ADVOGADA
GRAVIDEZ
JUSTO IMPEDIMENTO
REQUISITOS
Sumário

São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova.
O critério fundamental deixou de ser a imprevisibilidade do evento para se centrar na (não) imputabilidade ou censurabilidade na falta de prática do ato, juízo este que se afere pelo critério do uso de diligência normal, a qual pressupõe que a parte ou o mandatário se encontre com a sua capacidade normal para a prática do mesmo.
Estando a mandatária do A., na data em que é elaborada a notificação do despacho para apresentação da resposta às exceções, impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho, devido a gravidez de alto risco, por ameaça de parto pré termo, o qual veio a ocorrer três dias depois da data em que se presumiria a efetivação da notificação, mantendo-se aquela impossibilidade, em virtude de recuperação do parto até à data em que alegou o justo impedimento, arrolou prova e se apresentou a praticar o ato omitido, mostram-se verificados os requisitos do justo impedimento quer para a receção da referida notificação (e, portanto, ilidida a presunção estabelecida no art.º 248º, nº 1 do CPC, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal) quer para a prática do ato.
(sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Em 30/09/2022 Banco …, S.A. intentou ação declarativa de condenação contra K - Companhia de Seguros, S.A. e W seguradora.
A petição inicial foi subscrita pela advogada, Dr.ª CC, tendo aderido eletronicamente à mesma os Srs. Advogados FF e TT.
Com a petição inicial foi junta procuração outorgada pelo A., em 05/10/2015, a favor dos “Senhores Drs. SS, NN, DD, MM, RR, VV e LL, Advogados, AA, CC, PP, BB, Advogados Estagiários, e o Senhor EE, Solicitador (doravante, os “Mandatários”), todos da sociedade de advogados Y.
Foi também junto substabelecimento com reserva do seguinte teor:
“Eu, CC, Advogada, titular da cédula profissional n.º 000, com escritório em Y, substabeleço, com reserva, no Dr. FF, advogado, titular da cédula profissional n.º … e na Dra. TT, advogada-estagiária, titular da cédula profissional n.º …, ambos com escritório na mesma morada, os poderes forenses que me foram conferidos por Banco …, S.A. por meio de procuração forense datada de 5 de outubro de 2015, especificamente apenas quanto à apresentação da Petição Inicial submetida no citius no dia 30 de setembro de 2022.”
As RR. apresentaram contestação.
Desde a apresentação da última contestação, em 11/05/2023, não foi praticado qualquer ato, até à abertura de conclusão em 06/12/2023.
Em 06/12/2023 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Verifica-se que nas respectivas contestações, as Rés invocaram excepções dilatórias e peremptórias.
Sendo nossa intenção dispensar a realização de uma audiência prévia, impõe-se observar o contraditório relativamente a tal matéria.
Assim, de harmonia com o disposto no art.º 3º nºs 3 e 4 do C.P.C., ao abrigo dos poderes de gestão processual que nos são conferidos (art.º 6º nº 1 do C.P.C.), concede-se ao Autor o prazo de 10 dias, para, querendo, se pronunciar exclusivamente e de forma individualizada sobre cada uma das excepções invocadas pelas Rés, sob cominação do disposto no art.º 587º nº 1 do C.P.C..”
A notificação deste despacho foi elaborada na plataforma citius em 07/12/2023, sendo a dirigida ao A., na pessoa da sua mandatária, Dr.ª CC.
O A. silenciou.
Em 16/01/2024 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Conforme decorre dos autos o Banco Autor foi notificado para responder às excepções invocadas por cada um dos RR sob cominação do disposto no art.º 587º nº 1 do C.P.C., porém, nada disse.
Nesta conformidade, em face das excepções invocadas (com cuja nova factualidade invocada o Autor se conformou), em nosso entender os autos contêm todos os elementos para proferir decisão final, inexistindo factos controvertidos com relevo para a decisão da causa que se perfila.
Não obstante entendermos que nada mais se impõe discutir entre as partes, de facto ou de direito, com relevo para a decisão que se perfila, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 591º nº 1 al. b) do C.P.C., a fim de evitar decisões surpresa, oiçam-se as partes em 10 dias a saber o que se lhes oferece objectar à dispensa de audiência prévia e imediata prolação de saneador-sentença/decisão final, podendo, se o entenderem, alegar por escrito o que se proporiam fazer oralmente em audiência prévia (não se tratando como é óbvio de facultar ao Autor qualquer novo contraditório às excepções, faculdade que se mostra precludida), sendo que, nada sendo oposto, será proferida decisão final com dispensa da audiência prévia.”
Em 17/01/2024 foi apresentado requerimento do seguinte teor:
“CC, mandatária do Banco Autor, vem expor e requerer a V.ª Ex.ª o seguinte:
1. Em Novembro de 2023, a mandatária teve de ir de urgência para casa, por complicações relacionadas com a gravidez, conforme atestado médico que se junta.
2. Designadamente com alto risco de ameaça de parto pré-termo.
3. Em Dezembro de 2023, a ora mandatária teve de permanecer em repouso absoluto até à data do parto, por força das referidas complicações.
4. Qualquer atividade ou stress poderia provocar um parto prematuro, com alto risco de morte para o bebé.
5. O parto deu-se no dia 14 de Dezembro de 2023, tendo estado a mandatária, em descanso absoluto, em função das referidas complicações e recobro da gravidez, até ao Natal.
6. Até ao Natal a mandatária estava completamente prostrada, em descanso absoluto, incapaz de se concentrar, com dificuldades de memória e de analisar peças processuais.
7. Desde o Natal que a mandatária se encontra melhor, mas ainda muito cansada, prostrada, e sem conseguir concentrar-se devidamente, estando a amamentar um bebé de apenas um mês e estando em recuperação do parto.
8. À data de hoje a mandatária continua em recobro, previsivelmente durante mais uma semana.
9. No dia 7 de Dezembro de 2023 a mandatária terá sido notificada de um despacho para responder às exceções mas, pelos referido motivos, não viu a notificação.
10. Não era, por isso, exigível que, até ao final de 2023, a mandatária se inteirasse dos processos que acompanhava,
11. e não exigível, pelo menos até ao final do presente mês, que a mandatária analise contestações complexas (sem prejuízo, evidentemente, da capacidade que tem, desde o início deste ano, de utilizar um computador e escrever, sem que isso envolva um grande esforço intelectual).
12. Mais nenhum mandatário foi notificado do despacho de 06.12.2023, apesar de constarem da árvore do citius, pelo que também não tomaram conhecimento da notificação.
13. Também não foi notificado o solicitador que constava da procuração como representante do Banco Autor, apesar do disposto no artigo 247(3) do CPC, o que levaria à omissão de ato que a lei prescreve.
14. Hoje, um seu colega, por mero acaso, reparou na movimentação processual que havia um despacho nos presentes autos, telefonou para a secretaria e apercebeu-se que a ora mandatária fora notificada, e contactou-a.
15. Assim, os mandatários dos Autores – e a ora mandatária – só hoje tiveram conhecimento da notificação.
16. O presente processo é conduzido pela ora mandatária.
17. Mais nenhum outro colega tem conhecimento do processo, sendo que outros colegas aderiram à petição inicial para que a intervenção do advogado estagiário (TT) pudesse contar como intervenção para a Ordem dos Advogados.
18. Em qualquer caso, nenhum outro mandatário foi notificado do despacho de 06.12.2023.
19. A mandatária espera estar em breve em condições de exercer condignamente o mandato.
20. Assim, requer que seja concedido um prazo, até 31 de Janeiro, para responder às exceções.
21. Note-se que a mandatária esteve em situação de justo impedimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 140.º do CPC.
22. Em boa verdade, a mandatária ainda está em situação de justo impedimento para a prática do acto, pois ainda hoje não está em condições para analisar devidamente as contestações e preparar uma resposta proficiente, por se encontrar em recobro.
23. A mandatária ainda se encontra cansada, com dificuldades de concentração.
24. Mas ainda que a mandatária se devesse considerar notificada no período de Natal – após ter estado em descanso absoluto, por alto risco de gravidez e recobro nas duas semanas seguintes ao parto, período em que esteve completamente prostrada – e ainda que se considerasse que a mandatária poderia então ter substabelecido, o prazo terminaria apenas amanhã, no terceiro dia de multa.
25. Pois considerando-se notificada em férias judiciais, o dia 4 de Janeiro seria o primeiro dia de prazo, e dia 15 de Janeiro o último dia sem multa (e hoje o segundo dia com multa).
26. Nesse caso, requer que seja permitido o pagamento imediato da multa de 2.º dia.
27. É que, como se disse, o presente requerimento é apresentado até antes de cessar a situação de justo impedimento para a prática do acto, e é feito apenas atendendo às consequências que daí podem advir.
28. Mas a questão, como se explicou, nem é bem essa: é que o Banco Autor – representado pela aqui mandatária – não deve ser considerado notificado do despacho, antes da presente data, pois que só na presente data o Banco Autor – por via da mandatária – teve conhecimento do despacho de 06.12.2023.
29. E não teve antes, não por culpa do próprio Banco Autor, nem da aqui mandatárias ou outro dos seus mandatários, mas antes por motivo excepcional da mandatária notificanda, que foi de urgência para casa em repouso absoluto por gravidez de alto risco.
30. E nunca poderia considerar-se notificado antes do final do ano de 2023, já que não era exigível, face à situação clínica da mandatária, que este tivesse recebido a notificação.
31. Ou seja, deve ser considerada ilidida a presunção de que a notificação foi efetuada no terceiro dia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 248.º do CPC.
32. O n.º 2 do artigo 248.º do CPC prevê precisamente o caso de impedimento na receção da notificação, e estabelece precisamente que nesses casos «a notificação considera-se efetuada quando for ultrapassado o justo impedimento».
33. Assim, deve considerar-se o despacho de 06.12.2023 na presente data notificado à Autora, a partir do qual corre prazo de 10 dias para responder.
34. Em qualquer caso, requer-se uma prorrogação do prazo, até final de janeiro para responder, atento à complexidade das contestações e ao facto de a mandatária estar em recobro.
35. Em boa verdade, na presente data, nem a mandatária nem os restantes mandatários (que só hoje tomaram conhecimento do despacho) estão em condições de apresentar uma réplica convenientemente.
36. Em todo o caso, e à cautela, desde já se apresenta uma resposta muito perfunctória e sem a análise devida, desde logo por incapacidade da mandatária do Banco Autor, a recuperar de parto, impugnando-se o alegado nos seguintes artigos da contestação da K – de resto contraditórios com a petição inicial:
(…)
50. Termos em que se requer prazo, até final de Janeiro, para resposta às exceções.
51. Prova testemunhal:
• NN, mandatário com domicílio na …
JUNTA: Atestado médico.”
O atestado médico junto é do seguinte teor: “para os devidos efeitos declara-se CC esteve impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho por gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo desde 06/11/2023 com data de parto no dia 14/12/2023. Esta ausência ocorreu, na gravidez até ao parto, e até ao dia de hoje em que recupera do parto.”
As RR. pronunciaram-se pugnando pelo indeferimento do justo impedimento e da concessão de novo prazo para resposta às exceções deduzidas nas contestações.
Em 19/02/2024 foi proferido despacho que terminou nos seguintes termos:
“(…) Assim, considera-se verificado o justo impedimento e que a ilustre mandatária se apresentou a praticar o acto (de resposta às excepções) logo que cessou o impedimento conforme atestado médico junto, não havendo fundamento legal para a concessão de qualquer prazo adicional de resposta às excepções, indeferindo-se o requerido nesta parte. A resposta às excepções considera-se dada nos artigos 36º a 49 do requerimento de 17/01/2024.
E diga-se que, a resposta às excepções apresentada no requerimento em epígrafe de 17/01/2024, ainda que a signatária a considere perfunctória, tem o condão de inviabilizar a imediata prolação de decisão final em face da impugnação deduzida, razão pela qual fica sem efeito o despacho de 16/01/2024.
Nesta conformidade, os autos prosseguirão os seus termos com prolação de despacho saneador com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, e por não haver lugar a qualquer outro contraditório, continua a ser nossa intenção dispensar a audiência prévia, nos termos dos arts. 593º nº 1 do C.P.C., sem prejuízo de se facultar às partes prazo para apresentação por escrito de eventuais reclamações e alteração dos requerimentos probatórios, se as partes assim o entenderem.
Em conformidade, ficam prejudicados os requerimentos das partes de 01/02/2024 e de 02/02/024 (de não oposição e oposição à dispensa da audiência prévia no pressuposto de que seria proferida decisão final).
Notifique e após trânsito do presente conclua para saneamento.
Tenha-se em conta o teor do art.º 131º do requerimento do ilustre mandatário do Autor de 01/02/2024.”

A R. K interpôs recurso deste despacho - a que a R. W aderiu -, terminando com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“A) O justo impedimento deve ser invocado apenas durante o prazo para a prática do acto omitido
34 – Conforme já julgou o Tribunal da Relação do Porto:
“O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual” (Ac. RP, de 22.02.2021, Proc. n.º 1568/20.0T8VNG-A.P1, em www.dgsi.pt).
B) O justo impedimento deve durar todo o tempo de prática do acto processual em causa e englobar não apenas a impossibilidade de o realizar como a impossibilidade de tomar providências para que outro advogado, com procuração ou substabelecimento, o possa fazer
35 - Conforme se decidiu no Ac. da RE de 25.02.2021 (proc. n.º 514/20.6T8PTG.E):
“1. A gravidez de risco, como tal declarada várias semanas antes do termo do prazo de que a Advogada dispunha para a prática do acto – in casu, apresentação de uma contestação – não constitui fundamento de justo impedimento, se não está demonstrado que esse facto era impeditivo da adopção das providências necessárias à prática atempada do acto, se necessário procedendo ao substabelecimento.
2. Não é impeditivo do substabelecimento a circunstância da Advogada exercer em prática individual.
3. O dever do Advogado é garantir a defesa dos interesses dos respectivos constituintes, pelo que, na hipótese de estar impedido de exercer os deveres do mandato, deverá adoptar as providências necessárias para impedir que os seus constituintes sejam prejudicados.”.
36 - Dos autos não consta qualquer prova de que o justo impedimento alegado pela Senhora mandatária haja durado todo o prazo para resposta ao despacho de 6 de Dezembro de 2023.
37 – E também dos autos não consta qualquer prova médica, que demonstre a existência de qualquer impedimento da Senhora mandatária para consulta ao Citius ou para a simples realização de uma comunicação ao seu Escritório, para que qualquer dos advogados com procuração nos autos, nada mais do que 3 (!), apresentasse a resposta que estava em causa: o atestado médico junto aos autos não comprova a impossibilidade clínica de o fazer.
38 - Conhecendo a Senhora mandatária o perigo pré parto deveria ter diligenciado oportunamente pela “adopção das medidas necessárias” ao cumprimento do mandato forense nos presentes autos, diligência sem nenhum grau de dificuldade, atendendo a que existiam mais 3 advogados do seu Escritório com procuração nos autos.
39 - Desta forma, ainda que se entenda que a Senhora mandatária, ela própria, estaria impedida de providenciar a resposta ao despacho do tribunal de 6 de Dezembro, o que o atestado médico junto aos autos não o comprova de modo algum, sendo manifestamente insuficiente para esse efeito, nada, mesmo nada, nos autos indicia sequer vagamente ter havido um impedimento justificado de Consulta ao Citius e de adopção de todas as medidas necessárias para que a resposta ao tribunal se fizesse dentro do prazo estabelecido no despacho referido, nomeadamente, pela comunicação a qualquer outros dos 4 mandatários constituídos com procuração nos autos.
C) Havendo pluralidade de mandatários o justo impedimento deve afectar todos eles simultaneamente
40 – No presente processo o Autor tem 4 mandatários com procuração junta aos autos; sobre todos eles impende, assim, o dever de diligência processual que lhes impõe o acompanhamento do processo que patrocinam, incluindo naturalmente as consultas regulares ao Citius.
41 – Ora, não se invocou nem demonstrou nos presentes autos, que qualquer dos restantes três advogados constituídos pelo Autor estivesse impedido quer de conhecer a notificação do despacho de 6 de Dezembro quer de responder ao mesmo, se o entendesse fazer.
42 – E qualquer deles teve certamente amplo tempo quer para conhecer o dito despacho quer para responder, atendendo a que o despacho tem registo no Citius a 7 de Dezembro de 2023 e o prazo de resposta decorreu, com multa, até ao dia 9 de Janeiro de 2024.
43 – Não havendo justo impedimento para todos os mandatários, não há justo impedimento nos autos: o impedimento de um advogado não constitui impedimento dos demais, que podem ser praticar o acto processual em causa.
Deste modo,
D) Se um dos mandatários, em caso de pluralidade de mandatários, está impedido, os outros continuam com o dever de prática dos actos de execução do mandato
44 - Havendo pluralidade de mandatários, se um está impedido, mas não estão os demais, não existe legalmente justo impedimento, uma vez que o acto continua a poder ser praticado por mandatário(s) constituído no processo.
45 – Assim, mesmo que a Senhora Dra. CC estivesse impedida, e não estava, de apresentar a resposta ao despacho judicial de 6 de Dezembro, os demais mandatários não tinham qualquer impedimento de o fazer.
E) No caso dos autos não se verifica qualquer justo impedimento
46 – Conforme decorre do exposto, não existe nos autos qualquer justo impedimento dos mandatários do Autor que justifique a não apresentação de resposta dentro do prazo fixado no despacho de 6 de Dezembro de 2023.
Termos em que se requer:
- Que seja revogado o despacho objecto do presente recurso, declarando-se não ter ocorrido justo impedimento que justifique a falta de resposta ao despacho judicial de 6 de Dezembro, no prazo nele fixado para resposta do Autor;
- Que, em consequência, seja tida como extemporânea a resposta do Autor apresentada por requerimento a 17 de Janeiro de 2024 e removida esta dos autos ou simplesmente não considerada a resposta às excepções aí deduzidas, que constam dos artigos 36.º a 49.º desse requerimento.”
O A. apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
“1. A decisão não é recorrível autonomamente, razão pela qual o recurso deve ser imediatamente rejeitado.
2. Segundo as Rés, o recurso é interposto «nos termos do art.º 644.º, n.º 2 alínea h) do CPC», que estabelece que, são recorríveis autonomamente «as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil».
3. Ora, a recorribilidade autónoma, com fundamento na absoluta inutilidade da sua impugnabilidade com a decisão final, «é aferida em função dos efeitos práticos que a revogação da decisão recorrida pode causar e não por razões de economia processual ou da perturbação que possa causar no processo onde foi interposto» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-03-2007, proc. 7536/06-2.).
4. É jurisprudência atual, inequívoca, e unânime que «o sentido da inutilidade consagrada na lei só se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível em termos de não poder ser colmatado pela eventual anulação do processado posterior à interposição do recurso» (cfr. v.g. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.12.2021, processo n.º 7436/12.2TBVNG-D.P1.S1).
5. Ou seja, «esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil, mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.01.2010, processo n.º 102/08.5TBCDN-A.C1);
6. No caso concreto, a impugnação a final do despacho não tornaria a impugnação, a final, absolutamente inútil, ainda que a impugnação a final possa ser, para as Rés, mais inconveniente em termos de economia e celeridades processuais.
7. Mas, como bem refere o acórdão da Relação de Lisboa, de 11.04.2011(processo 473/08.9TASNT-A.L1-5): «Quando a retenção traduz mera inconveniência em termos de economia e celeridade processuais mas não retira, em absoluto, utilidade do interposto recurso (no caso de vir a ocorrer a sua procedência) – tanto mais que a anulação de certos actos processuais configura uma das consequências normais da interposição dos recursos -, inexiste fundamento legal para que a esse recurso seja fixado regime de subida imediato».
8. Nas palavras da decisão da Relação de Lisboa, de 07.01.2020 (processo n.º 6041/17.1T9LSB-B.L1-9), «a absoluta inutilidade apenas se verificaria se, não subindo imediatamente, a decisão que sobre ele viesse a ser proferida não tivesse qualquer efeito útil no processo, dela não podendo já o recorrente retirar qualquer proveito, e já não quando a consequência da procedência do recurso é tão só a anulação dos actos processuais subsequentes, designadamente do julgamento».
9. Não se vislumbra sequer um único argumento para sustentar que a impugnação a final seria absolutamente inútil e, certamente por isso, as Rés não se dignam sequer a tentar justificar por que motivo entendem que a impugnação a final seria absolutamente inútil.
10. Assim, o recurso deve ser rejeitado por a decisão não poder ser autonomamente recorrível, mas apenas impugnável a final.
11. Quanto ao mérito do recurso, a Rés alegam, desde logo, sob a epígrafe A) do seu recurso, que «o justo impedimento deve ser invocado apenas durante o prazo para a prática do ato omitido», citando para o efeito o acórdão da Relação do Porto, de 02.22.2021, processo n.º 1568/20.0T8VNG-A.P1.
12. É evidente que o justo impedimento não tem de ser alegado durante o prazo para a prática do ato, mas assim que a parte se apresenta a praticar o ato fora de prazo: esta é, de resto a jurisprudência consensual do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. v.g. acórdão de 04.05.2004, processo n.º 04S4329)
13. Ora, se o justo impedimento é alegado no momento em que a parte se apresenta a praticar o ato fora de prazo, necessariamente a alegação de justo impedimento é feita após o prazo ordinário. Isto mesmo decorre da lei: nos termos do n.º 2 do artigo 140.º do CPC, o tribunal admite a parte a prática o ato fora de prazo se reconhecer que este se apresentou a requerer logo que ele (o impedimento) cessou (necessariamente fora de prazo).
14. As Rés citam em seu favor um acórdão da Relação do Porto, mas o que aí está em causa é saber se o justo impedimento só se pode referir a situações que ocorrem durante o prazo ordinário ou também em situações que ocorrem nos três dias adicionais com multa.
15. De resto, e embora esta questão seja irrelevante para os presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que a situação de justo impedimento pode ocorrer nos três dias adicionais com multa (cfr. v.g. o acórdãos de 25.10.2012, processo n.º 1627/04.7TBFIG-A.C1.S1 de 13.07.2021, processo n.º 4044/18.8T8STS-C.P1.S1, e de 23.02.2021, processo n.º 671/19.4T8FNC.L1.
16. Nos pontos B), C) e D) do seu recurso, as Rés invocam três supostos argumentos, mas que se reconduzem os três ao seguinte: existiam outros mandatários pelo que a mandatária impedida poderia substabelecer ou estes poderiam atuar em substituição.
17. Em primeiro lugar, procuração e mandato não conceitos que não se confundem. O facto de uma procuração forense atribuir poderes representativos a vários advogados não significa que todos eles tenham sido mandatados.
18. No caso dos autos, aliás, a procuração em causa é uma procuração genérica, de 2015, ou seja, 7 anos antes do presente processo, sendo que a maioria dos advogados nem sequer são já advogados do escritório do ora signatário ou da mandatária que praticou o ato com alegação de justo impedimento.
19. Note-se, por último, que foi alegado e não impugnado (tendo dito arrolada prova testemunhal) que o processo era conduzido pela advogada CC e que «mais nenhum outro colega tem conhecimento do processo, sendo que outros colegas aderiram à petição inicial para que a intervenção do advogado estagiário (TT) pudesse contar como intervenção para a Ordem».
20. Não é, por isso, verdade que existissem vários mandatários do AUTOR.
21. Em segundo lugar, as Rés baseiam o seu recurso no pressuposto de que a mandatária impedida poderia ter substabelecido para a prática do ato.
22. Mas antes de analisar o impedimento da prática do ato, importa recordar que, ainda antes deste, estava em causa, não diretamente o disposto no artigo 140.º do CPC, mas antes o disposto no n.º 2 do artigo 248.º do CPC, que estabelece que «sempre que por justo impedimento, determinado nos termos do artigo 140.º, não for possível ao mandatário aceder à área reservada do portal eletrónico onde são disponibilizadas as notificações, a notificação considera-se apenas efetuada quando for ultrapassado o justo impedimento».
23. Ora, o que desde logo foi alegado, provado e não impugnado, é que quando a notificação citius foi expedida, no dia 7 de Dezembro de 2023 – uma semana antes do parto – a mandatária teve complicações com ameaça de parto pré-termo, tendo ficado em repouso absoluto, sendo que «qualquer atividade ou stress poderia provocar um parto prematuro, com alto risco de morte para o bebé», e que «até ao Natal a mandatária estava completamente prostrada, em descanso absoluto e impossibilidade de aceder ao citius».
24. As Rés, na sua resposta à alegação de justo impedimento, não impugnaram estes factos nem contestaram a impossibilidade de acesso ao citius entre o dia 7 de Dezembro e o Natal. O que as Rés alegaram é que «desde essa altura (Natal) até ao dia 8 de Janeiro de 2024, mediaram 12 dias de calendário», «tempo mais do que suficiente para aceder electronicamente ao Citius e conhecer a notificação de 7 de Dezembro constante dos autos», concluindo que poderia «em qualquer um dos 12 dias após o Natal, até ao dia 8 de Janeiro, a Senhora mandatária teria tido a oportunidade de conhecer a notificação do despacho judicial de 7 de Dezembro».
25. Mas se assim é, então a notificação deveria considerar-se feita, na melhor das hipóteses, no dia 25 de Dezembro de 2023 e, nesse caso, o ato teria sido praticado no segundo dia de multa.
26. Poder-se-ia colocar uma outra questão: que é a de saber se outros advogados com acesso ao citius deveria ou poderiam ter verificado a notificação.
27. Sucede que os restantes advogados não foram notificados sendo que, mesmo assumindo a jurisprudência de que devem ser notificados os mandatários que são subscritores da plataforma citius, pelos dois mandatários deveriam ter sido notificados.
28. Acresce que o despacho e a sua notificação não ficaram a constar da movimentação processual dos mandatários registados na árvore do citius, o que impossibilitou que os outros advogados com acesso ao citius tomassem conhecimento da movimentação processual
29. Por outro lado, a mandatária em causa, que conduzia o processo e que apresentou em juízo a petição inicial, foi mãe no dia 14 de Dezembro de 2023, como consta do atestado médico.
30. Nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 131/2009, em caso de maternidade, os advogados gozam do direito de obter o adiamento de atos processuais pelo prazo de dois meses, independentemente dos poderes de substabelecer o mandato (cfr. artigo 5.º da Lei 131/2009).
31. A razão desta legislação é a impedir que as advogadas que tenham filhos devam substabelecer, para não serem prejudicadas em comparação com os seus colegas do sexo masculino.
32. De outro modo, um cliente não confiará um processo a uma advogada grávida, investindo tempo e dinheiro a analisar com ela o processo, bem sabendo que a advogada necessariamente (ou provavelmente) terá posteriormente de substabelecer e obrigar outro advogado a inteirar-se do mesmo, com custos acrescidos para o cliente.
33. Um cliente não quererá uma advogada grávida a acompanhar um processo desde início, falando com os seus representantes legais e funcionários, analisando documentos, discutindo estratégias, conhecendo as preocupações do cliente, correndo o risco de, se a advogada engravidar, ter depois de substabelecer num advogado que não conhece o processo desde o início.
34. A seguir esta lógica de que advogadas que têm filhos têm de substabelecer, não ficará compreensivelmente um escritório de advogados ou um cliente, reticente em que o mesmo seja acompanhado desde o início por uma advogada em idade fértil?
35. Ou terá uma advogada – para não ser vista por colegas e clientes como tendo um captio diminutio, incapaz em razão do sexo de acompanhar processos do princípio ao fim e forçada a substabelecer (de preferência em homens ou mulheres em menopausa) – de preparar peças processuais enquanto sangra lóquios, amamenta um recém nascido, entre a subida de leite, mastites e privação de sono?
36. Por tudo isto, a jurisprudência mais recente – aliás recentíssima (de Janeiro de 2024) – tem entendido que este adiamento previsto no Decreto-Lei 191/2009 se deve aplicar também aos atos processuais e, como tal, sanar atos processuais apresentados fora do prazo ordinário (cfr., com uma justificação profusa, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.01.2024 (processo n.º 632/20.0T8BCL-A.G1; no mesmo sentido cfr. também, v.g., acórdão da Relação de Évora de 30.03.2023, proferido no processo 415/20.8T8PTG-D.E1).
37. E não procede a crítica de que a aplicação desta legislação a atos processuais implicaria a suspensão da instância, pois em rigor a mesma importa unicamente a dilação, prorrogação ou suspensão do prazo (e não da instância) para uma das partes praticar um ato processual, não impedindo a prática de outros atos processuais (pelo tribunal ou pelas partes).
38. De facto, esta interpretação é reclamada pela própria Constituição.
39. O artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa define a família como um elemento fundamental da sociedade, com direito a proteção social e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (n.º 1). O artigo 68.º da Lei Fundamental acrescenta que «os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país», e que «a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes» (n.º 2).
Segundo o mesmo artigo: «As mulheres têm direito a especial proteção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias» (n.º 3), acrescentado que «A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar» (n.º 4). Por outro lado, o artigo 59.º, n.º 2, alínea c), determina que compete «ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente (…) A especial proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto (…)».
40. A legislação tem de ser interpretada segundo o princípio da interpretação conforme à constituição.
41. Para além destes impressivos argumentos do Tribunal da Relação de Guimarães e de Évora, importa ainda chamar a atenção para a Diretiva 86/613/CEE do Conselho de 11 de Dezembro de 1986 relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente incluindo a atividade agrícola, bem como à proteção da maternidade.
42. A interpretação do Decreto-Lei 191/2009 segundo a legislação europeia que estabelece a igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente e a proteção à maternidade conduz ao mesmo resultado.
43. Em todo o caso, a mandatária só poderia ter substabelecido caso tivesse sido notificada sendo que, como se explicou, a mesma não foi notificada por facto que não lhe é imputável (e só pode considerar-se notificada no Natal, caso em que terá praticado o ato em prazo).
44. Sempre se diga, não obstante, que a questão do substabelecimento tem de ser vista cum grano salis. É que se o mandatário impedido tivesse como regra a obrigação de substabelecer, só haveria justo impedimento num caso em que o mandatário estivesse em coma ou próximo de coma, como chegou a dizer o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.09.1991, processo n.º 0028926.
45. Mas a norma do justo impedimento foi, entretanto, alterada e estabeleceu-se um critério muito menos exigente (cfr., acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.04.2011, processo n.º 8880/07.2TMSNT.L1-7 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.06.2009, processo n.º 75/08.4TTVCT.P1).
46. Atualmente a jurisprudência vem reconhecendo que o substabelecimento apenas deve ser exigível no caso de uma incapacidade prolongada, pois caso contrário deve aguardar-se pelo desimpedimento do advogado que conduz o processo.
47. E isto por duas ordens de razão: (i) porque o mandato assenta numa especial relação de confiança com o advogado que conduz o processo (cfr. dispõe o n.º 1 do artigo 97.º da Lei n.º 145/2015) e (ii) porque o advogado que conduz o processo é que, sendo conhecedor do mesmo, está nas melhores condições de exercer o mandato forense (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29.09.2022, processo n.º 7817/21.0YIPRT.E1). Este foi, de resto, o critério definido acertadamente pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.06.2009, processo n.º 75/08.4TTVCT.P1.
48. Note-se que não está por isso em causa uma situação em que a mandatária estivesse no decurso de uma gravidez de alto risco que pudesse demorar vários meses, como foi o caso citado pelas Recorrentes no acórdão da Relação de Évora de 25.02.2021.
49. A mandatária esteve, de facto, numa situação de gravidez de alto risco, em repouso absoluto, mas apenas durante uma única semana – a semana antes do parto, que foi a semana em que foi notificada: o justo impedimento alegado relativamente à prática do ato não se refere à gravidez de risco, mas ao recuperação do parto.
50. Sempre se diga que ainda que se entendesse que o mandatário devia substabelecer quando está impedido, mesmo por uma duração previsivelmente não longa, esta exigência não pode ser aplicada quando o justo impedimento decorre – como decorreu no caso dos autos – por razão, entre outras, de recuperação do parto. Isto porque o artigo 140.º do Código de Processo Civil tem de ser interpretado em conformidade com a Constituição e com o Direito Europeu.
51. Em concreto, o artigo 140.º do Código de Processo Civil tem de ser interpretado em conformidade com os direitos e princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação em função do sexo, da liberdade e igualdade de oportunidades na escolha da profissão, da proteção da família e da realização pessoal dos membros da família, da proteção da maternidade, da proteção da gravidez e após o parto, previstos nos artigos 9 alínea h), 13, 47, 67(1),68, e 58(2), 59(2) da Constituição, com o princípio da igualdade em matéria de trabalho prevista no artigo 23 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e com o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente nos termos da Diretiva 86/613/CEE do Conselho de 11 de Dezembro de 1986.
52. A este propósito, importa salientar que, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 12 de julho de 1984, Hofmann (184/83, EU:C:1984:273), «ao reservar aos Estados‑Membros o direito de manterem ou de introduzirem disposições destinadas à proteção da mulher no que se refere à gravidez e à maternidade, a diretiva reconhece, relativamente ao princípio da igualdade, a legitimidade da proteção das necessidades da mulher em dois  aspetos. Trata‑se, em primeiro lugar, de assegurar a proteção da condição biológica da mulher no decurso da gravidez e na sequência desta, até que as suas funções fisiológicas e psíquicas regressem ao normal depois do parto; e, em segundo lugar, de proteger as relações especiais entre a mulher e o seu filho no período subsequente à gravidez e ao parto, evitando que essas relações sejam perturbadas pela acumulação de tarefas que decorreriam do exercício simultâneo de uma atividade profissional» (parágrafo 25).
53. Se as advogadas, quando em recuperação pós-parto e sem capacidade para praticarem atos processuais, tiverem de substabelecer, passam, como se disse acima, a ter uma captio diminuto relativamente aos homens advogados, que por mera razão da biologia não ficam em recuperação pós-parto.
54. As advogadas grávidas e as em idade fértil passam a ser a ficar numa situação de desigualdade relativamente aos seus colegas do sexo masculino, passando a carregar um risco profissional específico do sexo feminino: o risco de ser forçada a abandonar um processo por razão de recuperação pós-parto.
55. Por outras palavras, as mulheres serão, em muitos casos, forçadas a não recuperar do parto ou não o fazer devidamente para não serem prejudicadas profissionalmente, designadamente afastadas de processos que sempre acompanharam gerando preocupação e desconfiança dos clientes.
56. Um entendimento como este legitima que os clientes não queiram que advogadas grávidas ou em idade fértil conduzam processos, perpetua uma desigualdade entre homens e mulheres e incute (ou infelizmente nalguns casos reforça) a ideia de que as mulheres não são, profissionalmente, confiáveis, pois a qualquer momento podem ter de abandonar o trabalho para serem mães.
57. Uma interpretação do artigo 140.º do Código de Processo Civil no sentido de que uma advogada impedida de praticar um ato em função da recuperação pós-parto teria de substabelecer seria inconstitucional por violação dos referidos artigos da Constituição.
58. Na verdade, uma interpretação do artigo 140.º do Código de Processo Civil conforme às referidas normas constitucionais e ao direito da União Europeia reclama que, neste caso (em que a advogada era quem conduzia o processo) não se possa exigir que a advogada substabeleça.
59. E isto, especialmente, num cenário em que o processo esteve absolutamente parado durante quase sete meses.
60. A mandatária impedida alegou (aliás arrolando prova testemunhal) que na semana em que foi notificada «teve de permanecer em repouso absoluto por ameaça de parto pré-termo», que «qualquer atividade ou stress poderia provocar um parto prematuro, com alto riso de morte para o bebé», que «esteve completamente prostrada e em descanso absoluto e impossibilitada de aceder ao citius», e que à data da prática do ato estava a recuperar do parto, que «se encontra cansada, com dificuldades de concentração» e sem capacidade para exercer o mandato forense convenientemente.
61. As Rés não contestaram quaisquer destes factos, sendo que é também do conhecimento geral que após o parto as mulheres continuam com perdas de sangue por via vaginal (lóquios), que a subida de leite provoca dores, febres e muitas vezes mastites, que o útero continua a contrair só regressando ao tamanho normal em cerca de quatro semanas, provocando dores com as contrações (as chamadas dores tortas), que é comum que as mãe sofrerem de obstipação intestinal e hemorroidas, que usualmente as mulheres têm edemas dos membros inferiores até três semanas após o parto, que os recém nascido têm de mamar de três em três horas, mas também de arrotar e mudar fraldas, etc, permitindo, com sorte, que uma mãe consiga fazer pequenos intervalos de sono de uma hora e meia, levando a privação do sono, cansaço e dificuldades de concentração.
62. Bem andou o tribunal recorrido ao considerar que se o cansaço e prostração «ocorrido no culminar de uma gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo, constitui facto notório, sendo consabidas as exigências físicas e mentais que um recém-nascido sempre coloca à mãe».
63. Não é preciso ser-se mulher ou mãe para chegar a esta conclusão: basta ser-se um ser humano e viver neste mundo.
Termos em que:
a) Deve o recurso ser rejeitado, por não ser recorrível autonomamente nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC; caso assim não se entenda;
b) Deve ser extraída certidão do requerimento da Autora de 17.01.2024 (ref. citius 38190041), resposta da 2.º Ré de 19.01.2024 (ref. Citius 38215291) e requerimento da Autora 01.02.2024 (ref. citius 38354525), após o que deve o recurso ser julgado improcedente.”
*
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a constante do relatório que antecede.

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, a questão a decidir consiste em aferir se ocorre apresentação extemporânea da resposta às exceções determinante do seu desentranhamento, por não se verificarem os requisitos do justo impedimento.

As apelantes pugnam para que seja revogado o despacho recorrido por, no seu entendimento, se não verificar justo impedimento.
Na conclusão A) do recurso alegam que o justo impedimento deve ser invocado apenas durante o prazo para a prática do ato omitido. Em abono da sua tese citam o acórdão da Relação do Porto de 22/02/2021, proc. n.º 1568/20.0T8VNG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
O trecho do acórdão a que as apelantes se referem contém o entendimento de que “o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do art.º 145º do Cód. Proc. Civil”.
Este não é, contudo, o entendimento maioritário do STJ (cfr., por todos, acórdão de 13/07/2021, proc. nº 4044/18.8T8STS-C.P1.S1, in www.dgsi.pt). Como veremos é irrelevante para o caso em apreço.
Dispõe o art.º 140º, nº 1 do CPC que:
“1 - Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”
São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova.
“Em lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade de prática do ato, como já esteve previsto, o instituto está agora centrado na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários (…). Refere, com propriedade, Paula Costa e Silva, Ato e Processo, p. 314, que o justo impedimento funciona como uma cláusula geral de salvaguarda contra os efeitos das omissões involuntárias.” [1]
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 18/07/2006  [2]:
“IV - O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório nem o de interromper tal prazo quando em curso, no momento em que ocorre o facto que se deva considerar justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento.
V – Ou seja, através do justo impedimento não se pode pretender que novo prazo para a prática do acto seja concedido, apenas se concedendo ao requerente a possibilidade de praticar o acto no momento (dia) imediatamente posterior ao fim da cessação do impedimento.”
Para haver “justo impedimento”, “basta (…) que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na produção”. O fundamental é que tal facto “não envolva um juízo de censurabilidade”, antes ocorra num contexto de “não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cf. art.º 800-1 CC)”. De tal forma que um “evento previsível pode (…) excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão”. Para isso, cabe à parte “alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art.º 799-1CC)”. Assim, “o justo impedimento pode ser reconhecido mesmo quando não tenha ocorrido nenhum facto imprevisível. Basta, neste caso, que a omissão do acto resulte de um erro desculpável da parte, para que se deva considerar relevante o referido justo impedimento”, uma vez que releva “a eventual censurabilidade dessa omissão e não a ocorrência de um facto exterior à vontade da parte”. [3]
Nos autos de que emerge o presente recurso está em causa a prática do ato – resposta às exceções deduzidas nas contestações – tendo o tribunal proferido despacho em 06/12/2023 ordenando a notificação do A., concedendo para o efeito o prazo de 10 dias.
A notificação de tal despacho, dirigida à mandatária do A., Dr.ª CC, foi elaborada na plataforma citius em 07/12/2023.
A referida mandatária, por requerimento apresentado em 17/01/2024, alegou justo impedimento, desde novembro de 2023 até ao dia 17/01/2024, juntou um atestado médico e arrolou uma testemunha.
Do mencionado atestado médico consta: “para os devidos efeitos declara-se CC esteve impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho por gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo desde 06/11/2023 com data de parto no dia 14/12/2023. Esta ausência ocorreu, na gravidez até ao parto, e até ao dia de hoje em que recupera do parto.”
Decorre deste documento a gravidade da situação, que já se verificava desde a data da elaboração da notificação do despacho (07/12/2023) até ao dia em que o ato foi praticado – dia 17/01/2024.
A situação em apreço integra o conceito de justo impedimento, tal como enunciado no art.º 140º do CPC, importando, ainda, a ilisão da presunção da notificação do despacho no 3º dia posterior, prevista no nº 1 do art.º 248º do CPC, conforme o nº 2 deste preceito.
Com efeito, uma gravidez de alto risco por ameaça de parto pré termo, a implicar repouso, afeta necessariamente as condições físicas e mentais da grávida. De igual modo, o período pós-parto, sobretudo depois de uma gravidez de risco, afeta as referidas condições, constituindo motivo impeditivo da comparência no escritório e do acesso à plataforma citius, não sendo exigível que, em tais circunstâncias, o faça a partir da cama, como sugerido pelas apelantes e, consequentemente, é obstativo quer da receção da notificação do despacho quer da prática do ato. Tal evento não é imputável à parte ou à mandatária impedida. Sublinha-se que o parto ocorreu no dia 14/12/2023, ou seja, 3 dias depois da data em que se presumiria a notificação do despacho e o ato veio a ser praticado cerca de um mês depois do parto, data em que cessou o impedimento.
Como mencionado no despacho recorrido:
“Sem olvidar que o efeito do impedimento é apenas o de deferir o termo de um prazo para o dia imediato ao que tenha sido o último de duração do impedimento, face ao atestado e à data do requerimento, julgamos que o impedimento prolonga-se até ao dia 17/01, data em que a ilustre mandatária revela conhecimento do processado e se apresenta a invocar o justo impedimento e (mesmo que na sua óptica perfunctoriamente) a praticar o acto de resposta às excepções, que no limite poderia ser apresentado até ao dia seguinte apenas (pela própria ou outro advogado mandatado). Apesar de a ilustre mandatária informar que se encontra melhor desde o Natal, não deixa de referir o facto de se encontrar cansada e prostrada após o parto, o que convenhamos, na sequência de um parto ocorrido no culminar de uma gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo, constitui facto notório, sendo consabidas as exigências físicas e mentais que um recém nascido sempre coloca à mãe. Embora depois do parto a impossibilidade já não se deva propriamente à gravidez, ela deve-se ao parto e inerente recuperação como decorre do atestado, que se deve ter por verificada até ao dia 17/01 atento o atestado e considerando que pelo menos nesta data a ilustre mandatária intervém no processo revelando o seu pleno conhecimento e nesta data podia entregar o acompanhamento do processo a outro colega subscritor da p.i..”
No referido período, e apelando a um “juízo de razoabilidade e normalidade, o dever de diligência no exercício do mandato não lhe impunha que, perante um tal quadro clínico, devesse ou tivesse a obrigação de praticar o acto em apreço” [4] – resposta a exceções deduzidas em duas contestações.
Como defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, em anotação ao art.º 248º  [5], “a presunção da notificação só pode ser ilidida provando-se que por razões não imputáveis ao mandatário, a mesma não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à resumida (…). Naturalmente que sobrelevam as situações que constituem efetivamente justo impedimento, nos termos do art.º 140º”.
Pode ler-se no Ac. RG de 31/10/2019 [6], “com a reforma de 1995 (2) a ratio deste instituto, em lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade da prática do acto, centrou-se “na ideia de culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários, aqui se incluindo também as pessoas que desempenham funções acessórias (cf. RC 30-6-15, 39/14).
Assim, não se verifica justo impedimento quando, apesar de um acontecimento imprevisto, o acto pode ser praticado pela parte ou pelo mandatário usando a diligência normal.
Ora a diligência normal pressupõe que quem haja de praticar o acto se encontre com a sua capacidade normal para a prática do mesmo. (…)
… não se pode levar este grau de exigência a um nível tal que só se o advogado se encontrar em coma ou tetraplégico e mudo é que o impedimento releve.
Efectivamente, a doença que justificaria a ausência ao serviço de qualquer trabalhador, funcionário público ou magistrado judicial, também pode constituir justo impedimento para a prática tempestiva do acto, quando as circunstâncias concretas do caso não se compadecerem com o substabelecimento noutro advogado.
Ora, um quadro de lombalgia incapacitante com irradiação ciática e rigidez da coluna, que impossibilitava a locomoção, a necessitar de repouso, isto é, de imobilização e sob medicação analgésica, não se coaduna com a elaboração de um articulado de contestação e reconvenção, mormente a que foi apresentada nos autos, com mais de 100 artigos.
Nem lhe era exigível que “no leito, elaborasse e remetesse a peça em causa”. (…)
Exigir que em circunstâncias semelhantes, com o prazo a terminar, o mandatário incapacitado substabelecesse – o que sempre estaria dependente de que outrem aceitasse tal substabelecimento – conduziria, em tese geral, a que apenas se considerasse justo impedimento os casos extremos acima referidos, o que não cremos tenha sido a intenção do legislador, até porque, com a mudança de paradigma a que acima nos referimos, pretendeu-se uma maior flexibilização deste instituto e não o seu cerceamento.
Uma pessoa que está com dores, incapacitada de se locomover e a tomar analgésicos não se encontra no pleno uso das suas capacidades mentais. Não se lhe pode assim exigir que tome as medidas mais acertadas e adequadas ao cumprimento dos seus deveres profissionais, mesmo que no caso concreto elas fossem possíveis, o que não se nos afigura certo.
Concluímos assim que no caso em apreço não era exigível ao mandatário que adoptasse a conduta que se sugere na decisão recorrida.
O evento (doença) não é imputável ao mandatário e era de molde a impedir a prática do acto (art.º 140º nº 1 do CPC).” (sublinhado nosso).
A referida mandatária, com o requerimento em que invocou o justo impedimento apresentou   resposta às exceções, alegadamente perfunctória, por ainda se encontrar em recobro.
Não era exigível à mandatária que diligenciasse junto dos outros advogados, com procuração nos autos, com vista a informá-los … de que havia a hipótese de ocorrer notificação do tribunal neste processo em concreto… Como se mencionou na decisão recorrida, o processo esteve parado durante cerca de sete meses, depois de apresentadas as contestações. Não era previsível que no período de impedimento, que não se pode considerar longo, fosse proferido o despacho datado de 06/12/2023. Também não era exigível, nas circunstâncias concretas do caso, que a mandatária elaborasse uma lista dos processos em que poderiam ocorrer notificações, avisasse os seus colegas, ou simplesmente acedesse ao citius a partir do conforto de casa, e da cama, num qualquer intervalo entre o cumprimento dos deveres da maternidade”.
Pelos mesmos motivos, não se lhe impunha substabelecer o mandato.
Salienta-se que os outros dois mandatários (um advogado e uma advogada estagiária) que subscreveram a petição inicial, por adesão eletrónica, o fizeram ao abrigo de substabelecimento com reserva, especificamente para efeitos de apresentação da petição inicial. Ou seja, não figuram como mandatários na procuração outorgada pelo A. e o substabelecimento cinge-se à apresentação da petição inicial.
O acórdão da Relação de Évora de 25/02/2021 (proc. n.º 514/20.6T8PTG.E) citado pelas apelantes aprecia situação diferente, em que a mandatária impedida de exercer as suas funções profissionais, por gravidez de alto risco clínico, tinha conhecimento desde várias semanas antes do início do impedimento de que tinha que apresentar contestação, cujo prazo começaria a correr após férias judiciais.
Defendem as apelantes que o justo impedimento tinha que se verificar em relação a todos os mandatários constituídos.
A petição inicial foi subscrita eletronicamente pela Dra. CC e a ela aderiram um advogado e uma advogada estagiária, ao abrigo do mencionado substabelecimento.
Os restantes mandatários constantes da procuração forense não subscreveram a petição inicial.
Todas as notificações posteriores do tribunal ao autor foram sempre e apenas dirigidas à Dr.ª CC.
Era, pois, a Dr.ª CC que acompanhava o processo desde o seu início.
“A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca (artigo 97.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados) e essa confiança não deve ser desmerecida.
Não pode razoavelmente pretender-se que possa o juiz sugerir a presença em julgamento de um outro mandatário seja estagiário ou não, mesmo que constante de procuração conjunta, quando através da subscrição da peça ou peças processuais apresentadas deverá concluir-se que quem está, de facto, encarregado de acompanhar a causa, é o mandatário impedido.” [7]
À data do invocado justo impedimento não existia obrigação legal de as notificações serem feitas a todos os advogados que representavam o autor, sendo normal que os mandatários não notificados desconhecessem a tramitação dos processos. Certamente para acautelar este tipo de situações e melhor garantir a salvaguarda dos direitos das partes o legislador procedeu à alteração do art.º 247º, nº 3 do CPC, introduzida pelo DL 87/2024, de 07/11, de molde a que as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial, quando a parte esteja simultaneamente representada por vários advogados, advogados estagiários e solicitadores, serem feitas, na pessoa de todos os advogados ou advogados estagiários que constem de procuração junta ao processo.
Afigura-se-nos que não era exigível que os demais mandatários, a quem nunca foi dirigida notificação de qualquer despacho no processo, tivessem a obrigação de consultar eletronicamente o processo no aludido período, a fim de averiguar, por exemplo, se existiam despachos.
E não decorre do disposto no art.º 140º do CPC que se exija a verificação de impedimento em relação a todos os mandatários constituídos, havendo que aferir da obrigação de diligência no caso concreto, com as suas particularidades próprias.
Como aflorado no despacho recorrido, “de alguma forma estamos perante uma situação de protecção da maternidade”, a que alude o DL nº 131/2009, de 01/06, alterado pelo DL n.º 50/2018, de 25 de Junho, diploma que dá “um subsídio para a análise da verificação do impedimento sem cair em abusos indesejáveis. (…) Com efeito, nos termos do art.º 2º deste diploma, em caso de maternidade ou paternidade, os advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir, nos seguintes termos: “a) Quando a diligência devesse ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o adiamento não deve ser inferior a dois meses e quando devesse ter lugar durante o segundo mês, o adiamento não deverá ser inferior a um mês”.
Destacamos, ainda, o constante nos respetivos preâmbulos:
“Embora a advocacia seja maioritariamente exercida como profissão liberal, alguns dos mais importantes actos profissionais são actos judiciais - julgamentos e outros actos processuais -, cuja marcação não depende dos próprios e a que não podem faltar, salvo nos termos previstos na lei.
Por esse motivo, os advogados não gozam de certos direitos e regalias que a generalidade dos cidadãos tem, nomeadamente da dispensa de actividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo.
Importa, por isso, estender aos advogados esses direitos, de forma a compatibilizar o exercício da profissão com a vida familiar, em termos equilibrados, sem afectar excessivamente a necessária celeridade da justiça.”
“O Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, estendeu aos advogados o gozo do direito, reconhecido à generalidade dos cidadãos, de dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo. (…)
A consagração deste direito visou permitir uma desejável harmonização entre a vida profissional e a vida familiar do advogado, sem impacto relevante na almejada celeridade processual. Na mesma perspetiva, não se coartou a possibilidade de, ponderada a situação em concreto, o advogado continuar a poder lançar mão do direito de substabelecimento dos poderes que lhe foram confiados.”
E anota-se que foi sufragado nos acórdãos da Relação de Évora de 30/03/2023 e da Relação de Guimarães de 25/01/2024 [8] o entendimento de o seu regime ser aplicável também a atos processuais que não envolvam a presença do mandatário.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas do recurso a cargo das apelantes.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2025
Teresa Sandiães
Maria do Céu Silva
Octávio Diogo
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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 175
[2] proc. nº 1887/06, in www.dgsi.pt
[3] Ac. STJ de 29/09/2020, proc. nº 731/16.3T8STR.E1.S1, in www.dgsi.pt
[4] Ac. RP de 08/06/2009, proc. 75/08.4TTVCT.P1, in www.dgsi.pt
[5] Ob. citada, pág. 302
[6] proc. nº 49/18.7T8BRG.G1, in www.dgsi.pt
[7] Ac. RE de 29.09.2022, processo n.º 7817/21.0YIPRT.E1, in www.dgsi.pt
[8] Respetivamente nos processos nºs 415/20.8T8PTG-D.E1 e 620/20.0T8BCL-A.G1,  ambos disponíveis em www.dgsi.pt