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CÔNJUGES
BENS COMUNS
IMÓVEL
DIREITO À MEAÇÃO
PENHORA
ADMISSIBILIDADE
Sumário
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil) I - Os bens comuns do casal (presentes num regime de comunhão) integram um património colectivo e autónomo, de afectação especial porque o complexo de bens que em cada o momento o integra se encontra adstrito à satisfação da sociedade conjugal, cabendo aos cônjuges um único direito sobre o mesmo, estando em causa uma propriedade colectiva cujos sujeitos são ambos os cônjuges sem que se possa falar da existência de quotas entre eles. II - A propriedade colectiva dos cônjuges é uma comunhão una, indivisível, sem quotas ideais, diversamente do que ocorre na compropriedade, não possuindo cada um dos cônjuges uma quota-parte sobre cada um dos bens que fazem parte do património comum, antes são ambos titulares de um único direito que não suporta divisão, nem mesmo ideal. III - Por isso não é admissível a penhora ou a apreensão do direito à meação em cada um desses bens, por tal direito não existir, enquanto tal, no património de cada um dos cônjuges. IV - Não pode assim um direito à meação sobre um concreto imóvel ser apreendido na insolvência ou penhorado na execução, sendo, outrossim, o imóvel apreendido para o processo de insolvência atenta a sua vocação de execução universal e por mero efeito da declaração de insolvência.
Texto Integral
Acordam as Juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
A presente execução foi interposta por “S…A…, SA” contra “JM Unipessoal, Ldª”, JMMS e AMMGM.
1 - Em 29/01/2021 foi penhorado o prédio urbano sito na Rua Dr. …, nº …, Lugar de …, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de… e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, propriedade de JMMS e AMMGM, casados um com o outro, segundo consta dos autos, no regime de comunhão de adquiridos.
2 - Em 10/03/2023 foi comunicado aos autos que o executado JMMS se encontrava em processo especial para acordo de pagamento (PEAP).
3 - Em 13/03/2023 o Senhor Agente de execução enviou ao processo de execução comunicação quanto à sua decisão da alteração de venda da qual, entre o mais, consta:
"Alteração à decisão de venda
(...)
3.Em 14/01/2023 foi proferida decisão de venda do imóvel (totalidade):
•Valor Base: 320.000,00 euros;
•Valor a anunciar (85%): 272.000,00 euros;
•Modalidade de venda: leilão eletrónico;
(...) o executado JMMS encontra-se em processo especial para acordo de pagamento, pelo que se encontram suspensos os presentes autos quanto ao mesmo, nos termos do artigo 222º-E, nº1 do CIRE, tendo o referido leilão sido cancelado pelo AE.
Nesta conformidade, decide-se que a venda do imóvel penhorado prossiga apenas com a meação da executada AMMGM, através de leilão eletrónico na plataforma www.eleiloes.pt aprovada por Despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09, pelo valor base de 160.000,00€, sendo o valor mínimo a anunciar para venda de 136.000,00€ (85% do valor de base), tendo em conta o principio da proporcionalidade quanto ao valor já anteriormente decidido. (...)”.
4 - Em 18/12/2023 foi junto aos autos de execução anúncio relativo à sentença de declaração de insolvência de JMMS, proferida em 13/12/2023 no processo de insolvência de pessoa singular nº ….
5 - Em 23/02/2024 o Sr. Administrador da Insolvência de JMMS dirigiu ao Sr. Juiz de Execução requerimento (refª 5597165), juntando em anexo as comunicações trocadas entre o mesmo e o AE, do seguinte teor:
“Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito
JCR, Administrador de insolvência no processo nº …em que é requerido a pessoa singular JMMS, vem no seguimento da indicação prestada em 09/02/2024 pelo AE RB de que promoveu à venda do imóvel através da modalidade de negociação particular da meação, desconhecendo-se qualquer diligência efetuada, preço, condições e identificação do promitente comprador, informar que em 14/02/2024 notificou-se eletronicamente aquele de que o processo de insolvência tem primazia na venda do imóvel, não podendo o processo executivo sobrepor-se a este nem o AE tem autonomia legislativa para adjudicar o imóvel no decurso do processo insolvencial.
Neste sentido e para os devidos efeitos, e como forma de evitar a devida ação judicial para a sua anulação, requer-se mui dignamente a V.Exa. que seja notificado o AE RB para que seja dado sem efeito qualquer diligência relativa do imóvel, devendo decorrer no processo insolvencial toda a tramitação processual que se relacione com a sua liquidação.”
6 - Em resposta o AE, em 05/03/2024, enviou aos autos de execução a seguinte exposição/requerimento:
“JSA, Agente de Execução nos presentes autos, notificado do requerimento com a referência 56787312[1], vem mui respeitosamente informar e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1. Encontra-se penhorado à ordem dos presentes autos o prédio urbano, sito na Rua Dr. …, nº …, no lugar de …, composto de casa de moradia, anexo e quintal, para habitação, com a área total de 1.270,00 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, que provém do artigo …, da Freguesia de …, concelho de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …;
2. Em 13-03-2023, em virtude do executado JMMS se encontram em Processo Especial para Acordo de Pagamento, procedeu o ora signatário à suspensão nos termos e para efeitos do artigo 222.º do CIRE, cfr. ora se anexa;
3. Atento o PEAP, procedeu o aqui AE à alteração da decisão de venda, e que ora se anexa, prosseguindo-se apenas com a venda da meação da executada AMMGM;
4. Em 19-12-2023, procedeu o AE à suspensão dos presentes autos, atenta a insolvência do executado JMMS, nos termos e para efeitos dos artigos 793.º do CPC e 88.º do CIRE;
5. Na referida data, encontrava-se em venda a meação da executada AMMGM, sendo que a mesma terminava em 16-01-2024, cfr. notificações datadas de 18-10-2023;
6. Encerrada a venda mediante negociação particular, foi apresentada uma proposta pelo valor mínimo de venda, vulgo 136.000,00€;
7. Vem o AI notificar o aqui AE que o processo de insolvência tem primazia na venda do imóvel, não podendo o processo executivo sobrepor-se a este nem o AE tem autonomia legislativa para adjudicar o imóvel no decurso do processo de insolvência;
8. Atento o supra exposto, o aqui AE não entende o teor da referida notificação, uma vez que à ordem dos presentes autos apenas se encontra em venda a meação da executada AMMGM, e não a totalidade do imóvel, atenta a insolvência do executado JMMS;
9. Acresce ainda referir que, após consulta à certidão predial, não se encontra registada sequer a apreensão do imóvel à ordem do processo de insolvência;
10. Vem ainda requerer o AE [querendo referir AI – Administrador de Insolvência] para que seja dado sem efeito qualquer diligência relativa ao imóvel, devendo decorrer no processo de insolvência toda a tramitação processual que se relacione com a sua liquidação;
11. Acresce referir que, em 08-02-2024, veio o melhor proponente questionar pelos procedimentos seguintes, em virtude da proposta apresentada ter sido a mais elevada;
Face ao supra exposto, requer-se a V. Ex.ª pronúncia quanto ao prosseguimento das diligências de venda da meação da executada AMMGM, uma vez que não se vislumbra a apreensão do imóvel à ordem do processo de insolvência.
Pede deferimento.”
7 - Em 06/03/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“RE 5597165: Notifique o Ex.mo Senhor Administrador da Insolvência para, em 10 dias, esclarecer o pretendido, uma vez que, a mais de não resultar registada a insolvência relativamente ao imóvel em causa, conforme resulta da informação que antecede, nestes autos não está penhorado qualquer imóvel, nem a meação do insolvente, estando, ao invés penhorada a meação no imóvel em causa da aqui executada AMMGM, não produzindo qualquer efeito quanto a esta ou aos seus bens a insolvência do co-executado JMMS. Notifique.”
8 - Respondendo àquele despacho, em 19/03/2024 o AI apresentou aos autos requerimento do seguinte teor:
“Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito
JCR, Administrador de insolvência no processo nº … em que é requerido a pessoa singular JMMS, vem no seguimento da notificação rececionada, v/ref.ª 56853971, e conforme precedentemente indicado, o AE RB terá promovido à venda do imóvel através da modalidade de negociação particular apenas da meação afeta ao presente processo executivo, desconhecendo-se qualquer diligência efetuada, preço, condições e identificação do promitente comprador.
Como se reconhece em diversa jurisprudência o processo de insolvência tem primazia na venda do imóvel, não podendo o processo executivo sobrepor-se a este nem o AE tem autonomia legislativa para adjudicar uma parte de um imóvel no decurso de um processo insolvencial.
O credor hipotecário disponibilizou uma avaliação atualizada com um valor mínimo de 306.000,00 €, pelo que a existir intervenção no processo executivo na venda do imóvel apenas se aceita se global e não pela meação, com o benefício de 153.000,00 € a ser entregue à massa insolvente.“
9 - Nesta sequência, em 09/04/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“RE 5641352: Atendendo a que se mostra penhorada a meação da executada AMMGM, solicite ao processo de insolvência em causa informação sobre se, nesses autos, foi proferida decisão sobre a venda do imóvel em causa nessa sede de insolvência e, em caso afirmativo, em que data.”
10 - Apresentou então o AI, em 10/04/2024, o seguinte requerimento/exposição:
“Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito
JCR, Administrador de insolvência no processo nº …em que é requerido a pessoa singular JMMS, vem no seguimento da notificação rececionada, v/refª 57048923, informar que o processo de venda e particularmente do imóvel não necessita de decisão para a sua venda.
Conforme decorre do nº 1 do art.º 149º do CIRE e proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente e decorre do art.º 158º do citado normativo que transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, ou na sua ausência após a entrega do Relatório nos termos do art.º 155º, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo.
A insolvência foi decretada em 13/12/2023 e o processo de liquidação é da exclusiva responsabilidade do Administrador de insolvência, pelo que é dispensável a necessidade de decisão para a venda dos bens apreendidos para o processo insolvencial.”
11 - Em resposta ao despacho de 09/04/2024, foi pelo processo de insolvência enviada a seguinte informação aos autos executivos:
“Assunto: Informação do estado dos autos
Por ordem do Mmº Juiz de Direito APFL, informa-se Vª Exª de que na Insolvência pessoa singular (Apresentação), …, quanto ao prédio urbano, sito na Rua …, nº …, …, foi pedido pelo Sr. Administrador da Insolvência no apenso da Liquidação …-D, ao credor hipotecário no passado dia 15/01/2024 a entrega de uma avaliação atualizada do referido imóvel, para efeitos de promoção de venda.”
12 - Em 08/05/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“RE´s 5672935 e 5676471: Atenta a informação prestada e não se olvidando que a venda de bens apreendidos em sede de insolvência não necessita de decisão judicial (o que não ocorre no caso que nos ocupa, pois estaria em causa a venda global de um bem não totalmente apreendido em sede de insolvência), notifique os sujeitos processuais para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de venda do bem em causa conjuntamente e pela sua totalidade, no âmbito do processo de insolvência …, com o respectivo produto a reverter para os presentes autos na proporção da meação penhorada.
Notifique.
Dê conhecimento ao processo de insolvência ….”
13 - Pronunciaram-se o Ministério Público, nada tendo a opor revertendo para os autos de execução a proporção da meação penhorada; a executada AMMGM, pugnando pelo indeferimento da pretensão do AI; a exequente nada opondo revertendo para a execução o produto da venda na proporção da meação penhorada; o AE reiterando o teor do seu anterior requerimento de 05/03/2024.
14 - Em 03/07/2024 foi então proferida a seguinte decisão:
“Atenta a ausência de acordo entre todos os sujeitos processuais e o actual estado dos presentes autos, não se autoriza a venda do bem em causa conjuntamente e pela sua totalidade, no âmbito do processo de insolvência …, com o respectivo produto a reverter para os presentes autos na proporção da meação penhorada.
Em face do despacho que antecede, deverão os presentes autos prosseguir com a sua ulterior tramitação legal quanto à meação apreendida nos mesmos.
Notifique.
Dê conhecimento ao processo de insolvência ….”
É desta decisão que vem, pela Massa Insolvente de JMMS, interposto o presente recurso de apelação, que encerra com as seguintes
Conclusões
«1ª - O presente recurso deve ser admitido nos termos do art.º 644º, nº 2, alínea h) do CPC, sendo a recorrente parte legítima para a sua interposição, de acordo com o disposto no art.º 631º do mesmo código.
2ª - Devendo atribuir-se ao mesmo efeitos suspensivos, com base no nº 4, do art.º 647º do CPC.
3ª - A venda em separado das duas meações do imóvel terá como consequência a desvalorização desse mesmo imóvel.
4ª - Em condições normais, ninguém estará interessado na aquisição da metade indivisa de um imóvel, salvo se condições particulares desse imóvel ou um interesse especial do adquirente o justifique, a não ser que o preço da aquisição compensar o risco inerente a esse negócio.
5ª- A venda das meações em separado no processo de insolvência e no processo executivo, terá como consequência a desvalorização do imóvel, de que resultará um necessário prejuízo para os credores de ambos os processos.
6ª - Inexistindo qualquer interesse processual ou económico para que essas vendas sejam efetuadas em separado, conforme ordenado no despacho recorrido.
7ª – Tendo sido esse o entendimento do MP, em representação do credor Estado e da exequente, primeiros interessados na majoração do produto da venda do imóvel.
8ª- O regime processual previsto no CIRE para a venda dos bens apreendidos para a massa, determina que os interesses dos credores sejam amplamente salvaguardados.
9ª - Prevalecendo, como prevalece, face ao regime processual da apreensão dos bens da massa (art.º 149º do CIRE), a apreensão dos bens na massa sobre outros direitos emergentes de processos executivos, deve a venda do imóvel apreendido na insolvência, prevalecer sobre a venda a efetuar no processo executivo.
10ª - Salvo melhor opinião, o despacho recorrido não fez uma correta apreciação sobre a melhor forma de proteger os interesses dos credores do insolvente e da executada, conforme dispõe o art.º 1º do CIRE.
11ª- Nem fez, com o devido respeito, a melhor aplicação dos princípios que emergem do disposto no art.º 149º do CIRE, com vista à proteção dos credores.
(…)
Nestes termos e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-se o mesmo pela decisão que ordene a venda da totalidade do imóvel no processo de insolvência, conforme requerido pelo Administrador de Insolvência.».
O Ministério Público apresentou resposta, que terminou com as seguintes
Conclusões
«A) Consideramos que não assiste total razão ao recorrente, desde logo porque, uma coisa é o direito de propriedade sobre o imóvel diferente é a meação no património que ainda é comum.
B) O direito à meação não incide sobre um bem determinado, tal só se alcança com a partilha do bem.
C) O que é vendido é o direito à meação do insolvente no bem comum.
D) Daí não vermos em que medida a venda de separada prejudique os credores.
E) Posto o que, não deverá o recurso proceder, mantendo-se o decidido.».
*-*
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
**
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 662º nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º nº 3 do mesmo Código).
No caso, a questão a decidir consiste em saber se um imóvel que integra o património comum do casal deve ser vendido no âmbito do processo de insolvência de um dos cônjuges ou se deve/pode a meação do outro cônjuge sobre esse imóvel ser vendida na execução em que este é executado. II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão são os que, retirados da tramitação processual, constam do antecedente relatório.
B) DE DIREITO
A presente execução foi promovida contra “JM Unipessoal, Ldª”, JMMS e AMMGM; estes, segundo consta pacificamente nos autos, casados sob o regime da comunhão de adquiridos.
No âmbito desta execução foi penhorado o prédio urbano sito na Rua Dr. …, nº …, Lugar de …, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, propriedade daquele casal.
É relativamente a esse bem imóvel que se mostra lavrado auto de penhora de 29/01/2021.
Trata-se da penhora de um direito real, que se realiza nos termos estabelecidos no art.º 755º CPC.
A meação – sem prejuízo de quanto abaixo explanaremos – não consiste num direito real, constitui, sim, um direito, cuja penhora está sujeita ao regime previsto no art.º 781º CPC.
Serve quanto antecede para evidenciar que o que se mostra penhorado nos autos de execução é o imóvel acima identificado e não a meação da executada AMMGM, pois não foi cumprida a tramitação legalmente estabelecida no citado art.º 781º CPC para a penhora de direitos. A decisão do Senhor Agente de Execução (AE) de 13/03/2023 acerca da alteração à decisão de venda, no sentido de que ”(…) a venda do imóvel penhorado prossiga apenas com a meação da executada AMMGM, através de leilão eletrónico na plataforma www.eleiloes.pt aprovada por Despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09, pelo valor base de 160.000,00€, sendo o valor mínimo a anunciar para venda de 136.000,00€ (85% do valor de base), tendo em conta o principio da proporcionalidade quanto ao valor já anteriormente decidido. (...)”, não cumpre os requisitos legais da penhora de direitos, não tendo a virtualidade de converter a penhora de um bem imóvel na penhora de um direito.
Estando o bem imóvel penhorado à ordem dos autos executivos, veio a ser declarado insolvente o executado JMMS.
O processo de insolvência, de acordo com o art.º 1º do CIRE, é um processo de execução universal que, no que para o caso releva, tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente, com a repartição do produto pelos credores, desenrolando-se numa sequência de actos, de complexidade variável, segundo as regras constantes do compêndio legal que o rege (CIRE), com aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil, na medida em que não contrariem aquele diploma (cfr. art.º 17 do CIRE).
Por isso, atenta a sua vocação de execução universal, a sentença que declara a insolvência decreta a apreensão de todos os bens do devedor, ainda que de alguma forma penhorados, apreendidos ou detidos (cfr. art.º 36º do CIRE), e proferida que seja tal sentença procede-se à imediata apreensão, além do mais, de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for (com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social), resultando da declaração de insolvência o poder de apreensão, o qual está legalmente cometido ao Administrador de Insolvência, passando a constituir a massa insolvente todo o património do devedor à data da declaração da insolvência (excluídos os bens legalmente isentos de penhora), ficando os bens apreendidos confiados ao Administrador da Insolvência (cfr. artºs 46º, 149º e 150º do CIRE).
Portanto o imóvel em causa, a despeito de penhorado na execução, é, e foi, por mero efeito da declaração de insolvência apreendido para o processo de insolvência, integrando a massa insolvente.
Contudo, verifica-se que o Sr. Agente de Execução, a despeito da troca de correspondência electrónica com o Sr. Administrador da Insolvência (sumariada no acima mencionado requerimento deste último, datado de 23/02/2024), em que este o alertava para a primazia do processo de insolvência na venda do imóvel e de que o AE não poderia adjudicar o imóvel no decurso do processo insolvencial, actuou como se o imóvel penhorado à ordem da execução pudesse ser cindido e prosseguiu os termos da acção executiva como se à ordem desta estivesse penhorada a meação da executada AMMGM sobre aquele imóvel, tendo como pressuposto que cada um dos cônjuges detém a meação sobre cada um dos concretos bens integrantes do património comum conjugal; entendimento que teve acolhimento no despacho sob recurso.
No entanto, assim não é.
Os bens comuns do casal (presentes num regime de comunhão) integram um património colectivo e autónomo, de afectação especial porque o complexo de bens que em cada o momento o integra se encontra adstrito à satisfação da sociedade conjugal, cabendo aos cônjuges um único direito sobre o mesmo.
Como ensinam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in Curso de Direito de Família”, Vol. I, Direito Matrimonial, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 507), “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são os dois titulares de um único direito sobre ela”.
Trata-se, portanto, de um património que pertence em comum a duas pessoas (enquanto existir a comunhão, i.é enquanto não houver processo de separação de bens ou partilha subsequente a divórcio), mas sem que, como ocorre na compropriedade, cada titular se possa arrogar ser dono de uma quota, estando, sim, em causa uma propriedade colectiva cujos sujeitos são ambos os cônjuges sem que se possa falar da existência de quotas entre eles (neste sentido cfr. Prof. Antunes Varela in Direito da Família 1982, págs. 373 e ss.).
Ou seja, a propriedade colectiva dos cônjuges é, assim, uma comunhão una, indivisível, sem quotas ideais, diversamente do que ocorre na compropriedade, não possuindo, portanto, cada um dos cônjuges uma quota-parte sobre cada um dos bens que fazem parte do património comum, antes são ambos titulares de um único direito que não suporta divisão, nem mesmo ideal.
Ora, se os cônjuges não possuem uma quota-parte sobre o património comum e consequentemente não detêm uma quota-parte sobre cada um dos bens que fazem parte desse património, sendo titulares de um único direito, que não suporta divisão, nem mesmo ideal, não é admissível a penhora ou a apreensão do direito à meação em cada um desses bens, por tal direito não existir, enquanto tal, no património de cada um dos cônjuges. Como se diz no Ac. da Relação de Guimarães de 28/01/2016 proc. 524/14.2T8VRL-B.G1, “não pode ser apreendido o “direito à meação do prédio”, por tal situação não ter sustentabilidade legal.” (veja-se também, ente outros, Ac. Relação de Lisboa de 29/5/2014, proc. nº 13937/04.L1-6).
Não pode assim um direito à meação sobre um concreto imóvel ser apreendido na insolvência ou penhorado na execução, sendo, outrossim, o imóvel apreendido para o processo de insolvência atenta a sua vocação de execução universal e por mero efeito da declaração de insolvência.
Como se assinala no Ac. desta Relação de Lisboa, de 29/10/2024, proc. 10358/22.5T8LSB-D.L1-1, a insolvência de um dos cônjuges casados num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, no caso de não ter sido ainda efectuada a partilha dos bens comuns do casal) envolverá a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge insolvente mas também os bens comuns do casal, sendo irrelevante para que tal apreensão ocorra a discussão da natureza da dívida como própria ou comunicável.
Assim, será no processo de insolvência, para o qual o imóvel foi apreendido pelas razões acima expostas, que devem ser realizadas as diligências tendentes à respectiva liquidação.
Diga-se, no entanto, que atenta a natureza de bem comum do imóvel apreendido no processo de insolvência, não poderá neste deixar de se proceder à citação da cônjuge do insolvente – que a despeito de executada nestes autos mantém incólumes esses seus direitos – nos termos do art.º 740º do CPC, aplicável à insolvência por força do art.º 17º do CIRE, e aí ser cumprida a subsequente tramitação adequada à reacção que ocorra a tal notificação; que em última análise pode conduzir à separação do património comum [não confundível com a separação de um concreto bem integrante desse património], caso em que a liquidação na insolvência cingir-se-á à parte que caiba ao insolvente [que não se confunde com a apreensão, a qual, pelas razões acima ditas, incide sobre o imóvel em si mesmo, na sua integralidade], o que poderá repercutir-se, posteriormente, nesta execução (por via da eventual separação do património comum).
E será no processo de insolvência que os credores, incluindo os que beneficiam de garantia real sobre o imóvel apreendido, haverão de reclamar os respectivos créditos.
Quanto à execução, ela prosseguirá os seus termos contra os executados relativamente aos quais continua a correr (“JM Unipessoal, Ldª” e AMMGM), podendo no seu âmbito ser penhorados bens da titularidade de qualquer deles.
Aqui chegados há, pois, que concluir pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida.
*-* Das custas
Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4º nº 2 do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º nº 6, ex vi do artigo 663.º n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527º nºs 1 e 2 e 607º nº 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. "Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. (...). No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
No caso vertente, apenas a Massa Insolvente recorreu, tendo obtido vencimento no recurso; e vencida ficou a executada AMMGM que na execução se opôs à solução propugnada pelo Sr. AI, devendo a mesma suportar as custas do presente recurso, desonerando-a, contudo, do pagamento da taxa de justiça por não ter apresentado contra alegações, uma vez que tal taxa apenas é devida pelo impulso processual (cfr. neste sentido Ac. da Relação de Évora de 30/01/2025, proc. 231/22.2T8LLE-B.E1 e Ac. da Relação de Lisboa de 25/01/2024 proc. 9677/23.8T8LSB.L1-2).
III – DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente com a revogação da decisão de 1ª instância, devendo a liquidação do imóvel (na sua integralidade) ser efectuada no processo de insolvência.
Custas do recurso pela executada AMMGM.
Notifique.
Lisboa, 27/02/2025
Amélia Puna Loupo
Fátima Viegas
Carla Flora Figueiredo
_______________________________________________________ [1] Respeita esta refª à notificação enviada ao AE com o requerimento do AI de 23/02/2024