Fração N, de tipologia T3) do mesmo empreendimento imobiliário.
15. Em junho de 2020, foi assinado um acordo de revogação do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a A... e a B... (promitente-vendedora).
16. No referido acordo resulta expressamente na Cláusula Terceira que: “Com a assinatura do presente Acordo, a segunda outorgante declara e aceita expressamente que a quantia por si paga a título de sinal à primeira outorgante, no montante de 63.000€ (sessenta e três mil euros), fique na posse daquela primeira outorgante, que por sua vez, aceita e compromete-se a destinar tal valor para parte e por conta do preço relativo ao Contrato Promessa de Compra e Venda que irá outorgar nesta mesma data com BB, residente na Rua ... n.º ..., ...- Vila Nova de Gaia, NIF ..., titular do cartão de cidadão n.º ..., válido até 11.05.2024, titular do cartão de cidadão n.º ..., válido até 11.05.2024”.
17. A 01.06.2020, foi assinado um contrato promessa de compra e venda que teve por objeto uma fração do tipo T4, projetada pela união da fração S e da fração N, celebrado entre a B..., o EMBARGADO e a A....
18. Nos termos do referido contrato, a A... comprometeu-se perante o EMBARGADO a proceder ao pagamento à B... da parte do preço da nova fração que correspondia ao valor da fração S correspondente ao valor de € 630.000,00.
19. A partir do mês de dezembro de 2020, a A... não pagou as prestações a que se encontrava obrigada.
20. A A... efetuou um reconhecimento de parte da dívida perante o EMBARGADO, no valor de € 126.000,00.
E foram julgados não provados os seguintes factos:
1. A A..., Lda., gere, pelo menos até ao momento, a carreira desportiva do Exequente.
2. É falso que que o Executado, ora Embargante seja o administrador de facto de tal sociedade como alegada o Embargado.
3. O ora Executado AA é meramente um agente que presta serviços à sociedade A..., Lda., legalmente representada pelo seu sócio gerente CC.
4. Atenta a relação de amizade existente entre o Exequente, ora embargado, o pai do Exequente e o Executado ora embargante, é natural que AA seja responsável pelo jogador DD.
5. O que, não obsta a que a representação e intermediação da carreira do Exequente seja assumida pela A..., Lda., que, para o normal desempenho da sua atividade comercial necessita de contratar determinados agentes, responsáveis pelo tratamento de determinados atletas.
6. Sendo o casamento uma cerimónia íntima, privada, dotada de emoções, em princípio, só estarão presentes a família e os amigos mais próximos, o que era e é o caso.
7. É verdade que o ora embargante também já pagou a totalidade da quantia emprestada pelo embargado.
8. Não provado que nas contas a fazer entre embargante, embargado e sociedade, relacionadas com o contrato promessa, entrasse qualquer prémio relacionado com o contrato de agenciamento.
9. (facto 9 da p.i eliminado).
10. A quantia exequenda foi sendo liquidada em numerário, como, mais uma vez, o Embargado bem sabe.
11. Tendo as partes combinado que o montante restante em falta, seria pago quando o Embargante recebesse a remuneração com a renovação ou transferência do Embargado, de acordo com o contrato vigente com a A..., Lda..
12. Exequente e Executado acordaram que o remanescente iria ser pago quando o Executado recebesse da A..., Lda., a sua remuneração pelos serviços que prestara na intermediação do Exequente, não estando assim vencida a obrigação.
13. As partes acordaram que tal pagamento ocorreria nessa data.
14. A A... é controlada de facto e materialmente pelo embargante, que determina as decisões, a vontade e os atos desta sociedade.
15. (facto 2 da contestação eliminado)
16. Como se referiu no Requerimento Executivo, esta sociedade A... é controlada de facto e materialmente pelo EMBARGANTE, que determina as decisões, a vontade e os atos desta Sociedade.
17. Posteriormente, ao longo do ano de 2021, o EMBARGADO contactou a A... - ou seja, o AA, que controla de facto esta sociedade - por diversas vezes no sentido de alertar e interpelar para o cumprimento das suas obrigações contratuais, estando sempre disponível para chegar a um entendimento e apresentando possíveis soluções.
18. (facto 5 da contestação eliminado).
19. Quem pagou, em parte, o aludido casamento do Embargado foi o ora embargante, que, diretamente liquidou pelo menos a quantia de 70.000,00 €.(ora aditado)
20. O Exequente já recebeu 90.000,00 ou 70.000,00 do Executado através de pagamentos realizados diretamente no interesse do Exequente para despesas do seu casamento (ora aditado).
V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS.
O ora Apelado deduziu oposição à execução, pretendendo ver extinta a mesma, pelo pagamento integral da quantia exequenda.
Como causa extintiva da obrigação exequenda, é ao Executado/embargante que cabe o ónus da prova do pagamento, nos termos do art. 342º nº 2 do C.Civil.
Na sentença sob recurso, o tribunal julgou os embargos de executado parcialmente procedentes, tendo determinado, a redução da quantia exequenda para o montante de € 204.000,00 à qual acrescem juros de mora desde o dia 16.05.2022.
Aqueles 204.000,00 euros correspondem à soma dos seguintes valores:
-126.000€, pagos pela sociedade A... -, no âmbito dos contratos promessa que tinham em vista a aquisição de um imóvel ...”,
-70.000,00 entregues em numerário a um organizador do casamento do embargado, com a finalidade de ser aquele valor abatidos à dívida exequenda.
Discorda o ora Apelante da sentença, por entender que não foram provados quaisquer pagamentos efetuados pelo RECORRIDO em relação à dívida de € 400.000,00, quantia que, fruto da relação de amizade, emprestou, no ano de 2018, ao RECORRIDO.
Reafirma que até hoje o RECORRIDO não pagou o referido montante, sem apresentar qualquer justificação para o referido incumprimento.
Pretendeu a reapreciação da matéria de facto por este tribunal de recurso, por entender que não foram provados tais pagamentos parciais da quantia exequenda.
Como resulta da alteração da matéria de facto, não foi feita prova cabal e suficiente da existência de um pagamento de 70.000,00€, feito em numerário pelo Recorrido a um organizador do casamento do Recorrente e que tal pagamento tenha sido feito por acordo entre as partes para amortizar a dívida exequenda.
Desta forma, sem necessidade de ulteriores considerações, à redução da quantia exequenda para o montante de € 204.000,00, que foi feita pela sentença recorrida haverá que abater a quantia de 70.000.00 euros, uma vez que não foi feita prova deste pagamento parcial daquela dívida.
Considerando que relativamente ao valor remanescente de € 126.000,00€, ocorreu também alteração da matéria de facto, vejamos se a mesma é de molde a alterar a decisão da primeira instância, tal como pretende o apelante, no sentido de não ver reconhecida a existência de qualquer pagamento parcialmente liberatório da divida exequenda.
Emergiu provado nesta matéria que, o Recorrente, o Recorrido e a sociedade A..., Lda., acordaram entre si que a restituição da quantia que foi mutuada ao embargante AA, obrigação decorrente do art. 1142º do Código Civil, seria efetuada através da compra dum imóvel, que era do interesse do ora Recorrente no “...” sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, pelo preço de 630.000,00.
A parte que excedia o valor em dívida constituiria um pagamento da A..., Lda, ao ora recorrente, pela renovação do contrato de agenciamento que aquele jogador de futebol mantinha com esse sociedade.
Esse acordo, como vimos, tem expressão nos contratos promessa celebrados juntos aos autos, já supra analisados.
Provou-se que a sociedade A..., Lda, não pagou a totalidade do preço do imóvel, tal como se comprometera, tendo pago apenas por conta do preço do mesmo, a quantia de €126.000,00 euros, tendo sido o ora recorrente quem suportou o restante valor do preço do aludido imóvel, que veio a adquirir, a final, para si, através da celebração da escritura pública de compra e venda, como reconheceu no depoimento que prestou.
Não há dúvida que aquele valor ficou diluído no preço global do imóvel adquirido pelo ora apelante.
Este, porém entende que nenhum pagamento parcial da quantia exequenda foi feito, porque o devedor é AA e este nada lhe pagou.
Vejamos se é assim.
A questão tem de ser apreciada no âmbito do regime legal da transmissão de obrigações.
Como refere o Professor Antunes Varela,[8] “a transmissão, como modificação subjetiva da relação creditória, nem sempre atinge o mesmo elemento da obrigação. Umas vezes, a transmissão refere-se às obrigações simples; outras, à relação obrigacional complexa.
No primeiro caso, a transmissão tanto pode ter por objeto a titularidade ativa da obrigação, o crédito, hoc sensu, como o lado passivo, a divida; no segundo caso, a transmissão pode abranger a posição (global), de qualquer dos contraentes.”
No domínio da transmissão singular de dívidas e do “processo da despersonalização da relação obrigacional”, destaca-se a figura da assunção de dívida, regulada no art. 595º do C.C, que dispõe: “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. 2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela,[9] como o próprio nome indica, a assunção de divida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efetuar a prestação devida por outrem.
A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação.
Como resulta deste preceito, a transmissão singular de dívidas tem sempre fonte contratual, podendo resultar de um contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, ou de um contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem autorização do antigo devedor.
Por sua vez, a lei não estabelece forma especial para o contrato em causa (art. 219º do CC).
No caso em apreço, a assunção da dívida do seu funcionário AA pela sociedade A..., Lda, ocorreu ao abrigo da liberdade contratual (art. 405º do CC), e teve a concordância expressa do credor, o aqui Apelante, que aceitou que o preço do imóvel que pretendia adquirir para si (tendo celebrado o contrato promessa em 1.6.2020, com a promotora da venda, visto o imóvel estar ainda em construção), fosse pago por aquela sociedade, para liquidação da dívida de AA decorrente do contrato de mútuo que com este celebrara.
A assunção de dívida (quanto aos seus efeitos) pode revestir duas modalidades: assunção de dívida liberatória – a vinculação do novo devedor (assuntor) importa a exoneração do antigo devedor -, e assunção cumulativa – a vinculação pelo novo devedor não implica a libertação do antigo devedor, passando ambos a responder, indistintamente, pela dívida perante o credor.
Como estipula o nº 2 do art. 595º do CC, a assunção de dívida só é liberatória se houver declaração expressa do credor nesse sentido, o que bem se compreende atenta a prevalência do seu interesse.
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão,[10] escreve a este respeito que, “ao verificar-se a transmissão da dívida, o novo devedor pode vir a substituir integralmente o antigo devedor, que fica assim exonerado (assunção liberatória), ou, pelo contrário, ficar vinculado por essa obrigação exatamente nos mesmos termos e em simultâneo com o primitivo devedor, sem que a vinculação deste seja afetada (assunção cumulativa). A diferença entre estas duas situações jurídicas depende apenas da declaração de exoneração do primitivo obrigado, que compete ao credor, e que a lei exige que resulte de declaração expressa, ou seja, declaração feita por palavras ou outro meio de expressão da vontade (artigo 217.º). A exoneração pelo credor é assim essencial para que o antigo devedor fique liberado perante ele. Sem essa declaração, o novo devedor responderá solidariamente para com o antigo obrigado”.
No caso em apreço, não resulta da matéria de facto, que o credor tenha exonerado o antigo devedor, pelo que, a sociedade responderá solidariamente para com o antigo obrigado, nos termos do disposto nos artigos 512º e ss do Código Civil.
Estabelecendo o nº 1 do art. 512º do C.Civil que a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral da prestação e esta a todos libera, tem de concluir-se que o pagamento parcial feito pela A..., Lda, liberou parcialmente a dívida do executado por esse montante.
E não se pode dizer, em face da factualidade provada, que o pagamento só poderia ser atendido se houvesse pagamento integral do preço do imóvel.
Não ficou acordada a entrega do imóvel no âmbito duma dação pro solvendo (art. 840º nº 2 do C.Civil), já que, tendo aquela sociedade deixado de pagar à construtora as prestações acordadas pelo Apelante com aquela no contrato promessa, através do documento de confissão de dívida, assinado pela A..., Lda, ao assumir as prestações que então se encontravam em dívida, não há dúvida que as partes quiseram, não obstante persistir com a obrigação de pagar a dívida do executado, através do pagamento, ainda que parcial do preço do imóvel que o ora apelante pretendia adquirir.
Desta forma, em face da matéria de facto provada, o pagamento feito por esta sociedade, por adiantamento do preço do identificado imóvel, no valor de €126.000,00 foi efetuado por esta sociedade em cumprimento da obrigação assumida perante aquele credor do pagamento da dívida do recorrido.
E tendo o pagamento sido aceite, já que foi diluído no preço final do imóvel que o apelante pagou à vendedora, tem de ser abatido à prestação devida pelo recorrido, com origem no contrato de mútuo.
Desta forma, impõe-se manter a decisão recorrida nesta parte, que determinou o abate à dívida exequenda do valor de €126.000,00 pagos pelo assuntor.
O Apelante discorda ainda da sentença, na parte em que foi condenado como litigante de má fé, mais defendendo dever ser o recorrido condenado em litigância de má fé, tal como peticionara, pois aquele assumiu um comportamento censurável ao deduzir os embargos com fundamento na extinção total da dívida exequenda pelo pagamento, o que não logrou provar.
Vejamos.
Na sentença, o tribunal a quo, ao apreciar a conduta processual das partes, entendeu que “nada existe a censurar no que concerne à postura processual do embargante. Na verdade, muito embora tenha alegado que nada deve ao embargado a verdade é que a leitura atenta do seu requerimento resulta na perceção de que apenas existiam factos necessários à prova de que parte do crédito estava pago, como efetivamente veio a ocorrer. Os restantes factos redundam em negócios e combinações não demonstradas.”
Porém, quanto ao embargado entendeu-se na sentença, “que este alegou uma versão que contraria frontalmente a prova produzida em audiência final, quer no que concerne ao pagamento das quantias relacionadas com o contrato promessa, quer no que tange aos montantes inerentes ao casamento.”, o que redundou na sua condenação como litigante de má-fé unida com uma multa que se fixa em 3 UC´s e numa indemnização a pagar à parte contrária que se quantifica em € 1000,00.
O Apelante não se conforma com nenhuma destas decisões.
Vejamos.
O art. 542.º, n.º 2 do C.P.Civil define a noção de má-fé nos seguintes termos:
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Sobre as questões relacionadas com a litigância de má-fé, Alberto dos Reis ensinava que as alíneas a) e b) correspondem à modalidade do dolo substancial, por estar em causa a relação jurídica material, a lide substancial.
O litigante sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou. E concluiu, da sua análise, que esta era a figura nítida do litigante de má-fé.
A condenação como litigante de má-fé pressupõe um juízo de censura perante um comportamento da parte, que não pode ser aceite por violar gravemente o dever de colaboração processual para a justa composição do litígio.
Ao sancionar atualmente a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro.
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes.
O Professor Miguel Teixeira de Sousa,[11] escreve que “a infração do dever do honeste procedere pode resultar de uma má fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”.
Vem-se entendendo, na jurisprudência, que a conclusão da litigância de má fé é casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto, devendo o tribunal ser prudente na sua apreciação, só devendo condenar a parte, como litigante de má fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Na situação em apreço, constata-se que o embargante veio, através dos embargos que deduziu, invocar a extinção total da dívida exequenda, pelo pagamento, sendo que, certamente não poderia desconhecer, pese embora a solidariedade da dívida, dada a grande ligação que mantinha com a sociedade que assumiu o pagamento da mesma, A..., Lda, que aquela não a liquidara na íntegra, e que pessoalmente também o não fizera, pelo menos não o logrou demonstrar.
Por sua vez, o embargado instaurou a execução pela totalidade da dívida, sendo que, apesar de nada ter recebido diretamente do executado, não podia ignorar que aceitara que o pagamento fosse feito também pela sociedade A..., Lda, e que esta pagara já, conforme acordado a quantia de € 126.000,00 para abate da dívida do executado.
Ambas as partes deduziram assim pretensão e oposição que não lograram ver sustentada em juízo, numa lide “temerária” de parte a parte, que não se mostrando isenta de censura, atentas as particularidades do caso, não integra porém um comportamento doloso ou gravemente negligente, merecedor de censura, que mereça por nós ser sancionado nos termos do art. 542º do CPC, até porque ambos motivaram atividade processual idêntica.
Desta forma, entendemos ser de manter a absolvição do embargante da condenação como litigante de má-fé, e revogada a condenação do embargado como litigante de má-fé feita na sentença.
VI-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão, acordam os juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que mandou abater à quantia exequenda a quantia de € 70.000,00 euros e na parte em que sancionou a Apelante como litigante de má fé.
Custas a final, na proporção do decaimento.
Porto, 25 de fevereiro de 2025
Alexandra Pelayo
Márcia Portela
Artur Dionísio Oliveira
__________________ [1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277. [2] In “Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, pág. 312) [3] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por Henriques Gaspar no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt [4]Não podemos deixar de aqui assinalar, que a técnica que foi usada pelo tribunal a quo, ao não individualizar os factos provados e não provados por ordem numérica, alfabética, ou outra, atenta a autonomização a que os mesmos devem passar a assumir na sentença, em confronto com as peças processuais em que foram alegados, por força do disposto nos arts. 410º e 607º do nº 3 do CPC - notoriamente dificultou a reapreciação da matéria de facto, por este tribunal de recurso. Na indicação dos factos provados e não provados feita na sentença há quatro factos com a mesma numeração. Ex: facto provado 1 do requerimento inicial; facto provado 1 da contestação; facto não provado 1 do requerimento inicial e facto não provado 1 da contestação, e daí por diante, em que há quatro factos provados e não provados assinalados sob o nº 2; há quatro factos assinalados sob o nº 3, tornando confusa e de difícil apreensão a individualização dos factos impugnados. [5] Neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes) e os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), todos in www.dgsi.pt. [6] Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191. [7] In A Prova por presunção no direito Civil, 3º edição, Almedina, pg. 269. [8] In Das Obrigações em Geral, vol II, 4ª ed. Pg. 281. [9] In Código Civil anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, pg.679. [10] In Direito das Obrigações, Vol. II, 3ª ed., 2005, pág. 54. [11] In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 62 e 63.