Nos termos do disposto no art. 152º nº 5 do CP, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Importa conjugar tal preceito legal com o disposto nos art.s 35º e 36º do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, que prescreve, em termos semelhantes aos da norma do Código Penal:
Quer isto dizer que o recurso aos meios técnicos de controlo à distância da pena acessória depende da verificação de dois requisitos: (i) o juízo de imprescindibilidade da medida para a protecção da vítima; (ii) a obtenção do consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas na norma, a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles [meios técnicos] se torna indispensável/imprescindível para a protecção dos direitos da vítima (cf. a propósito, o acórdão da Relação de Guimarães, de 21-09-2015, processo 572/14.2GBCL.G1).
A utilização de meios de vigilância eletrónica no cumprimento da medida de vigilância controlada depende, assim, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas, também, da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima, e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
A anuência das pessoas afectadas com a restrição da liberdade pode ser suprida se o tribunal, em decisão fundamentada, concluir que, na situação concreta, e perante a ponderação dos valores e direitos em conflito, a aplicação de meios técnicos de controlo à distância constitui uma medida indispensável para a proteção dos direitos da vítima.
- Um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b) e nº 2, al. a) do Código Penal;
- Um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do C. Penal (na pessoa de BB);
- Um crime de ameaças agravadas, p. e p. pelo art. 153º, e 155º, nº 1, al a), do C. Penal (na pessoa de BB).
Realizado o julgado, foi proferida decisão, nos termos da qual se fez constar no respectivo dispositivo final:
“a) Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artº 143º, nº 1, do CP;
b) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º, nº 1 e 155.º, n.º 1 alínea a), do CP, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de oito euros, no total de mil e duzentos euros;
c) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelos art.ºs 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CP, na pena de TRÊS ANOS E SEIS MESES de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, no qual se inclua a frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;
d) Condenar o arguido AA, na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, sem prejuízo dos necessários contactos relativos à filha do casal, mediante intermédio de terceiros;
e) Condenar o arguido AA, a pagar a CC a quantia de €2500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento (art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16.09);
f) Condenar o arguido AA, no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s – art.º 513.º do CPP e art.º 8.º, n.º 9 do RCP.”
*
2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1- O recurso é interposto da Douta Sentença proferida na parte em que o Tribunal “a quo” condenou o recorrente, pela prática de 1 crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) CP, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €8,00, no total de €1.200,00; 1 crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, no qual se inclua a frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica; na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de 18 meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, sem prejuízo dos necessários contactos relativos à filha do casal, mediante intermédio de terceiros; e ainda a pagar a CC a quantia de € 2.500,00, nos termos do art. 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09.
2- Defende o recorrente, que em face do Direito aplicável, bem como da factualidade apurada em sede de julgamento, e no que se refere a estas condenações, outra deveria ter sido a decisão, motivo pelo qual apresenta o presente recurso, que tem por objeto toda a matéria de facto, bem como a matéria de direito, constante da Douta Sentença aqui recorrida.
3- No que se refere ao crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) CP, pelo qual foi condenado o recorrente, considera este que da prova produzida, não resultou provado, sem margem para dúvidas, que este tenha proferido tais ameaças.
4- Considera o recorrente, nos termos do art. 412º, nº 3 CPP, que o Tribunal “a quo” julgou incorretamente os factos identificados com os números 27, 28, 29 e 34 dos factos provados, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova que permita considerar, sem margem para dúvidas, a prática dos mesmos pelo arguido.
5- Consta da motivação da decisão de facto da Douta Sentença ora recorrida, que o arguido negou a prática dos factos de que vinha acusado, mas não consta qualquer referência a estes factos e o que determinou a convicção do Tribunal “a quo”, pelo que se desconhece como fundou o mesmo a sua convicção quanto à prática deste crime pelo recorrente.
6- Da Douta Sentença consta apenas na fundamentação de direito que a conduta do arguido é subsumível à previsão normativa e que tinha consciência de que as suas palavras eram adequadas a causar sentimento de insegurança e mesmo assim não se coibiu de agir como agiu, de forma livre, deliberada e consciente, no entanto, não refere quais os meios de prova que fundamentaram a inclusão dos pontos 27, 28, 29 e 34 nos factos provados.
7- Atenta a prova junta aos autos e produzida em audiência, entende-se existirem, no mínimo, dúvidas sérias quanto ao vertido nos pontos 27, 28, 29 e 34 dos factos provados, e mais que não fosse pela aplicação do princípio do in dubio pro reo, deveriam os mesmos ter sido dados como não provados e o arguido ser absolvido do crime de ameaça agravada de que lhe era imputado.
8- Não foi referida qualquer prova bastante que contrariasse a versão do arguido, nomeadamente, que tenha proferido tais ameaças, pelo que, entende-se, que não poderiam ter sido dados como provados os pontos 27, 28, 29 e 34 dos factos provados, por ausência de prova quanto aos mesmos, pelo que se impugna a sua inclusão nos factos provados.
9- Nos termos dos arts. 410º, nº2, al. a) e c) e 412º, nº3, al. a) CPP, salvo melhor entendimento, mostram-se incorretamente julgados os pontos de factos 27, 28, 29 e 34 dos factos provados, os quais foram dados como provados e deverão ser dados como não provados.
10- As declarações do arguido e a restante prova produzida em julgamento, ou a sua ausência, salvo melhor entendimento, impõem uma decisão diversa da decisão recorrida, na parte em que condenou o arguido pelo crime de ameaça agravada, a qual deverá ser parcialmente revogada.
11- Nestes termos, salvo melhor entendimento, terá o Tribunal “a quo”, na parte em que condenou o arguido pelo crime de ameaça agravada, violado o disposto no arts. 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a) CP, arts. 127º, 410º, nº2, al. a) e c) CPP e arts. 18º e 32º, nº2 CRP.
12 - As declarações do arguido são um meio de prova com cabimento legal, podendo o julgador dar maior ou menor crédito às mesmas, mas não poderá é dar como provado o contrário do que foi dito pelo mesmo, se nada for produzido em contradição com tais declarações.
13- O que verificou-se no caso sub judice, pois não consta da fundamentação da motivação de facto da Douta Sentença qualquer circunstância que viesse contradizer aquilo que foi dito pelo recorrente, nomeadamente que em 14.06.2023 ameaçou de morte, designadamente BB, da forma como lhe era imputado na acusação e como foi dado como provado.
14- Entende o recorrente que, tendo em conta a prova produzida, este deveria ter sido também absolvido do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a) CP, e ao não ter assim sido decidido, considera-se haver erro notório na apreciação da prova, nesta parte, gerador de nulidade que se invoca para todos os efeitos legais, violando a Douta Sentença o disposto no art. 410º, nº2, al. c) do CPP.
15- Todavia, mesmo no caso de condenação do recorrente pelo crime de ameaça agravada, o que não se concorda, conforme supra referido, considera-se que a pena de multa aplicada é excessiva tendo em conta a moldura penal do crime em causa e as circunstâncias do caso em apreço.
16- As concretas circunstâncias da prática do crime, os factos referentes à conduta anterior e posterior à prática dos factos pelo arguido, a sua personalidade, a sua integração social, as suas condições pessoais, sociais e familiares, são fatores que deverão pender a favor do arguido.
17- Ao condenar o recorrente na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €8,00, entende-se que o Tribunal “a quo” violou, por conseguinte, o disposto no art. 71º do CP, revelando-se a pena aplicada demasiado severa e superior à medida da culpa, atenta a factualidade provada, bem como a fundamentação da Douta decisão.
18- Considera o recorrente que na determinação da medida da pena não foram consideradas, totalmente, entre outras circunstâncias, a ausência de antecedentes criminais por crimes contra pessoas, as suas condições pessoais, a sua modesta situação económica e familiar (ponto 36 dos factos provados), e que a sua conduta é de molde a presumir um juízo de prognose favorável no plano de prevenção especial, devendo, assim, o mesmo ser merecedor de decisão mais favorável.
19- No caso em concreto, atento o teor do disposto nos art. 40º, 70º e 71º CP, e considerando-se as suas condições pessoais, parece-nos que a condenação do recorrente numa pena de multa mais próxima do limite mínimo legal (que é de 10 dias) e pelo quantitativo diário de € 5,00, mostra-se suficiente para garantir que este não voltará a reincidir e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades da prevenção, quer especial, quer geral do caso sub judice.
20- Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal “a quo”, salvo melhor entendimento, terá decidido em erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 410º, nº1 e 2, al. c) CPP e violado o disposto nos arts. 40º, 70º e 71º CP e o art. 127º CPP.
21- Refere a Douta Sentença que as exigências de prevenção são elevadas, mas, no entanto, tem em especial consideração a circunstância do arguido não apresentar antecedentes criminais por crimes contra pessoas, bem como facto de se encontrar inserido profissional e socialmente.
22- Mesmo estando em causa no crime de violência doméstica a aplicação de uma pena de prisão, não se apuraram as condições pessoais do arguido, para além das declarações deste, não tendo sido realizado o relatório social do arguido.
23- Contudo, mesmo sem a realização do relatório social, que seria um elemento essencial para a determinação da sanção a aplicar, face aos elementos constantes dos autos, outra deveria ter sido a decisão, na qual tivesse sido considerado inteiramente todas as circunstâncias que depunham a favor do arguido, e, consequentemente, tivesse sido aplicada uma pena de prisão mais próxima do limite mínimo, sempre suspensa na sua execução.
24- Neste propósito, considerando as circunstâncias do caso concreto, os factos provados, o contexto em que os mesmos terão ocorrido e a circunstância de que o casal está separado desde Junho de 2023, não existido qualquer contacto entre ambos, nem o registo de quaisquer outros incidentes, entende-se que as necessidades de prevenção geral e especial são diminutas.
25- Deverá ainda considerar-se as condições pessoais do arguido, que é uma pessoa perfeitamente integrada pessoal, social e profissionalmente (ponto 36 dos factos dados provados) e que do seu registo criminal não constam crimes contra pessoas.
26- Salvo melhor opinião, entende o recorrente que, tendo em conta todos os fundamentos supra, deveria o Tribunal “a quo” ter concluído que a aplicação de uma pena de prisão mais próxima do mínimo legal – que é de 2 anos - e suspensa na sua execução, garantiria de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial no caso sub judice.
27- Na condenação do arguido em 3 anos e 6 meses de prisão, ainda que suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, no qual se inclua a frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, salvo o devido respeito, terão pesado mais os fatores da prevenção geral, do que, propriamente, os fatores de prevenção especial.
28- Concluindo o Tribunal “a quo” pela condenação do arguido pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. b) e nº2, al. a) CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, ainda que suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, entende o recorrente que na determinação da medida da pena o Tribunal “a quo” não considerou, inteiramente, entre outras, a ausência de antecedentes criminais por crimes contra pessoas, o tempo entretanto decorrido, a relação entre ambos estar pacificada, as suas condições pessoais, familiares, económicas e sociais.
29- Salvo o devido respeito, entende-se que a pena aplicada é excessiva tendo em conta a moldura penal do crime e as circunstâncias do caso em apreço e superior à medida da culpa.
30- Quanto ao crime de violência doméstica, e considerando-se as suas condições pessoais, parece-nos que a condenação do recorrente numa pena de prisão pelo limite mínimo legal, de 2 anos, e sempre suspensa na sua execução, por igual período, sujeita ao cumprimento de um regime de prova assente num plano de reinserção social, seria suficiente para garantir que este não voltará a reincidir e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial do caso sub judice, cfr. arts. 40º, 50º, 51º, 70º, 71º e 73º CP.
31- Considera o recorrente que face á prova produzida, outra deveria ter sido a decisão que fosse menos gravosa e sempre suspensa na sua execução e, nestes termos, salvo o devido respeito, terá assim o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40º, 50º, 51º, 70º e 71º CP e o art. 127º CPP.
32- O recorrente não se conforma com a condenação na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de 18 meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, sem prejuízo dos necessários contactos relativos à filha do casal, mediante intermédio de terceiros.
33- A utilização dos meios técnicos de controlo à distância, sendo uma medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afetados, não é, por conseguinte, automática, não decorre obrigatoriamente da aplicação da pena acessória, estando dependente da sua imprescindibilidade em face das necessidades de proteção da vítima.
34- A Douta Sentença recorrida não explicita as razões concretas pelas quais entende que a proteção da vítima exige que o controlo seja feito por meios técnicos, limitando-se a referir que a falta de autocensura demonstrada pelo arguido em julgamento, assim como a revolta demonstrada pela cessação do vínculo que o unia com a vítima, justifica aplicar ao arguido a referida pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância.
35- No entender do recorrente, tal não basta para se concluir que é imprescindível para a proteção da vítima o controlo à distância por meios técnicos.
36- Dada a factualidade e demais circunstâncias provadas, a execução da pena acessória aplicada é excessiva, designadamente a imposição de fiscalização por meios de controlo à distância.
37- Das declarações do recorrente e da ofendida, pode-se concluir que desde os factos em causa, e já se passaram mais de 17 meses, não existiu qualquer outro episódio entre ambos, e sem que se tenha verificado, ao que se sabe, o mínimo indício de violência por parte do recorrente.
38- Acresce ainda que ambos têm uma filha menor em comum, e mostra-se por vezes necessário que os mesmos se encontrem, nomeadamente, para as visitas da menor ao pai, eventuais deslocações ao tribunal ou à escola da menor para as diversas atividades da mesma.
39- Faz ainda menos sentido a aplicação desta pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de 18 meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, quando em sede de inquérito, não foi aplicada qualquer medida de coação para além do TIR.
40- Se no período de tempo a seguir aos factos denunciados, em que o término da relação era muito recente, e que poderia entender-se existir uma maior revolta ou inconformismo quanto ao fim da relação, bem como o conhecimento da existência destes autos, não se justificou, nem se entendeu por necessária, a aplicação de qualquer outra medida de coação para além do TIR, muito menos se justificará atualmente, tendo já decorrido mais de 17 meses, sem que se tenha verificado qualquer episódio entre ambos e sem que exista conhecimento de quaisquer factos que indiciem um comportamento agressivo ou criminoso por parte do arguido para com a vítima.
41- Ao que acresce que o arguido encontra-se inserido social e profissionalmente e já tem a sua vida amorosa refeita, vivendo atualmente em ….
42- Considera-se que não se mostra verificado nos presentes autos o necessário juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos de controlo à distância para a proteção da vítima, tal como não se mostra justificada a aplicação de tal pena acessória, não constando da Douta Sentença referência às necessidades de prevenção especial relativamente ao arguido que justifiquem a sua aplicação e inexistindo a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação quer da referida pena acessória, quer da aplicação dos meios eletrónicos, os quais devem constar da própria sentença.
43- Na ausência dessa fundamentação, elaborada em termos suficientes e cabais, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.
44- Ao subordinar a aplicação de tal pena acessória a razões de prevenção e proteção da vítima, sem que as mesmas se mostrem discutidas e devidamente analisadas no texto da sentença condenatória, mostra-se a aplicação de tal pena acessória totalmente desproporcional, injusta e desenformada dos critérios que regulam a sua fixação, violando, assim, o disposto nos arts. 40º, 70º e 71º CP, e, por isso, entende-se que a Douta Sentença deve ser revogada nessa parte.
45- Constata-se ainda que não foi levada a cabo pelo Douto Tribunal “a quo” qualquer diligência para obtenção do consentimento do arguido e da vítima, relativamente à fiscalização da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, mediante meios técnicos de controlo à distância, conforme o exige o art. 36º, nº1, 3, 4 e 5 da Lei 112/2009, de 16/09.
46- Conclui-se, portanto, pela ausência de consentimento para a fiscalização por recurso a meios técnicos de controlo á distância, quer por parte do arguido, quer por parte da vítima, ou sequer que tenha sido proferida decisão de dispensa do consentimento por parte do Tribunal “a quo”, mediante decisão fundamentada.
47- Face ao supra exposto, salvo o devido respeito, terá assim o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40º, 70º e 71º CP e art. 36º, nº1, 3, 4 e 5 da Lei 112/2009, de 16/09.
48- Considera-se, salvo melhor opinião, que mesmo que se entenda por manter-se a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, não deve, no entanto, manter-se a imposição ao arguido dos meios eletrónicos para fiscalização do cumprimento da pena acessória.
49- Tendo em consideração as exigências de prevenção geral e especial de socialização, entende-se adequada e proporcionada a não condenação do arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, mas, caso assim não se entenda, e mantendo-se a pena acessória, que a sua execução não seja com o recurso a meios técnicos de controlo à distância.
50- Destarte, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada na parte em que determinou a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, e ser substituída por outra em que se determine a não aplicação da referida pena acessória ou, caso assim não se entenda, que não haja recurso a meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da referida pena acessória.
51- Concluindo o Douto Tribunal “a quo” pela condenação do recorrente pelo crime de violência doméstica, ainda assim, entende-se que o mesmo deveria ter sido merecedor de decisão mais favorável no que se refere à indemnização a pagar a CC.
52- O montante fixado em sede de indemnização à vítima, nos termos art. 21º, nº2 da Lei 112/2009, de 16.09, a título de danos não patrimoniais, não é sincrónico nem com os danos alegadamente sofridos, nem com a prova que foi produzida em sede de julgamento, nem quanto à situação económica do recorrente, que consta do ponto 36 dos factos dados como provados.
53- Ponderadas todas as circunstâncias, os factos dados como provados e as suas consequências, a inexistência de particulares exigências de proteção da ofendida e considerando as condições económicas do recorrente dadas como provadas, afigura-se ser adequado arbitrar à ofendida uma quantia que não ultrapasse os € 500,00.
54- E, ao não ter entendido assim, violou o Tribunal “a quo”, nesta parte, o disposto nos art. 152º, nº1, al. b) e nº2, al. a) CP, o art. 127º CPP e art. 18º e 32º, nº2 CRP, e ainda o disposto nos arts. 483º, 494º, 496º e 562º CC e art. 21º, nº2 da Lei 112/2009, de 16.09..”
*
3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando no sentido da não procedência do mesmo [não apresentou conclusões].
*
4. Subidos os autos a este tribunal, nele a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, nos termos do qual, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público, em 1ª instância, e os argumentos por este suscitados, sustentou que o recurso interposto não deverá obter provimento, por não merecer reparo a decisão recorrida.
*
5. A este parecer respondeu o arguido, dando por integralmente reproduzidas as considerações explanadas na motivação e conclusões do recurso, oportunamente apresentadas, concluindo, como aí, pela procedência do recurso.
*
6. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.
*
7. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:
- Nulidade de sentença, nos termos do disposto no art. 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal;
- Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410°, n°2, alínea a), do Código de Processo Penal
- Vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410°, n°2, alínea c), do Código de Processo Penal;
- Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, nos termos do art. 412º nº 3 e 4 do Código de Processo Penal (pontos provados sob os nº 27, 28, 29 e 34);
- Violação princípio “in dubio pro reo”;
- Da absolvição pelo crime de ameaça agravada;
- Da medida da pena de multa pelo crime de ameaça agravada;
- Da medida da pena de prisão pelo crime de violência doméstica;
- Da revogação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima ou, caso assim não se entenda, que a sua execução não seja feita com o recurso a meios técnicos de controlo à distância;
- Da redução do montante arbitrado à ofendida a título de indemnização, nos termos do art. 21º nº 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro.
*
8. Observemos o que consta da decisão recorrida, quanto à factualidade provada e não provada e sua fundamentação:
“a)Factos provados
Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. O arguido AA manteve um relacionamento de cariz análogo ao dos cônjuges com CC, que se iniciou em data não concretamente apurada do ano de 2015/2016.
2. Desse relacionamento nasceu uma menina, DD, no dia … 2020.
3. Após o verão de 2022, o casal residiu numa habitação sita em …, até ao dia 10 junho de 2023, data em que se separaram.
4. No dia 02.07.2022, arguido e CC foram até à residência de um casal amigo, sita em ….
5. Após, arguido, CC e os ditos amigos foram dar um passeio, sendo que no regresso a … efectuaram uma paragem para ver uma ribeira.
6. Nessa altura, CC saiu da viatura automóvel, levando consigo a chave do carro.
7. Decorrido algum tempo, o arguido, que ficou no interior da viatura, começou a buzinar.
8. Nessa sequência, CC aproximou-se da viatura automóvel, e espreitou pela janela do lado do condutor, altura em que o arguido lhe desferiu, com a mão direita, uma chapada na cara, enquanto a chamava de “vaca”.
9. CC, então, afastou-se do local.
10. Após, o arguido saiu da viatura e desferiu um pontapé na porta de trás, lado do condutor, do carro de CC, provocando uma amolgadela.
11. De seguida, CC e arguido entraram na viatura, tendo o segundo iniciado a condução, após o que desferiu com o braço direito uma chapada na primeira, atingindo-a na cara.
12. Mercê da conduta do arguido, CC sentiu dores nas zonas corporais atingidas, contudo não teve necessidade de tratamento médico.
13. No dia 10 de junho de 2023, CC e arguido combinaram ir a uma festa em ….
14. Pelas 22:00 horas desse dia, CC foi ter com o arguido ao moto clube de … e depois iniciaram ambos o trajecto para ….
15. Quando passavam junto ao Café …, sito na EN…, no …, o arguido perguntou a CC porque estava armada em parva, ao que esta disse que queria regressar a casa.
16. Quando passavam junto ao estabelecimento comercial …, sito na Estrada Municipal …, na …, o arguido retirou a chave da ignição do carro, desligando a viatura.
17. Após, o arguido desferiu uma chapada na cara de CC.
18. Mercê da conduta do arguido, CC sentiu dores na zona corporal atingida, mas não necessitou de tratamento médico.
19. No dia 03.07.2022, pelas 01:30 horas, CC e o arguido circulavam na via pública no interior do veículo automóvel, efectuando o percurso …-…, quando se iniciou uma discussão entre ambos.
20. Nessa altura, e com receio do que o arguido lhe pudesse fazer, CC parou o carro e saiu para pedir ajuda.
21. O arguido e a filha encontraram-se, com regularidade de duas ou três vezes por semana, até final do mês de junho de 2023, sendo que CC levava a criança para se encontrar com o pai, ora arguido.
22. No decorrer de todos esses encontros, o arguido disse, pelo menos uma vez, a CC "se me proibires de ver a menina eu mato-te".
23. Nos últimos meses daquele relacionamento, CC e o arguido discutiam sistematicamente, e no decorrer dessas discussões, também no interior da habitação do casal, o arguido dizia a CC que aquela mantinha relações íntimas com outros homens.
24. No dia 11 de junho de 2023, durante o dia, BB acompanhou a sua filha CC à residência do casal, sita em …, …, para ir buscar o carro da filha.
25. Aí chegadas, no interior da residência, CC encontrou as chaves daquele carro, que estavam num porta-chaves em forma de boneco, e entregou-as à sua mãe para a guardar, o que esta fez, apertando a mão em redor da chave.
26. Nessa altura, o arguido aproximou-se por trás de BB, e puxou o porta chaves com força.
27. No dia 14 de junho de 2023, pelas 22:00 horas, o arguido dirigiu-se numa viatura automóvel, acompanhado de um indivíduo não identificado, para a entrada da residência de BB, sita em …, …, e começou a gritar “eu mato toda a gente; mato-vos a todos”.
28. Nessa altura, BB gritou, do interior da residência, a pedir para o arguido se ir embora dali, ao que o arguido respondeu que os matava a todos.
29. BB contou o sucedido no dia 14 junho de 2023, logo de imediato, à sua filha CC.
30. O arguido sabia que tinha para com a sua companheira especiais deveres de assistência e cuidado, respeito e consideração, não se coibindo, ainda assim, de actuar da forma descrita.
31. O arguido queria, como efectivamente aconteceu, atingir a sua companheira na integridade e saúde física e psíquica, lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal, causando-lhe inquietação e insegurança, relativamente à sua integridade física, o que quis, e conseguiu.
32. Com toda a sua conduta, supra descrita, o arguido agiu sempre com o propósito de molestar a saúde da sua companheira, o que conseguiu, bem sabendo que agia contra a vontade daquela e que assim lhe causava, como causou, sofrimento e humilhação, quer ao nível físico, quer ao nível psíquico.
33. O arguido agiu de modo descrito com o objectivo de provocar medo à sua companheira e de a molestar fisicamente, fazendo-a temer pela sua integridade física e pela sua vida, anunciando-lhe males para a intimidar e perturbar o seu sentimento de segurança, causando-lhe alarme e temor, afectando-a na sua liberdade.
34. O arguido actuou com o propósito de provocar medo e inquietação em BB, bem como lhe afectar a liberdade de determinação, ciente de que a sua conduta era adequada para criar no espírito desta receio e inquietação, de molde a limitá-la na sua liberdade de determinação, propósito que, aliás, logrou alcançar.
35. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
36. O arguido presta serviços de …, auferindo rendimento médio mensal entre €800,00 e €900,00; vive em casa de sua mãe; encontra-se obrigado a pagar pensão de alimentos à sua filha, que não cumpre.
37. O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, em:
- 2012, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 75 dias de multa, que pagou;
- 2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, que pagou;
- 2015, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa;
- 2017, pela prática de um crime de furto, na forma tentada, na pena de 260 dias de multa, que pagou.
Não se provou qualquer outro facto constante da acusação, designadamente não se provou que;
i) Em dia não concretamente apurado, mas após o dia 10 de junho de 2023, CC levou a filha para se encontrar com o arguido, encontro que decorreu num parque infantil sito na Rua …, na …;
ii) No decorrer desse encontro, o arguido disse a CC "é bom que me continues a deixar ver assim a menina porque se não deixares eu mato-te".
iii) O arguido, ao puxar o porta-chaves da mão de BB,, teve a intenção de lhe causar dor.
b) Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e conjugada, ponderada com juízos retirados da experiência comum e critérios de razoabilidade, dos meios de prova constantes dos autos e daqueles produzidos em julgamento.
Desde logo, o Tribunal considerou o depoimento prestado por CC em julgamento, que de forma espontânea descreveu os factos nos termos expostos em sede de factualidade provada, sem nunca cair no exagero fácil.
A este respeito, evidencia-se que CC efectuou um relato bastante pormenorizado e com coesão no discurso, sem hesitações e com elevada convicção.
Apesar de muitos factos supra descritos terem sido praticados pelo arguido apenas na presença de CC, o relato desta última encontra amparo lógico no que foi presenciado por várias testemunhas.
Veja-se este respeito, o depoimento de EE, pai de CC, que descreveu o estado emocional da sua filha, quando a foi buscar ao posto da GNR, na madrugada de 03.07.2022. Ainda sobre o mesmo episódio, relevou o depoimento de FF, à data taxista, que recolheu CC quando esta fugia do arguido durante a noite.
Também o depoimento de GG, amiga de CC, que apesar de não ter presenciado qualquer agressão física por parte do arguido, durante o passeio de amigos, em 02.07.2022, referiu em julgamento ter verificado aquele a apelidar CC de Puta, e a mostrar comportamento bastante agressivo, nomeadamente batendo na viatura de CC.
Por seu turno, o arguido prestou declarações em julgamento, onde negou a prática dos factos de que vinha acusado. O arguido referiu, até, que muitas vezes foi ele próprio vítima de CC, que o apelidava de burro e cabrão.
Contudo, da análise global deste meio de prova, resulta que o arguido apresentou em muitos momentos uma descrição dos factos desrazoável. Vejamos.
Disse, o arguido, saber que CC tinha uma relação extraconjugal, mas que tal facto não o incomodava. Disse que numa ocasião, ao passar de carro junto a um bar, viu a sua companheira abraçada a outro homem, tendo seguido viagem, como se nada fosse. Indagado pelo Tribunal sobre a forma como CC se encontrava abraçada a outro homem, o arguido tentou várias respostas sem qualquer razoabilidade.
Sobre outros episódios históricos elencados na factualidade provada, o arguido escudava-se no facto de não existirem testemunhas de tais episódios. Erro do arguido – CC é testemunha.
Ou seja, as declarações do arguido, várias vezes podendo ser caracterizadas como desrazoáveis, prestadas de forma insegura e hesitante, não abalaram a convicção do Tribunal formada através dos meios de prova explanados supra.
No mais, o Tribunal considerou os seguintes elementos de prova:
- Auto de notícia, de fls. 4 a 6;
-Aditamento de fls. 50;
- Assento de nascimento, fls. 204;
- Declarações do arguido quanto à sua situação socioeconómica;
- CRC, fls. 350 a 353.
O facto do arguido não ter tido intenção de magoar BB, ao puxar o porta chaves que aquela tinha na mão, ou sequer ter admitido tal hipótese, resulta dos depoimentos de CC e BB, aliado a regras de experiência.
A demais factualidade não provada resultou de insuficiência de prova.
Por fim, os factos elencados nos pontos 30 a 35 resultaram demonstrados através da conclusão lógica retirada da actuação objectivamente desenvolvida pelo arguido e dos actos concretos descritos.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Apurados os factos, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
Vem imputado ao arguido, a prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b) e nº 2, al. a) do Código Penal; um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do C. Penal (na pessoa de BB); e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, e 155º, nº 1, al a), do C. Penal (na pessoa de BB).
Antes de mais, quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, tratando-se de um tipo de crime apenas punido a título de dolo, e não se tendo provado que o arguido tivesse agido com o propósito de ofender o corpo de BB, ao puxar o porta chaves que esta tinha na mão, nem mesmo a título de dolo eventual, cumpre absolver o arguido.
Do crime de violência doméstica
Preceitua o art.º 152.º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a), do CP:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: (…) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação (…) análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; (…)é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. (…) No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto (…) na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.»
No crime de violência doméstica protege-se a saúde física e mental, designadamente, e no que ao caso importa, de pessoa com quem o agente tenha mantido uma relação de análoga à dos cônjuges, sendo que esse bem jurídico pode ser violado por todo o comportamento que afecte a dignidade pessoal daquela, nomeadamente através de mau trato psíquico. E protege-se a dignidade humana, em particular a saúde, aqui se compreendendo, para além do bem-estar físico, o bem-estar psíquico.
Face ao princípio da dignidade da pessoa humana, com assento constitucional no art.º 1.º da CRP, os factos praticados pelo agente na pessoa da vítima têm necessariamente que se traduzir na violação dessa dignidade, através da negação do estatuto de pessoa enquanto fim em si mesma – na coisificação da pessoa.
A dignidade da pessoa da vítima é violada – a pessoa é tratada como uma coisa - quando o(s) acto(s) praticado(s) pelo agente cria(m) naquela uma situação de subjugação, de domínio da sua vida, honra, liberdade.
Acompanha-se de perto o Ac. do TRE, de 03.07.2012, proc. 53/10.3GDFTR.E1, quando no sumário se escreve que “a «pedra de toque» da distinção entre o tipo criminal de violência doméstica e os tipos de crime que especificamente tutelam os bens pessoais nele visados concretiza-se pela apreciação de que a conduta imputada constitua, ou não, um atentado à dignidade pessoal aí protegida.”
Em consonância com o exposto, vem sendo entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, na actual redacção do art.º 152.º do CP, o conceito de violência doméstica pode preencher-se com a prática de actos reiterados ou não, contudo, ainda que se esteja perante um só acto, o resultado da actuação tem de concretizar uma gravidade que “vá para além da simples ofensa em causa” - cfr. Ac. do TRP, de 08.07.2015, proc. 1133/13.9PHMTS.P1 -, ou seja, que “justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar” - cfr. Ac. do TRG de 10.07.2014, proc. 591/11.0PBGMR-G1.
O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo previsto no art.º 14.º do CP, como conhecimento e vontade de realização da acção típica.
Revertendo estas breves considerações à factualidade provada, constata-se que o arguido exerceu sobre a vítima um sentimento de posse, não se conformando, até, com a decisão, desesperada, daquela em cessar a relação. Tal conduziu ao episódio ocorrido em 14.06.2023, em que o arguido se dirigiu à residência da mãe de CC, onde esta se tinha refugiado, dizendo que iria matar as pessoas que ali habitavam.
A humilhação a que o arguido sujeitou a vítima, ao longo do tempo em que viveu em união de facto com aquela, encontra especial reflexo nas inúmeras vezes que a acusava de manter relacionamentos íntimos com outros homens, assim como no episódio em que maltratou CC, quando ambos se encontravam em passeio com casal amigo.
Também, da factualidade provada resulta que o arguido, em mais de uma ocasião, tratou a sua companheira como se um saco de boxe se tratasse, ali descarregando a sua raiva.
CC vivia com o arguido em sobressalto, em constante medo daquilo que lhe pudesse acontecer. Esse sentimento de medo esteve na base do episódio em que, durante a madrugada do dia 03.07.2022 abandonou o veículo em que seguia com o arguido e procurou ajuda em pessoa que ocasionalmente circulava no local.
Todos os actos praticados pelo arguido, descritos em sede de factualidade provada, constituem de forma ostensiva e objectiva, para além de maus tratos físicos, sobretudo maus tratos psicológicos. A vítima foi, efectivamente, atingida de forma violenta na sua dignidade pessoal, sendo tratada como um objecto, propriedade do seu “dono” – o arguido.
O arguido sabia que com o seu comportamento maltratava CC, de forma a atingir a dignidade pessoal daquela, tendo sido sua vontade despojá-la dessa dignidade. A vítima foi tratada pelo arguido, que lhe devia especial respeito face à relação que os unia, como se de objecto se tratasse, onde o mesmo podia descarregar a sua raiva e ciúme obsessivo.
Tudo visto, e uma vez que algumas das situações em causa ocorreram no domicílio da vítima, estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CP.
Não se verificam nos factos dados como provados quaisquer circunstâncias susceptíveis de dirimir a ilicitude dos mesmos.
Também, não se encontra demonstrada a ocorrência de qualquer causa de exclusão da culpa, uma vez que, conhecendo o arguido as proibições legais e tendo liberdade para se auto determinar em função daquele conhecimento, ou seja, em conformidade com o Direito, não o fez. Agiu, assim, com culpa.
O arguido é, pois, jurídico-penalmente responsável pela prática de um crime de violência doméstica, um p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CP, impondo-se a sua condenação.
Do crime de ameaça
Nos termos do art.º 153.º, n.º 1 do CP, «quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.».
Sendo que, se «a ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal» - cfr. jurisprudência fixada no Ac. do STJ n.º 7/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 56, de 20 de Março de 2013.
Ora, neste tipo legal de crime, o bem jurídico protegido é a liberdade pessoal, protegendo-se especificamente com a incriminação o sentimento de segurança.
O elemento objectivo do tipo consiste em o agente revelar o propósito de causar um mal futuro, sendo irrelevante que o destinatário tenha ficado efectivamente afectado no seu sentimento de segurança, bastando apenas que a mensagem transmitida tenha a potencialidade de criar esse medo ou inquietação.
O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo previsto no art.º 14.º do CP, como conhecimento e vontade de realização da acção típica, sendo, também, irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça.
Revertendo estas considerações à factualidade provada resulta que a conduta do arguido, quando ameaçou de morte, designadamente BB, em 14.06.2023, é subsumível à previsão normativa. Com efeito, o arguido, tinha consciência de que as suas palavras eram adequadas a causar sentimento de insegurança e mesmo assim não se coibiu de agir como agiu, de forma livre, deliberada e consciente.
A ameaça é agravada, pois o arguido referiu, perante BB, que iria realizar a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, in casu, crime de homicídio.
Assim, com esta actuação, estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito, p.p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al.s a), do CP.
Também nesta parte, não se verificam nos factos dados como provados quaisquer circunstâncias susceptíveis de dirimir a ilicitude dos mesmos.
Assim como, também não se encontra demonstrada a ocorrência de qualquer causa de exclusão da culpa, uma vez que, conhecendo o arguido as proibições legais e tendo liberdade para se auto determinar em função daquele conhecimento, ou seja, em conformidade com o Direito, não o fez. Agiu, assim, com culpa.
IV. MEDIDA CONCRETA DA PENA
Processo: 1377/23.5GBABF.E1
Qualificados juridicamente os factos, há que proceder à fixação, dentro dos limites da moldura penal abstracta que ao crime compete, da pena que concretamente deverá ser aplicada ao arguido, por obediência aos critérios expressos nos arts. 40.º e 71.º do CP.
Ao crime de crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e nº 2, do CP, corresponde uma moldura abstracta de pena de prisão de dois a cinco anos.
Ao crime de ameaça agravada, p.p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do CP, corresponde uma moldura abstracta de pena de prisão até 2 anos ou de pena de multa até 240 dias.
Apreciando,
Conforme resulta do art.º 70.º do CP, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
As finalidades da punição (art.º 40.º do CP) são critérios de escolha e de medida das penas com vista a serem atingidos determinados fins - a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do infractor na sociedade.
No caso em concreto, na escolha do tipo de pena, relativamente ao crime de ameaça agravada, o Tribunal releva o facto de no registo criminal do arguido não constar a prática de crimes contra pessoas, pelo que neste ponto, entende-se que as finalidades da punição se bastam com a aplicação de pena de multa.
Escolhida a natureza da sanções a aplicar e tendo uma vez mais em vista as finalidades que com a mesma se pretende atingir, de que já supra se deu nota, há que fixar, dentro dos limites definidos por lei, a determinação das medidas das penas.
E, nesta parte, dispõe o art.º 71.º, n.º 1 do CP, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.»
Estabelece, depois, o n.º 2 do mesmo artigo que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Assim sendo, in casu, em sede de medida concreta da pena, importa ponderar:
- as necessidades de prevenção geral, que se apresentam elevadas, dada a acentuada censura social e o alarme causado na comunidade pela prática do crime de violência doméstica;
- o período de tempo ao longo do qual os factos foram sendo praticados;
- a intensidade do dolo do arguido, que deliberadamente quis praticar os factos, agindo com dolo directo;
- o facto do arguido ser do sexo masculino, o que lhe confere superior força física, comparativamente com a vítima;
- as concretas consequências verificadas CC;
- o facto do arguido ter ameaçado BB quando esta se encontrava na sua habitação, em período nocturno;
- a inserção social do arguido, que trabalha para garantir o seu sustento;
- os antecedentes criminais do arguido.
Tudo ponderado, o Tribunal tem por adequado e proporcional aplicar ao arguido,
- pela prática de um crime de violência doméstica, a pena de três anos e seis meses de prisão;
- pela prática de um crime de ameaça agravada, a pena de 150 dias de multa, cuja taxa diária se fixa em oito euros, atendendo à situação económica conhecida.
Da suspensão da pena de prisão (art.º 50.º do CP):
No caso em concreto, tendo presente que as necessidades de prevenção são elevadas, o Tribunal tem, contudo, por um lado, em especial consideração a circunstância do arguido não apresentar antecedentes criminais por crimes contra pessoas e, doutro passo, de se encontrar inserido profissional e socialmente.
Assim, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão em que o arguido vai condenado serão suficientes para o afastar da prática da criminalidade, sendo que a suspensão da execução da pena de prisão não comprime, de forma insustentável, as expectativas da comunidade na validade das normas violadas.
Pelo exposto, decide-se suspender a execução da pena de três anos e seis meses de prisão, que vai aplicada ao arguido, por igual período, acompanhada de regime de prova, a ser delineado através de plano de reinserção social a ser realizado pela DGRSP, no qual se inclua a frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica (art.º 53.º do CP).
Da Pena Acessória
Face à falta de autocensura demonstrada pelo arguido em julgamento, assim como a revolta demonstrada pela cessação do vínculo que o unia com a vítima, o Tribunal decide, nos termos do n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do CP, aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, sem prejuízo do que se revelar estritamente necessário quanto a assuntos relacionados com a filha do casal, mediante intermédio de terceiros.
V. Da Indemnização à Vítima
Tendo em conta o disposto nos arts. 21.º, n.º 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro e art.º 82.º-A do CPP, verificando-se os requisitos legais (a ofendida não deduziu, em devido tempo, pedido de indemnização civil, não se opôs ao arbitramento de uma indemnização, o arguido praticou, contra CC, um crime de violência doméstica com prejuízos para aquela e há particulares exigências de protecção neste tipo de crime), cumpre arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela vítima em consequência do crime praticado pelo arguido.
Na fixação da indemnização, o Tribunal deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496.º do CC). Assim, não é qualquer dano que é tutelado, mas apenas o dano que possa ser considerado grave.
No juízo que há a fazer sobre a gravidade do dano há, pois, que considerar os dados objectivos que, vistos à luz das regras de experiência comum, imponham concluir que derivaram do ilícito, imediata ou mediatamente, lesões para o bem jurídico tutelado, danos esses que têm que se considerar de gravidade merecedora da tutela do direito.
Nestes termos, tendo em conta os factos provados, constata-se que a ofendida sofreu danos não patrimoniais como consequência dos actos praticados pelo arguido.
Estes danos são merecedores de tutela jurídica, logo, indemnizáveis.
A forma de medir a gravidade do dano e consequente medida da indemnização está dependente do juízo que, segundo a natureza das coisas e da dignidade da pessoa humana, se faça.
Nestes casos, dado o cariz não patrimonial do dano, é impossível, como facilmente se compreende, averiguar o seu valor exacto, pelo que cumpre fazer funcionar o critério da equidade a que alude o nº 3 do art.º 566.º do CC, atendendo ainda aos factores referidos no n.º 3 do art.º 496.º do CC.
Cremos, pois, face aos elementos acima referidos e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, o período de tempo durante o qual a situação se verificou, os prejuízos causados e os demais elementos atendíveis (nomeadamente a situação económica do arguido), que é justo e adequado condenar o arguido a pagar a CC a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
A quantia referida vence juros à taxa legal contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão..“
*
9. Apreciando:
- Nulidade de sentença, nos termos do disposto no art. 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal:
Embora não tenha expressamente aludido à nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2, ambos do CPP, por falta de indicação e exame critico das provas, que serviram para formar a convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados por provados sob os nº 27, 28, 29 e 34, o recorrente, implicitamente, invoca a mesma, ao afirmar que: “Da Douta Sentença consta apenas na fundamentação de direito que a conduta do arguido é subsumível à previsão normativa e que tinha consciência de que as suas palavras eram adequadas a causar sentimento de insegurança e mesmo assim não se coibiu de agir como agiu, de forma livre, deliberada e consciente, no entanto, não refere quais os meios de prova que fundamentaram a inclusão dos pontos 27, 28, 29 e 34 nos factos provados” [cf. conclusão nº 6 do interposto recurso].
Em conformidade com o artigo 374º nº 2 do CPP, é dever do tribunal, para além da enumeração dos factos provados / não provados e da indicação das provas que serviram para formar a sua convicção, fazer exposição, tanto quanto possível, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se, sob pena de incorrer em nulidade, prevista no artigo 379º nº 1 al. a) do CPP, o dever de explicar porque decidiu de um modo, e não de outro.
Lê-se no Ac. do STJ de 30-01-02, proferido no Proc. n° 3063/01, disponível in www.dgsi.pt: que o exame crítico das provas deverá consistir "na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção."
A nulidade da sentença, por falta ou deficiência de fundamentação, apenas se verifica quando inexistem, ou são ininteligíveis, as razões do tribunal a quo, não, também, quando as conclusões a que o mesmo chegou forem incorrectas, ou passíveis de censura.
Percebidas as razões do julgador, assiste aos sujeitos processuais, com recurso ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada. Aqui, porém, já se está em sede de impugnação da matéria de facto, e não de nulidade da sentença, como se salienta no Ac. R. de Guimarães de 12/07/2010, Proc. nº 4555/07.0OTDLSB.G1, disponível em www.dgsi.pt.
O exame crítico das provas deverá, em síntese, permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, do processo lógico que lhe serviu de suporte, de modo a poder o mesmo tribunal de recurso concluir se sim, ou não, na decisão posta em causa, se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, se a decisão sobre a matéria de facto não foi arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência comum, ou da lógica.
No caso, observada a decisão recorrida, resulta claro que a mesma se encontra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, incluindo as provas que fundamentaram a decisão da matéria de facto provada e não provada, de modo que não suscitou dúvidas ao tribunal a quo, ao mesmo tempo que fez uma análise crítica de tal prova, com explicitação da credibilidade, ou não, dos meios probatórios existentes: declarações do arguido e da ofendida CC e restante prova testemunhal, produzida em audiência de julgamento, assim como prova documental, sendo perceptível o raciocínio lógico e dedutivo no exame crítico das provas.
Com efeito, foi amplamente explicado, pelo Mmº Juiz a quo, os motivos de ter valorado devidamente as declarações da ofendida, em conjugação com o depoimento das restantes testemunhas, para concluir pela culpabilidade do arguido, articulado com a demais prova documental dos autos e, portanto, provou, para além de qualquer dúvida razoável, as circunstâncias da acção provada, ainda que em detrimento da versão apresentada pelo arguido, a qual não teve acolhimento, como fundamentado em sede de sentença.
Pode, pois, o recorrente discordar do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, mas carece de razão quando afirma que a sentença não refere quais os meios de prova que fundamentaram a inclusão dos pontos 27, 28, 29 e 34 nos factos provados, pois aquele tribunal foi lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando as razões pelas quais se convenceu que os factos haviam (ou não) decorrido nos exactos termos fixados.
Pelo exposto, não se verifica a nulidade, prevista no art. 379º nº 1 al. a), com referência ao art. 374º nº 2), ambos do CPP.
*
- Dos vícios previstos no art. 410º nº 2 al. a) e c) do CPP: vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e vício de erro notório na apreciação da prova;
-Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, nos termos do art. 412º nº 3 e 4 do Código de Processo Penal (pontos provados sob os nº 27, 28, 29 e 34);
- Da violação do princípio da livre apreciação da prova;
- Da violação do princípio da presunção de inocência;
- Da absolvição pela prática do crime de ameaça agravada.
Das conclusões formuladas pelo recorrente resulta que o mesmo sustenta que não foi referida qualquer prova bastante que contrariasse a sua versão dos factos, nomeadamente que tenha, em 14.06.2023, ameaçado de morte BB, da forma como lhe era imputado na acusação e como foi dado como provado, pelo que, por ausência de prova, impugna a inclusão, nos factos provados, dos pontos 27, 28, 29 e 34.
Vejamos:
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma, ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos.
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal.
No caso, o recorrente, pretendendo impugnar a matéria de facto, veio se socorrer dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, sem proceder à sua concreta individualização, numa mistela confusa de conceitos, e sem se restringir ao texto da decisão recorrida.
Com efeito, o recorrente pretendendo a alteração da matéria de facto dada como provada, sob os pontos 27, 28, 29 e 34, que se resume, no fundo, à factualidade que conduziu à sua condenação, pelo crime de ameaça agravada, invocou que, face à prova produzida em audiência, existem pontos de facto incorretamente julgados e provas que impõem uma decisão diversa, ou seja, o que o recorrente pretende é a impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412º nº 3 e 4 do CPP.
Observada a fundamentação de facto constante da decisão recorrida, verifica-se que o Mmº Juiz a quo, relativamente aos factos provados sob os pontos 27, 28, 29 e 34, se fundou nas declarações da ofendida CC, que os terá afirmado.
Sucede, contudo, que a ofendida CC não presenciou a ocorrência dos factos dados como provados sob os pontos 27 e 28 – alegadas ameaças que teriam sido dirigidas em relação à sua mãe, a testemunha BB, tendo sido esta que lhe contou a ocorrência das mesmas.
Não tendo a ofendida CC presenciado a ocorrência dos factos dados como provados nos pontos 27 e 28, não pode o seu depoimento servir de fundamentação em relação à verificação dos factos dados como provados nos pontos 27, 28 e 34, termos em que, face à negação da sua prática, por parte do arguido, e na ausência de qualquer outra prova que os sustente 1, terão de ser considerados como não provados.
*
- Da absolvição pela prática do crime de ameaça agravada:
A procedência da impugnação da matéria de facto, no sentido de se considerar como não provados os factos 27, 28 e 34, que eram imputados ao arguido, e que conduziram à sua condenação, pelo crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º, nº 1 e 155.º, n.º 1 alínea a), do CP, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de oito euros, no total de mil e duzentos euros, implica, consequentemente, a absolvição do recorrente pela prática do mesmo, o que se determina, nesta parte, procedendo o recurso.
*
- Da medida da pena de prisão pelo crime de violência doméstica:
Insurge-se, também, o recorrente quanto à medida da pena de prisão que lhe foi aplicada pela prática do crime de violência doméstica – 3 anos e 6 meses de prisão – por a considerar excessiva, tendo em conta a moldura penal do crime e as circunstâncias do caso em apreço, e por entender que se mostra superior à medida da culpa, pugnando, em consequência, pela aplicação de uma pena de prisão mais próxima do limite mínimo [2 anos], sempre suspensa na sua execução, o que garantiria, na sua óptica, de forma adequada e suficiente, as necessidades de prevenção geral e especial do caso sub judice, sob pena, caso assim não se entenda, de violação do disposto nos arts. 40º, 50º, 51º, 70º e 71º do CP e 127º do CPP.
Para o efeito, invoca o contexto em que os factos terão ocorrido e a circunstância de o casal estar separado desde 2023, não existindo qualquer contacto entre ambos, nem o registo de quaisquer outros incidentes, o tempo, entretanto, decorrido, as suas condições pessoais, designadamente a sua integração pessoal, social e profissional [ponto 36 dos factos provados] e o facto de, no seu certificado de registo criminal, não constar a prática de outros crimes contra as pessoas, entendendo, por isso, que as necessidades de prevenção geral e especial são diminutas.
Apreciando:
A determinação da pena concreta faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes – binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena.
Tal como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português”, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização.
Observada a decisão recorrida verificamos que fez uma correcta, clara e cuidada apreciação da medida da pena de prisão aplicada ao recorrente, pela pratica do crime de violência doméstica, tendo considerando todas as circunstâncias que havia a ponderar, quer a favor, quer em desabono do mesmo, nos termos do art. 71º do CP, designadamente e para além dos mais:
- “as necessidades de prevenção geral, que se apresentam elevadas, dada a acentuada censura social e o alarme causado na comunidade pela prática do crime de violência doméstica;
- o período de tempo ao longo do qual os factos foram sendo praticados;
- a intensidade do dolo do arguido, que deliberadamente quis praticar os factos, agindo com dolo directo;
- o facto do arguido ser do sexo masculino, o que lhe confere superior força física, comparativamente com a vítima;
- as concretas consequências verificadas CC;
- a inserção social do arguido, que trabalha para garantir o seu sustento;
- os antecedentes criminais do arguido.”
As exigências de prevenção geral são, efectivamente, muito acentuadas, neste tipo legal de crime, face à frequência com que se assiste a este tipo de situações, que causa alarme social e têm significativas consequências para as vítimas, havendo necessidade de dar uma resposta adequada à comunidade pela relevância dos bens jurídicos violados, sob pena de se frustrar a satisfação deste tipo de exigências, dando uma imagem de impunidade.
A prevenção especial faz-se, também, sentir, de forma premente, conforme já mencionado, pelas condenações anteriores, quatro condenações que, embora tenham sido por crimes de natureza diversa, que o recorrente tende a desvalorizar, traduzem efectivamente uma diversidade de bens jurídicos, já violados, pelo arguido, não tendo tais condenações servido de emenda, nem constituíram advertência para o mesmo não voltar delinquir. Não beneficia, também, o arguido da mera confissão ou do simples arrependimento.
Ora ponderadas as circunstâncias enunciadas, como a inexistência de diminuição da culpa, ou de qualquer circunstância atenuante, como a mera confissão, uma vez que o arguido não assumiu a responsabilidade da gravidade dos actos que praticou, procurando se desculpabilizar dos mesmos, assim como não se observa qualquer expressão de arrependimento, por parte do recorrente, cumpre observar o acerto da sentença recorrida na determinação da medida concreta da pena aplicada, pelo crime de violência doméstica, o que inviabiliza a pretensão do arguido em ver reduzida tal pena, pois que está longe de ultrapassar a medida da sua culpa, correspondendo ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e só a medida fixada de 3 anos e 6 meses de prisão, situada no patamar intermédio da respectiva moldura abstracta, por proporcional e necessária, poderá ser adequada a satisfazer a sua função de socialização, termos que ditam a improcedência do recurso, também, nesta parte.
*
- Da revogação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima ou, caso assim não se entenda, que a sua execução não seja feita com o recurso a meios técnicos de controlo à distância:
Veio, ainda, o recorrente sustentar que não se mostra verificado, nos presentes autos, o necessário juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos de controlo à distância, para a proteção da vítima, tal como não se mostra justificada a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, tanto mais que não consta da sentença recorrida referência às necessidades de prevenção especial, relativamente a si, que justifiquem a sua aplicação.
Concluiu o recorrente no sentido de a subordinação da aplicação de tal pena acessória a razões de prevenção e proteção da vítima, sem que as mesmas se mostrem discutidas e devidamente analisadas no texto da sentença condenatória, conduz à aplicação de uma pena acessória totalmente desproporcional, injusta e desenformada dos critérios que regulam a sua fixação, em violação do disposto nos arts. 40º, 70º e 71º do CP.
Mais vem argumentar que não foi levada a cabo, pelo tribunal “a quo”, qualquer diligência para obtenção do seu consentimento, assim como do da vítima, relativamente à fiscalização da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, mediante meios técnicos de controlo à distância, conforme o exige o art. 36º, nº1, 3, 4 e 5 da Lei 112/2009, de 16/09.
Concluiu pela ausência de consentimento para a fiscalização, por recurso a meios técnicos de controlo à distância, quer por parte do arguido, quer por parte da vítima, ou sequer que tenha sido proferida decisão de dispensa do consentimento por parte do tribunal “a quo”, mediante decisão fundamentada, mostrando-se, por isso, violado o disposto nos arts. 40º, 70º e 71º CP e art. 36º, nº1, 3, 4 e 5 da Lei 112/2009, de 16/09.
Vejamos:
Estabelece o artigo 152.º do CP, intitulado “Violência doméstica”:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - [...].”
No caso, na sentença recorrida fundou a aplicação de tal pena acessória na falta de autocensura, demonstrada pelo arguido, em julgamento, assim como na revolta demonstrada pela cessação do vínculo que o unia com a vítima.
Na verdade, considerando a acentuada ilicitude dos factos decorrentes dos diversos bens jurídicos violados, a reiteração dos comportamentos, a falta de sentido crítico sobre a sua actuação, o apurado perfil do arguido, as especiais exigências de prevenção, expressas na necessidade de tutela dos concretos bens jurídicos violados, indo ao encontro das expetactivas da comunidade na manutenção e reforço da vigência de tais normas, atendendo, ainda, ao espectro da reiteração das ocorrências de violência, entendemos que se mostra necessária, adequada e proporcional a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, por qualquer meio, como forma de impedir o contacto e a continuação do exercício de violência, por parte do arguido, sobre a mesma, face à tendência agressiva que o mesmo revela, ou seja, como meio de garantir a segurança, a tranquilidade e o restabelecimento da vítima, desta forma se evitando que esta fique à mercê daquele.
Cumpre, agora, apreciar se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com a vítima, bem como da dispensa de consentimento.
Como já vimos, nos termos do disposto no art. 152º nº 5 do CP, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.2
Importa conjugar tal preceito legal com o disposto nos art.s 35º e 36º do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, que prescreve, em termos semelhantes aos da norma do Código Penal:
Artigo 35.º, intitulado “Meios técnicos de controlo à distância”:
“1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
2 - O controlo à distância é efetuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados.
3 - O controlo à distância cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 6 do artigo 20.º
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do agente.
5 - À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.º a 57.º do Código Penal e nos artigos 212.º e 282.º do Código de Processo Penal.
Artigo 36.º, intitulado “Consentimento”:
“1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto.
4 - Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento.
5 - As vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz.
6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo.
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.”
Quer isto dizer que o recurso aos meios técnicos de controlo à distância da pena acessória depende da verificação de dois requisitos: (i) o juízo de imprescindibilidade da medida para a protecção da vítima; (ii) a obtenção do consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas na norma, a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles [meios técnicos] se torna indispensável/imprescindível para a protecção dos direitos da vítima (cf. a propósito, o acórdão da Relação de Guimarães, de 21-09-2015, processo 572/14.2GBCL.G1).
A utilização de meios de vigilância eletrónica no cumprimento da medida de vigilância controlada depende, assim, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas, também, da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima, e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
A anuência das pessoas afectadas com a restrição da liberdade pode ser suprida se o tribunal, em decisão fundamentada, concluir que, na situação concreta, e perante a ponderação dos valores e direitos em conflito, a aplicação de meios técnicos de controlo à distância constitui uma medida indispensável para a proteção dos direitos da vítima.
No caso em apreço, observamos que não consta da sentença recorrida a indicação das concretas razões de facto e dos preceitos legais aplicáveis que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios eletrónicos para a proteção dos direitos da vítima e da dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem.
Com efeito, como claramente resulta da letra do art. 35º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, a aplicação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância depende da demonstração de a mesma se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, o que não se mostra justificado na sentença recorrida.
Por seu lado, de acordo com o 36º, n.º 7, do mesmo diploma, a dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem, determinada pelo tribunal, estava, igualmente, dependente dessa decisão fundamentada sobre a imprescindibilidade da referida fiscalização por meios eletrónicos para a proteção dos direitos da vítima.
Na ausência dessa fundamentação, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.
Refira-se, ainda, que, da matéria de facto provada, não resultam circunstâncias concretas que apontem no sentido de a proteção dos direitos da vítima reclamar essa forma de fiscalização, não tendo potencialidade bastante para tal o facto de, já depois da separação do casal, em, pelo menos uma ocasião, quando a ofendida foi levar a filha para se encontrar com o pai, aqui arguido, este a ter ameaçado [cf. factos provados sob os nº 21 e 22].
Pelo exposto, não se deve manter a imposição ao arguido dos meios electrónicos para fiscalização do cumprimento da pena acessória, pelo que, nesta parte, o recurso merece provimento
*
- Da redução do montante arbitrado à ofendida, a título de indemnização, nos termos do art. 21º nº 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro:
Por fim, sustenta o recorrente que o montante fixado, em sede de indemnização à vítima, nos termos art. 21º, nº2 da Lei 112/2009, de 16.09, a título de danos não patrimoniais, violou o disposto nos art. 152º, nº1, al. b) e nº2, al. a) CP, o art. 127º CPP e art. 18º e 32º, nº2 CRP, e, ainda, o disposto nos arts. 483º, 494º, 496º e 562º CC e art. 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09, pois não é sincrónico, nem com os danos alegadamente sofridos, nem com a prova que foi produzida em sede de julgamento, nem quanto à sua situação económica, conforme consta do ponto 36 dos factos dados como provados, entendendo, por isso, ser adequado arbitrar à ofendida uma quantia que não ultrapasse os € 500,00.
Apreciando:
Está em causa o arbitramento oficioso da quantia, que foi fixada pelo tribunal recorrido, ao abrigo do consagrado no art. 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas destes crimes.
Com efeito, estabelece-se no artigo 21.º do mencionado diploma legal o direito da vítima à indemnização, nos seguintes termos:
«1- À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2- Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. (…)»
Dispõe, por sua vez, o artigo 82.º-A do C.P.P., com a epígrafe «Reparação da vítima em casos especiais»:
«1– Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2– No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3– A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.»
Temos, assim, que, em caso de condenação pela prática de crime de violência doméstica, como é o caso, a lei impõe o arbitramento de reparação/indemnização à vítima, só assim não sendo quando a tal se oponha a vítima expressamente.
Como muito bem se refere no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.10.2018, processo nº 853/15.8PJLSB.L1-5, disponível in www.dgsi.pt.: “1. Em caso de condenação por violência doméstica, nos termos do n.º2, do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, não tendo a vítima deduzido pedido de indemnização civil e não se tendo oposto ao seu arbitramento, o tribunal tem sempre de fixar uma indemnização, sem que tenha de haver prova de quaisquer particulares exigências de protecção da vítima, que são presumidas pelo legislador neste tipo de crimes.2.Tratando-se de uma fixação oficiosa de indemnização por parte do tribunal, não dependente de prévio pedido deduzido pela ofendida, sempre estará tal indemnização sujeita a critérios de equidade e conformada pelos factos constantes da acusação, em relação aos quais incide a produção de prova na audiência de discussão e julgamento.”
No caso em apreço, não tendo a ofendida deduzido pedido de indemnização civil e, também, na medida em que não se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada quantia reparadora, bem andou o tribunal recorrido, ao abrigo das citadas disposições legais, em lhe fixar uma quantia, a título de reparação dos prejuízos sofridos.
A lei remete a fixação do montante compensatório pelos danos em causa para juízos de equidade, que deverão levar em conta os danos não patrimoniais causados e a situação da vítima, como expressão da gravidade das consequências do crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Neste particular resultou provado que:
- O arguido desferiu na ofendida, com a mão direita, uma chapada na cara, enquanto a chamava de “vaca”.
- O arguido desferiu um pontapé na porta de trás da viatura, lado do condutor, do carro da ofendida, provocando uma amolgadela.
- O arguido desferiu, com o braço direito, uma chapada na ofendida, atingindo-a na cara; mercê da conduta do arguido, a ofendida sentiu dores nas zonas corporais atingidas, não tendo tido necessidade de tratamento médico.
- O arguido desferiu uma chapada na cara da ofendida; mercê da conduta do arguido, a ofendida sentiu dores na zona corporal atingida, mas não necessitou de tratamento médico.
- O arguido disse, pelo menos, uma vez, à ofendida "se me proibires de ver a menina eu mato-te".
- Nos últimos meses do relacionamento, entre o arguido e a ofendida, o casal discutia sistematicamente, e, no decorrer dessas discussões, também, no interior da habitação do casal, o arguido disse à ofendida que aquela mantinha relações íntimas com outros homens.
No caso, as verificadas ofensas à honra, humilhação e vexame pelos insultos proferidos, agressões físicas, com as consequentes dores sofridas, e ameaças, constituem, em si mesmos, danos indemnizáveis, não se tratando de meros incómodos ou contrariedades, devendo, pela sua gravidade, ser compensados nos termos do art.° 496° do CCiv.
Assim sendo, condenado que se mostra o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, nos termos do art. 152º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do C.P, e considerando o elevado grau de culpa do mesmo, a gravidade dos factos e as consequências dos mesmos para a ofendida, pelas ameaças sofridas, assim como pelos maus tratos físicos e psicológicos causados, em consequência dos factos supra descritos, o período de tempo durante o qual a situação se verificou e a apurada situação económica do recorrente, mostra-se plenamente justificado o decidido pelo tribunal recorrido, quando condenou o aqui recorrente a pagar à ofendida, nos termos da art. 21º da Lei nº 21/2009, de 16.09, a quantia de 2.500,00 €, termos em que nenhuma censura, também, nesta parte, nos merece a decisão recorrida, que será, neste aspecto, mantida.
*
*
- Decisão:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência:
- Considerar como não provados os factos 27, 28 e 34, fixados, na sentença recorrida, como provados;
- Revogar a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º, nº 1 e 155.º, n.º 1 alínea a), do CP, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de oito euros, no total de mil e duzentos euros;
- Revogar a decisão recorrida na parte em que determinou que a execução da pena acessória de proibição de contactos com a vítima fosse feita com o recurso a meios técnicos de controlo à distância;
- No mais, confirmar a douta decisão recorrida.
Sem custas.
*
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, 25 de Fevereiro de 2025
Os Juízes Desembargadores
Anabela Simões Cardoso
Moreira das Neves
Artur Vargues
..............................................................................................................
1 Não consta na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida qualquer menção ao depoimento prestado pela testemunha BB, a quem as alegadas ameaças terão sido dirigidas.
2 Seguindo o acórdão da Relação de Coimbra, de 10-07-2018, proferido no processo 15/17.0GCLMG.C1, em análise comparativa com as anteriores redacções dos preceitos em referência, assinala-se a substituição no n.º 5 do artigo 152.º do termo «pode» seguido do segmento “ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”, reportado à pena acessória de proibição de contacto [anterior redação] por «deve» ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância [na redacção aplicável ao caso]; o mesmo se passa com o artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, no seio do qual a palavra «pode» foi substituída por «deve», permanecendo, contudo, inalterada a necessidade do juízo de imprescindibilidade da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância para proteção da vítima.