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EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
NOVOS MEIOS DE PROVA
EQUIDADE
Sumário
(da responsabilidade da relatora - artigo 663/7 do Código de Processo Civil): «1. A sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615/1-d) do CPC quando, apesar da referência à questão no relatório da sentença e a matéria elencar os factos não provados, o juiz a quo não aprecia a questão em termos jurídicos, ou seja, não subsume aqueles factos ao direito, para depois concluir pela procedência ou improcedência do pedido. Só assim se aprecia a questão jurídica inerente ao pedido formulado. O que não foi feito. 2. No incidente de liquidação sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411, ordenando designadamente a produção de novos meios de prova (mormente, pericial), nos termos do artigo 380/4 do CPC de 1961. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566/3 do Código Civil».
Texto Integral
Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
A…., exequente nos autos em que é executado B….., veio nos termos do disposto nos artigos 378.º, 380.º, 805.º e 931.º do Código de Processo Civil de 1961, alvo de sucessivas alterações, deduzir incidente de liquidação, alegando, em síntese, que a presente execução para entrega de coisa certa foi instaurada na sequência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que ordenou que o aqui executado procedesse à entrega imediata do estabelecimento de restaurante típico “Taverna do Embuçado”.
Instaurada a presente execução, certificou-se que era impossível proceder à entrega do referido estabelecimento porque o mesmo já não existia. Nos termos do disposto no artigo 931.º do Código de Processo Civil, em tais circunstâncias, o exequente pode no mesmo processo fazer liquidar o seu valor e o valor do prejuízo resultante da falta de entrega.
Assim, no uso de tal direito, pretende a Exequente proceder à liquidação do valor do estabelecimento e do prejuízo resultante da falta de entrega do mesmo, pedindo que a quantia exequenda seja liquidada na quantia de €4.408.052,00, apurado da seguinte forma:
a) Valor do estabelecimento …………..………. 1.002.543,88€
b) Prejuízos sofridos …………………………… 3.600.000,00€
Valor líquido total ………………………….…... 4.408.052,60€
Notificado para o efeito, o executado B.… pugnou pela improcedência da liquidação.
Posteriormente, comprovada a morte do executado foi declarada habilitada a sua herdeira C….
Foram inquiridas as testemunhas arroladas pela exequente e pela executada habilitada, após o que foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se o presente incidente de liquidação parcialmente procedente e, em consequência, fixa-se como valor líquido a executar o montante de 558.653,64€. Custas pelo decaimento (art.º 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). Valor: 4.408.052,60€. Notifique e registe. Comunique à Sra. Agente de Execução”.
Inconformada apelou a exequente formulando, para tanto, as seguintes conclusões: «1. A prova documental e a prova testemunhal supra reproduzidas expõem que seja dada como provada a seguinte matéria de fato: - O Goodwill era no mínimo 2.000.000,00€; - Os prejuízos causados com a privação do estabelecimento desde 2003 são de 3.152.000,00€. - O valor global dos prejuízos é de 3.600.000,00€. 2. Consequentemente deve julgar-se procedente na totalidade o presente incidente de liquidação. 3. Na medida em que se absteve de conhecer do pedido de liquidação da componente “prejuízos resultantes da não entrega do estabelecimento o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d) do A-CPC, o que fere de nulidade a sentença aqui em recurso, nos termos desta mesma disposição processual. 4. Ao julgar, como julgou a matéria de fato, o Tribunal “a quo” violou o dever de investigar que lhe está adstrito pelo disposto no artigo 380º, nº 4 do A-CPC. 5. Além das disposições supracitadas o “tribunal a quo” fez uma errada apreensão da matéria de fato e uma errada aplicação do direito à realidade. 6. E mesmo que o valor do estabelecimento (558.653,64€) fosse o correto cabia ao Tribunal “a quo” atualizá-lo, o que não fez proporcionando assim um enriquecimento ilegítimo de outrem à custa da Exequente, o que o artigo 473º do C. Civil proíbe. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento a presente apelação e julgando-a procedente deve: a) Revogar-se a decisão da primeira instância decidindo-se a procedência total do pedido de liquidação da Exequente. b) Supletivamente para a académica hipótese de assim não ser entendido, deve declarar-se nula a sentença em recurso e proceder-se ao suprimento das nulidades apontadas à mesma.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A executada/habilitada interpôs também recurso de apelação da sentença proferida, alinhando as seguintes conclusões: “1 – A recorrente entende terem sido incorrectamente julgados os pontos VII, VIII, IX, X dos Factos Provados. Assim, é esta a matéria de facto impugnada no presente recurso. 2 – Não existe nos autos e não foi produzida em julgamento prova testemunhal e prova documental que permita sequer dar como provados os pontos tratados atrás, pelo que, o que foi produzido em sede de discussão e julgamento foi mal avaliada pelo tribunal “a quo”. 3 - Urge, pois, alterar este tremendo erro judiciário e repor a verdade, já que nada existe para que se possa dar como provados estes pontos, sendo que os depoimentos das testemunhas apresentadas pela exequente, por vagos, vazios de conhecimento concreto sobre a questão financeira da taverna do …, em nada contribuíram para que se pudesse dar como provado os pontos agora em crise. 4 - A recorrente entende dever ser considerado não provada toda a matéria constante do incidente de liquidação salvo as questões que estão provadas por resultarem de decisões definitivas de Tribunais anteriores e que estão consubstanciadas nos pontos I, II, III, IV, V, VI. 5 – A recorrente entende que devem ser considerados não provados os factos constantes dos pontos VII, VIII, IX e X. 6 – A recorrente entende que, em face da falta de prova documental, não foi possível à exequente provas os pontos indicados no número anterior. Mais, considera a recorrente que a prova documental seria possível apresentar, só não o foi porque não convinha à exequente apresentar. 7 – A recorrente entende que a prova testemunhal não foi, nem nunca poderia ser, suficiente ou cabal para dar considerar provados os factos constantes dos pontos VII, VIII, IX e X, porque pura e simplesmente, nenhuma testemunha sabia ou poderia corroborar as questões financeiras por não saberem e apresentarem um total desconhecimento sobre o assunto. 8 - Os factos constantes dos pontos VII, VIII, IX e X dos Factos Provados devem, portanto, ser considerados não provados. 9 – Importa para a questão que, em termos de motivação, diz o tribunal a quo que “A factualidade mencionada em VII a X foi atestada por N…, marido da exequente…” 10 – O tribunal a quo dá exatamente como provados os únicos factos que estão agora em crise apenas com o depoimento de uma testemunha, que é marido da exequente, assumiu-se como corresponsável da Taverna do … e que tem interesse direto na causa. 11 – Nenhuma outra testemunha prestou sequer depoimento quanto a matéria constante nos pontos VII, VIII, IX e X dos Factos Provados nem nenhum documento de suporte foi apresentado pelo que, considera a ora recorrente que andou mal o tribunal a considerar como provados estes factos. 12 - Ao considerar provada a factualidade ora impugnada, o Tribunal “a quo” optou por uma solução jurídica que viola a lei. Desde logo, mostra-se violado o art.º 607º do C. P. Civil pela forma como o Tribunal “a quo” apreciou a prova produzida em julgamento. Deveria o Tribunal “a quo” ter interpretado e aplicado o art.º 607º no sentido de apreciar devidamente a prova produzida, quer a documental quer a testemunhal. 13 – Considera a ora recorrente que a falta de provas documentais, a falta de provas testemunhais e a formação da convicção apenas por um depoimento ferido de interesse pessoal, não permitiria que o tribunal a quo pudesse chegar a uma decisão como a foi formulada na douta sentença. 14 – No entender da ora recorrente os pontos VII, VIII, IX e X dos Factos Provados não foram provados de forma alguma, e deveria ter sido neste sentido que decisão deveria ter seguido. 15 – Considerados como não provados os factos ora impugnados, a solução jurídica a optar pelo Tribunal “a quo” teria de se subsumir à não procedência do incidente de liquidação”.
A exequente apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo: “1. Todos os pontos da matéria de fato postos em crise pela Executada foram corretamente julgados, pelo que devem ser confirmados. 2. Confirmando-se esta matéria de fato, não há nenhuma razão de direito para alterar a decisão no sentido pretendido pela apelante C…. 3. Como não há quaisquer outros fundamentos para alterar o direito no sentido pretendido pela apelante C…. Termos em que, Deve negar-se provimento à presente apelação e confirmar-se na parte aqui recorrida a douta decisão. No mais se conclui como nas alegações de recurso apresentada pela exequente, que se dá por reproduzida”.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Objeto do recurso
Decorre do disposto nos artigos 635/4 e 639/1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, são as seguintes as questões a decidir:
A- No recurso interposto pela exequente:
a) se a sentença é nula por omissão de pronúncia- artigo 615/1 do CPC;
c) se deve ser alterada a decisão da 1.ª instância relativa à matéria de facto:
- se os factos não provados I, II e IIIdevem ser julgados provados;
- se o tribunal a quo no julgamento da matéria de facto violou o dever de investigar previsto no artigo 380-A/4 do antigo CPC.
d) o mérito da ação:
-o valor do estabelecimento
- o dever de atualização pelo tribunal;
- o enriquecimento sem causa.
B- No recurso interposto pela executada/habilitada:
a) se deve ser alterada a decisão da 1.ª instância relativa à matéria de facto:
- se os factos provados VII, VIII, IX e X devem ser julgados não provados.
b) se deve alterado o juízo de mérito do incidente.
III. Fundamentação de facto
A sentença sob recurso considerou a seguinte factualidade que ora se transcreve: “Com relevância para o presente incidente de liquidação, estão provados os seguintes factos: I. Nos autos de oposição à execução que constituem o apenso A, foi proferida sentença em 01.09.2021, já transitada em julgado, e que deu como provada a seguinte factualidade: 1) A sentença judicial que serve de título executivo à presente execução, ordenou a restituição imediata do restaurante típico “A Taverna do …”, sito no …, em Lisboa, pelo primitivo executado à primitiva exequente. 2) A exploração do restaurante “Taverna do …” havia sido cedida pelo executado à exequente em 1993. 3) Dado o incumprimento do contrato, por parte da exequente, o executado intentou acção – que ganhou na 1ª e 2ª instâncias, tendo sido vencido no STJ – para pagamento das quantias em dívida ou, em alternativa, devolução do local. 4) Ao recurso interposto para o STJ foi atribuído efeito meramente devolutivo, pelo que o executado poderia retomar a posse do restaurante “Taverna do …”, o que, no entanto, nunca aconteceu. 5) Com efeito, seria necessário fazer obras de vulto, dado o estado de degradação em que o restaurante se encontrava. 6) Em virtude do acórdão do STJ, o processo baixou à 1ª instância, que ordenou a devolução do local à exequente. 7) Quando o Executado tentou entrar no referido estabelecimento, tendo-se deslocado ao local do mesmo acompanhado de um oficial de justiça e de um agente da PSP, verificou que, por detrás da porta da rua, se encontrava um muro de tijolo, que impedia a entrada no estabelecimento. 8) A parede que foi construída estava quase justaposta à porta do estabelecimento, sendo impossível ultrapassá-la. 9) A Câmara Municipal de Lisboa tomou posse administrativa do referido estabelecimento em 2004 e toda a zona em que se situa o estabelecimento ficou interdita, pelos perigos inerentes para os que ali viviam e trabalhavam. 10) Em virtude da toma de posse administrativa pela Câmara Municipal de Lisboa, para a realização de obras, em substituição da senhoria, o executado pagou durante alguns meses € 50,00 mensais, mediante depósito na Caixa Geral de Depósitos. 11) O Restaurante “Taverna do …” tinha como suporte de local dois contratos de arrendamento, nos quais era Senhoria a Senhora D. M…. 12) Um contrato em nome duma empresa chamada “T…, LDA.”, (sociedade dissolvida em 06/11/1997) de que o Executado era titular único do capital social, abrangia uma parte da instalação, onde funcionava a cozinha do restaurante. 13) Um outro contrato em nome de B…, abrangia outra parte das instalações, nomeadamente o salão de refeições. 14) Relativamente à parte das instalações tituladas por contrato de arrendamento em nome da inquilina “T…, Lda.”, instaurou a Senhoria uma acção de despejo que, sob o nº …/97, correu seus termos pela …ª Secção da …ª Vara Cível de Lisboa, na qual foi declarado resolvido o contrato de arrendamento e condenada a Ré a despejar o arrendado. 15) Relativamente à outra parte instaurou a Senhoria contra B… uma outra acção de despejo que correu seus termos sob o nº …/97 pela …ª Secção da …ª Vara Cível de Lisboa. 16) Em 24 de Junho de 2003 foi executado o mandato da acção de despejo. 17) Em consequência disso, a Exequente inicial “…, LDA.,” foi obrigada a entregar essa parte do estabelecimento ao Oficial de Justiça do Serviço Externo o qual por sua vez a entregou à Senhoria, que tomou as medidas práticas de defesa da posse que entendeu. 18) Em 8 de Outubro de 2003, compareceu outro Oficial de Justiça do Serviço Externo munido de mandato dos autos de Execução nº …. /2000 da …ª Secção da …ª Vara Cível em que era Exequente B… e em que se executou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de …/…/2003, que estava em recurso de revista, mas com efeito meramente devolutivo. 19) A exequente inicial A…, Lda., só pode entregar a parte que ainda estava na sua posse e que era a parte cujo titular do arrendamento era B…. 20) A outra parte já havia sido entregue à Senhoria em 24/06/2003, que tomou as medidas que considerou adequadas à protecção da posse dessa parte então entregue. 21) Logo após 24/06/2003 com a entrega de meio estabelecimento à Senhoria, a sociedade A…, LDA., cessou a sua actividade por lhe ser impossível trabalhar uma parte do espaço faltando a outra parte, a cozinha. II. Os autos de oposição à execução foram julgados procedentes e, em consequência, declarou-se a impossibilidade física da entrega do estabelecimento comercial denominado “A Taverna do …”, sito no …, em Lisboa, sem prejuízo do disposto no art.º 931.º do Código de Processo Civil. III. O estabelecimento de restaurante “Taverna do …” era um restaurante de luxo com espectáculos de fado ao jantar. IV. Aí cantavam fadistas como: Vicente da Câmara, Amália Rodrigues, Celeste Rodrigues, Beatriz da Conceição, João Ferreira Rosa, João Braga, Teresa Tarouca, Teresa Silva Carvalho, António Melo Correia, Mercedes da Cunha Rego, Teresa Siqueira, Teresa de Noronha, Maria da Fé, Miguel Sanches, Maria Amélia Proença, Alcindo de Carvalho, Cidália Moreira, Camané, Mafalda Arnaulth, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix, Hélder Moutinho e, por outro lado, foi aí que …, … da Exequente, deu os primeiros passos na carreira. V. Ali actuavam músicos de renome, tais como Fontes Rocha, Paquito, José Luís Nobre Costa, Ricardo Rocha, Jaime Santos Pedro Veiga, Raul Silva, entre outros. VI. A sua clientela era essencialmente da classe média/alta e turistas estrangeiros. VII. O valor patrimonial locativo do estabelecimento antes de obras de remodelação era de 72.000.000$00, porquanto foi esse o valor que determinou a fixação da renda mensal (400.000$00) de exploração. VIII. Acresce a esse valor a quantia de 16.000.000$00 paga ao Executado como contrapartida pela concessão de exploração. IX. Quando recebeu a exploração do estabelecimento nele foi investida ainda a quantia de 24.000.000$00, em equipamentos e obras de restauro. X. Além de dar ocupação e ordenado à exequente, a exploração do estabelecimento proporcionava lucros anuais. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram os seguintes factos I. O goodwill era, no mínimo, de 2.000.000$00. II. Os prejuízos causados com a privação do estabelecimento desde 2003 são de 3.152.000,00€. III. Capitalizando esse valor para 2013 temos o valor global de prejuízos de 3.600.000,00€”.
IV. Fundamentação de Direito
4.1. Comecemos por verificar se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia- artigo 615/1-d) do CPC (conclusão 3)
Invoca a recorrente exequente que a sentença em recurso é nula “na medida em que se absteve de conhecer do pedido de liquidação da componente “prejuízos resultantes da não entrega do estabelecimento” o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 668.º n.º 1, alínea d) do A- CPC, o que fere de nulidade a sentença”.
Antes de mais, cumpre fazer o seguinte esclarecimento: Esta execução foi instaurada no ano de 2011, em plena vigência do Código de Processo Civil de 1961.
Em 26 de junho de 2013 foi publicada a Lei 41/2013, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 1 de setembro de 2013, e revogou o Código de Processo Civil de 1961.
A Lei 41/2013, de 26 de junho tem uma disposição transitória- o artigo 6, com a epígrafe “Ação executiva”, que prevê expressamente:
“1. O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor. 2. (…) 3. (…) 4. O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data da entrada em vigor da presente lei” (sublinhado nosso).
O incidente de liquidação foi deduzido pela exequente em 30 de janeiro de 2013.
Assim, e com excepção das disposições atinentes ao recurso- artigo 7 das disposições transitórias, que dispõe que aos recursos interpostos de decisões proferidas após a entrada em vigor da lei 41/2013 de 26 de junho, se aplicam as alterações agora introduzidas- aplicam-se a este incidente as disposições do CPC de 1961 (Decreto-Lei nº 44 129 de 28-12-1961, com início de vigência a 24 de abril de 1962), e sucessivamente alterado ao longo dos anos.
Dispunha o artigo 668/1-d) do CPC, na redação introduzida pelo Decreto-lei 34/2008, de 26 de fevereiro (artigo 2- alterações ao Código de Processo Civil) que: “1. É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este artigo e alínea correspondem, no novo Código de Processo Civil- Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho- ao artigo 615/1-d) e por isso as considerações doutrinárias que se farão de seguida terão por base este último artigo, apenas por facilidade de exposição, e uma vez que a redação de ambos é absolutamente igual.
A al. d) do n.º 1 do artigo 615 do CPC, dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608/2 do CPC, segundo o qual: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»
Há aqui que distinguir entre “questões a apreciar” e “razões” ou “argumentos” aduzidos pelas partes.
Conforme já ensinava Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143): «São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 1994, Miranda Gusmão, BMJ n.º 439, pág. 526 e de 22 de junho de 1999, Ferreira Ramos, C.J. 1999 – II, pág. 161; da Relação de Lisboa de 10 de fevereiro de 2004, Ana Grácio, C.J. 2004 – I, pág. 105, de 4 de outubro de 2007, Fernanda Isabel Pereira, e de 6 de março de 2012, Ana Resende, Proc. n.º 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl.).
Conforme se escreveu, com inteiro acerto, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2022 (Pº 2774/16.8T8PRT.P2, rel. Pedro Damião e Cunha), “[s]egundo o disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Neste âmbito, importa ter bem presente que as questões submetidas à apreciação do tribunal a que o legislador se refere se identificam com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Nessa medida, embora a não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (“error in iudicando”), mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia. Ou seja, este tipo de omissão pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, logicamente, nessa medida, só em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão (…)”.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora Maria da Graça Santos Silva) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal - “questões” - não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
Esta nulidade verifica-se quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, com referência ao objeto do processo, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e exceções, ficando apenas de fora a mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (vide: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21/12/2005, Pereira da Silva, de 20/11/2014, Álvaro Rodrigues, 810/04).
Vejamos se, no caso, o juiz do Tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer.
Considerando o caso concreto, temos de reconhecer que a decisão recorrida, ao omitir o julgamento de mérito sobre o segmento do pedido de liquidação da componente “prejuízos resultantes da não entrega do estabelecimento o Tribunal” deixou de pronunciar-se sobre questão que tinha que apreciar.
E salvo o devido respeito, não colhe o argumento do Mmo juiz a quo quando refere no despacho em que se pronuncia sobre a nulidade arguida que “no Relatório da decisão, consta a menção expressa a tal parte do pedido. Seguidamente, a factualidade subjacente a tal pedido foi dada como não provada e, em sede de fundamentação de facto, consta a convicção para dar tal factualidade como não provada. Assim sendo, ficou prejudicada a sua apreciação em sede de direito e, a final, na parte decisória, o incidente foi julgado apenas parcialmente procedente, tendo a exequente decaído relativamente a tal parte do pedido, por não provado. Conclui-se pois não existir a omissão de pronuncia assinalada, pelo que improcede a arguição de nulidade”.
Se há referência a esta questão no relatório da sentença, se tal matéria elenca os factos não provados, é manifesto que falta apreciar a questão em termos jurídicos, ou seja, subsumir aqueles factos ao direito, e depois concluir pela procedência ou improcedência do pedido. Só assim se aprecia a questão jurídica inerente ao pedido formulado. O que não foi feito.
A sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615/1-d) do CPC.
Procede, nesta parte, o recurso interposto pela exequente.
Nos termos do n.º 1 do art.º 665.º do CPC, “1- Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, donde relativamente à omissão de pronúncia, este Tribunal de recurso, sendo o caso, apreciará essa questão, suprindo essa omissão.
4.2. Recurso da impugnação da matéria de facto
4.2.1. Admissibilidade do recurso da impugnação da matéria de facto
O actual Código de Processo Civil introduziu um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, sujeitando a sua admissão aos requisitos previstos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil.
Embora tal reapreciação tenha alcançado contornos mais abrangentes, não pretendeu o Legislador que se procedesse, no Tribunal Superior, a um novo Julgamento, com a repetição da prova já produzida nem com o mesmo limitar de alguma forma o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção acerca de cada facto controvertido.
Apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o Tribunal de recurso não pode já recorrer.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada convicção, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Posto isto, para que o Tribunal Superior assim se possa pronunciar sobre a prova produzida e reapreciar e decidir sobre a matéria de facto, sem que tal acarrete na verdade todo um novo julgamento e repetição da prova produzida, impõe-se à parte que assim pretende recorrer que cumpra determinados requisitos, previstos no citado art.º 640º do Código de Processo Civil.
Lidas a motivação e as conclusões de recurso, verifica-se que as recorrentes cumpriram com o ónus que se lhes impunha, nomeadamente, indicaram os concretos pontos de facto que consideraram incorrectamente provados e não provados; especificaram relativamente a cada facto qual os meios de prova que, em seu entender, fundamentariam decisão diversa; formularam a decisão que, em seu entender, seria ser aquela que o Tribunal deveria ter tomado em relação aos concretos pontos de facto sobre os quais discordam.
Na reapreciação da matéria de facto há ainda que levar em consideração o que dispõe o art.º 662º do Código de Processo Civil, tendo a Relação autonomia decisória “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com a observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (conf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pg. 287).
4.2.2. Impugnação da matéria de facto
- O tribunal de recurso começará por apreciar o recurso da impugnação da matéria de facto apresentado pela executada, e relativa aos pontos VII, VIII, IX e X dos Factos Provados (conclusões 1 a 14)
4.2.2.1 – Os factos dados como provados com os números VII, VIII, IX e X devem ser julgados como não provados?
É a seguinte a redação destes factos provados: “VII. O valor patrimonial locativo do estabelecimento antes de obras de remodelação era de 72.000.000$00, porquanto foi esse o valor que determinou a fixação da renda mensal (400.000$00) de exploração. VIII. Acresce a esse valor a quantia de 16.000.000$00 paga ao Executado como contrapartida pela concessão de exploração. IX. Quando recebeu a exploração do estabelecimento nele foi investida ainda a quantia de 24.000.000$00, em equipamentos e obras de restauro. X. Além de dar ocupação e ordenado à exequente, a exploração do estabelecimento proporcionava lucros anuais.
Relativamente ao facto provado VII, a executada entende que a exequente não prova em lugar nenhum nem em qualquer documento o tal valor locativo patrimonial. Não prova sequer que o valor da renda tenha sido determinado por esse tal valor”. Refere ainda que a testemunha da exequente, N…, seu marido, confirmou que o valor da renda e da cessão de exploração nada teve a ver com o valor locativo, indo no mesmo sentido o depoimento da testemunha S….
Entende a executada que este facto deve ser julgado não provado.
Relativamente ao facto provado IX, entende a executada que o tribunal a quo se baseou unicamente no depoimento da testemunha N…, marido da exequente, pessoa com interesse directo na ação. Não existe um único documento no processo que suporte este valor e por isso a prova não esta feita.
Entende a executada que este facto deve ser julgado não provado.
Relativamente ao facto provado X, entende a executada que o tribunal não pode dar como provada uma situação em que nada sabe nem nada lhe foi apresentado a este respeito. “Em momento algum foram quantificados os lucros anuais por testemunhas ou em documento. As testemunhas apresentadas pela executada foram unânimes quanto ao facto de que a taverna do … não gerava lucros, muito pelo contrário, gerava prejuízos, razão pela qual a exequente se atrasou tanto no pagamento do valor referente á cessão de exploração como das rendas, como resultou provado pelo STJ”.
Entende a executada que este facto deve ser julgado não provado.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão de facto, na parte impugnada pela recorrente executada, da forma que segue: “A factualidade mencionada em VII a X foi atestada por N…, marido da exequente, e que esclareceu que aquando do início da exploração do estabelecimento a exequente, na altura através da sociedade A…,Lda., realizou obras necessárias para o funcionamento do restaurante e que importaram a quantia de 26.000.000$00, tendo a exequente suportado ainda o pagamento de 16.000.000$00 a título de “indemnização de chave”; mais afirmou que o estabelecimento era a melhor casa de fado de Lisboa, sendo frequentado pela nata dos fadistas e por uma clientela de classe alta; confirmou também que a exploração do estabelecimento era a principal fonte de rendimento da exequente”.
Apreciemos.
Antes de mais, há que referir que parte desta factualidade resulta provada na matéria de facto que consta da sentença condenatória que constitui o título executivo nos autos de execução, e que foi objeto de recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça sem que, contudo, no recurso interposto para o Tribunal da Relação tenha sido impugnada a matéria de facto.
E a prova produzida nestes autos não foi suficiente para dar por provado mais do que esses factos já provados na sentença condenatória.
E por isso essa factualidade tem que ser considerada provada.
Concretizemos.
Facto provado VII: resulta provado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de março de 2004, transitado em julgado em 1 de abril de 2004, que “As quantias ajustadas no contrato-promessa acabaram no entanto por prevalecer na prática, por acordo expresso entre Autor e Ré, tendo esta pago ao autor 300.000$00 por mês até dezembro de 1994 e 400.000$00 a partir de Janeiro de 1995 (L)”.
Tal como resulta deste facto provado, a renda mensal, primeiro de 300.000$00 e depois de 400,000$00 resultou do acordo expresso entre Autor e Ré. O Tribunal desconhece a base deste acordo, o que significa que não pode ser considerado provado que para a fixação do valor mensal da renda esteve o valor patrimonial locativo do estabelecimento antes de obras de remodelação, ou que este valor era de 72.000.000$00.
Assim, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto apresentada, alterando-se a redação deste facto para a já existente na sentença proferida na ação declaratória:
VII “As quantias ajustadas no contrato-promessa acabaram, no entanto, por prevalecer na prática, por acordo expresso entre Autor e Ré, tendo esta pago ao autor 300.000$00 por mês até dezembro de 1994 e 400.000$00 a partir de Janeiro de 1995 (L)”.
Em consequência, resulta não provado quer que o valor locativo do estabelecimento antes das obras de remodelação era de 72.000.000$00 quer que foi este valor que determinou o valor mensal da renda do estabelecimento, facto que deverá ser aditado à matéria de facto não provada, com a seguinte redação:
Não se provou que:
“O valor locativo do estabelecimento antes das obras de remodelação era de 72.000.000$00 e que tenha sido este valor a determinar o valor mensal da renda do estabelecimento”.
Facto provado VIII: resulta também da sentença condenatória proferida na ação declarativa - cfr. o identificado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - que a ré se comprometeu a pagar a referida quantia de 16.000.000$00 (e não que a pagou efectivamente)- “A ré comprometeu-se a pagar aos promitentes cedentes 4.000.000$00 com a assinatura do contrato, 6.000.000$00 após obtenção de empréstimo bancário pela ré e 10.000.000$00 durante todo o ano de 1994, prazo que poderia alargar-se por mais seis meses se houvesse dificuldades financeiras (D)”, constando provado mais à frente que “A ré pagou ao Autor, até hoje, os 4.000.000$00 a que se obrigou, com a assinatura do contrato promessa; 2.000.000$00 dos 6.000.000$00 que se obrigou entregar com a obtenção do empréstimo bancário; e as quantias mensais de 300.000$00 até dezembro de 1994 e as quantias mensais de 400.000$00 até Setembro de 1997 (M).
Assim, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto apresentada, alterando-se a redação deste facto para a já existente na sentença proferida na ação declaratória:
VIII: “A ré pagou ao Autor, até hoje, os 4.000.000$00 a que se obrigou, com a assinatura do contrato promessa; 2.000.000$00 dos 6.000.000$00 que se obrigou entregar com a obtenção do empréstimo bancário; e as quantias mensais de 300.000$00 até dezembro de 1994 e as quantias mensais de 400.000$00 até Setembro de 1997 (M).
Em consequência, não tendo resultado provado o pagamento pela exequente da quantia de 16.000.00$00 como contrapartida pela exploração da concessão, deve este facto ser julgado não provado com a seguinte redação:
Não se provou que: “A exequente pagou ao executado a quantia de 16.000.000$00 como contrapartida pela concessão da exploração”.
Facto provado IX: resulta igualmente da sentença condenatória proferida na ação declarativa- cfr. o identificado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça- que:
“Aquando da entrega do restaurante à Ré o mesmo encontrava-se bastante degradado e tinha o livro de honra (6.º). - O mesmo tinha estado encerrado há mais de dois anos (2º). - A Ré solicitou um financiamento ao Fundo de Turismo (3º). - A Ré iniciou as obras de reparação do estabelecimento (4º). - Tendo procedido ao seu reequipamento (5º). - Tendo despendido com tudo cerca de 24 mil euros (6º). - Após o que iniciou a exploração do restaurante (7º).
Tal factualidade aponta no sentido de que este facto provado IX, súmula de todos os agora referidos, deve manter-se como provado.
Improcede a impugnação da matéria de facto nesta parte.
Facto provado X: para além de conclusivo- “além de dar ocupação e ordenado à exequente”, este facto não tem qualquer suporte documental, o único com potencialidade para o tribunal poder aferir o lucro de uma empresa. E abaixo referiremos que o denominado “documento/estimativa”, não valorado pela 1.º Instância, também o não será por este Tribunal de recurso.
Procede a impugnação da matéria de facto nesta parte devendo este facto considerar-se não provado, com a seguinte redação:
Não se provou que: “Além de dar ocupação e ordenado à exequente, a exploração do estabelecimento proporcionava lucros anuais”.
- Recurso apresentado pela exequente A… (conclusões 1 e 2)
Para apreciação desta matéria este Tribunal procedeu à análise crítica da prova documental junta aos autos, e referida pela recorrente nas suas alegações, e ouviu a prova pessoal produzida na audiência final.
4.2.2.2 – Os factos dados como não provados com os números I, II e III devem ser julgados como provados?
E a seguinte a redação dos factos não provados: “I. O goodwill era, no mínimo, de 2.000.000$00. II. Os prejuízos causados com a privação do estabelecimento desde 2003 são de 3.152.000,00€. III. Capitalizando esse valor para 2013 temos o valor global de prejuízos de 3.600.000,00€.
A recorrente/exequente entende que a prova documental conjugada com a prova testemunhal e com as regras da experiência comum, impõem julgamento diverso da aludida matéria de facto. Refere os depoimentos das testemunhas H…, P…, PC…, AF…, L…. Salienta que em 19 de março de 2022 (referência 31935604) foi junto o documento nº 1 anexo ao Requerimento apresentado- um documento estimativo do resultado líquido de exploração do restaurante “O …” entre 2003 e 2012 - subscrito por AF…, contabilista certificado (testemunha) e por L…, economista, (testemunha). Tal documento não foi impugnado nem na sua génese, nem no seu conteúdo pela parte contrária.
Alega que se o tribunal a quo considerou insuficiente a prova produzida, incumbia ao Tribunal complementar tal prova por indagação oficiosa, ordenando-se designadamente a produção da prova pericial determinada pelo artigo 380/4 do antigo CPC.
Propõe que estes factos sejam julgados provados com a seguinte redação: - O Goodwill era no mínimo 2.000.000,00€; - Os prejuízos causados com a privação do estabelecimento desde 2003 são de 3.152.000,00€. - O valor global dos prejuízos é de 3.600.000,00€.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão de facto, na parte impugnada pela recorrente, da forma que segue: “No que concerne à matéria de facto não provada, importa mencionar que algumas das testemunhas supra, ao serem inquiridas, expressaram a opinião de que o estabelecimento valia entre 4 a 6 milhões de euros. Contudo, tal opinião não se encontra fundamentada em qualquer estudo, parecer ou avaliação, sendo apenas a opinião das testemunhas. Foi o caso de P… para quem o estabelecimento valia entre 4 a 5 milhões de euros, de PC… que avaliou o estabelecimento entre 5 a 6 milhões de euros e de H… que afirmou que o estabelecimento valia mais de 4 milhões de euros. É certo que foi junto aos autos o documento de fls. 306v e seguintes, com o desiderato de se obter uma “estimativa do resultado líquido de exploração do restaurante “O …” entre 2003 e 2012”. Os autores de tal estimativa, L… e AF…, foram inquiridos em sede de audiência de julgamento, visando esclarecer o modelo financeiro subjacente à realização da estimativa, assumindo que os pressupostos do estudo assentaram em resultados líquidos obtidos em estabelecimentos similares à “Taverna do …” entre 2003 e 2013. Todavia, elucidaram que tais resultados líquidos foram fornecidos pela exequente, que os terá obtido junto de outros estabelecimentos, sem, no entanto, referir quais os estabelecimentos em concreto que forneceram tais dados, e sem que se tenham apresentado quaisquer elementos contabilísticos que comprovassem os resultados. Assim sendo, o Tribunal não valorou tal meio de prova, atentos os pressupostos em que o mesmo foi elaborado. Não foi produzido qualquer outro meio de prova”.
Analisemos a prova junta aos autos.
Comecemos pela prova testemunhal: as testemunhas inquiridas- duas delas subscritoras do documento de fls. 306 e segs.- emitem a sua opinião sobre o valor do estabelecimento “A Taverna do …”, seja por identidade com o seu próprio estabelecimento (a testemunha P...), seja com estabelecimentos similares. Situam o valor entre os quatro e os seis milhões de euros. Dados concretos relativos à “Taverna do …”, baseado em elementos contabilísticos e fiscais, nenhuma delas apresentou. E, tal como refere o tribunal a quo, as conclusões do documento junto aos autos que visava obter uma estimativa do resultado líquido de exploração do restaurante entre 2003 e 2012 assentam em elementos fornecidos pela exequente (o tribunal desconhece quais foram estes elementos) e obtidos em estabelecimentos similares à “Taverna do …” nos anos referidos. Ou seja, parece que entrámos aqui num círculo em que tudo vai dar à…. exequente. E não se alegue, como o faz a exequente, que o tribunal considera a exequente suspeita ou as testemunhas incompetentes ou suspeita da sua imparcialidade.
Não entremos por aí. A questão coloca-se a outro nível. A valoração da prova testemunhal e da prova documental e a concatenação e complementariedade que entre as duas deve existir para que determinado facto possa ser considerado provado.
Sustenta a recorrente que o documento/estimativa não foi impugnado pelo executado.
É correcta esta afirmação.
É certo que tal documento não foi objecto de impugnação após a sua junção; mas não é menos certo que o seu conteúdo foi antecipadamente impugnado na oposição ao incidente, no qual o executado refuta o valor indicado pela exequente a título de reparação pelo prejuízo causado pela falta de entrega do estabelecimento comercial, aí referindo nos artigos 45 e 46:“Indicando para efeitos desse cálculo um quadro com o alegado lucro médio obtido por estabelecimentos comerciais do mesmo ramo durante o período em que alegadamente se viu “desapossada” ilicitamente do estabelecimento em causa, bem como um valor actualizado à data presente, sem lograr explicitar de que forma foi feita em concreto essa actualização, e como foram sendo aplicadas as taxas de inflação ao abrigo do disposto no artigo 551º do Cód. Civil” e “E sem referir sequer, do mesmo modo, quem elaborou o estudo comparativo apresentado, quais os critérios e quais os “objectos” utilizados nessa análise, desconhecendo o executado por completo como foram apurados os valores apresentados”.
Pretender extrair da falta de impugnação expressa do documento após a sua apresentação um efeito confessório do seu conteúdo revela-se incompatível com a defesa deduzida pelo executado no seu conjunto - satisfação oportuna do ónus da impugnação especificada (artigo 490º nº 1 do CPC), valendo assim aquele como simples prova livre, como tal tendo de ser apreciada pelo tribunal - conf., neste sentido, o Ac do STJ de 9-11-00.
Isto para dizer que este documento/estimativa constitui um elemento de prova que, conjugado com os demais, poderia levar a dar como não provados os factos em apreciação, juízo com o qual se concorda, pois, a prova testemunhal não foi segura e a prova documental tem por base elementos fornecidos pela exequente.
De resto, “e conforme jurisprudência corrente, a eficácia/força probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações que não à exactidão ou verosimilhança das mesmas. Tais declarações só vinculam, porém, o seu autor se forem verdadeiras. Deste modo, ainda que hipoteticamente este documento possuísse declarações cuja exactidão das mesmas fosse inquestionável, só por si não constituía uma prova plena, mas antes mais um elemento coadjuvante a considerar para fins probatórios” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de abril de 2002, disponível em www.dgsi.pt).
Mas a insuficiência da prova produzida não pode conduzir à manutenção, sem mais, de tais factos como não provados, mas antes à produção de outras provas, mormente a pericial, atento o disposto no artigo 380/4 do CPC de 1961.
E com esta asserção entramos na segunda questão suscitada pela recorrente exequente, porque com ela intimamente conectada.
Apreciada as impugnações da matéria de facto, ordenemos a matéria de facto que resulta da referida decisão (os pontos alterados estarão a bold para mais fácil compreensão): I. Nos autos de oposição à execução que constituem o apenso A, foi proferida sentença em 01.09.2021, já transitada em julgado, e que deu como provada a seguinte factualidade: 1) A sentença judicial que serve de título executivo à presente execução, ordenou a restituição imediata do restaurante típico “A Taverna do …”, sito no …, em Lisboa, pelo primitivo executado à primitiva exequente. 2) A exploração do restaurante “Taverna do …” havia sido cedida pelo executado à exequente em 1993. 3) Dado o incumprimento do contrato, por parte da exequente, o executado intentou acção – que ganhou na 1ª e 2ª instâncias, tendo sido vencido no STJ – para pagamento das quantias em dívida ou, em alternativa, devolução do local. 4) Ao recurso interposto para o STJ foi atribuído efeito meramente devolutivo, pelo que o executado poderia retomar a posse do restaurante “Taverna do …”, o que, no entanto, nunca aconteceu. 5) Com efeito, seria necessário fazer obras de vulto, dado o estado de degradação em que o restaurante se encontrava. 6) Em virtude do acórdão do STJ, o processo baixou à 1ª instância, que ordenou a devolução do local à exequente. 7) Quando o Executado tentou entrar no referido estabelecimento, tendo- se deslocado ao local do mesmo acompanhado de um oficial de justiça e de um agente da PSP, verificou que, por detrás da porta da rua, se encontrava um muro de tijolo, que impedia a entrada no estabelecimento. 8) A parede que foi construída estava quase justaposta à porta do estabelecimento, sendo impossível ultrapassá-la. 9) A Câmara Municipal de Lisboa tomou posse administrativa do referido estabelecimento em 2004 e toda a zona em que se situa o estabelecimento ficou interdita, pelos perigos inerentes para os que ali viviam e trabalhavam. 10) Em virtude da toma de posse administrativa pela Câmara Municipal de Lisboa, para a realização de obras, em substituição da senhoria, o executado pagou durante alguns meses € 50,00 mensais, mediante depósito na Caixa Geral de Depósitos. 11) O Restaurante “Taverna do …” tinha como suporte de local dois contratos de arrendamento, nos quais era Senhoria a Senhora D. M…. 12) Um contrato em nome duma empresa chamada “T…, LDA.”, (sociedade dissolvida em …/…/1997) de que o Executado era titular único do capital social, abrangia uma parte da instalação, onde funcionava a cozinha do restaurante. 13) Um outro contrato em nome de B…, abrangia outra parte das instalações, nomeadamente o salão de refeições. 14) Relativamente à parte das instalações tituladas por contrato de arrendamento em nome da inquilina “T…, Lda.”, instaurou a Senhoria uma acção de despejo que, sob o nº …/97, correu seus termos pela …ª Secção da …ª Vara Cível de Lisboa, na qual foi declarado resolvido o contrato de arrendamento e condenada a Ré a despejar o arrendado. 15) Relativamente à outra parte instaurou a Senhoria contra B… uma outra acção de despejo que correu seus termos sob o nº …/… pela …ª Secção da …ª Vara Cível de Lisboa. 16) Em 24 de Junho de 2003 foi executado o mandato da acção de despejo. 17) Em consequência disso, a Exequente inicial “A…, LDA.,” foi obrigada a entregar essa parte do estabelecimento ao Oficial de Justiça do Serviço Externo o qual por sua vez a entregou à Senhoria, que tomou as medidas práticas de defesa da posse que entendeu. 18) Em 8 de Outubro de 2003, compareceu outro Oficial de Justiça do Serviço Externo munido de mandato dos autos de Execução nº …. /2000 da …ª Secção da …ª Vara Cível em que era Exequente B… e em que se executou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de …/…/2003, que estava em recurso de revista, mas com efeito meramente devolutivo. 19) A exequente inicial A…, Lda., só pode entregar a parte que ainda estava na sua posse e que era a parte cujo titular do arrendamento era B…. 20) A outra parte já havia sido entregue à Senhoria em 24/06/2003, que tomou as medidas que considerou adequadas à protecção da posse dessa parte então entregue. 21) Logo após 24/06/2003 com a entrega de meio estabelecimento à Senhoria, a sociedade A…, LDA., cessou a sua actividade por lhe ser impossível trabalhar uma parte do espaço faltando a outra parte, a cozinha. II. Os autos de oposição à execução foram julgados procedentes e, em consequência, declarou-se a impossibilidade física da entrega do estabelecimento comercial denominado “A Taverna do …”, sito no …, em Lisboa, sem prejuízo do disposto no art.º 931.º do Código de Processo Civil. III. O estabelecimento de restaurante “Taverna do …” era um restaurante de luxo com espectáculos de fado ao jantar. IV. Aí cantavam fadistas como: Vicente da Câmara, Amália Rodrigues, Celeste Rodrigues, Beatriz da Conceição, João Ferreira Rosa, João Braga, Teresa Tarouca, Teresa Silva Carvalho, António Melo Correia, Mercedes da Cunha Rego, Teresa Siqueira, Teresa de Noronha, Maria da Fé, Miguel Sanches, Maria Amélia Proença, Alcindo de Carvalho, Cidália Moreira, Camané, Mafalda Arnaulth, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix, Hélder Moutinho e, por outro lado, foi aí que …, … da Exequente, deu os primeiros passos na carreira. V. Ali actuavam músicos de renome, tais como Fontes Rocha, Paquito, José Luís Nobre Costa, Ricardo Rocha, Jaime Santos Pedro Veiga, Raul Silva, entre outros. VI. A sua clientela era essencialmente da classe média/alta e turistas estrangeiros.
VII “As quantias ajustadas no contrato-promessa acabaram no entanto por prevalecer na prática, por acordo expresso entre Autor e Ré, tendo esta pago ao autor 300.000$00 por mês até dezembro de 21004 e 400.000$00 a partir de Janeiro de 1995 (L)”.
VIII: “A ré pagou ao Autor, até hoje, os 4.000.000$00 a que se obrigou, com a assinatura do contrato promessa; 2.000.000$00 dos 6.000.000$00 que se obrigou entregar com a obtenção do empréstimo bancário; e as quantias mensais de 300.000$00 até dezembro de 1994 e as quantias mensais de 400.000$00 até Setembro de 1997 (M). IX. Quando recebeu a exploração do estabelecimento nele foi investida ainda a quantia de 24.000.000$00, em equipamentos e obras de restauro. X. Eliminado. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram os seguintes factos a) Além de dar ocupação e ordenado à exequente, a exploração do estabelecimento proporcionava lucros anuais”. b) “O valor locativo do estabelecimento antes das obras de remodelação era de 72.000.000$00 e que tenha sido este valor a determinar o valor mensal da renda do estabelecimento”. c) “A exequente pagou ao executado a quantia de 16.000.000$00 como contrapartida pela concessão da exploração”.
- O dever de investigação oficiosa do juiz no incidente de liquidação
Em sede de impugnação da matéria de facto, alega ainda a recorrente exequente que o Tribunal a quo, a ter considerado insuficiente a prova produzida deveria ter complementado tal prova por indagação oficiosa, ordenando designadamente a produção de prova pericial nos termos do artigo 380/4 do CPC.
Apreciemos.
Dispõe este artigo 380/4 do antigo CPC (que corresponde ao atual artigo 360/4 do CPC) que: “4. Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la por indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.
Tal como escrevem Abrantes Geraldes e Outros, in CPC Anotado, I, Almedina, 2018, p. 416 e 417, «(…) o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação. Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo».
Ainda o STJ, no acórdão de 16.12.2021, in www.dgsi.pt, entendeu que «II. A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o. III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo. IV. Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo».
“Daí que, de acordo com o disposto no atual artigo 360/4 do CPC, o juiz deva completar oficiosamente a prova produzida pelos litigantes, quando esta se revelar insuficiente, determinando, nomeadamente, a realização de prova pericial, se esta for viável (cfr., ainda, art.º 411.º do CPC). E, se mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida for insuficiente para fixar a quantia devida, o juiz deverá proceder à sua fixação recorrendo, em última ratio, à equidade (art.º 566.º, n.º 3 do CC)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de dezembro de 2023, relator Rui Oliveira).
Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, I, Almedina, 2021, p. 711, «sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411º, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do artigo 477º. Como último recurso, o juizfixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil».
O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que no incidente de liquidação, o requerente não está onerado com qualquer ónus de prova (embora lhe incumba levar ao processo todos os elementos relevantes na quantificação dos danos), incumbindo ao juiz, oficiosamente, completar as provas oferecidas pelos litigantes (artigo 360.º, n.º 4, do CPC) (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 09.01.2019, in www.dgsi.pt).
Tem razão a recorrente exequente.
No caso em apreço, e perante os diversos valores referidos pelas testemunhas, as dúvidas suscitadas ao juiz a quo relativamente ao valor probatório do documento (estimativa) cujos resultados assentam em elementos fornecidos pela exequente- e que se desconhece quais são em concreto-, cabia ao juiz de 1.ª instância, ao abrigo do princípio do inquisitório e do disposto no artigo 360/4 do CPC providenciar pela realização de diligências de prova que lhe permitissem o dissipar das dúvidas relativamente à factualidade que optou por dar como não provada. Não está ainda esgotada a possibilidade de determinar, com a maior precisão possível, os valores em causa, através da produção de novos meios de prova (mormente, pericial). E produzida a prova caberá ao tribunal a quo prolatar nova sentença (que, no limite, decida, com base na equidade).
O que não pode suceder é o juiz julgar improcedente, sem mais, o incidente de liquidação.
Procede, nesta parte, o recurso interposto, devendo a sentença recorrida ser anulada e os autos prosseguir na 1.ª instância com a produção de novos meios (mormente, pericial) sobre os factos dos pontos I, II e III que a sentença considerou não provados, culminando com a prolação de nova sentença que, no limite, decida com base na equidade.
Mantém-se a parte da decisão da matéria de facto não viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.
Ficam prejudicadas todas as demais questões constantes do recurso interposto pela exequente assim como a apreciação do recurso interposto pela executada habilitada.
Com o mesmo fundamento, nada se decide na sequência da já reconhecida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
V. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
a) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela executada, no que respeita à impugnação da matéria de facto, alterando-a em conformidade com o exposto no ponto 4.2.2.1.
b) em julgar o recurso de apelação interposto pela exequente parcialmente procedente nos seguintes termos:
a) anular a decisão proferida em 1.ª instância e ordenar que os autos prossigam no tribunal recorrido com a produção de novos meios de prova (mormente, pericial) sobre os factos dos pontos I, II e III que a sentença considerou não provados, e com a prolação de nova sentença que, no limite, decida com base na equidade, devendo tal sentença ser elaborada pelo senhor juiz que elaborou a sentença ora anulada, mantendo-se a parte da decisão da matéria de facto não viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.
Custas pela(s) parte(s) vencida(s) a final.
Escrito e revisto pela Relatora.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2025
Maria Teresa Lopes Catrola
Maria Carlos Calheiros
Rui Manuel Oliveira