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VENDA EM EXECUÇÃO
SUSPENSÃO A REQUERIMENTO DE TERCEIRO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
EMBARGOS DE TERCEIRO
Sumário
1. Alegando o Apelante que a penhora ofende a sua posse e o direito real de gozo que tem sobre o bem penhorado a correspondente ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, são os embargos de terceiro. 2. O Apelante, que não é parte na ação executiva, para reagir contra a penhora que alegadamente ofende o seu direito, terá necessáriamente que intervir nessa ação executiva deduzindo embargos de terceiro, não sendo o procedimento cautelar comum o meio adequado para esse efeito.
Texto Integral
ACORDAM NA 8.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 1. Relatório. A, unido de facto com B, residente na Rua …, …., R/C Esq.º, Amadora, titular do CC …., válido até ../../2031 e com o NIF …, veio requerer a presente providência cautelar conservatória, ao abrigo do disposto no art.º 362.º, n.ºs 1 e 2, contraC, Agente de Execução, com domicílio profissional na Rua ..., …., Corroios, pedindo que seja ordenada a sustação do ato a praticar pelo agente de execução, venda do imóvel, até à prolação da decisão a proferir na ação de reclamação de créditos instaurada pelo reqte. e lavrado Termo de protesto, uma vez que a venda não se encontra efetuada e é a casa de morada de família do reqte. e da sua companheira.
O tribunal “a quo” indeferiu liminarmente o requerimento inicial, porquanto, o procedimento cautelar comum não é meio processual adequado para através dele se obter a suspensão da venda na ação executiva.
Não se conformando com o decidido, o Requerente interpôs o presente recurso pedindo que deve o mesmo ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida e dado provimento à providência cautelar requerida pelo ora recorrente, tanto para tanto e após alegações, apresentado as seguintes CONCLUSÕES: I – O ora recorrente, requereu a providência cautelar conservatória, como incidente de acção executiva, tendo antes instaurado a competente acção principal, decaindo na sua pretensão; II - Como fundamento para aquele indeferimento liminar, o tribunal “a quo” alegou que o meio utilizado pelo recorrente não era o meio processual adequado para obter a aludida suspensão da venda, na acção executiva, mas sim o recurso aos embargos de terceiro, previstos no art.º 342.º, n.º 1, do C. P. Civil ou, em alternativa e caso este meio não possa ser utilizado, a reivindicação da posse, como se estatui nos art.ºs 1311.º, n.ºs 1 e 2 e 1313.º, ambos do C. Civil; III - Sendo correcta aquela explicação, que o tribunal “a quo” fez uma interpretação restritiva do previsto pelo legislador, não considerando o princípio da unidade do sistema jurídico e a norma aplicável aos casos análogos; IV - É correcta aquela explicação, mas entendemos que os meios atrás referidos não esgotam o desiderato postulado pelo legislador, que considerou outros meios alternativos, consoante o caso concreto em análise, como é o caso específico do ora recorrente; V – O instituto de embargos de terceiro, previsto no art.º 342.º, n.º 1, do C.P. Civil diz-nos e citamos: “1 – Se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro “. VI - Por seu turno, o art.º 344.º, n.º 2, do mesmo diploma legal citado, concede o prazo de 30 dias ao embargante que pretenda deduzir a sua pretensão; VII - O recorrente não deduziu os embargos de terceiro, como era sua pretensão e no prazo legalmente previsto, por razões alheia à sua vontade; VIII - O recorrente constituiu mandatária para o efeito, não tendo sido possível reagir através daquela causídica, por razões pessoais daquela, tanto quanto lhe foi dito; IX - Algo pessoal e muito grave terá passado, mas a verdade é que foi o recorrente que saiu prejudicado e na medida em que viu precludido o prazo para deduzir embargos de terceiro, para se defender de qualquer agressão à sua posse; X - Precludido aquele direito, o recorrente poderia, em alternativa, socorrer-se de outro instituto jurídico, a acção de reivindicação prevista no art.º 1311.º e sgts., do C. Civil sendo que, para tal, teria de provar ser, de facto e de direito, proprietário do bem em causa, com prova de registo em seu nome, como previsto no art.º 7.º, do C. R. Predial ou através de outros elementos que a lei repute de suficientes para atribuir ou presumir a existência dessa titularidade, como dispõe o art.º 1268.º, n.º 1, do C. Civil; XI - Prova que o ora recorrente não pode apresentar e por isso e salvo melhor opinião, não se verificam os pressupostos para a instauração de uma acção de reivindicação porquanto, embora este tenha a posse do bem em causa e o direito real de gozo, não tem o direito de propriedade, nem a fracção se encontra na posse de terceiro, contra o qual tenha que reivindicar; XII - Como o recorrente demonstrou na competente acção já instaurada de reclamação do seu crédito, vive em união de facto com a cotitular da fracção que se discute nos presentes autos e sua companheira, B, há 22 anos, contribuindo para todas as despesas com a mesma; XIII - Quando o recorrente se uniu à sua companheira, esta já havia adquirido a fracção que ora se discute na constância do seu casamento com o executado D e, com a dissolução do seu casamento, a sua companheira não tinha condições para pagar as prestações devidas ao banco prestamista; XIV - Por isso as prestações devidas ao banco passaram a ser suportadas, também, pelo recorrente e até integral pagamento da dívida contraída pela sua companheira e pelo executado D, seu ex-marido; XV - O recorrente contribuiu e contribui para o pagamento do IMI, bem como para todas as despesas do condomínio; XVI - Todavia, o recorrente não tem qualquer prova da titularidade do direito a que se arroga, mas apenas a posse da fração que se discute nos presentes autos há 22 anos e que é a sua casa de morada de família; XVII – E não podendo socorrer-se da figura de embargos de terceiro, nem da acção de reivindicação e pelas razões acima expostas, o recorrente apenas pode lançar mão do instituto do procedimento cautelar, previsto no art.º 362.º e sgts., do C. P. Civil, como meio alternativo disponibilizado pelo legislador e que reputa de adequado para defender a posse da referida fracção; XVIII - Com efeito, tanto a figura de embargos de terceiro, como a de reivindicação da posse, não esgotam o desiderato pretendido pelo legislador, que não descurou o recurso a outro meio alternativo e igualmente adequado, para a defesa ou agressão ao direito do potencial lesado, agredido ou prejudicado e previsto no instituto do procedimento cautelar; XIX - O objectivo final deste instituto em nada colide com os institutos atrás referidos, antes os complementando dada a similitude dos seus desideratos e podendo aplicar-se ao caso específico com as necessárias adaptações; XX - Como acima foi dito, o tribunal “a quo” fez uma interpretação restritiva da lei porquanto poderia ter decidido no sentido requerido pelo ora recorrente, tendo em conta o princípio da unidade do sistema jurídico e a possibilidade legalmente prevista do recurso à norma aplicável aos casos análogos; XXI - Reiteramos que o meio utilizado pelo recorrente e face ao que por si vem alegado, é o adequado e a verificar-se qualquer lacuna na lei, que admitimos por mero exercício de raciocínio mas sem conceder e considerando a especificidade do caso em concreto, diremos que sempre se poderá apelar ao previsto nos art.ºs 9.º e 10.º, ambos do C. Civil, tendo em conta o propósito previsto pelo legislador e a unidade do sistema jurídico.
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Colhidos os vistos e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir.
* 2 - Mérito do recurso. 1. Objeto do recurso.
Este objeto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, a questão que se coloca no presente recurso é a de apreciar e decidir se, tendo a penhora, alegadamente, ofendido a posse que um terceiro tem sobre o bem penhorado, pode esse terceiro lançar mão do procedimento cautelar comum para sustar a venda do bem penhorado. * 3. Fundamentação de facto. 1. Consideram-se como provados os factos que se deixaram exposto no ponto 1. Relatório. * 4. Fundamentação de direito.
Como se disse, a questão a decidir é saber se, pretendendo-se defender a posse sobre o bem penhorado o procedimento cautelar comum é ou não o meio processualmente adequado.
O tribunal “a quo” entendeu que não, mas sustenta o Apelante que, pese embora haver outros meios, também pode ser usado o procedimento cautelar.
Diga-se, desde já, que o despacho sob recurso não merece reparo.
Aliás, quer a fundamentação alegada no requerimento inicial do procedimento cautelar, quer as alegações do recurso são um pouco confusas quanto ao direito que o Apelante quer acautelar.
Com efeito, no requerimento inicial fundamenta o pedido concluindo nos seguintes termos: “22.º Como supra se disse, o reqte. vive com a sua companheira na fracção objecto da presente venda na modalidade de leilão electrónico, é credor da mesma, pelo que a referida venda é de molde a causar-lhe prejuízo grave e dificilmente reparável ao seu direito e nessa medida, tem legitimidade para requerer, como requer, a presente providência cautelar conservatória, por força do disposto no art.º 362.º, n.º 1, do C. P. Civil. 23.º Relevamos que o reqte. tem a posse do bem em causa, é a sua casa de morada de família, pelo que o direito por si reclamado já existe, sendo certo que, para o seu cabal reconhecimento, foi já instaurada a competente acção de reclamação de créditos, pelo que o seu interesse tem fundamento, nos precisos termos previstos no n.º 2, do mesmo normativo legal atrás citado. 24.º Reiteramos que a acção de reclamação de créditos já se encontra instaurada, pelo que o procedimento cautelar, deverá ser apensado àquela, como dispõe o art.º 364.º, n.º 2, do C. P. Civil.”
Em sede de recurso concluiu: XI – (…), embora este tenha a posse do bem em causa e o direito real de gozo, não tem o direito de propriedade, nem a fracção se encontra na posse de terceiro, contra o qual tenha que reivindicar; XVII – E não podendo socorrer-se da figura de embargos de terceiro, nem da acção de reivindicação e pelas razões acima expostas, o recorrente apenas pode lançar mão do instituto do procedimento cautelar, previsto no art.º 362.º e sgts., do C. P. Civil, como meio alternativo disponibilizado pelo legislador e que reputa de adequado para defender a posse da referida fracção; (sublinhado e negrito nossos) XVIII - Com efeito, tanto a figura de embargos de terceiro, como a de reivindicação da posse, não esgotam o desiderato pretendido pelo legislador, que não descurou o recurso a outro meio alternativo e igualmente adequado, para a defesa ou agressão ao direito do potencial lesado, agredido ou prejudicado e previsto no instituto do procedimento cautelar; XIX - O objectivo final deste instituto em nada colide com os institutos atrás referidos, antes os complementando dada a similitude dos seus desideratos e podendo aplicar-se ao caso específico com as necessárias adaptações;
Assim, resulta do RI que o Apelante pretendia acautelar o direito emergente da “acção de reclamação de créditos já se encontra instaurada, pelo que o procedimento cautelar, deverá ser apensado àquela, como dispõe o art.º 364.º, n.º 2, do C. P. Civil.” e, agora, em sede de recurso, conclui que pretende acautelar o direito real de gozo sobre o penhorado.
De qualquer forma, quer se entenda que o direito a acautelar é o direito de crédito que venha a ser reconhecido na reclamação de créditos ou o direito real de gozo sobre o penhorado, em nenhum desses casos é legítimo o recurso ao procedimento cautelar com a finalidade de evitar a venda do bem penhorado.
Com efeito, a reclamação de créditos pressupõe que o reclamante tem garantia real sobre o bem penhorado e será pago pelo produto desse bem - Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos. cf. art.º 788º, nº 1, do CPC.
Logo, não faz qualquer sentido que para acautelar o direito de crédito reclamado se possa lançar mão de um procedimento cautelar para sustar a venda, quando o direito de crédito reclamado é para ser pago com o produto do bem penhorado, sem a venda não haverá produto para dar pagamento ao crédito exequendo e aos créditos reclamados.
Se, por outro lado, o direito que se pretende acautelar é a posse ou o direito real de gozo sobre o penhorado também o procedimento cautelar não é o meio adequado.
Com efeito, estabelece o nº 2, do art.º 2º, do CPC “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.” (negrito e sublinhado nosso)
Ora, estipula o nº 1, do art.º 342º, do CPC - Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
Assim, alegando o Apelante que a penhora ofende a sua posse e o direito real de gozo que tem sobre o bem penhorado a correspondente ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, são os embargos de terceiro.
Carece de total fundamento a tese do Apelante quando sustenta que “a quo” fez uma interpretação restritiva da lei porquanto poderia ter decidido no sentido requerido pelo ora recorrente, tendo em conta o princípio da unidade do sistema jurídico e a possibilidade legalmente prevista do recurso à norma aplicável aos casos análogos. Não existe qualquer lacuna na lei ou a necessidade de interpretação ampla de forma a admitir o procedimento cautelar comum como meio adequando para reagir contra uma penhora que ofenda a posse ou qualquer direito incompatível de terceiro com a penhora,porque, como já se referiu, a lei estabeleceu expressamente que, o meio adequado para reagir contra essa penhora, são os embargos de terceiro.
Também a alegação do Apelante, uma espécie de justo impedimento para não ter deduzido os embargos de terceiro dentro do prazo de 30 dias, tentando desta forma justificar o recurso ao procedimento cautelar não pode ser acatada.
O justo impedimento, a existir, teria que ser alegado nos embargos de terceiro como justificação da apresentação dos embargos de terceiro fora do prazo legal.
Donde, como se afirmou no despacho sob recurso, o meio adequado a evitar um ato próprio da ação executiva é intervindo adequadamente e nos termos previstos na lei de processo dentro dessa ação e não por via de um procedimento cautelar que não é instrumental da ação executiva, mas de uma outra ação declarativa diferente.
Em conclusão pretendendo o Apelante, que não é parte na ação executiva, reagir contra a penhora que alegadamente ofende o seu direito, terá necessariamente que intervir nessa ação executiva deduzindo embargos de terceiro, não sendo o procedimento cautelar comum o meio adequado para esse efeito.
Improcedem todas as conclusões e o recurso. 5. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
Lisboa, 27/2/2025 Octávio dos Santos Moutinho Diogo Fátima Viegas Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros