Sumário elaborado pelo relator:
I – Em processo de contraordenação laboral não podem aplicar-se, tout court, as regras e/ou princípios do processo penal, designadamente em matéria de acusação, sendo que a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação (artigo 37.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09).
II – As disposições conjugadas do artigo 36.º n.º 2 do Regulamento (UE) n.º 165/2014, e do artigo 25.º n.º 1 al. b) da Lei 27/2010, impõem a imediata apresentação aos agentes de controlo do cartão de condutor e das folhas de registo de atividade respeitantes aos 28 dias anteriores.
III – Em conformidade, comete a contraordenação aí prevista a arguida /recorrente cujo condutor ao seu serviço aquando da fiscalização não apresentou o cartão de condutor e as folhas de registo respeitantes aos 28 dias anteriores e se prova ainda que (a arguida) não atuou de forma diligente e prudente, com o cuidado necessário para cumprir com as suas obrigações legais, designadamente controlando se o seu condutor se fazia acompanhar dos registos legalmente exigidos no momento da fiscalização e emitindo as competentes declarações de atividade ou documentos equivalentes para a ausência dos registos.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1:
I. Relatório
Fipal – Fornecimento, Intercâmbio e Produção Avícola, S.A., impugnou judicialmente a decisão da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade de Apoio ao CL da Lezíria e Médio Tejo) que lhe aplicou a coima de € 3.800,00 pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 36.º, n.º 2 do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, e artigo 25.º, n.º 1 al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.
A infração consistiu, em síntese, no facto de no dia 03-07-2023 um trabalhador/motorista da arguida conduzir, no interesse, sob as ordens e fiscalização da mesma, o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ..-OP-.., sem que se fizesse acompanhar do cartão de condutor, bem como dos registos da sua atividade respeitantes aos 28 dias anteriores.
Por sentença de 11 de julho de 2024, do Juízo do Trabalho de Tomar, foi negado provimento ao recurso, assim confirmando a decisão da autoridade administrativa.
De novo inconformada, a recorrente interpôs recurso para este tribunal, tendo na motivação de recurso formulado conclusões, que assim se sintetizam:
1. a decisão da autoridade administrativa é nula, por não conter os elementos objetivo e subjetivo da contraordenação;
2. por isso, deveria a mesma ter sido rejeitada;
3. a factualidade vertida na decisão administrativa não é suficiente para configurar a contraordenação imputada à arguida;
4. a prova produzida não permite que o tribunal tenha dado os factos como provados;
5. ainda que a arguida/recorrente tenha praticado a contraordenação, a coima deve fixar-se no mínimo legal, ou seja, na quantia de € 2.040,00.
Admitido o recurso na 1.ª instância – com subida imediata e efeito meramente devolutivo –, ao mesmo aí respondeu o Ministério Público, a pugnar pela sua improcedência.
Subidos os autos a esta Relação, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.
Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Factos
A) A decisão recorrida deu como provada seguinte factualidade:
1. A arguida Fipal - Fornecimento, Intercâmbio e Produção Avícola S.A., com sede na ..., tem como atividade principal o comércio por grosso de outros produtos alimentares, CAE: 46382;
2. A arguida é representada legalmente, à data do auto de notícia, por AA, com o NIF ..., com morada na ..., na qualidade de presidente do conselho de administração;
3. No dia 03 de julho de 2023, pelas 15h54m, a arguida mantinha em circulação na Praça das Portagens de Torres Novas, na Comarca de Santarém, o veículo Pesado de Mercadorias de sua propriedade, com a matrícula ..-OP-.., conduzido pelo condutor BB e equipado com tacógrafo digital;
4. Nessa ocasião, sendo fiscalizado pela GNR, o condutor, trabalhador da arguida, não apresentou os registos referentes aos últimos 28 dias de trabalho, ou documento justificativo da sua ausência;
5. O referido condutor efetuava a condução do veículo e não se fazia acompanhar dos registos da sua atividade respeitantes aos 28 dias anteriores em que havia conduzido, não sendo possuidor do cartão de condutor e não apresentando qualquer disco/diagrama referente aos últimos 28 dias;
6. O condutor apresentou aquando a fiscalização o contrato de trabalho, nos termos do qual iniciara funções a 05 de dezembro de 2022;
7. O condutor não efetuou condução em todos os dias anteriores à data da fiscalização;
8. A arguida não emitiu qualquer declaração de atividade ou documento equivalente ao condutor fiscalizado, antes de o mesmo iniciar a sua condução no dia da fiscalização, de modo a justificar a ausência dos referidos registos;
9. A arguida não atuou de forma diligente e prudente, com o cuidado necessário para cumprir com as suas obrigações legais, designadamente controlando se o seu condutor se fazia acompanhar dos registos legalmente exigidos no momento da fiscalização e emitindo as competentes declarações de atividade ou documentos equivalentes para a ausência dos registos;
10. Durante o ano de 2022 a arguida apresentou um volume de negócios de 1.113.000,00€;
11. Dá-se aqui por reproduzido o registo/listagem de infrações da arguida constante de fls. 14 e 15 dos autos.
B) A decisão recorrida deu como não provada a seguinte factualidade:
1. que, no ato de fiscalização o motorista tenha desobedecido às ordens expressas da arguida;
2. que, diariamente, a arguida faça efetiva e adequada organização e planeamento das viagens dos seus motoristas, exerça poder de vigilância e controlo sobre a atividade do motorista em causa, ministre mensalmente ao seu motorista formação profissional de utilização e manuseamento de tacógrafos e demais regulamentação comunitária e legal por forma a garantir o cumprimento das regras legais;
3. que, no caso concreto do motorista identificado nos autos, a arguida tenha organizado as jornadas de trabalho, emanado instruções e diretivas no sentido de aquele inserir o cartão de condutor no tacógrafo e que deve ser portador do documento de declaração de atividade e inclusive tenha ministrado formação sobre a regulamentação social do transporte e ainda procedido a um efetivo controle dos registos dos motoristas;
4. que a arguida, diariamente, organize, oriente e fiscalize a atividade dos motoristas por forma a que estes possam cumprir as obrigações legais em matéria de transporte rodoviário, nomeadamente para que se façam acompanhar das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e de impressão efetuados de modo a serem apresentados a agentes fiscalizadores.
C) No n.º 11 da matéria de facto dá-se por reproduzido o registo de listagem de infrações da arguida que consta de fls. 14 e 15 dos autos em suporte físico.
Considerando que da matéria de facto devem constar “factos”, e não remessa apenas para documentos que os possam conter, entende-se dever-se aqui consignar o que consta de fls. 14 e 15.
Assim, sob o n.º 11-A da matéria de facto acrescenta-se:
«De acordo com os referidos documentos:
(i) em 14-10-2014, a arguida praticou uma contraordenação muito grave, a título negligente, por infração ao disposto no artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo em 09-12-2015 sido condenada na coima de € 2.060,00;
(ii) em 15-10-2015, a arguida praticou uma contraordenação muito grave, a título negligente, por infração ao disposto no artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo em 18-02-2019 sido condenada na coima de € 2.720,00;
(iii) em 29-10-2019, a arguida praticou uma contraordenação muito grave, a título negligente, por infração ao disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo em 20-12-2021 sido condenada na coima de € 1.450,00;
(iv) em 29-10-2019, a arguida praticou uma contraordenação muito grave, a título negligente, por infração ao disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo em 20-12-2021 sido condenada na coima de € 1.450,00;
(v) em 13-11-2018, a arguida praticou uma contraordenação muito grave, a título negligente, por infração ao disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo em 03-02-2022 sido condenada na coima de € 2.040,00».
3. O Direito
Como resulta da sintetização das conclusões da motivação de recurso, neste a recorrente coloca várias questões, as quais já têm sido objeto de apreciação e decisão uniformes por parte deste tribunal.
Por isso, na análise e decisão do recurso iremos ser breves, visto que as questões suscitadas não justificam alongado desenvolvimento.
Assim, desde logo quanto à matéria de facto que o tribunal deu como provada, importa ter presente que este tribunal apenas conhece da matéria de direito, salvo as questões de conhecimento oficioso que decorrem do artigo 410.º do Código de Processo Penal (cfr. artigo 51.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro).
A recorrente não invoca qualquer um dos específicos vícios deste artigo, nem se vislumbra que algum deles possa estar presente, designadamente o erro notório na apreciação da prova, o que pressuporia uma falha grosseira e ostensiva na apreciação da prova, percetível por um cidadão comum; ou seja, era necessário que perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o “senso comum”, o cidadão comum facilmente se apercebesse que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos.
Além disso, o auto de notícia faz fé em juízo (artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009) pelo que os factos materiais dele constantes consideram-se provados a não ser que fundadamente sejam postos em causa.
É manifesto que no caso tal não de se verifica: tendo presente o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal deu como provados os factos; a recorrente poderá discordar desses factos dados como provados: não pode é, face ao disposto no referido artigo 51.º, recorrer dessa matéria de facto fixada.
A recorrente sustenta também que a decisão da autoridade administrativa (ACT) devia ter sido rejeitada, por não conter os elementos objetivo e subjetivo da contraordenação, remetendo para o disposto no artigo 283.º do Código de Processo Penal.
Mas sem razão.
Desde logo porque não podem transpor-se, diremos tout court, as regras e/ou princípios do processo penal para o regime das contraordenações (neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 19-06-2008 e de 12-03-2019, procs. n.º 336/2008 e n.º 141/2019, respetivamente, bem como o recente acórdão deste tribunal de 13-02-2025, proferido no proc. n.º 42/24.0T8SNS.E1).
Com efeito, a propósito do regime geral das contraordenações e da decisão condenatória nela proferida pela autoridade administrativa, advertem Oliveira Mendes e Santos Cabral (Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pág. 194), que nos encontramos «(…) no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada».
Ou seja, mister é que a decisão contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenado e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão; porém, (a decisão) não tem que ter o rigor de uma sentença penal.
Dito ainda de outro modo: tendo em conta um destinatário comum, importa que a decisão da autoridade administrativa contenha, além do mais, uma descrição sucinta dos factos que são imputados à arguida, a respetiva subsunção jurídica e a indicação das circunstâncias que justificam a aplicação da concreta coima, de modo a que sejam compreensíveis as razões da condenação; ou, como se escreveu no acórdão da secção criminal deste tribunal de 07-02-2017 (Proc. n.º 277/15.7T8TVR.E1), «a fundamentação da decisão administrativa será (…) suficiente desde que justifique as razões pelas quais, de acordo com os critérios da normalidade, é aplicada esta ou aquela sanção ao recorrente, de modo a que, lendo a decisão, este possa compreender as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos».
Daí que a decisão administrativa não tenha que obedecer, em toda a sua extensão, ao disposto, por exemplo, no artigo 283.º do Código de Processo Penal – uma vez que apresentação dos autos ao juiz vale como acusação (artigo 37.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09) – ou nos artigos 358.º, 359.º, 374.º e 379.º do referido compêndio legal.
Ainda em relação à decisão condenatória da autoridade administrativa, estipulam as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 – que correspondem às alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 58.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 – que a decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas e as normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.
E o n.º 5 do mesmo preceito legal prescreve que «[a] fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do processo de contra-ordenação».
Além disso, como se disse e se reitera, o auto de notícia faz fé em juízo (artigo 13.º, n.º 4 da Lei n.º 107/2009) pelo que os factos materiais dele constantes consideram-se provados a não ser que fundadamente sejam postos em causa.
Mas ainda: nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, a empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional (n.º 1); tal responsabilidade só é excluída se a empresa demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor cumprisse o estabelecido legalmente (n.º 2 do mesmo artigo).
Consagra-se, assim, uma presunção juris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à empregadora do condutor do transporte rodoviário.
Compreende-se essa responsabilidade das empresas de transportes: por um lado, não pode olvidar-se que muitas das vezes a razão do trabalhador/condutor violar as regras estradais e laborais e, assim, pôr em causa a segurança rodoviária, radica no desproporcionado volume de trabalho que lhe é cometido e na respetiva organização, sendo as entidades empregadoras/empresas de transportes que têm interesse e beneficiam da realização do trabalho naqueles circunstâncias; por outro lado, cometendo-se a tais empresas a obrigação de cumprirem o disposto no Regulamento e de darem instruções adequadas aos condutores e efetuarem controlos regulares, essas instruções e controlo não podem deixar de abranger o que se refere à necessidade dos condutores se fazerem acompanhar dos documentos necessários com vista às entidades de fiscalização aferirem da observância ou não das normas do Regulamento.
E é nesta mesma linha que se deverá interpretar o citado n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30-08, ao prescrever que a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85 e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, atualmente no Regulamento 165/2014.
Assim, competia à empresa/recorrente demonstrar que organizou o trabalho de acordo com os Regulamentos, organização essa onde se inclui a instrução e formação aos condutores sobre o cumprimento dos Regulamentos, designadamente quanto a fazerem-se acompanhar dos tacógrafos referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores para serem apresentados aos agentes de fiscalização quando para tal solicitados, ou de documento(s) justificativo(s) da sua não apresentação, quando para tal tenham sido solicitados.
Como este tribunal tem repetidamente afirmado, o artigo 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014, pretende, essencialmente, assegurar a imediata apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores, sendo a obrigação de apresentação que constitui o dever imposto pela norma e, «(…) não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator» [acórdão deste tribunal de 11-05-2023 (proc. 1351/22.9T8TMR.E1); no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos, também deste tribunal, de 24-05-2018 (proc. n.º 977/17.7T8PTG.E1), de 31-10-2018 (proc. n.º 138/18.8T8STR.E1 ), de 27-06-2019 (proc. n.º 2276/18.8T8EVR.E1) e de 23-11-2023 (proc. n.º 1872/23.6T8PTM.E1].
Por isso, face ao disposto nos artigos 3.º a 8.º da matéria de facto provada, temos por manifesto que se verifica o elemento objetivo da contraordenação.
E o mesmo se verifica quanto ao elemento subjetivo, face ao constante do n.º 9 da matéria de facto: o n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 27/10, de 30-08, prescreve que a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CE) n.º 3821/85 e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, atualmente Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de fevereiro de 2014.
Ora, a obrigatoriedade da apresentação dos documentos encontra-se especificamente prevista neste Regulamento, maxime no seu n.º 36, n.º 2.
Por isso, quer do artigo 36.º, n.º 2 do Regulamento n.º 165/2014, quer do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, resulta a responsabilidade da empresa pela infração.
Para excluir essa responsabilidade caberá então à empresa demonstrar que organizou o trabalho de acordo com os Regulamentos, organização essa onde se inclui, volta-se a sublinhar, a instrução e formação aos condutores sobre o cumprimento dos Regulamentos quanto a fazerem-se acompanhar dos tacógrafos referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores para serem apresentados aos agentes de fiscalização quando para tal solicitados, ou de documento(s) justificativo(s) da sua não apresentação.
No caso em apreciação não se provou que a arguida tenha organizado as jornadas de trabalho, emanado instruções e diretivas no sentido do motorista inserir o cartão de condutor no tacógrafo e que deve ser portador do documento de declaração de atividade e inclusive tenha ministrado formação sobre a regulamentação social do transporte e ainda procedido a um efetivo controle dos registos dos motoristas (facto não provado sob o n.º 3), provando-se, ao invés, que não atuou de forma diligente e prudente, com o cuidado necessário para cumprir com as suas obrigações legais, designadamente controlando se o seu condutor se fazia acompanhar dos registos legalmente exigidos no momento da fiscalização e emitindo as competentes declarações de atividade ou documentos equivalentes para a ausência dos registos (facto provado sob o n.º 9).
Mostra-se, por isso, verificado o elemento subjetivo da contraordenação que, como temos afirmado em diversos acórdãos, estando em causa a culpa negligente da arguida resulta da omissão do dever de cuidado desta quanto ao cumprimento pelo seu trabalhador/condutor de fazer-se acompanhar dos tacógrafos em causa ou documento justificativo dessa omissão; ou seja, o elemento subjetivo decorre da omissão pela arguida das medidas necessárias ao cumprimento das normas legais a que estava obrigada.
Finalmente, a recorrente considera que o montante da coima é excessivo, que deve ser reduzido ao mínimo legal, que quantifica em € 2.040,00.
Também aqui sem razão.
Atente-se no que a propósito se escreveu na decisão recorrida (excluem-se notas de rodapé):
«A contraordenação imputada é punida com coima entre 20UC e 300 UC, ou seja, entre 2.040€ (dois mil e quarenta euros) e 30.600€ (trinta mil e seiscentos).
No presente caso, a decisão recorrida considerou a situação de reincidência em que a arguida se encontra - o que se comprova, em face do registo de infrações junto -, situação que a arguida não questionou, tendo sido cumprido o competente contraditório (fls. 11). Neste caso, os limites mínimo e máximo da coima são elevados em um terço do respetivo valor, não podendo ser inferior ao valor da coima aplicada pela contraordenação anterior, desde que os limites mínimo e máximo desta não sejam superiores aos daquela (art. 561.º n.º 2 do Código do Trabalho, ex vi art. 12.º n.º 1 da Lei 27/2010, de 30 de agosto).
Como tal, aplicando o referido normativo relativamente às contraordenações muito graves, as molduras sancionatórias aplicáveis são de coima entre 26,66 UC (2.719,32€) e 400UC (40.800€).
Na decisão recorrida considerou-se justa e adequada a aplicação de uma coima de 3800€ (três mil e oitocentos euros), (…) considerando a gravidade da contraordenação em causa (muito grave), as finalidades da disposição infringida e o grau de censurabilidade imputável à arguida (muito elevado), o benefício económico que a arguida retirou da prática da contraordenação, assim como o volume de negócios apresentado pela mesma, tendo em conta o disposto no artigo 18.º do Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (…) e artigo 559.º do Código do Trabalho (…)
Ponderando a globalidade dos factos provados considera-se razoável a coima referida».
Ora, tendo em conta que a gravidade da contraordenação, qualificada como muito grave, que a arguida/recorrente é reincidente, que tem registadas várias condenações por contraordenação, o limite mínimo e máximo da coima, e desconhecendo-se a concreta situação económica da arguida – sabendo-se apenas que no ano de 2022 teve um volume de negócios de € 1.113.000,00, entende-se por equilibrada a coima concretamente aplicada, ou seja, de € 3.800,00.
Aqui chegados, e sem desdouro pela argumentação da recorrente, a mesma não pode proceder, pelo que se impõe confirmar a decisão recorrida.
Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respetivas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e respetiva tabela III anexa).
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 27 de fevereiro de 2025
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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1. Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Paula do Paço, (2) Emília Ramos Costa.↩︎