QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE TRABALHO
MUNICÍPIO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I. Para qualificar se uma determinada relação jurídica iniciada em 3 de janeiro de 2007, que não sofreu alterações até 23-02-2010 (data do despedimento), é um contrato de trabalho, aplica-se o Código de Trabalho de 2003, na versão que estava em vigor em aquando da celebração do contrato.
II. É de qualificar como contrato de trabalho a relação jurídica que se estabeleceu entre uma arquiteta e o Município do "1...", quando aquela para o exercício das suas funções, que eram exercidas nas instalações da Divisão de Administração Urbanística do réu, com utilização de bens e equipamentos deste, e mediante um horário de trabalho estabelecido, recebia ordens e instruções dos responsáveis da Divisão, que funcionavam como seus superiores hierárquicos, e aos quais reportava os problemas ou ocorrências verificados no exercício das funções, recebendo, em contrapartida, uma remuneração mensal certa.

Texto Integral

P.1560/23.3T8PTG.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


Na presente ação declarativa, com processo comum, que AA intentou contra o Município do "1...", foi prolatada sentença com a seguinte decisão:


«Pelo exposto, e nos termos das disposições legais supra mencionadas, o tribunal julga a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência decide:


a) Condenar o Réu Município do "1..." a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a Autora com efeitos a partir do dia a 3 de Janeiro de 2007 e a antiguidade reportada a esta data;


b) Condenar o Réu Município do "1..." no pagamento, à Autora, a título de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal vencidos e não pagos, da quantia de 9.476,17 € (nove mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efetuados e vincendos até efetivo e integral pagamento;


c) Declarar a ilicitude do despedimento promovido pelo Réu Município do "1..." com efeitos a 23 de Abril de 2010 e, em consequência, condenar o Réu no pagamento à Autora das remunerações que se vencerem até trânsito em julgado da presente sentença, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, devendo deduzir-se as quantias auferidas pela Autora e pagas pelo Réu entre 2012 e Dezembro de 2020 e a partir de Março de 2021 pagas pelo Município de "2...", quantia a apurar em sede de liquidação de sentença.


d) Condenar o Réu Município do "1..." no pagamento à Autora de uma indemnização em substituição da reintegração que se fixa em 3.723,96 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data do despedimento em 23 de Abril de 2010 até efetivo e integral pagamento.


e) Condeno o Réu Município do "1..." no pagamento à Autora da quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.


O tribunal julga a ação improcedente quanto ao demais, absolvendo o Réu quanto ao


demais peticionado.


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Registe e Notifique.


*


Valor: 15.200,13 € (quinze mil e duzentos euros e treze cêntimos), nos termos compulsados dos artigos 305.º, nº1; 306.º, nº 1; 299.º e 300.º, todos do C.P.C.»2


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Inconformado, o réu interpôs recurso da decisão, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1.ª O Recorrente Município de "3..." não aceita a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, pois esta é desprovida de justiça.


2.ª Questão fulcral nos presentes autos e que constitui o fundamento específico da recorribilidade da sentença recorrida é a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes nos presentes autos decidida pelo tribunal a quo.


3.ª Designadamente, se o contrato possui a natureza jurídica de um contrato de trabalho ou se se assume como um contrato de prestação de serviços, em que tudo o mais será mera consequência dos efeitos jurídicos decorrentes de qualquer um dos contratos referidos.


4.ª Com clarividência irrefutável, jamais se pode dar como provado pelo tribunal a quo:


“que as atividades desenvolvidas pela Autora para o Réu configuram verdadeira prestação laboral ao abrigo de contratos de trabalho celebrados ao longo dos anos, posto que a mesma era realizada com uma cadência diária, contra o pagamento de uma remuneração fixa, de acordo com um horário laboral previamente definido pelo Réu e de acordo com o poder de direção e fiscalização por este exercido.


Tais contratos de trabalho são forçosamente nulos porque celebrados em incumprimento dos respetivos procedimentos concursais, sendo que o vício de nulidade de que padecem não afeta os direitos que, ipso facto, decorrem da sua natureza jurídico-laboral durante o tempo em que estiveram em execução, conforme prevê o artigo 122º, nº 1 do Código do Trabalho, como veremos infra.”


5.ª Isto porque, a decisão do tribunal a quo assenta em fundamentos fácticos e jurídicos que não podem ser, de modo algum, sufragados.


6.ª Tem sido essencialmente no domínio da distinção jurídica entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços que nos deparamos com decisões contraditórias e em flagrante oposição por parte das instâncias, decidindo, in concreto, em face do mesmo circunstancialismo fáctico, como se tratando ora de um contrato de trabalho ora de um contrato de prestação de serviço.


7.ª O que não admira, sabido que a qualificação jurídica entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços tem merecido, desde há muito, uma proficiente análise, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, e que nessa nobre tarefa de identificação e classificação foi coligindo elementos e índices interpretativos tendentes a caracterizar ambos os contratos e, simultaneamente, permitir e ajudar o intérprete e julgador a estabelecer as diferenças entre estas duas modalidades de contrato.


8.ª E o caso sub judice é mais um exemplo desse arquétipo.


9.ª Assim sendo, temos que a noção de contrato de trabalho é-nos dada, in casu, pelo artigo 11.º do Código do Trabalho.


De acordo com o normativo citado, o contrato de trabalho aparece definido como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou a outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.


10.ª Por sua vez, para o caso em concreto e em vigor na altura dos fatos, a noção legal de contrato de prestação de serviços mostrou-se consagrada no artigo 7.º, n.ºs 3 a 6 do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro, sendo um conceito que se mostra destituído de qualquer referência legal a elocuções que possam assumir qualquer significância ou valor, ou se reconduzir ou projetar nas vertentes sociais, económicas e jurídicas em que se decompõem as expressões ”organização”, “autoridade”, “direção” ou “subordinação”, entendidas como vínculos definidores de uma relação, como a laboral, que pressupõe a integração e a dependência de uma parte – a que se obriga a proporcionar o resultado do seu trabalho – à outra parte.


11.ª O que bem se compreende, porquanto no âmbito do contrato de prestação de serviços a relação que se estabelece entre as partes decorre de forma mais livre e autónoma, importando tão só o resultado do trabalho intelectual (profissional liberal) prestado.


12.ª Não obstante o que antecede, que não se pense que, por tal facto, o prestador de serviço(s) está completamente à margem e liberto da receção e seguimento de instruções dadas por aquele que lhe solicita e encomenda o trabalho a efetuar.


13.ª O prestador de serviços “obriga-se a proporcionar a outra” (a outra pessoa/entidade) “o resultado” do seu trabalho, impondo-lhe, pois, a obrigação de apresentar esse resultado.


E naturalmente que quem encomenda o serviço, quem contrata, não pode ficar desonerado ou impedido de dar instruções ao prestador de serviços sobre o que quer e de que modo pretende ver realizado esse trabalho.


14.ª Como é sabido, a profissão liberal de arquiteto (a), implica por natureza uma autonomia técnica e científica que é perfeitamente compatível com a sua submissão ao regime jurídico ínsito ao contrato de prestação de serviço, resultando aliás dos autos que, no caso sub judice, a vontade real expressa no contrato celebrado confirma que foi essa a vontade das partes.


15.ª Não só porque o denominaram como tal, livre e voluntariamente, mas também porquanto verteram no seu clausulado elementos que revelam a inexistência de subordinação económica e jurídica da Autora ao Réu, ora Recorrente (vide contrato junto aos autos, datado de 03.01.2007).


16.ª E, igualmente se provou em tribunal que não existia:


- Controlo de assiduidade;


- Marcação de férias ou de ausências que fossem estabelecidas de acordo com um típico contrato de trabalho;


- Pagamento de subsídios de férias e de Natal;


- Poder disciplinar por parte do Réu.


17.ª Por outro lado, o poder que a Autora detinha de poder exercer a sua atividade para outras entidades – vide nos últimos anos contratos celebrados enquanto representante legal da empresa C.C.., Lda. – com total e plena liberdade, e conforme mais lhe conviesse, é revelador de que não carecia da prévia autorização ou subordinação do Réu ou conhecimento deste.


18.ª Circunstâncias que colidem frontalmente com uma das características essenciais inerentes a qualquer contrato de trabalho, e que reside na sua celebração intuitu personae.


19.ª Tudo elementos que revelam, em nosso entender, clara e inequivocamente, que o contrato celebrado e que ligou a Autora ao Réu não é compatível com a existência de um contrato de trabalho.


20.ª Acresce que, seja pelo nomen iuris atribuído ao contrato celebrado entre as partes, seja pelas cláusulas ali apostas, seja, por fim, por apelo aos indícios recolhidos, nada nos permite concluir que a vontade real das partes não coincidiu, justamente, com a que foi exarada no contrato escrito, designado de “contrato de prestação de serviços” para a atividade profissional de arquiteto.


21.ª Só assim não seria se a matéria de facto provada permitisse concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato.


22.ª O que a Autora não logrou provar.


23.ª Sendo a Autora uma pessoa culta e instruída não é defensável que desconhecesse o conteúdo e a natureza do contrato que celebrou e a que as partes atribuíram a referida designação. Os conhecimentos que detém nesta matéria são superiores aos do cidadão normal, ao cidadão médio.


Compreende, por isso, o sentido e alcance das declarações prestadas e inseridas no contrato a que se vinculou.


24.ª A que se aduz o facto do Recorrente ser uma pessoa coletiva de direito público – Autarquia Local – que aquando da cessação do contrato de prestação de serviços, cumpriu com o seu clausulado, e ainda, com as diretrizes emanadas pelo Inspetor da IGAL (Inspeção-geral da Administração Local), Sr. Dr. BB, aquando da realização da Inspeção Ordinária ao Município de "3..." ocorrida no início do ano de 2010 e que constaram a posteriori do Relatório Parcelar n.º 2 da IGAL (junto aos autos) e que foram nitidamente expressas ao Réu:


“Cfr. Pg. 26, § 1.º


(…) pelo que se recomenda o pronto e rigoroso cumprimento do legalmente estipulado, mediante designadamente a reapreciação, à luz do novo regime legal, de contratos de prestação de serviços com pessoas singulares, conforme previsto nos seus artigos 35.º e 94.º” (da Lei n.º 12-A/2008 – Regime de Vinculação, de carreiras e de remunerações).”


E mais,


“ Cfr. - 4.14 Das prestações de serviços – pg. 43


Pg. 44.


c) por iniciativa do Município e através dos despachos Presidenciais exarados aos 2010.01.25, 2010.01.25 e 2010.01.28 foram rescindidos os contratos de avença celebrados respetivamente com (…) CC (apoio técnico – arquitetura), cf. Listagem – C;


e) pese embora pequem por tardias saliente-se porém que, de momento, encontra-se o Gabinete Jurídico a desenvolver as pertinentes ações com vista à integral aplicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02, designadamente em sede de reapreciação, à luz do novo regime legal, de cinco contratos de prestação de serviços celebrados com pessoas singulares (…).”


25.ª Tudo isto para explicar, que o Recorrente limitou-se a prosseguir e a cumprir os dispositivos legais, que não estavam a ser cumpridos no domínio da gestão de pessoal e gestão de despesas com pessoal, nos termos da legislação vigente, sob pena de incorrer em responsabilidade disciplinar, nos termos do disposto no artigo 15.º da LEOA (Orçamento do Estado – Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) para o ano de 2009.


26.ª Sendo também absolutamente certo que a constituição da relação de emprego público na administração autárquica está sujeita a formalidades e princípios elementares, em que a seleção e recrutamento de pessoal está sujeita a um procedimento concursal, que deve ser devidamente regulado e publicitado, de acordo com o disposto na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e subsidiariamente, com o disposto na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.


27.ª Situação que, in casu, não se verificou.


28.ª Não sendo ainda despicienda a versão do Tribunal Central Administrativo Sul proferida nestes autos, em Acórdão proferido em 26 de Outubro de 2023, que expressamente referiu o seguinte:


“Como se sumariou no Acórdão do STA, de 16.01.2008, Processo n.° 0780/07, aqui aplicado mutatis mutandis, "A relação jurídica constituída entre os outorgantes titulada pelo contrato de avença, foi uma relação jurídica de direito privado, não tendo, na sua base um conflito em torno da conformação de uma relação jurídica de direito público, não sendo os Tribunais Administrativos competentes para a sua resolução.


Acresce que a vinculação ao município da referida trabalhadora, iria subverter o regime de admissões na Administração Autárquica, a qual estava já então sujeita a um conjunto de formalidades que invalidavam e impediam a qualificação da Recorrente como funcionária ou agente.


Efetivamente, a seleção e recrutamento de pessoal estava já sujeita a um procedimento concursal, nos termos da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e subsidiariamente, do disposto na Lei n.° 59/2008, de 11 de Setembro, pelo que a eventual admissão da Recorrente nos quadros do Município à revelia dos referidos princípios concursais constituiria uma grave desvirtuação do regime legal vigente, violadora, nomeadamente, do principio da legalidade e da igualdade, pois que é incontornável que o contrato outorgado entre as partes, expressamente excluiu a possibilidade de conferir a qualidade de agente ou funcionário.


Em face de tudo quanto se expendeu, não merece censura a decisão recorrida.”


29.ª Tudo isto para se concluir, inequivocamente, que andou mal o tribunal a quo ao considerar que existiu um contrato de trabalho entre a Autora e o Réu.


30.ª O que jamais se pode conceber, pois resulta indemonstrado, perante o acervo fáctico e documental provado, que a relação jurídica que vigorou entre Autora e o Réu possa enquadrar-se ou subsumir-se no modelo típico do contrato de trabalho.


31.ª Sendo certo que o contrato de prestação de serviços celebrado terá sido o querido e o firmado entre a Autora e o Réu, que o subscreveram livre, consciente e voluntariamente, em pleno gozo, manifestação e exercício da sua vontade negocial esclarecida, e, sem qualquer coação, condicionamentos, divergências ou erros que viciassem ou afetassem essa vontade real declarada.


32.ª Em suma, dir-se-á que não tendo a Autora logrado provar que estivesse:


1. Sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, através do exercício do respetivo poder disciplinar da entidade que a contratou;


2. Sob conta e risco da Ré, mas sim com plena autonomia;


3. Em exclusividade no exercício dessa atividade;


Logo, não estão reunidos os pressupostos legais que subjazem ao conceito de contrato de trabalho.


33.ª Por conseguinte, a conclusão a extrair não pode ser outra: a da inexistência de um contrato de trabalho que vincule a Autora ao Réu, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo.


34.ª E denegada tal pretensão, prejudicadas ficam todas as restantes questões suscitadas.


35.ª Assim, o aqui Recorrente não pode estar de acordo com o douto tribunal a quo, sendo inquestionável que o tribunal interpretou e aplicou de forma errónea e contra legem as normas que fundamentam a sua decisão, decidindo em sentido contrário e incorretamente os presentes autos.


Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências não deixarão de doutamente suprir, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença proferida revogada, e em consequência, ser o Município de "3...", ora Recorrente, absolvido in totum do pedido formulado pela Autora,


Tudo, como é de Direito e de SÃ JUSTIÇA!»


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Contra-alegou a autora, propugnando pela improcedência do recurso.


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A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (por ter sido prestada caução).


-


O processo subiu à Relação e o Ministério Público emitiu parecer, a pugnar pela improcedência do recurso.


Não foi oferecida resposta.


Foram colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se a 1.ª instância errou ao qualificar o contrato celebrado entre as partes processuais como de trabalho, extraindo as devidas consequências do que se vier a decidir.


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III. Matéria de Facto


A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:


1- A Autora foi contratada pelo Réu, Município do "1...", com quem celebrou contrato epigrafado de prestação de serviços, em 3 de Janeiro de 2007, contrato anual para desempenho das funções de arquiteta;


2- Mercê do supra exposto, eram funções da Autora a conceção e projeção de conjuntos urbanos, edificações, obras públicas e projetos, prestando assistência técnica e orientação no decurso da respetiva execução, elaboração de informações relativas a processos na área da respetiva especialidade, incluindo o planeamento urbanístico, bem como sobre a qualidade e adequação de projetos para licenciamento de obras de construção civil ou de outras operações urbanísticas, colaboração na organização de processos de candidatura a financiamentos comunitários, da administração central ou outros, colaboração na definição de propostas de estratégia, metodologia e de desenvolvimento para as intervenções urbanísticas e arquitetónicas, coordenação e fiscalização na execução de obras, articulação das suas atividades com outros profissionais, nomeadamente, nas áreas do planeamento do território, arquitetura paisagística, reabilitação social e urbana e engenharia.


3- O referido contrato foi feito pelo prazo de um ano, renovável por idênticos períodos de duração, se nenhuma das partes o denunciasse.


4- Como contrapartida do desempenho das funções elencada em 2 a Autora recebia a quantia mensal de 1.241,32 €.


5- A Autora desempenhava as suas funções em gabinete próprio, que partilhava com outro colega, sito nas instalações do Réu, na Divisão de Administração Urbanística;


6- A Autora exercia as suas funções das 09.00 às 12 horas e 30 minutos e das 14.00 às 17 horas e 30 minutos, de segunda a sexta-feira.


7- No exercício das suas funções a Autora utilizava bens e equipamentos do Réu, nomeadamente, computador, papel e mobiliário diverso e tinha endereço de e-mail do Município.


8- No exercício das suas funções a Autora recebia ordens e instruções dos responsáveis pela Divisão de Administração Urbanística.


9- Apesar do supra exposto, a Autora não recebeu subsídios de férias nem de Natal, tendo gozado, ao final do primeiro ano, 10 dias de férias em período previamente acordado com o Réu no mês de Agosto, sem perda de remuneração.


10- As tarefas desempenhadas pela Autora visavam satisfazer necessidades permanentes do Réu, não se destinando a suprir necessidades ocasionais nem excecionais.


11- A Autora aceitou outorgar o referido contrato com o Réu Município do "1..." porque estava desempregada, sem auferir qualquer rendimento e sem meios de subsistência próprios, com a promessa por parte do Presidente da Câmara que logo que decorressem três anos sob o início do contrato, seria aberto concurso adequado para integrar o mapa de pessoal do Município.


12- Por indicação da IGAL, aquando da realização de uma Inspeção Ordinária ao Município do "1..." que teve lugar no início de 2010, o Réu procedeu à cessação do contrato da Autora com efeitos a 23 de Abril de 2010.


13- Apesar do supra exposto, a Autora, na qualidade de legal representante da sociedade C.C.., Lda. e o Réu celebraram, em 13 de Fevereiro de 2012, novo contrato anual que epigrafaram de prestação de serviços, para o desempenho das mesmas funções descritas em 2.


14- Autora e Réu celebraram sucessivos contratos anuais até que, em Dezembro de 2020 a Autora informou o Réu que iria desempenhar funções como arquiteta para o Município de "2...".


15- Mercê do supra exposto, a Autora retomou as mesmas funções que exercera antes para o Réu, emitindo este faturas mensais em nome da sociedade C.C.., Lda..


16- Com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário com “falsos prestadores de serviços”, vários trabalhadores do Réu integraram os quadros do Município.


17- Mercê do supra exposto, os colegas da Autora foram reconhecidos como necessidades permanentes do Estado e foi avaliado o vínculo jurídico ao abrigo do qual exerciam funções.


18- Apesar disso, a Autora não foi integrada no âmbito do referido PREVPAP por desempenhar a sua atividade através de uma pessoa coletiva.


19- A Autora trabalhava e executava as suas funções sob as ordens, direção e fiscalização do Réu Município do "1...". (este ponto será eliminado pelos motivos que se explicam mais adiante)


20- Para além disso, era imposta à Autora uma disponibilidade e exclusividade total para o exercício das correspondentes funções, mercê da celebração de contratos anuais, sendo a sua atividade prestada em horário pré-determinado pelo Réu, similar ao dos demais funcionários do Réu.


21- Quaisquer problemas ou ocorrências no exercício das suas funções eram reportadas aos superiores hierárquicos.


22- A Autora encontrava-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferia do Réu, com a qual contavam para o pagamento de todas as suas despesas familiares e pessoais.


23- Por se encontrar numa situação de dependência económica da retribuição que auferia do R. aceitou, sem reservas, as condições que lhe foram sendo impostas, assinou sem qualquer negociação nem discussão prévia, os contratos que lhe foram sendo apresentados e emitiu os recibos verdes que lhes eram exigidos.


24- Desde o início das suas funções para o Réu, nunca a Autora recebeu qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal.


25- A Autora iniciou contrato de trabalho em funções públicas no Município de "2..." no dia 8 de Março de 2021, situação que ainda hoje mantém.


26- A cessação do contrato promovida unilateralmente pelo Réu em 23 de Fevereiro de 2010 provocou tristeza, angústia e ansiedade na Autora, que se viu privada da sua fonte de rendimento e sem direito a subsídio de desemprego.


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Considerando que o relatado no ponto 19 constitui uma conclusão jurídica que responde diretamente à questão decidenda, e que, por isso, não pode integrar o elenco dos factos provados, elimina-se, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, tal ponto, visando suprir a deficiência da matéria de facto anotada.


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IV. Qualificação da relação contratual


Considerou a 1.ª instância que entre as partes processuais existiu um contrato de trabalho, com efeitos a partir de 3 de janeiro de 2007.


O Apelante quer ver esta questão reapreciada, defendendo que a relação contratual que existiu era de prestação de serviços.


Analisemos a questão.


Primeiramente, importa referir que atenta a cronologia dos factos e considerando o preceituado no artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, à situação em apreço nos autos aplica-se o Código de Trabalho de 2003 (na 3.ª versão, resultante da Lei n.º 9/2006, de 20-33), dado que a relação jurídica estabelecida entre as partes teve o seu início em 03-01-2007 e não sofreu alterações até 23-04-2010, data considerada, na sentença recorrida, como de despedimento.


E de harmonia com o estatuído no artigo 10.º do aludido Código, «[c]ontrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.»


Por sua vez, o artigo 12.º do mencionado diploma legal estipula: «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.»


Importa ainda ter em conta que àquele que invocar a existência de um contrato de trabalho, compete a alegação e prova dos factos constitutivos da existência de tal relação jurídica, nos termos previstos pelo artigo 342.º, n,º1, do Código Civil.


Na situação sub judice, com arrimo nos factos assentes, apurou-se, com relevância, o seguinte:


- A autora foi contratada pelo réu, Município do "1...", com quem celebrou contrato epigrafado de prestação de serviços, em 03-01-2007, para o desempenho das funções de arquiteta;


- Tal contrato foi feito pelo prazo de um ano e era renovável por idênticos períodos de duração, se nenhuma das partes o denunciasse;


- Autora e réu celebraram sucessivos contratos anuais;


- A autora exercia as funções para as quais foi contratada em gabinete que partilhava com outro colega, sito nas instalações do réu, na Divisão de Administração Urbanística;


- Utilizava bens e equipamentos do réu, nomeadamente, computador, papel e mobiliário diverso e tinha endereço de e-mail do Município;


- Tais funções eram exercidas das 09.00 às 12 horas e 30 minutos e das 14.00 às 17 horas e 30 minutos, de segunda a sexta-feira;


- No exercício das suas funções a autora recebia ordens e instruções dos responsáveis pela Divisão de Administração Urbanística;


- Quaisquer problemas ou ocorrências no exercício das suas funções eram reportadas aos superiores hierárquicos;


- As tarefas desempenhadas pela autora visavam satisfazer necessidades permanentes do réu, não se destinando a suprir necessidades ocasionais nem excecionais;


- Era imposta à autora uma disponibilidade e exclusividade total para o exercício das correspondentes funções, mercê da celebração de contratos anuais, sendo a sua atividade prestada em horário pré-determinado pelo réu, similar ao dos demais funcionários do réu;


- Como contrapartida do desempenho dessas funções recebia a quantia mensal de 1.241,32 €, passando recibos verdes;


- A Autora encontrava-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferia do réu, com a qual contava para o pagamento de todas as suas despesas familiares e pessoais;


- Nunca recebeu qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal;


- Gozou, no final do primeiro ano, 10 dias de férias em período previamente acordado com o réu no mês de agosto, sem perda de remuneração.


Ora atendendo a este circunstancialismo fáctico, afigura-se-nos ser manifesto que a autora logrou provar o alegado vínculo laboral entre as partes.


Desde logo, a autora, em função do contrato celebrado, obrigou-se a prestar a atividade de arquiteta para o réu, recebendo para o efeito, ordens e instruções dos responsáveis pela Divisão de Administração Urbanística do réu, que funcionavam como seus superiores hierárquicos e a quem reportava quaisquer problemas ou ocorrências que surgissem no exercício das funções.


Aliás, a autora executava as suas funções, diariamente, e de acordo com horário estabelecido, idêntico ao dos demais funcionários do réu, precisamente nas instalações da mencionada Divisão, onde tinha um gabinete que partilhava com um colega, fazendo uso, além disso dos bens e equipamentos do réu.


O réu beneficiava com a atividade prestada pela autora e independentemente do resultado dessa atividade, pagava à autora mensalmente uma quantia certa, como contrapartida da atividade.


Resulta assim evidente que a autora prestava, mediante retribuição, a atividade contratada sob as ordens, autoridade e direção do réu, perfeitamente inserida na estrutura organizativa do Município.


Ainda que fossem passados recibos verdes e não fossem pagas férias, nem subsídios de férias e de Natal, que são situações normalmente relacionadas com a prestação de trabalho autónomo ou independente, é sabido que a verificação de tais circunstâncias é comum quando o empregador não quer assumir a existência de um contrato de trabalho.


Logo, estes aparentes sinais de autonomia e independência, contextualizados e perspetivados numa apreciação global da relação contratual real, não correspondem a efetiva autonomia e independência na prestação da atividade contratada.


Por último, acresce referir que não é a denominação ou “nomen júris” que as partes deem ao acordo que determina a disciplina jurídica aplicável. A qualificação do contrato está sempre dependente dos termos em que a relação contratual realmente se desenvolve.


Enfim, atendendo a todo o exposto, julgamos que a 1.ª instância qualificou corretamente a relação jurídica estabelecida entre as partes como de contrato de trabalho.


Por conseguinte, impõe-se concluir que o recurso não pode proceder.


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As custas do recurso deverão ser suportadas pelo Apelante, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pelo Apelante.


Notifique.


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Évora, 27 de fevereiro de 2025


Paula do Paço


Mário Branco Coelho


João Luís Nunes

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: João Luís Nunes↩︎

2. O dispositivo citado contém a versão final, que resultou da retificação da sentença inicial.↩︎

3. Consultável em www.pgdlisboa.pt.↩︎