Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – O erro na forma de processo só determina a anulação de todo o processado se os atos praticados não puderem ser aproveitados, ou se desse aproveitamento resultar uma diminuição das garantias de defesa do Réu.
II – Não se verifica essa situação se o autor, mediante a apresentação de petição inicial, propôs ação que qualificou como de “impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho”, e em sede de despacho liminar o juiz julgou verificada a existência de erro na forma de processo e, considerando que a petição inicial respeitava o disposto nos artigos 51.º e segts. do Código de Processo do Trabalho, no aproveitamento dos atos, determinou que o processo passasse a seguir a forma comum.
III – Ao juiz da 1.ª instância cabe ampliar a matéria de facto, desde que os factos tenham resultado da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão.
IV - Omitindo esse poder-dever caberá à parte interessada requerer essa ampliação.
V – Não pode, em sede de recurso e de impugnação da matéria de facto, aditarem-se factos pretendidos pelo recorrente, remetendo-se para a gravação da prova e alegações, se não resulta dos autos que a 1.ª instância ampliou essa matéria de facto, ou que essa ampliação foi requerida pela parte interessada.
VI – Na fixação da matéria de facto nada impede que 1.ª instância extraia ilações da matéria de facto, ou seja, que possa intuir desta a existência de outros factos enquanto decorrentes, em termos de normalidade, e com apoio nas regras da experiência comum.
VII – Ainda que um contrato de trabalho fosse nulo, por impossibilidade legal de à data a ré o poder celebrar, deixando de subsistir essa impossibilidade o contrato considera-se convalidado desde o início da execução (artigos 122.º e 125.º do Código do Trabalho).
VIII – Tendo um empregador público (município) concedido uma licença sem retribuição ao autor (a pedido deste, que naturalmente nisso teria interesse), nada impede, face ao princípio da liberdade contratual, a celebração entre ele e a ré (empresa intermunicipal de capitais maioritariamente públicos), com referência à data do início daquela licença, de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para o exercício de funções de diretor-geral e manutenção do vínculo para lá do termo da comissão.
IX – Não se verifica renúncia do trabalhador à retribuição por isenção de horário de trabalho se não resultam da matéria de facto quaisquer elementos/comportamentos do autor que permitam deduzir/concluir por essa renúncia, ainda que tácita.
X – Para efeitos de exclusão de reintegração do trabalhador e concluir que o regresso deste é gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa, não basta a existência de um mal-estar entre ele e o empregador, ou até entre ele e outros trabalhadores.
XI – E não pode proceder essa oposição à reintegração se da matéria de facto se extrai que os fundamentos essenciais da mesma foram culposamente criados pelo empregador.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1:
I. Relatório
AA, intentou, no Juízo do Trabalho de ..., “ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 26º do Código de Processo do Trabalho” contra Ambilital, Investimentos Ambientais no Alentejo, E.I.M., pedindo, a final, que seja “declarado nulo” o seu despedimento e a ré condenada:
(i) a reintegrá-lo nas condições em que exerceu funções até abril de 2023, com isenção de horário de trabalho e incluindo “remuneração, viatura, combustível, telemóvel, seguro de saúde e mais regalias em vigor na empresa”;
(ii) a pagar-lhe as diferenças salariais relativas aos meses de maio, junho e julho de 2023, no montante de € 3.413,08, e a totalidade dos salários de julho, a partir do dia 10, de agosto, setembro e outubro de 2023, e os vincendos a partir dessa data, quantias acrescidas de juros de mora desde o vencimento de cada mensalidade;
(iii) a pagar-lhe o valor dos benefícios em espécie – viatura, combustível, telemóvel e seguro de saúde – a liquidar posteriormente, correspondente ao período em que esteve privado dos mesmos;
(iv) a pagar-lhe quantia não inferior a € 25.000,00, “pelos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do assédio e discriminação”.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que em 18 de março de 2014 e para o exercício das funções de diretor-geral, celebrou com a ré um contrato de trabalho, em comissão de serviço.
No referido contrato foi acordado que após a cessação da comissão de serviço se mantinha ao serviço da ré, mantendo-se também o respetivo clausulado contratual, nomeadamente quanto a retribuição e isenção de horário de trabalho.
Todavia, em 19 de agosto de 2021, a ré fez cessar a comissão de serviço, colocando-o no seu quadro, mas com a categoria de Técnico Superior, 2.º escalão, e, posteriormente, a partir de 02-05-2023, apresentou-se ao serviço, mas sem que lhe tenham sido atribuídas quaisquer funções e tendo-lhe sido retirada parte da retribuição; e em 10 de julho de 2023 foi-lhe entregue uma comunicação pela ré, onde considerava nulo o contrato de trabalho em comissão de serviço, e fazia cessar a relação laboral como efeitos imediatos.
Contudo, acrescentou, o despedimento foi/é ilícito, por inexistência de procedimento disciplinar e de fundamento para o despedimento, sendo que a ré teve para consigo um comportamento assediante, em razão do que deve ser indemnizado.
Em sede de despacho liminar, foi declarada a existência de “erro na forma de processo, respeitando o articulado do trabalhador o disposto nos artigos 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, o mesmo é aproveitado para a forma de processo legalmente admissível no caso, a forma comum, sob a qual os autos deverão passar a correr os seus termos”.
A ré recorreu deste despacho, mas o recurso não foi admitido.
E em contestação, para além de invocar várias exceções e pugnar pela improcedência da ação, alegou ainda que caso o despedimento seja declarado ilícito deve ser substituída a reintegração do autor por uma indemnização, a fixar pelo tribunal “nos limites legais”.
Os autos prosseguiram os trâmites legais, vindo a ser proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Pelo exposto, o tribunal julga a acção procedente por provada e, consequentemente, declara ilícito o despedimento do autor AA levado a cabo pela ré “AMBILITAL, Investimentos Ambientais no Alentejo, ELM” e:
1. Na improcedência da oposição que deduziu, condena a ré a reintegrar o autor em regime de isenção de horário de trabalho, com antiguidade reportada a 18.03.2014, na categoria de Diretor Técnico, 2.º Escalão, correspondente em Julho de 2023 a Direcção Superior 2.º escalão, com a retribuição base mensal de €3.460,00 (três mil quatrocentos e sessenta euros) e com as retribuições em espécie veículo automóvel, cartão para abastecimento de combustível com o limite anual de 25.000 Km e telemóvel, para uso profissional e pessoal, seguro de saúde e demais regalias em vigor na empresa.
2. Condena a ré no pagamento ao autor das retribuições mensais base, incluindo subsídios de férias e de Natal, que se venceram desde 10.07.2023, acrescidas das que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente acção, com juros de mora desde a data de vencimento de cada mensalidade, bem como das retribuições em espécie veículo automóvel, cartão para abastecimento de combustível com o limite anual de 25.000 Km, telemóvel, estritamente na parte em que os mesmos se destinam a uso pessoal e seguro de saúde, sendo as mesmas devidas desde 10.07.2023 até ao trânsito em julgado da presente acção, não podendo exceder o montante ganho pelo autor nesse período a título de retribuição base e sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 390.º, que o empregador deverá entregar na Segurança Social caso o trabalhador tenha recebido ou venha a receber subsídio de desemprego, tudo a liquidar em incidente próprio.
3. Condena a ré a pagar ao autor a quantia de €3.387,31 (três mil trezentos e oitenta e sete euros e trinta e um cêntimos) a título de retribuições devidas de Maio a 09 de Julho de 2023, com juros de mora desde a data de vencimento de cada mensalidade.
4.Condena a ré a pagar ao autor as retribuições em espécie veículo automóvel, cartão para abastecimento de combustível com o limite anual de 25.000 Km e telemóvel, estritamente na parte em que os mesmos se destinam a uso pessoal, devidas desde que a data em que este deixou de auferir os respectivos benefícios até 09.07.2023, cujo valor a apurar se relega para liquidação de sentença, não podendo exceder o valor da parte da retribuição em dinheiro.
5. Condena a ré a pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €25,000.00 (vinte e cinco mil euros)».
Inconformada com a sentença, a ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as (extensas) conclusões que se transcrevem (excluem-se notas de rodapé):
«1. Para efeitos do previsto no art. 81.º, n.º 1, do CPT, o presente recurso tem por objeto (1) a sentença proferida nos autos pelo Tribunal “a quo” em 27-06-2024, com o fundamento de recorribilidade previsto no art. 79.º-A, n.º 1, al. a), do CPT, e (2) o despacho de convolação de 30-11-2023, com o fundamento da recorribilidade previsto no art. 79.º-A, n.º 3, do CPT.
2. Na sentença, o Tribunal “a quo” invocou uma suposta proibição legal de celebrar cedência de interesse público decorrente do art. 50.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2014), questão nova e inesperada sobre a qual nenhuma das partes se pôde pronunciar, porque nenhuma delas, nem sequer o Tribunal, a invocou durante o processo.
3. As partes foram assim mantidas pelo Tribunal “a quo” num desconhecimento daquilo que constaria da fundamentação da sentença e cuja aplicação, caso fosse correta, dada a perentoriedade da norma – ainda por cima de valor reforçado –, neutralizaria grande parte da argumentação da Recorrente sobre a validade do contrato de trabalho dos autos, afigurando-se, nessa medida, uma questão decisiva para resolução do litígio.
4. Omitindo um ato que a lei impõe (conceder o contraditório às partes sobre questões jurídicas não debatidas ou sequer invocadas), o Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 3.º, n.º 3, do CPC, incorrendo na nulidade prevista no art. 195.º, n.º 1, que se invoca para efeitos de anulação da sentença e devolução dos autos à 1ª Instância para cumprimento dessa formalidade, com prejuízo para o entretanto processado.
5. O despacho do Tribunal “a quo” de 30-11-2023 (ref.ª 98446293), onde decidiu aproveitar o articulado inicial apresentado pelo Recorrido para uma ação comum, apesar de este escolher claramente a forma de processo especial de “ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento” e pretender que o tribunal declare a ilicitude daquilo que continua a considerar ter sido um despedimento, ignora um facto do conhecimento do próprio Tribunal: no proc. n.º 240/23.4... do mesmo Juízo do Trabalho de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o Recorrido já tinha proposta contra a Recorrente a mesma ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento através da apresentação do formulário a que alude o art. 98º- C do CPT, de modo que a questão do erro na forma do processo não é nova e o Tribunal já se tinha pronunciado sobre ela, aliás em sentido favorável à Recorrente, aí ré, indeferindo liminarmente a ação (cf. certidão junta com o requerimento de 20-12-2023, ref.ª 7695747).
6. Não houve qualquer despedimento, apenas a invocação de nulidade contratual com fundamento em violação de normas legais imperativas, como afirma o próprio Tribunal “a quo” sobre o ofício onde a Recorrente o fez, dizendo que “não resulta que foi invocado um despedimento fundado em justa causa (imputado ao trabalhador) por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação do trabalhador, antes foi comunicada ao trabalhador a cessação do contrato como fundamento da sua nulidade”.
7. Tal impede o aproveitamento do articulado, pois, não sendo lícito ao Tribunal “a quo” alterar o pedido e a causa de pedir – direitos apenas conferidos às partes – encontrando-se vinculado à configuração que a parte deu à ação, não pode a ação destinada à impugnação da regularidade e licitude do despedimento ser aproveitada para impugnar outra realidade distinta (invocação de nulidade contratual), nem pode o tribunal “a quo”, numa ação comum, emitir pronúncia sobre o objeto da ação especial e seu pedido como configurados pelo Recorrido.
8. Estes são obstáculos incontornáveis que impediam o Tribunal “a quo” de lançar mão do mecanismo previsto no art. 193º do CPC, que pressupõe a inexistência de obstáculos de índole não formal: o que está alegado e peticionado na P.I. do Recorrido pressupõe necessariamente que houve um despedimento e que este deve ser declarado ilícito, o que implica a utilização da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e não é transmutável para uma ação comum destinada a apreciar uma situação não reconduzível a um despedimento, em qualquer das suas modalidades.
9. Mais, sendo a segunda vez que o Recorrido erra na forma processual, deve, em conformidade com o princípio da autorresponsabilidade das partes, suportar as respetivas consequências, as quais, por não estarmos perante uma situação que legitime o uso da forma especial e não aproveitável para a forma comum, são o decretamento de nulidade por erro na forma do processo, nos termos dos artigos 193º, 576º nº 1, 577º al. b) e 560º nº do CPC, ex vi do art. 1º nº 2 c) do CPT, o que deverão Vossas Excelências declarar, com anulação do processado e absolvição da Recorrente da instância, sob pena de colocar injustificadamente em causa o princípio da economia processual, permitindo que o Recorrido proponha repetidas ações até acertar.
10. O despacho de convolação violou ainda a norma do art.º 193, n.º 2, do CPC, na medida em que transmutou a ação especial de impugnação da regularidade e licitude proposta pelo Recorrido, que prevê um prazo para contestar de 15 dias (art. 98.º-L, n.º 1, do CPT), numa ação comum, que apenas prevê um prazo de 10 dias (art. 56.º, al. a), do CPT), com evidente diminuição de garantias da ré, ora recorrente, tanto que teve de solicitar a prorrogação do prazo para contestar, deferida pelo Tribunal.
11. O Tribunal “a quo” conhecia esta diminuição de garantias, pois sentiu-se na necessidade de deferir a prorrogação solicitada, situação que, independentemente do resultado prático, demonstra uma violação da citada norma, o que é fundamento para Vossas Excelências recusarem a convolação autorizada e revogarem o despacho, anulando todo o processado e absolvendo a Recorrente da instância.
12. Declarando-se competente para julgar o litígio dos autos, o Tribunal “a quo”, por força do art.º 91, n.º 1, do CPC, teria de conhecer da nulidade dos atos de concessão e prorrogação de licença invocada pela Recorrente e da nulidade contratual consequente, assim como da nulidade contratual decorrente da violação do disposto no art. 29.º da Lei 50/2012, de 31 de agosto (RJAEL) invocadas pela Recorrente – questões materialmente administrativas, que implicam aplicação de regimes do foro administrativo e não laboral comum.
13. Tendo a Recorrente invocado a nulidade dos atos de concessão e prorrogação da licença sem remuneração concedida pelo Município de ... ao Recorrido em 18-03-2014, por terem sido praticados sem qualquer motivo de interesse público, exclusivamente para fins de interesse privado (do Recorrido), enquanto causa de nulidade expressamente prevista no art. 161.º, n.º 2, al. e), do CPA, não houve qualquer consolidação do ato ou atos na ordem jurídica, porquanto esse desvalor jurídico impede a produção de efeitos do ato ab initio sem necessidade de qualquer declaração prévia de invalidade, podendo ser invocado a todo o tempo e a todo o tempo conhecido por qualquer autoridade ou tribunal (art. 162.º CPA).
14. Mesmo sem qualquer pronúncia da jurisdição administrativa sobre a questão, o vício e sanção jurídica para o ato em causa podia ser invocado pela Recorrente, como foi, e conhecido pelo Tribunal “a quo”, como lhe era exigido pelo art.º 91, n.º 1, do CPC.
15. A Recorrente tem um interesse atual e efetivo na declaração de nulidade do ato de concessão da licença sem remuneração pelo Município de ... ao Recorrido e suas prorrogações, para os efeitos do art. 55.º, n.º 1, do CPTA, pois essa declaração afetaria diretamente a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço e relação laboral por ele prevista para depois da comissão, o que se traduziria não só numa vantagem jurídica como numa clara vantagem económica, já que, não pretendendo a atual administração que o Recorrido desempenhe funções na empresa (facto provado n.º 66), pouco ou nada teria de pagar ao Recorrido em decorrência da nulidade do vínculo, de modo que a Recorrente tem legitimidade, nos termos dos artigos 9.º e 55.º do CPTA, para impugnar tais atos administrativos.
16. Em todo o caso, tal questão afigura-se-nos pouco relevante, já que a nulidade do ato administrativo pode e deve ser reconhecida por qualquer autoridade ou tribunal, independentemente de pronúncia prévia da jurisdição administrativa e de alegação das partes (art. 162.º CPA).
17. A Recorrente não contesta a antiguidade legal do regime da licença sem retribuição, apenas a prossecução de algum interesse público com a concessão daquela dos autos, pois, ao ter sido atribuída uma licença pelo Município de ... ao Recorrido em 18-03-2014 pelo período de 11 meses e sucessivamente prorrogada em 16-02-2015, 04-11-2016 e 25-06-2018, de modo que hoje está em vigor até 17-02-2030, pura e simplesmente abdica-se de um trabalhador contratado pela autarquia por um período total de 16 anos (!), sem justificação ou motivação, dizendo-se apenas que “foi deferida” ou “foi concedida”, donde se concluir ter servido apenas o interesse pessoal e privado do Recorrido, aliás também não identificado nesses despachos da autarquia.
18. O facto de o art. 280.º, n.º 1, da LTFP, parecer admitir uma licença sem motivo, a mero pedido do trabalhador, não dispensa o dever de fundamentação do ato pelo qual é concedida, sob pena de não ser possível identificar qual o interesse público subjacente, o que não é infirmado por se tratar de ato no uso de poderes discricionários, pois a atuação da Administração não é aí totalmente livre, continuando adstrita aos princípios gerais da atividade administrativa, entre os quais os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da boa administração (arts. 3º, 4º e 5º do CPA).
19. O próprio prazo total da licença contraria o regime legal aplicável, na medida em que o art. 280.º, n.º 2, da LTFP, prevê típica e objetivamente as situações em que é admissível a licença de longa duração (licenças superiores a 60 dias) e a licença concedida ao Recorrido e sucessivamente prorrogada não se enquadra no elenco do n.º 4 desse artigo, sendo que a concessão “genérica” de licença nos termos do n.º 1 pressupõe a não ultrapassagem do prazo de 60 dias, já que o legislador não viu necessidade de tipificar os casos em que tal ocorre, mas já criou para as restantes o regime específico dos n.º 2, 3 e 4.
20. A licença é assim nula e de nenhum efeito, significando que o vínculo de trabalho em funções públicas do Recorrido com o Município de ... nunca se suspendeu e, por conseguinte, a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18-03-2014 violou o regime de exclusividade imperativamente imposto pelos art. 20.º e 22.º da LTFP, sendo certo inexistir autorização para acumulação de funções, aliás não cumuláveis por natureza, o que configura violação de normas legais imperativas que, nos termos do art. 294º do Código Civil (CC), eiva de nulidade esse contrato de trabalho, assim o devendo declarar Vossas Excelências, absolvendo a Recorrente dos pedidos de reintegração, pagamento de “salários intercalares” e pagamento pela Recorrente de indemnização por danos não patrimoniais pelo Recorrido formulados, quanto a este último por toda a atuação da Recorrente estar justificada pela nulidade contratual, a isso e só isso se devendo a sua conduta para com a situação do Recorrido, nunca para lhe causar qualquer tipo de ambiente humilhante, hostil ou sequer desconfortável.
21. Precisamente por o Recorrido ser funcionário público do Município de ... (facto provado n.º 35) e a cedência de interesse público que deveria ter sido celebrada entre as partes visar o desempenho, pelo Recorrido, de funções na empresa da Recorrente, enquanto empresa municipal excluída do âmbito de aplicação da LVCR e atualmente da LTFP nos termos do art. 28.º do RJAEL, é que a norma do art. 50.º, n.º 1, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (LOE 2014) não se aplica, proibindo apenas a celebração de acordo de cedência de interesse público “com trabalhador de entidade excluída do âmbito de aplicação objetivo da mesma lei” (Lei n.º 12-A/2008, de 27/02), que não é o caso do Recorrido.
22. Desse diploma não decorria, pois, qualquer impedimento legal à celebração de cedência de interesse público entre empregador incluído no âmbito de aplicação da LVCR e atual LTFP (Município de ...) e empregador excluído desse âmbito (Recorrente) para que um trabalhador do primeiro (Recorrido) fosse exercer funções no segundo.
23. Mas já decorria do art. 58.º, n.º 2, da LOE 2014, que “[a]s empresas públicas e as entidades públicas empresariais do setor público empresarial não podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de relações jurídicas de emprego por tempo indeterminado, determinado e determinável, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, sendo a Recorrente uma empresa local (facto n.º 34), de acordo com os artigos 2.º e 19.º, n.º 1, do RJAEL, o que faz dela uma empresa pública local do setor público empresarial, segundo os artigos 2.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 133/2013, de 03/10, mesmo tratando-se de sociedade comercial privada.
24. Não podia, pois, ter sido celebrado o contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido de 18-03-2014, assim eivado de nulidade nos termos do n.º 5 do art. 58.º da LOE 2014, que comina com esse desvalor jurídico “as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores”.
25. Como todas as leis do orçamento de Estado, a LOE 2024 é uma lei de valor reforçado e, como tal, sobrepõe-se a quaisquer regimes contrários, o que é expressamente afirmado pelo legislador no n.º 6 desse artigo, ao dizer que “[o] disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias”, esclarecendo a sobreposição deste vício a quaisquer outros regimes.
26. E as exceções do art. 58.º, n.º 2, não se aplicam aqui, já que o texto do contrato celebrado entre a Recorrente e Recorrido nenhuma referência faz a esse regime de excecionalidade, nem a contratação foi precedida da tramitação ali prevista, ou as necessárias autorizações identificadas ou sequer emitidas, não havendo qualquer sinal nos autos de que tenham sido cumpridos os requisitos obrigatórios previstos no n.º 3 do mesmo artigo – prova que nunca caberia à Recorrente.
27. Ao ignorar a nulidade desse contrato e considerá-lo válido, o Tribunal “a quo” violou o art. 58.º, n.ºs 2, 5 e 6, da LOE 2014, impondo-se que Vossas Excelências assim o declarem, julgando improcedente os pedidos de reintegração, pagamento de “salários intercalares” e condenação da Recorrente no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais formulados pelo Recorrido, quanto a este último por toda a atuação da Recorrente estar justificada pela nulidade contratual, a isso e só isso se devendo a sua conduta para com a situação do Recorrido, nunca para lhe causar qualquer tipo de ambiente humilhante, hostil ou sequer desconfortável.
28. Com a entrada em vigor da LVCR e, posteriormente, da LOE 2009, todo o sistema legal ficou uniformizado quanto à prestação de trabalho, por funcionários públicos, em empresas do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, prevendo-se para todas essas situações a utilização de um só instrumento (cedência de interesse público), no qual foram, aliás, reconvertidas todas as situações de mobilidade existentes (afetação específica, cedência especial, etc.), por força dos artigos 102.º, n.º 1, e 118.º, n.º 5, da LVCR, com a entrada em vigor das alterações à Lei n.º 53/2006, de 07/12, pela LOE 2009.
29. Se não fosse vontade do legislador em simplificar e fazer coincidir transversalmente a regulação destas situações num só figurino legal, excluindo outros instrumentos legais de “cedência”, tê-lo-ia dito no art. 29.º do RJAEL ou em alguma outra norma daqueles diplomas, o que não fez, assim como não admitiu exceções ou convenções em contrário.
30. Caso contrário, seria incompreensível a referência expressa à cedência de interesse público no art. 29.º do RJAEL, uma vez que a aplicabilidade dessa figura já resultaria do disposto no art. 241.º, n.º 1, da LTFP.
31. A tal não obsta a utilização da expressão “pode” no art. 29.º do RJAEL, que tem de ser lida como permissão de atuação nos termos aí definidos e não como referenciando um mero exemplo, sob pena de, então, o legislador ter prescrito expressamente a utilização de um instrumento para depois não ser usado quando estivessem preenchidos os respetivos pressupostos de aplicação, como aconteceu no caso dos autos, sendo certo que, no direito administrativo, não há lugar ao aproveitamento de espaços cinzentos ou mesmo em branco, apenas se podendo atuar com base na lei, não na sua ausência.
32. Demais sabia o Recorrido qual era o instrumento a adotar para o efeito, tanto que, em 19-12-2008, para regularizar a sua presença na Recorrente como “administrador”, foi precisamente um acordo de cedência especial – então previsto no art. 17.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 71/2007, para os funcionários públicos desempenharem cargo de gestor público – que as partes celebraram (factos provados n.ºs 38 e 39).
33. O único meio de o Recorrido, trabalhador em funções públicas do Município de ..., prestar trabalho ou exercer funções de gestor público na Recorrente é, desde agosto de 2012, o acordo de cedência de interesse público, nos termos do art. 29.º do RJAEL, norma que, por tais motivos, é taxativa e imperativa, impondo-se em todas as situações cujos respetivos pressupostos de aplicação se verifiquem, sendo esta a única interpretação correta face a todos os elementos convocáveis e ainda à natureza (pública) das normas em apreço, para efeitos do art. 9.º do Código Civil.
34. O que Recorrido e administração da Recorrente na altura fizeram – administração essa que não é a mesma que a atual e não podem ser confundidas (factos provados n.ºs 36 e 61) – foi colocar o Recorrido a trabalhar em empresa do setor empresarial local ao abrigo de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço e não de um acordo de cedência de interesse público, submetendo-o a um regime legal distinto e com diferentes efeitos daquele que o deveria regular.
35. E faz toda a diferença submeter a situação em causa ao regime do contrato (individual) de trabalho e não da cedência de interesse público, na medida em que o primeiro constitui um vínculo sem termo que o empregador apenas pode fazer cessar nos casos previstos no art. 340.º do CT e não por sua vontade, em sentido diametralmente oposto ao que sucede na cedência de interesse público, que, ao abrigo do disposto no art. 241.º, n.º 5, da LTFP, é livremente revogável por qualquer uma das partes.
36. Na cedência de interesse público, o legislador não quis vincular nenhuma das partes nos termos de um contrato de trabalho, não quis que nenhum dos intervenientes estivesse “amarrado” à situação de cedência, o que é compreensível, dada a mutabilidade do interesse público e a necessidade de poder dispor livremente da situação laboral transitória.
37. É claro que celebrar, no lugar de um acordo de cedência de interesse público, um contrato de trabalho, com o seu regime rígido e “vinculístico”, subverte por completo esses objetivos, mostrando-se contrário à lógica de flexível gestão da situação laboral do trabalhador cedido que o legislador quis para o cedente e cessionário públicos, o que mais sentido faz no caso do Recorrido, em que o cargo a ocupar (tanto diretor-geral como diretor técnico) pressupõe um elevado grau de confiança e se justifica a livre desvinculação.
38. Resultado disso é que nem a Recorrente nem o Município de ... podiam fazer cessar esta relação, apenas o Recorrido podia fazê-lo, o que evidentemente não foi querido pelo legislador para as situações de desempenho de funções por funcionário público em empresa local.
39. A celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18-03-2014 ao abrigo de uma licença sem remuneração, sem o devido acordo tripartido de cedência de interesse público entre Recorrente, Recorrido e Município de ..., violou a norma imperativa do art. 29.º do RJAEL, tornando-o nulo, nos termos do disposto no art. 294º do Código Civil, assim como a relação laboral que o mesmo prevê para depois da comissão, não tendo existido, pois, qualquer despedimento por parte da Recorrente, mas apenas a invocação dessa nulidade contratual, o que importa a improcedência dos pedidos do Recorrido de reintegração, pagamento de “salários intercalares” e condenação da Recorrente no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais – por estar justificada a conduta da Recorrente – o que Vossas Excelências deverão declarar, revogando a sentença sub judice e deles absolvendo a Recorrente.
40. Além disso, e subsidiariamente, a utilização da licença sem remuneração e subsequente contrato de trabalho em comissão de serviço consubstancia uma verdadeira fraude à lei, na medida em que, na aparência inócua da utilização desses meios da normalidade jurídica, as partes alcançaram um resultado legalmente proibido: prestação de trabalho em empresa local de trabalhador em funções públicos sem acordo de cedência de interesse público, furtando a prestação de trabalho do Recorrido na Recorrente ao regime mais flexível da cedência por interesse público.
41. A vontade de prosseguir um objetivo vedado por lei – ainda que não seja requisito essencial à verificação da fraude à lei, segundo a mais alta jurisprudência nacional – resulta da forma como tudo se passou: as partes utilizaram acordo especial de cedência em Dezembro de 2008 para o Recorrido passar a prestar trabalho subordinado na Recorrente porque era o meio legal previsto para o efeito e não por outro qualquer, não podendo deixar de saber que, em 2014, quando o Recorrido apresentou ao Município de ... pedido para se requisitar a si próprio
(!), a forma legalmente admissível para tal era o acordo de cedência de interesse público, na qual, aliás, a situação do Recorrido se tinha convertido com a LVCR, como o Município de ... informou expressamente em ofício de 23-02-2010.
42. O Tribunal “a quo” serve-se do teor deste ofício na fundamentação da sentença sem o dar como provado (p. 57 da sentença), pelo que se requer que tal facto seja dado como provado e adicionado à matéria de facto provada com a seguinte redação: “Por ofício n.º 004526, de 23- 02-2010, o Município de ... informou o a Ré, na pessoa do presidente do seu conselho de administração, na altura o Autor, de que o seu pedido de requisição para continuação do exercício, pelo Autor, dessas funções, havia sido indeferido, porque: O trabalhador em 19.12.2008, foi autorizado a exercer funções de Administrador da AMBILITAL em regime de cedência especial; com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 e Lei n.º 59/2008, de 11.09, o mesmo transitou em 01.01.2019 para a situação de mobilidade externa “cedência de interesse público” noa termos do art.º 58.º da LVCR, o referenciado encontra-se cedido para exercer uma determinada função; o pedido de autorização para o exercício de nova função implicaria a cessação da referida mobilidade, o que pressupunha que o trabalhador tivesse de regressar à situação jurídico funcional de origem, não podendo haver lugar durante o prazo de 1 ano, a cedência de interesse público para o mesmo órgão ou serviço ou para a mesma entidade (n.º 9 do art.º 58.º da LVCR).”
43. O impedimento legal a nova cedência de interesse público dentro do prazo de um ano previsto no art. 241.º, n.º 4, da LTFP, depende de efetivo regresso às funções de origem, o que nunca aconteceu no caso do Recorrido, que “não reiniciou funções efetivas na CMG e manteve-se como administrador da ré” (facto provado n.º 45), tornando inaplicável o disposto no art. 241.º, n.º 4, da LTFP.
44. Não basta um regresso “jurídico” às funções anteriores, por mera cessação formal da cedência de interesse público, sendo a expressão “jurídico-funcional” utilizada pelo legislador precisamente para transmitir a ideia de um regresso de facto às funções anteriores.
45. Assim, ainda que não se considere diretamente violado o art. 29.º do RJAEL, o mesmo sempre se teria de considerar violado indiretamente por fraude à lei, o que leva igualmente a que o ofício n.º 21908 de 10-07-2023 dirigido pela Recorrente ao Recorrido não configure nenhum um despedimento, apenas a invocação da nulidade contratual, importando a improcedência dos pedidos do Recorrido de pedidos de reintegração, pagamento de “salários intercalares” e condenação da Recorrente no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais – este por estar justificada a conduta da Recorrente com a verificação desse desvalor jurídico –, o que deverão Vossas Excelências declarar, revogando a sentença sub judice e absolvendo desses pedidos a Recorrente.
46. No decurso da audiência de discussão e julgamento, surgiu confirmada outra situação fraude à lei, alegada pela Recorrente nos artigos 107º e 115º da contestação e reforçada no seu requerimento de 08-05-2024 (ref.ª Citius 7994031) e nas alegações orais na pessoa do signatário (cf. gravação áudio efetuada na sessão do dia 06-05-2024, entre as 14:59 horas e as 16:55 horas – uma só gravação para as alegações orais das partes – no segmento compreendido entre 00h:50m:41s e 00h:55m:00s), pelo que esta questão, apesar de a sentença não lhe ter dispensado qualquer pronúncia, foi suscitada perante o Tribunal “a quo”, não podendo o seu conhecimento ser precludido por Vossas Excelências: fraude ao disposto no art. 12.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 71/2007 e 27 de Março (Estatuto do Gestor Público).
47. O Recorrido, através do acordo de cedência especial de 19-12-2008, iria desempenhar funções de administrador na Recorrente e o seu exercício, conforme resulta do texto contratual, obedecia ao estatuído no Estatuto do Gestor Público, alterado pelo Decreto-Lei n,º 8/2012, de 18/01, que introduziu várias alterações, nomeadamente ao art. 12.º, n.º 1, que passou à seguinte redação: “Os gestores públicos são escolhidos de entre pessoas com comprovadas idoneidade, mérito profissional, competências e experiência de gestão, bem como sentido de interesse público e habilitadas, no mínimo, com o grau académico de licenciatura”.
48. Com a entrada em vigor, em 19-01-2012, da alteração introduzida ao art. 12.º, n.º 1, do Estatuto do Gestor Público pelo Dec.-Lei n.º 8/2012, de 18/01 (vd. art. 7.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 8/2012, de 18/01), o Recorrido, que “não possuía nem possui o grau académico de licenciatura” (facto provado n.º 40), ficou colocado numa situação de falta de habilitações para as funções de administrador, que desde 19-12-2008 vinha desempenhando ao abrigo de acordo especial de cedência.
49. Na tentativa de cumprir o art. 3.º do Dec.-Lei n.º 8/2012, de 18/01, eliminado tal desconformidade com a lei vigente, o Recorrido, em nome próprio e em nome da Recorrente, enquanto presidente do conselho de administração, fez cessar formalmente qualquer ligação contratual à Recorrente, comunicando e acordando com o Município de ... o término do acordo especial de cedência – então já convertido em cedência de interesse público – e assim permanecendo vários meses a administrar a empresa sem qualquer vínculo a ela (factos provados n.ºs 41 a 44).
50. Apesar de ter acordado o regresso à autarquia, o Recorrido “não reiniciou funções efetivas na CMG e manteve-se como administrador da ré” (facto provado n.º 45) – como disse uma testemunha, “a alteração que houve foi burocrática, porque na prática era tudo igual”, foi apenas “no papel” (depoimento de BB, produzido na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, no segmento entre 00h:42m:39s e 00h:43m:09s dessa gravação) – tendo continuado a administrar a empresa até conseguir da autarquia uma licença sem remuneração e acordar com a administração da Recorrente na altura a celebração de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para o exercício do cargo de “diretor-geral” (trabalhador subordinado).
51. A junção desses expedientes (licença e contrato de trabalho) permitiam-lhe continuar a administrar a empresa com titulação formal, mas sem ser “administrador”, afastando assim a necessidade de cumprir o requisito habilitacional imposto pelo art. 12.º, n.º 1, do Estatuto do Gestor Público.
52. A consciência de tudo isto – apesar de, como em cima se referiu, não ser requisito jurisprudencialmente imposto à verificação de fraude à lei – também aqui é possível demonstrar, resultando também do seguinte: desde 04-06-2013 que o Recorrido não dispunha de qualquer título que lhe permitisse o desempenho de funções na Recorrente e só nas vésperas da outorga do contrato de trabalho em regime de comissão de serviços é que obteve, não o que a lei exigia, mas um sucedâneo – a licença sem retribuição – que lhe garantia a suspensão do vinculo de emprego público, tanto que a data de concessão da licença coincide com a data de celebração do contrato de trabalho (facto provado n.º 26).
53. O Recorrido permaneceu, assim, como administrador da empresa, sem grau académico de licenciatura, em completa violação das normas atrás citadas que o impunham, resultado que foi o único e verdadeiro objetivo da celebração do contrato de trabalho de 18-03-2014 (contornar a proibição legal do art. 12.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 71/2007, de 27/03).
54. Tal constitui fraude à lei, cumpridos que estão os requisitos considerados necessários pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acima citada:
- Regra jurídica objeto de fraude: art. 12.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, impondo que os gestores públicos sejam detentores do grau habilitacional de licenciatura, no mínimo;
- Regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante: artigos 280.º, n.º 1, e 281.º, n.º 1, da LTFP, prevendo a possibilidade de concessão de licença sem remuneração a pedido do trabalhador e a consequente suspensão do vínculo de emprego público;
- Atividade fraudatória: celebração de contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para exercício de funções de diretor-geral (não formalmente administrador) e manutenção do vínculo para lá do termo da comissão;
- Resultado que a lei proíbe: administração de empresa local sem grau habilitacional de licenciatura.
55. O contrato de trabalho em regime de comissão de serviço é, também por isso, nulo, com as consequências ao nível dos pedidos do Recorrido já por várias vezes referidas (v. conclusões 39 e 45).
56. Caso se entenda insuficiente para extrair essa conclusão o rol de factos provados atrás invocados, por não estar demonstrado esse propósito com a celebração do contrato, requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição como provado do seguinte facto: “Com a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18-03-2014, o Autor e o conselho de administração da Ré na altura quiseram assegurar que, não obstante perder formalmente a qualidade de administrador, o Autor se mantinha a administrar a empresa, independentemente das suas habilitações”.
57. Tal facto, que traduz matéria alegada pela Recorrente nos artigos 113º a 115º da contestação, deveria ter sido dado como provado, atento o documento n.º 1 da petição inicial e ofícios do Município de ... juntos aos autos em 25-03-2014 (ref.ª Citius 7903665), donde resulta coincidirem a data de concessão da licença sem remuneração e a data de celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para o Recorrido ocupar o cargo de “diretorgeral”, criado em 2008 com sua intervenção e apenas por si preenchido 6 anos depois (facto provado n.º 50), mas também aos seguintes depoimentos:
- CC, prestado na sessão de julgamento de 16-04-2024, na gravação com início às 09:57 horas e fim às 11:34 horas, concretamente os segmentos compreendidos entre 00h:09m:57s e 00h:11m:23s e entre 00h:45m:19s e 00h:45m:59s dessa gravação;
- DD, prestado na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação com início às 11:30 horas e fim às 14:02 horas, concretamente os segmentos entre 00h:00m:58s e 00h:02m:57s, entre 00h:05m:33s e 00h:07m:52s, entre 00h:27m:42s e 00h:29m:36s e entre 00h:30m:57s e 00h:32m:22s dessa gravação;
- EE, na sessão de 17-05-2024, na gravação com início às 14:12 horas e fim às 16:29 horas, concretamente no segmento entre 01h:11m:42s e 01h:12m:10s dessa gravação;
- FF, prestado na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação com início às 09:58 horas e fim às 11:28 horas, no segmento compreendido entre 00h:44m:58s e 00h:45m:27s dessa gravação, os quais se apresentarem claros e com conhecimento de causa – não obstante a postura defensiva no caso de CC, administrador na altura que evitava comprometer-se nas suas afirmações, sabendo ter culpa na situação – por isso credíveis, confirmando que a alteração na vinculação do Recorrido à empresa se deveu à alteração legal ao regime do gestor público.
58. Com a prova deste facto, fica demonstrado o único e verdadeiro propósito por detrás da celebração deste contrato de trabalho: contornar o requisito habilitacional imposto desde janeiro de 2012 pelo art. 12.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 71/2007, o que configura evidente fraude à lei e fulmina o contrato com a sua nulidade e devidas consequências ao nível dos pedidos do Recorrido suprarreferidas (v. conclusões 38 e 44).
59. Deve também ser por Vossas Excelências aditado à matéria de facto provada, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, o seguinte ponto: “Durante o seu período como diretor-geral, era o Autor quem continuava a administrar a empresa, tendo
os elementos do órgão de administração total confiança nele e pouco conhecimento sobre o que nela se passava”, com fundamento nos depoimentos de:
- CC, em sessão de julgamento de 16-04-2024, na gravação com início às 09:57 horas e fim às 11:34 horas, no segmento entre 00h:09m:57s e 00h:11m:23s;
- DD, sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação com início às 11:34 horas e fim às 14:02 horas, nos segmentos entre 00h:00m:58s e 00h:02m:57s, entre 00h:27m:42s e 00h:29m:40s e entre 00h:30m:25s e 00h:30m:59s dessa gravação;
- EE, em sessão de 17-05-2024, na gravação com início às 14:12 horas e fim às 16:29 horas, no segmento entre 01h:11m:42s e 01h:12m:10s dessa gravação.
60. Atendendo ao depoimento de FF, na altura (2014) responsável pela contabilidade e recursos humanos da Recorrente (depoimento de GG, em sessão de julgamento de 16-04-2024, na gravação com início às 11:48 horas e fim às 12:22 horas, no segmento entre 00h:09m:50s e 00h:10m:52s dessa gravação), prestado na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação com início às 09:58 horas e fim às 11:28 horas, no segmento entre 01h:22m:15s e 01h:23m:04s dessa gravação, onde refere que o Recorrido, diretor-geral e com acesso facilitado aos serviços da empresa – mais não fosse pela relação hierárquica –, nunca reclamou o pagamento; ao facto de nada ter peticionado a esse título na presente ação; ao facto de, no acordo de isenção de horário de trabalho de 2010, ter abdicado expressamente dessa retribuição (cláusula 4ª do doc. 13 da contestação); e ao facto de nada se ter alterado com a sua passagem formal de administrador para diretor-geral, que foi apenas “no papel”, impõe-se e a eliminação do ponto n.º 8 do rol de factos provados e a decisão de dar como provado que o Recorrido nunca recebeu nem reclamou retribuição específica por isenção de horário de trabalho desde 2014, o que se requer a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, com a seguinte redação: “Após a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18-03-2014, o Autor continuou sem receber qualquer retribuição específica por isenção de horário de trabalho, nem alguma vez a reclamou da Ré.”
61. Conjugando esse novo facto provado com os factos n.ºs 39 e 45 da sentença, conclui-se que o Recorrido renunciou tacitamente à retribuição específica por isenção de horário de trabalho, nos termos do art. 265.º, n.º 2, do CT, nenhum pagamento lhe sendo devido a esse título nem a ele tem direito daqui em diante, o que Vossas Excelências deverão declarar, revogando e substituindo a sentença sub judice que decidiu contrariamente.
62. Impõe-se, e por isso se requer a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a modificação do ponto n.º 18 do rol de factos provados da sentença, porque a Recorrente não confessou no artigo 141º da contestação o que o Tribunal “a quo” entendeu como confissão e porque, tendo em conta que o Recorrido teve conhecimento da nova direção por ter deixado o cargo de diretor-geral e lhe ter sido comunicado que as novas funções seriam atribuídas pelo novo ocupante do mesmo quando designado, mais não era exigido para inteirar o Recorrido da transição no cargo, para a seguinte redação: “A partir de maio de 2023, o A. deixou de estar presente nas reuniões da administração com o diretorgeral.”
63. Se foi o Recorrido a ir para a sala informática (facto provado n.º 60), não foi a Recorrente. que para lá o mandou com intuito desestabilizador ou humilhante (facto provado n.º 16), o que é confirmado pelo depoimento de FF, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação com início às 09:58 horas e fim às 11:28 horas, no segmento entre 00h:29m:29s e 00h:29m:48s dessa gravação, e pelo depoimento de GG, em sessão de julgamento de 16-04-2024 na gravação com início às 11:48 horas e fim às 12:22 horas, no segmento entre 00h:08m:31s e 00h:08m:51s dessa gravação, impondo-se e requerendo-se, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a modificação da redação do facto provado n.º 16 para a seguinte: “A partir de 02.05.2023, o A. apresentou-se ao serviço todos os dias, sem conteúdo funcional atribuído, permanecendo 8 horas na sua sala, não praticando isenção de horário de trabalho.”
64. Se não houve prova suficiente de que a conduta da Recorrente tenha afetado psicologicamente o Recorrido (ponto f) da matéria de facto não provada), não se pode dar como provado que a mesma afetou a dignidade do Recorrido, o perturbou, lhe criou um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador, e afetou o seu bem-estar (factos provados n.ºs 28 e 29), não se podendo considerar ao mesmo tempo existir e não existir repercussões psicológicas da conduta da Recorrente no Recorrido, ainda que por diferentes palavras.
65. E se não se provou que a seriedade, retidão ou competência profissional do Recorrido tenham sido postas em causa (ponto g) da matéria de facto não provada), não se pode dar como provado que o comportamento da Recorrente tenha afetado a reputação do Recorrido como anterior presidente do conselho de administração da empresa e diretor-geral (facto provado n.º 29), pois o conceito “reputação” redunda precisamente na ideia que as pessoas têm, entre outros aspetos, da seriedade, retidão e competência profissional de alguém.
66. Conclui-se que o Tribunal “a quo” não ficou esclarecido acerca das repercussões da conduta da Recorrente no Recorrido, o que, em obediência ao disposto no art. 414.º do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a), do CPT, deveria ter resultado na consideração desses factos como não provados, sendo certo que é o Recorrido o onerado com a prova dos prejuízos da conduta que qualifica como assediante para efeitos indemnizatórios, impondo-se e por isso se requerendo a Vossas Excelências a eliminação dos factos provados n.ºs 28 e 29 da matéria de facto fixada na sentença, ao abrigo dos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, passando a constar da matéria de facto não provada.
67. A nova administração chegou à empresa constatou que o Recorrido se encontrava há quase três anos no desempenho de cargo diferente do previsto no seu contrato para o período posterior à comissão de serviço e que esse cargo contratualmente previsto não existia, sendo que o facto de isso resultar de acordo entre ele e administração em funções em 19-08-2021 (facto provado n.º 31) não inibia a nova administração – que nenhuma ligação tinha com a anterior e entrou em funções em janeiro de 2023 (facto provado n.º 36) – de procurar colocá-lo em categoria equivalente à que o seu contrato previa para depois da comissão, visto que «Diretor Técnico Superior, 2.º escalão» já não existia (facto provado n.º 15).
68. Como a nova administração não sabia que funções podia ou devia atribuir ao Recorrido e como a resolução da situação, complexa pelos vários vínculos e regimes jurídicos aplicáveis, exigia aconselhamento técnico e análise aturada, decidiu não atribuir funções ao Recorrido até à nomeação de novo diretor, com receio de o fazer de forma errada.
69. A decisão, em 02-05-2023, de o colocar na categoria de diretor técnico, 2.º escalão, foi suportada por parecer jurídico e fiel à inferioridade hierárquica da posição de diretor de planeamento prevista no contrato relativamente ao diretor-geral.
70. Se o aconselhamento ou a decisão foram corretas, é outra questão, objeto de pronúncia e discussão noutro lugar do presente recurso; o que não se pode fazer é distorcer a situação que existia na empresa de forma a não parecer aquilo que era, como se o Recorrido se encontrasse simplesmente a trabalhar de acordo com o disposto no seu contrato de trabalho e na organização da empresa.
71. De final de junho até 10 de julho de 2023, o Recorrido esteve de férias (facto provado n.º 24), sendo que, no demais, nãos se provou ter sido impedido de entrar na empresa, alvo de algum comportamento incorreto ou desrespeitoso por parte de colega, superior ou membro da administração, nem constrangido de alguma forma nos seus hábitos na empresa, mantendo-se no local onde sempre se manteve (sala dos servidores informáticos) por si ocupado voluntariamente muito antes de tudo isto, devido a ter-se incompatibilizado com DD, com quem trabalhava (facto provado n.º 60).
72. Estas circunstâncias justificam a situação de não atribuição de funções ao Recorrido – inclusive de acordo com entendimento doutrinário e jurisprudencial citado na própria sentença – não podendo esperar-se que uma empresa permita a manutenção de uma situação jurídico-funcional, “herdada” da anterior administração, de legalidade altamente duvidosa e diretamente contrária ao teor do seu contrato, a tal não obstando a reorganização da estrutura organizacional em que foi extinta a direção de planeamento e fundos comunitários e criadas direção administrativa e financeira e a direção técnica, provendo no imediato para esta, pois, como refere a própria sentença, a Recorrente podia fazê-la ao abrigo do seu princípio de liberdade económica e as funções não foram extintas, simplesmente redistribuídas.
73. A subsistência de dúvidas quanto à legalidade do seu contrato, por ser funcionário público, levou a administração – que desconhecia por completo os contornos da situação (facto provado n.º 61) – a notificá-lo para fazer prova da legitimidade para o celebrar com a Recorrente em 18-03-2014, podendo dizer-se quanto a isso que as dúvidas legais da Recorrente eram imerecidas, mas não qualificar-se a sua invocação e do subsequente vício como integrando um comportamento assediante, pois era a única forma de tomar conhecimento da situação e decidir fundamentadamente sobre ela.
74. Portanto, nem a não atribuição de funções nem a notificação do Recorrido para fazer prova da legitimidade da sua situação ou a subsequente invocação do vício contratual que a Recorrente entendia existir podem ser consideradas como constituindo ou integrando comportamentos assediantes, não se tendo provado qualquer intenção ou resultado dessa natureza da sua parte, sendo certo que os factos n.ºs 28 e 29 não devem ser considerados provados por eliminados nos termos expostos.
75. A circunstância de DD ser funcionária da empresa desde 2003 – facto que se requer no presente recurso que seja adicionado como provado –, ao contrário do Recorrido, que celebrou o seu contrato de trabalho com a Recorrente em 2014 e é titular de relação jurídica de emprego público com o Município de ..., faz toda a diferença na necessidade que a administração da Recorrente sentiu em analisar a legalidade da sua situação laboral na empresa, sendo o Recorrido titular de mais do que uma relação de emprego, o que ainda assim não impediu que mantivesse todas as regalias e retribuição que vinha recebendo até maio de 2023 (facto provado n.º 7).
76. Não houve, pois, tratamento discriminatório, baseando-se a conduta da Recorrente em circunstâncias que se verificam apenas em relação ao Recorrido e não à trabalhadora, DD, que, de qualquer das formas, sempre poderia regressar simplesmente ao seu percurso profissional na empresa uma vez finda a comissão de serviço.
77. Analisando a situação, como recomenda o Tribunal “a quo”, no seu “conjunto, como mosaico, quadro impressionista ou puzzle”, temos de concluir que não se provaram comportamentos assediantes por parte da Recorrente e aqueles atos da sua parte cuja admissibilidade face aos direitos laborais do Recorrido seria mais discutível (v.g. não atribuição de funções) estão plenamente justificados em todo o circunstancialismo ora descrito, não se podendo olvidar que era a sua situação laboral (do Recorrido) que se apresentava como de legalidade altamente duvidosa, devendo por isso Vossas Excelências revogar a sentença também nesta parte, absolvendo a Recorrente do pedido de pagamento de indemnização ao Recorrido por supostos danos decorrentes de tal putativa conduta.
78. O principal fundamento de oposição à reintegração deduzida pela Recorrente assenta na destruição das relações do Recorrido com quem seria agora seu colega trabalho por atos a ele imputáveis, não na vontade da atual administração não ver regressar o Recorrido nem na estrutura organizacional em vigor na empresa, que são reforços, é certo, mas não o principal e decisivo fundamento, tendo sido alegados pela Recorrente precisamente com esse intuito.
79. Dito isto, face aos depoimentos de:
- DD, produzido na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 11:34 horas e terminada às 14:02 horas, nos segmentos compreendidos entre 00h:20m:15s e 00h:20m:25s, entre 00h:22m:55s e 00h:24m:50s, entre 00h:36m:16s até 00h:38m:21s e entre 00h:59m:45s e 00h:59m:53s dessa gravação, e na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, concretamente entre 00h:20m:15s e 00h:20m:25s dessa gravação, mencionando “particularmente execução daquilo que o Sr. AA queria”;
- BB, produzido na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, no segmento compreendido entre 00h:48m:54s e 00h:49m:15s dessa gravação, na parte em que se refere ao “ambiente” existente e a isso dever-se “à carga de trabalho que se dá” (que o Recorrido dava, enquanto diretor-geral na altura), requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada:
“Entre 2019 e agosto de 2020, DD esteve de baixa em estado de “burnout” pela sobrecarga de trabalho atribuído pelo Autor.”
80. Face aos depoimentos de:
- DD, na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 11:34 horas e terminada às 14:02 horas, nos segmentos compreendidos entre 00h:24m:19s e 00h:24m:55s, entre 00h:43m:35s e 00h:43m:43s, entre 00h54m:39s e 00h:54m:57s e entre 00h:52m:24s e 00h:53m:20s dessa gravação, onde refere expressamente que “o que estava a ser transmitido ao Conselho de Administração e aos executivos é que eu não ia trabalhar porque não me apetecia e que eu não tinha nada”, “que só queria o lugar que ele ocupava”, repetido depois perante si pelo próprio Recorrido em discussão entre ambos;
- BB, na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, concretamente o segmento compreendido entre 00h:53m:16s e 00h:53m:40s dessa gravação, ao descrever a facilidade com que o Recorrido mudava de opinião relativamente aos técnicos e os desconsiderava;
- EE, na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, nos segmentos compreendidos entre 01h:27m:01s e 01h:27m:37s e entre 01h:28m:17s e 01h:28m:57s dessa gravação, onde refere que “ele falava mal tanto de mim como das minhas colegas e acabou por gerar alguns conflitos” e que “o meu chefe fala mal de mim nas costas”, requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “Na ausência de DD entre 2019 e agosto de 2020, o Autor disse ao conselho de administração da empresa que a mesma “não ia trabalhar porque não lhe apetecia” e que “não tinha nada”, o que lhe disse também pessoalmente, depois do seu regresso.
81. Face aos depoimentos de:
- DD, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 11:34 horas e terminada às 14:02 horas, concretamente o segmento entre 00h:52m:24s e 00h:53m:20s, onde referiu espontaneamente isso mesmo;
- EE, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, no segmento compreendido entre 01h:27m:01s e 01h:27m:37s dessa gravação, onde refere que “ele falava mal tanto de mim como das minhas colegas”.
Requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “Após regresso de DD à empresa, em agosto de 2020, o Autor continuou a fazer comentários depreciativos sobre ela, dizendo que ela era insubordinada, maluca, e para não terem em consideração o que ela dissesse.”
82. Face aos depoimentos de:
- BB, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, no segmento entre 00h:47m:32s e 00h:48m:08s, onde explicou que os técnicos sabiam que a sua opinião era indiferente para o Recorrido, que iria sempre fazer o que ele próprio achava melhor, impondo a sua vontade como “soberana”, o segmento entre 00h:48m:38s e 00h:49m:05s dessa gravação, onde referiu que “a Eng.ª Alexandra chegava de manhã ao trabalho e saía do trabalho a chorar” devido à “maneira como se fala com as pessoas”, no segmento entre 00h:50m:02s e 00h:51m:05s dessa gravação, em que imitou fisicamente na sala de audiências a postura que o Recorrido adotava quando as trabalhadoras iam ao seu gabinete, sentado na sua cadeira virado para o lado sem olhar para quem falava, e ainda no segmento entre 00h:53m:17s e 00h:53m:42s, onde referiu que era considerada pelo Recorrido “muito má” e mais tarde “muito besta”;
- EE, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, entre 01h:19m:03s e 01h:22m:07 dessa gravação, onde referiu expressamente que “o AA não reconhecia a mais-valia técnica, não falava comigo quando eu entrava no gabinete”, “ele ignorava completamente o que eu dizia”, “não precisava da nossa opinião para tomar decisões”, fazendo-a sentir-se “uma peça que não tinha valor”, “que não tinha valor na estrutura”, que o Recorrido “fez questão de sempre desvalorizar o meu trabalho” e lhe causava “falta de autoestima, falta de concentração”, o que “para mim, configura assédio moral”, e “eu durante muitos anos senti assédio moral”, assim como no segmento entre 01h:23m:31s e 01h:24m:08s, onde descreve a completa frustração que advinha de o Recorrido ignorar as opiniões dos técnicos, com o exemplo de explorarem um aterro durante anos com uma pá de rodas de borracha e um “dumper”, afirmando “não queremos” e “não podemos trabalhar assim”, também no segmento entre 01h:29m:05s e 01:29:15s, onde confirmou os episódios de choro, e no segmento entre 01h:27m:15 e 01h:27m:37s, onde afirmou, a propósito de um eventual regresso do Recorrido à empresa, “se ele já não gostava de nós antes nem reconhecia o nosso mérito profissional, não me parece que vá ser agora que vá reconhecer o nosso mérito profissional e que queria trabalhar connosco em equipa”, e ainda no segmento entre 01h:39m:22s e 01h:40m:26s, onde relatou duas situações em que o Recorrido gritou com trabalhadoras;
- HH, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, no segmento entre 01h:48m:10s e 01h:49m:04s dessa gravação, onde lembrou “muitas vezes nós estarmos a falar com ele e ele não olhava para nós”, também no segmento entre 01h:52m:12s e 01h:53m:14s, ao confessar que a conduta do Recorrido para consigo a fazia sentir “uma nulidade”, e no segmento entre 01h:54m:09s e 01h:56m:00s, onde descreve uma situação em que o Recorrido gritou consigo, sentindo-se desvalorizada, e em que não havia abertura para discutir questões técnicas,
Requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º,
n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “Como diretor-geral, o Autor recebia trabalhadoras no seu gabinete sem olhar para elas, gritava com elas e ignorava as suas opiniões, o que as fazia sentir intimidadas e sem qualquer valor profissional.”
83. Face aos depoimentos de:
- HH, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, concretamente nos segmentos compreendidos entre 01h:44m:24s e 01h:44m:41s, entre 01h:46m:03s e 01h:49m:04s e entre 01h:51m:59s e 01h:53m:15s, onde descreve ter sido colocada e mantida pelo Recorrido como estagiária durante 7 anos (!), apesar de lhe atribuir responsabilidades de coordenação de setores da empresa e gestão do respetivo pessoal, fazendo-a sentir-se “uma nulidade”, bem como a atitude de indiferença do Recorrido para com tudo isso;
- EE, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, entre 01h:38m:09s e 01h:39m:08s dessa gravação, onde corrobora o afirmado por HH e atribui a culpa dessa situação ao Recorrido,
Requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “Desde que entrou na empresa, em 2010, até 2017, HH, licenciada em engenharia do ambiente, foi mantida pelo Autor como estagiária, não obstante sempre ter tido responsabilidade por determinados setores da empresa, como recolha, estações de transferências e aterro, e pessoas a seu cargo, sendo hoje técnica superior.”
84. Face aos depoimentos de:
- EE, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, entre 01h:06m:44s e
01h:06m:55 dessa gravação;
- DD, na sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 11:34 horas e terminada às 14:02 horas, no segmento compreendido entre 00h:00m:58s e 00h:02m:50s dessa gravação,
Requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “DD e EE, licenciada em engenharia química e técnica superior, entraram como estagiárias em 2002 e integraram os quadros da empresa um ano depois, em 2003.”
85. Face aos depoimentos de:
- DD, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 11:34 horas e terminada às 14:02 horas, nos segmentos compreendidos entre 00h:47m:51s e 00h:48m:26s e entre 00h:48m:43s e 00h:51m:26s dessa gravação;
- BB, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, no segmento compreendido entre 00h:51m:07s e 00h:53m:57s dessa gravação, onde afirmam que não estão dispostas a sujeitar-se novamente ao tratamento de que eram alvo pelo Recorrido, e ainda este último depoimento, no segmento entre 00h:57m:57s e 00h:58m:04s da mesma sessão e gravação, onde a testemunha referiu que “enquanto ele não varrer com a gente toda, não fica descansado”,
Requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “Independentemente da categoria e funções em que isso possa suceder, DD e BB não irão continuar na empresa se o Autor regressar.”
86. Face aos depoimentos de:
- EE, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, nos segmentos compreendidos entre 01h:06m:24s e 01h:06m:31 e entre 01h:25m:32s e 01h:28m:56s dessa gravação, onde descreve a sua categoria profissional e a prejudicialidade do regresso para o ambiente dos técnicos na empresa;
- HH, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, nos segmentos compreendidos entre 01h:42m:29s e 01h:42m:43s e entre 01h:59m:43s e 02h:01m:35s dessa gravação, onde, tal como a testemunha anterior, descreve as suas habilitações e categorias e a prejudicialidade do regresso do Recorrido à empresa,
Requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º, n.ºs 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, a adição do seguinte facto à matéria de facto provada: “Para HH e EE, ambas com cargos técnicos superiores, o regresso do Autor causará muito desconforto e contribuirá para a degradação do ambiente na empresa.”
87. Todos estes depoimentos foram concretos, serenos, corajosos, credíveis e convergentes no seu sentido geral e em vários aspetos concretos, corroborando-se entre si, com o conhecimento de causa de quem foi alvo das situações neles descritas, não se compreendendo como pôde o Tribunal “a quo” dar apenas como provado que “entre alguns dos trabalhadores da ré e o autor houve alguns desentendimentos e incompatibilidades” (facto n.º 67).
88. As testemunhas podem não ter conseguido circunstanciar no tempo, lugar e modo, ao pormenor e detalhe, os atos concretos do Recorrido – o que aliás se compreende, pelo tempo passado, pela natureza continuada da conduta do Recorrido e pelo desconforto que sentiram ao depor na sua presença –, mas não deixaram de descrever com clareza e objetividade situações e comportamentos do Recorrido claramente incorretos e indesejados, em nosso entender mais do que suficientes para que a sentença a este respeito tivesse de ser outra.
89. Por refletirem fielmente a prova produzida, impunha-se dar como provados, ainda que com outra redação, os factos cujo aditamento se acabou de requerer, devendo tal pedido proceder, assim como deverá o facto n.º 67 ser eliminado do rol de factos provados da sentença, por manifestamente infiel à prova produzida e conflituante com os factos cujo aditamento se acabou de requerer.
90. Não pode colher o argumento do Tribunal “a quo” para sustentar a decisão sobre esse ponto da matéria de facto, de falta de exposição da conduta do Recorrido à administração da empresa, porque a administração da empresa era o Recorrido, que incutia um clima de receio e medo, inibindo qualquer trabalhadora de se queixar, sendo que a administração propriamente dita, além de controlada pelo Recorrido, que tinha a sua total confiança, nunca estava na empresa nem contactava com o pessoal, o que levava compreensivelmente as trabalhadoras a sentirem que não valia a pena tentar falar com a administração – seria o mesmo que falar com o Recorrido.
91. Também não pode colher o segundo argumento aduzido pelo Tribunal “a quo”, de que o Recorrido não foi alvo de processo disciplinar, pois não se trata aqui de nenhum ilícito disciplinarmente relevante, exigindo o art. 392.º, n.º 1, do CT, apenas “factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa” e não justa causa de despedimento ou aplicação de sanção disciplinar nem a pré-existência de processo para o efeito, não estando tais “factos e circunstâncias” sujeitos a alguma limitação temporal ou prazo prescricional, mas também porque esta questão não deve relevar no juízo de facto do Tribunal, que se deve ater apenas ao conteúdo, forma e circunstâncias dos depoimentos, não a aspetos jurídicos.
92. Também não se pode afirmar que o Recorrido não tenha tido hipótese de “dizer de sua justiça” nesta matéria: teve toda a oportunidade para se defender, como fez, através do seu articulado de resposta (ref. Citius 7856091 de 04-03-2024) e em alegações finais, após esta questão ter sido alegada pela Recorrente nos artigos 170º a 172º da sua contestação (ref. Citius 7812469 de 15-02-2024).
93. Face aos novos factos aditados, é natural que as trabalhadoras não queiram permanecer na empresa com o Recorrido ou trabalhar com ele, já que ficou demonstrada a total inadequação e incapacidade do Recorrido para lidar com opiniões e valências profissionais dos trabalhadores/colegas, especialmente exigida para um cargo como o de diretor técnico que a sentença determinou que o Recorrido irá desempenhar acaso regresse, assim como a forma inadmissível como lidava com as suas subordinadas, tratando-as com desprezo e arrogância, tanto as ignorando como sobrecarregando com trabalho até à exaustão, além de nem se dignar a olhar para algumas delas quando entravam no seu gabinete para falar consigo, mais lhes gritando e fazendo sentir completamente inúteis e sem valor.
94. Isto sim – como a testemunha, EE, o qualificou (depoimento de EE, em sessão de julgamento de 17-05-2024, na gravação iniciada às 14:12 horas e terminada às 16:29 horas, entre 01h:20m:43s e 01h:21m:10s dessa gravação) – configura assédio laboral nos termos do art. 29.º do CT, por claramente indesejado e destinado a perturbar e constranger as trabalhadoras a suportá-lo, afetando a sua consideração pessoal e dignidade profissional, sendo irrelevante a intenção ou não de produzir nelas tais resultados, pois, “[d]e acordo com o disposto no art. 29.º, n.º 2, do CT, não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” de um comportamento do “assediante” com idoneidade ofensiva dos valores juridicamente protegidos” (STJ, 01-04-2024).
95. Os comportamentos assediantes no trabalho podem manifestar-se de várias formas e não necessitam de certo grau de “exposição”, sendo muitas vezes piores os mais silenciosos, internos ou “à porta fechada”, pois é difícil aos visados exporem-nos e, por isso, tendem a perpetuar-se e entranhar-se lentamente, atingindo o seu espírito e moral, ao ponto de os fazer sentir “uma nulidade” ou “uma peça que não tem valor”, como sucedeu neste caso, com gravidade exacerbada pelo facto de se tratar do superior hierárquico com poderes de direção sobre a vítima.
96. Quanto à trabalhadora, HH, o comportamento do Recorrido constitui mesmo discriminação, pois DD e EE entraram como estagiárias em 2002 e integraram os quadros da empresa um ano depois, não se vislumbrando motivo para que HH, com igual grau académico (licenciatura) e a mesma categoria (técnica superior), estivesse sete anos como estagiária, situação que, prolongando-se no tempo com o conhecimento do seu autor, é característica de conduta vexatória e constrangedora para ela, especialmente porque, apesar disso, HH tinha responsabilidades acrescidas e pessoas a seu cargo.
97. A eventual reintegração do Recorrido seria na categoria de “Diretor Técnico, 2.º Escalão, correspondente em Julho de 2023 a Direcção Superior 2.º escalão”, o que acentua a prejudicialidade dessa hipótese para a empresa e para as trabalhadoras em causa, pois, dada a natureza e conteúdo do cargo (cf. facto provado n.º 63), o Recorrido iria ser colocado novamente em posição de superior hierárquico de pelo menos duas daquelas quatro trabalhadoras, obrigando-as a colaborar diariamente com quem já as assediou ao enquanto “chefe”, resultado particularmente perverso mas que é viabilizado pela sentença.
98. O regresso do Recorrido levaria à saída de, pelo menos, duas trabalhadoras da empresa e se outras duas, com quem teria de colaborar, afirmam que isso causaria desconforto e constrangimentos, antevê-se um claro e grave entorpecimento dos procedimentos internos da empresa.
99. O cargo de diretor técnico que o Recorrido iria ocupar é superior hierárquico de todos os restantes trabalhadores, situado imediatamente abaixo do diretor-geral (facto provado n.º 63), sendo por isso um cargo de elevada confiança, que a atual administração da Recorrente não tem nele (facto provado n.º 66), o que mais desaconselha a sua reintegração ao nível da harmonia e bom funcionamento da empresa, ao que se pode juntar a falta de habilitações técnicas.
100. Por todos estes motivos, é evidente o grave prejuízo do seu regresso para o normal funcionamento da empresa, nos termos e para os efeitos previstos no art. 392.º, n.º 1, do CT, sendo que este fundamento claramente não foi criado de forma culposa pelo empregador, mas
única e exclusivamente imputável ao Recorrido nos anos em que administrou a empresa, tanto de direito como de facto.
101. O “facto” n.º 68 do rol de factos provados deve ser eliminado, porque conclusivo, mas também porque a Recorrente, como bem refere o Tribunal “a quo” (p. 43 da sentença), atuou ao abrigo do seu direito de liberdade económica ao reestruturar a empresa em 30-05-2023 e ao aprovar o manual de funções de novembro desse ano, não estando vinculada a não o fazer só porque um dos seus trabalhadores não tem o grau consensualmente imposto hoje por todas as empresas para o desempenho deste tipo de cargos de direção, além de que o Recorrido não ficava funcionalmente afastado da empresa, pois o facto de extinguir a direção de planeamento estratégico e fundos não implicava que a função que o contrato em regime de comissão de serviço previa que o Recorrido deveria desempenhar finda a comissão era extinta ou que o trabalho na empresa relacionado com planeamento da atividade, investimentos e gestão de financiamento público deixava de existir, tudo isso tendo sido redistribuído nas novas direções.
102. Tal modificação deverá agora ser operada por Vossas Excelências, nos termos legais já repetidamente invocados a propósito do aditamento de factos, modificação essa com evidente relevo na economia deste recurso, pois afasta a criação culposa dos fundamentos acessórios ou complementares invocados pela Recorrente na oposição à reintegração do Recorrido, viabilizando a sua consideração para reforço da comprovação da perturbação grave para o funcionamento da empresa que advirá do regresso do Recorrido ao nível das relações interpessoais com outros elementos da empresa.
103. E a conduta da Recorrente não foi nem é por qualquer modo abusiva: a administração da empresa é outra desde janeiro de 2023, sem partilhar elementos com as anteriores, e “só tomou conhecimento da situação do autor nos primeiros meses de 2023, quando entendeu analisar o estado global da empresa” (facto provado n.º 61), o que afasta por completo um eventual abuso do direito, inexistindo qualquer posição anterior que tornasse esta contraditória ou qualquer legítima expectativa do Recorrido em posição contrária - o que é extensível a toda a restante alegação do recurso, nomeadamente quanto à invocação da nulidade do contrato, por as razões acabadas de aduzir serem inteiramente aplicáveis nessas outras situações.
104. Nem tão pouco a conduta da Recorrente ao lidar com a situação irregular do Recorrido teve por fundamento qualquer motivo político, ideológico, étnico ou religioso, ou outro discriminatório, nomeadamente em relação à trabalhadora, DD, pois o Recorrido, ao tempo da celebração do seu contrato em comissão de serviço (2014), tinha uma relação de emprego público com o Município de ..., enquanto aquela trabalhadora era funcionária da empresa com contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 2003, ou seja, há mais de dez anos (!) – facto que se requereu adicionar como provado –, donde a desnecessidade de analisar o seu contrato e não o desta trabalhadora do ponto de vista da legalidade jurídico-pública (LTFP, art. 29.º do RJAEL, etc.)
105. Foi esta diferença que justificou o tratamento dado à situação do Recorrido, tanto que as causas de invalidade contratual invocadas pela Recorrente no ofício n.º 21908 de 10-07-2023 se prendem exclusivamente com o facto de o Recorrido ter uma relação de emprego público, lhe ter sido concedida uma licença sem remuneração e não ter sido celebrado acordo de cedência de interesse público, o que de algum modo se verifica no caso de DD.
106. Se as causas de invalidade invocadas naquele ofício se verificam, é outra questão, discutida noutra parte deste recurso, mas não se pode afirmar que a conduta da Recorrente se tenha prendido com intenções ou motivações discriminatórias, já que todas essas causas assentam em factos característicos da situação do Recorrido e que só em relação a ele se verificam, não em relação à referida trabalhadora.
107. Como entende a jurisprudência e doutrina nacionais, o juízo de inexigibilidade para o empregador da subsistência do contrato, na oposição à reintegração, é independente do motivo da ilicitude do despedimento, podendo mesmo os fundamentos dessa oposição basear-se em factos ou circunstâncias posteriores.
108. Nem é exigido que o trabalhador tenha agido culposamente, o que afasta, para efeitos deste juízo nos termos do art. 392.º do CT, a necessidade de qualquer procedimento ou sanção disciplinar prévia, exigindo-se unicamente que o regresso do trabalhador seja «gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade empresarial».
109. A absoluta incompatibilização e prática de assédio laboral do Recorrido com trabalhadoras da empresa é, pois, perfeitamente admissível como demonstração da perturbação grave para o funcionamento da empresa que a sua reintegração acarretará.
110. A não ser assim, a Recorrente ficaria, neste caso, impedida de utilizar em juízo a faculdade que o art. 392.º do CT lhe concede, apesar de ter fundamento para tal, o que constituiria uma insustentável compreensão do direito à tutela jurisdicional efetiva, violando o princípio da proibição da indefesa que decorre do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, traduzindo a interpretação da aludida norma pelo Tribunal “a quo” uma interpretação verdadeiramente inconstitucional, o que desde já se invoca para os devidos efeitos.
111. Por todo o exposto quanto à reintegração do Recorrido, e sendo certo que ele desempenhava e desempenharia, caso regressasse, um cargo de direção, para os efeitos do previsto na 1ª parte do art. 392.º, n.º 1, do CT, o regresso do Recorrido à empresa seria gravemente prejudicial e perturbador do seu normal funcionamento, pelo que é admissível e atendível o pedido da Recorrente de substituição dessa reintegração pelo pagamento de um montante indemnizatório ao Recorrido, motivo pelo qual deverão Vossas Excelências revogar a sentença sub judice nesta parte e proferir acórdão em seu lugar que julgue procedente a oposição da Recorrente à reintegração do Recorrido na empresa, fixando indeminização adequada por ela a pagar, repondo a justiça no caso concreto».
Contra-alegou o recorrido, a pugnar pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata e efeito suspensivo (atenta a caução prestada) – e subidos os autos a esta Relação, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no qual concluiu pela improcedência do recurso.
Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
É sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
No caso, antes de delimitar as questões objeto do recurso, duas notas prévias se impõem, tendo em conta a prolixidade das conclusões das alegações de recurso, com diversos argumentos apresentados e dificuldade de percecionar, de forma clara e objetiva, as concretas questões objeto do recurso.
Em primeiro lugar, para deixar consignado que, como escrevia Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 688), «(…) o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”.
Assim, o tribunal não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa da sua posição: tem é que resolver todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes (exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras) no sentido da procedência ou improcedência da ação.
A dificuldade centra-se, então, em determinar o que deve entender-se por «questões» para efeitos dos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil: ora, estas deverão ser encontradas perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e, eventualmente, as exceções invocadas pelo réu.
Daí que, como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2005 (Recurso n.º 2843/04 – 4.ª Secção), as “questões” «[n]ão serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litigio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções».
Uma segunda nota para referir que o que está em causa nos autos é apreciar e decidir uma relação de trabalho – por virtude da celebração de um contrato de trabalho em comissão de serviço em 18 de março de 2014 – entre o autor e a ré, esta pessoa coletiva com personalidade jurídica, independentemente dos seus representantes a cada momento.
Como, a este propósito, se escreveu na sentença recorrida, «(…) ainda que a ré tenha mudado de membros da sua administração, juridicamente permaneceu a mesma, com capacidade e personalidade jurídica, sendo responsável pelas opções e decisões que foram tomadas ao longo do tempo, máxime desde que o autor iniciou funções como administrador, passando pela celebração com este de contrato de trabalho em comissão de serviço, cessação desta, manutenção do autor no exercício de facto das funções de director geral ate 01.05.2023 e cessação do seu contrato de trabalho».
Por isso, será tendo sempre em vista este específico enquadramento que as várias questões irão ser analisadas e decididas.
Deixadas estas notas prévias, nas extensas conclusões das alegações de recurso detetam-se as seguintes questões:
1. da nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório, uma vez que – alega a recorrente – naquela o tribunal invocou uma “questão nova”, consistente numa “suposta proibição legal de celebrar cedência de interesse público decorrente do art. 50.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2014)”;
2. do erro na forma do processo e do não aproveitamento do processado;
3. da impugnação da matéria de facto;
4. da nulidade do contrato celebrado entre o autor e a ré, em regime de comissão de serviço;
5. da fraude à lei;
6. da isenção de horário de trabalho
7. do assédio laboral;
8. da oposição da ré/recorrente à reintegração do autor/recorrido
III. Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. Com data de 18.03.2014, entre a ré e o autor foi assinado documento escrito intitulado contrato de trabalho em comissão de serviço, pelo qual aquela contratou este, em regime de comissão de serviço e nos termos dos artigos 161.º e 162.º do Código do Trabalho para exercer o cargo e as funções de Diretor-Geral.
2. Consta da cláusula 2.ª desse acordo que o cargo e as funções para as quais o autor é contratado são exercidas em subordinação às diretrizes e na direta dependência do Conselho de Administração da ré, perante quem responderia, obrigando-se o autor a executar todas as tarefas que se revelassem necessárias à supervisão e coordenação geral da empresa e à implementação e concretização dos objetivos superiormente definidos, atuando com zelo, lealdade, dedicação e em respeito pelas obrigações decorrentes da lei, visando sempre a melhoria da produtividade da Empresa.
3. Consta da cláusula 3.ª desse acordo que como contrapartida do trabalho prestado, o autor auferiria a remuneração base mensal de 3.176,45€, à qual acresceria um subsídio de alimentação diário, no valor de €4,27, tendo ainda o autor direito a beneficiar de um seguro de saúde com as coberturas em vigor na ré à data da assinatura do contrato, viatura de serviço e combustível para 25.000 km/ano, telemóvel de serviço de acordo com os usos da empresa, restantes regalias em vigor na empresa.
4. Consta da cláusula 4.ª desse acordo que o autor exerceria as funções para que foi contratado em regime de isenção de horário de trabalho, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 218.º, 219.º e 265.º do Código do Trabalho.
5. Consta da cláusula 6.ª desse acordo:
«6.1. Qualquer dos outorgantes pode livremente por termo á comissão de serviço, nos termos e condições previstas no artº 163º do Código do Trabalho;
6.2. Ambos os outorgantes reconhecem que, finda a comissão de serviço o segundo outorgante permanecerá ao serviço do primeiro outorgante, ficando independentemente de qualquer formalidade, contratado na categoria de Diretor Técnico Superior, 2.º escalão, com as funções de Diretor de Planeamento.
6.3. Para efeitos de antiguidade na categoria referida no número anterior, ambas as partes acordam em considerar todo o tempo de serviço prestado pelo primeiro outorgante, assim como tempo em que exerceu em comissão de serviço as funções de Diretor-Geral, conforme n.º 5 do artº 162.º do Código do Trabalho.»
6. Em 19 de Agosto de 2021, por deliberação do Conselho de Administração constante da ata 35/2021, a R., fez cessar a comissão de serviço do A., mantendo-se este no quadro da empresa.
7. A partir de Agosto de 2021 e até 30.04.2023 o A. recebeu sempre, de forma regular e constante, como contrapartida do seu trabalho a retribuição base prevista em 2021 de € 3.260,00, que com as atualizações salariais corresponde atualmente a € 3.460,00, subsídio de alimentação diário no valor atual de € 6,00, viatura de serviço e combustível para 25.000 Km/ano, seguro de saúde, telemóvel de serviço e restantes regalias em vigor na empresa.
8. Nesse período o autor tinha isenção de horário, com a não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho.
9. No dia 26 de abril de 2023, o Presidente do Conselho de Administração da R. enviou ao A. a seguinte mensagem de correio eletrónico:
«Na qualidade de presidente do conselho de Administração da AMBILITAR e na sequência da cessação da comissão de serviço deliberada em reunião do conselho de administração, realizada em 09 de agosto de 2021 e subsequente confirmação em reunião do conselho de administração de 20 de março de 2023, vimos comunicar-lhe que cessa a partir de 1 de maio de 2023 as funções como diretor geral, devendo proceder á entrega nesse dia de todos os bens da empresa que tenha ao seu serviço por força dessas funções. Mais vimos solicitar que nos informe se pretende ou não continuar ao serviço da empresa a partir do referido dia 1 de maio.»
10. Na mesma data, o autor enviou mensagem de correio eletrónico ao presidente do CA da ré, informando pretender continuar ao serviço da empresa, nos termos estipulados no contrato de comissão de serviço, a partir do dia referido, pretender gozar férias, solicitando ainda esclarecimento sobre quais os bens que se encontravam habitualmente na sua posse não considerados relacionados com a função de Diretor -Geral, deveria entregar, os quais são somente o telefone de serviço de uso normal e habitual na empresa e viatura de serviço de uso normal e habitual nas funções de Diretor Superior.
11. Em 28.04.2023, o Presidente do Conselho de Administração da R. enviou ao A. mensagem de correio eletrónico esclarecendo, para além do mais, que deveria entregar todos os bens da empresa que tivesse ao seu serviço, independentemente daqueles que viessem a ser-lhe atribuídos por força das suas novas funções.
12. Na mesma data, o autor enviou mensagem de correio eletrónico ao Presidente do Conselho de Administração da R., para além do mais, iniciando novas funções no dia 2 de maio, solicitando a seguinte informação:
«-Qual o conteúdo funcional específico das mesmas no âmbito do contrato?
-Continuam a ser exercidas em regime de isenção de horário de trabalho?
-A deslocação para o local de trabalho será em viatura de serviço como habitual nesta categoria profissional, se sim qual?
-Continuo a exercer funções no mesmo posto de trabalho atual?»
13. Na sequência do determinado pelo Presidente do Conselho de Administração da R., o A. fez entrega de: i) Viatura marca Opel, modelo Moka, matricula AS-..-ER, atribuída para serviço e também para uso pessoal do autor; ii) Cartão de abastecimento Repsol nº ..., atribuído para serviço e também para uso pessoal do autor; iii) Telemóvel Huawei P20 Pro, atribuído para serviço e também para uso pessoal do autor; iv) Cartão de Seguro de Saúde AdvanceCare; Casaco refletor; sapatos de proteção.
14. Em 03.05.2023, o Presidente do Conselho de Administração da R. enviou ao A. mensagem de correio eletrónico, informando que na sequência de reunião do CA de 02.05.2023, o seu local de trabalho seria o mesmo, as suas funções e tarefas seriam definidas pelo Diretor-Geral, quando designado; não foi autorizado o regime de isenção de horário de trabalho, pelo que deveria ser cumprido o horário normal da empresa, a deslocação para o trabalho deveria ser feita em viatura própria, continuando a beneficiar de seguro de saúde da empresa.
15. Nessa reunião do CA da R. (ata n.º 15/2023) foi deliberado dar aquelas respostas às questões colocadas pelo autor e ainda:
«Suportado por parecer jurídico, tendo em conta a cessação do contrato de comissão de serviços como diretor geral do colaborador e nos termos do contrato que terminou, onde se admite que o mesmo passaria a Diretor Técnico Superior, 2.º escalão, lugar que já não existe no atual quadro e tabela de remunerações da empresa que o mesmo deve ser colocado naquela que é a definição mais próxima e que assume um racional coerente de retribuição remuneratória com as tarefas que irá desenvolver, designadamente, Diretor Técnico, 2.º Escalão, com a remuneração base de 1997,25€ mensais.»
16. A partir de 02.05.2023, o A. apresentou-se ao serviço todos os dias, sem conteúdo funcional atribuído, permanecendo 8 horas num espaço onde estão instalados os servidores informáticos da R., não praticando isenção de horário de trabalho.
17. A partir de maio/2023 a R. passou a pagar ao autor a retribuição de € 1.997,25 euros, como Diretor Técnico - escalão 2; sem viatura de serviço com o limite 25.000 Km/ano; sem combustível para 25.000 Km/ano e sem telemóvel de serviço.
18. Em maio/2023, o A. foi afastado de todas as reuniões na empresa, tanto gerais como setoriais, levadas a cabo pela administração e pelo novo responsável pela Direção da empresa, sem que lhe tenha sido comunicada a existência de uma nova Direção.
19. O autor teve conhecimento da Nota Interna datada de 30.05.2023, assinada pelo Diretor Geral da R., sob o assunto Organização Funcional da Empresa e com o seguinte teor:
«Analisada a estrutura funcional em vigor na empresa – Organigrama de 2021, e considerando que se verifica a necessidade de adequação e otimização da mesma, foram criadas a Direcção Administrativa e Financeira e a Direcção Técnica de acordo com o organigrama que se anexa, tendo sido extinta a Direcção de Planeamento Estratégico e Fundos Comunitários e integradas as anteriores secções e departamentos nas novas Direções agora criadas de acordo com o Organigrama já apresentado em anexo.
O conselho de Administração nomeou para responsável pela Direcção Técnica a Eng.ª DD.»
20. No dia 16.06.2023, dia a seguir a reunião do Conselho de Administração, o A. perguntou aos recursos humanos se havia resposta para as suas questões, nomeadamente as relativas às funções que lhe estavam atribuídas, tendo sido informado verbal e informalmente pela responsável FF que não tinha autorização para lhe responder.
21. No dia 20.06.2023, foi entregue ao A. uma notificação, em mão, pela técnica dos recursos humanos e perante duas testemunhas, suas colegas.
22. Por esse documento, oficio n.º 21894, datado de 19.06.2023, assinado pelo Presidente do CA da R. cujo teor de fls. 21/22 que se dá por integralmente reproduzido, o autor foi notificado para, no prazo de 5 dias úteis entregar nos recursos humanos da R. documentação legitimadora da celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18.03.2014 e da subsequente permanência na empresa depois de finda tal comissão, sob pena de o primeiro e, por consequência, a segunda se considerarem eivados de invalidade por violação de normas imperativas do estatuto do trabalhador público, determinante da imediata cessação da relação com a ré e abandono da empresa pelo autor, sem qualquer indemnização ou compensação.
23. No dia 22.06.2023, o A. entregou, em mão, à técnica dos recursos humanos, perante duas testemunhas, e por email a resposta a essa notificação, com o teor de fls. 35 e anexos a fls. 35 v.º a 37.
24. O autor notificou também os recursos humanos de que iria iniciar o gozo do seu primeiro período de férias, de 26 de junho a 7 de julho.
25. No dia 10.07.2023, após regresso do período de férias, foi entregue ao A. o ofício nº 21908, pelo qual a ré invocou junto deste a nulidade do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço e da consequente relação laboral que o mesmo criou após a cessação da comissão, não podendo o autor continuar ao serviço ao abrigo de um contrato ou vinculo laboral nulo, por significar ostensivo incumprimento do quadro legal aplicável, devendo abandonar a empresa, entregando todos os instrumentos de trabalho e pertences dela que então detivesse, sem qualquer compensação ou indemnização, com efeitos imediatos e não dependente de qualquer outra formalidade, considerando terminada a relação laboral, cfr. doc. de fls. 15 a 16 v.º cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. Por despachos do Vereador do Pelouro dos Recurso Humanos da CMG:
-datado de 12.03.2014, foi deferido ao autor o pedido de licença sem remuneração por 11 meses, a partir de 18.03.2016.
-datado de 16.02.2015, foi deferido ao autor o pedido de licença sem remuneração até 17.02.2017, tendo o autor sido informado que sendo a licença por período superior a dois anos, poderia vir a ser preenchido o lugar no mapa de pessoal, situação em que deveria aguardar previsão no mapa de pessoal, de um posto de trabalho não ocupado, podendo candidatar-se a procedimento concursal aberto noutro órgão ou serviço para o qual reunisse os requisitos exigidos.
-datado de 04.11.2016, foi deferido ao autor o pedido de licença sem remuneração até 17.02.2020, tendo o autor sido informado também daquela situação.
- datado de 25.06.2018, foi deferido ao autor o pedido de licença sem remuneração até 17.02.2030, tendo o autor sido informado nos mesmos termos.
27. De março de 2014 a 19.06.2023, o contrato de trabalho vigorou sem que alguma vez tenha sido suscitada qualquer das questões que a R. invocou ofício n.º 21908.
28. A retirada sem qualquer justificação da viatura, do telemóvel, a imposição de horário fixo, sem isenção de horário de trabalho, a obrigação de permanecer durante 8 horas por dia sem quaisquer funções, bem como a redução da retribuição e a invocação da nulidade do contrato de trabalho afetaram a dignidade do autor, perturbaram-no, criaram-lhe um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador.
29. Aquele comportamento da ré afetou o bem-estar do autor e a sua reputação como anterior Presidente do Conselho de Administração da R. e Diretor Geral.
30. Com data de 05.03.2014, pela ré e DD foi assinado documento escrito intitulado contrato em comissão de serviço, pelo qual aquela admitiu esta ao seu serviço, em regime de comissão de serviço para exercer o cargo e as funções de Diretora do Departamento Técnico, com o teor de fls. 289 a 291 que se dá por integralmente reproduzido.
31. Em reunião ordinária do CA da R. de 19.08.2021 (ata n.º 35/2021), foi deliberado aprovar a nova organização técnico administrativa da empresa em anexo que se dá por integralmente reproduzido a fls. 293/296, cessando nessa sequência as comissões de serviço do Diretor Geral e Diretora do Departamento Técnico, respetivamente o autor e DD, os quais se manteriam ao serviço, dispensando qualquer formalidade e nos termos previstos contratualmente nas respetivas comissões de serviço, designado aquela, com a sua concordância, para as funções de diretora de planeamento estratégico, garantindo ainda, até nova decisão a direção do departamento de tratamento e valorização e o autor, com a sua concordância, manter-se-ia no exercício das funções de diretor geral.
32. DD manteve a retribuição, a isenção de horário de trabalho, a atribuição de viatura de serviço e combustível para 25.000Km, o telemóvel de serviço de acordo com os usos da empresa o seguro de saúde e restantes regalias em vigor na empresa.
33. O conselho de administração nomeou para responsável pela Direção Técnica a Eng.ª DD, funções que passou a exercer no final de 2023, tendo mantido a retribuição, a isenção de horário de trabalho, a atribuição de viatura de serviço e combustível para 25.000Km, o telemóvel de serviço de acordo com os usos da empresa o seguro de saúde e restantes regalias em vigor na empresa.
34. A Ré é uma empresa local do sector empresarial local, detida na maioria pela Associação de Municípios Alentejanos para a Gestão Regional Ambiental (AMAGRA), composta pelos municípios de Alcácer do Sal, Aljustrel, Ferreira do Alentejo, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines, com estatutos publicados no Diário da República, III Série, nº 2, de 04.01.2005.
35. Em virtude de nomeação definitiva de 13.07.1998, pelo Presidente da Câmara Municipal de ..., na categoria de técnico auxiliar de audio-visuais de 2.ª classe, o autor tomou posse no dia 16.11.1998.
36. Para o quadriénio 2022-2025 foi eleita em assembleia geral da Ré de 06.06.2022 nova administração que iniciou funções em janeiro/2023: II, JJ, por parte da AMAGRA, e KK, por parte da SUMA.
37. Por deliberação dos sócios da R. em assembleia geral de 13.01.2006, foram eleitos, para o quadriénio de 2006-2009, os membros do conselho de administração da empresa, entre os quais o autor.
38. Com data de 19.12.2008, entre o Município de ... e a R. foi assinado documento escrito denominado acordo de cedência especial, pelo qual aquela autorizou o seu trabalhador autor a exercer funções na ré, em regime de cedência especial, determinado a cedência a suspensão do estatuto de funcionário, passando a ser remunerado pela ré, com as funções a desempenhar de administrador.
39. O autor continuou, como vinha fazendo, a desempenhar o cargo de administrador, estando presente em reuniões, assinando atas, alterações aos estatutos da empresa e tendo firmado um acordo de isenção de horário.
40. O autor não possuía e não possui o grau académico de licenciatura.
41. Em 02.04.2013, o autor solicitou ao Presidente da CMG a cessação do acordo de cedência especial celebrado entre a ré e o município.
42. O Município de ... respondeu que o acordo podia ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes com aviso prévio de 30 dias, tendo informado a ré conforme doc. 15 que aqui se dá por integralmente reproduzido e, posteriormente, solicitou-lhe informação sobre se existiria inconveniente da sua parte em cessar o acordo a partir de 01.05.2013.
43. Respondeu o autor, agora na qualidade de administrador, que seria a R. a informar “a data a partir da qual será conveniente a cessação do referido acordo de cedência”, tendo o Município de ... afirmado que “não existe inconveniente que a data da cessação do acordo de cedência não ocorra a 1 de maio”.
44. Em 23.05.2013, o autor, na qualidade de administrador, propôs que a data de regresso ao Município de ... fosse 04.06.2013, o que foi aceite pela autarquia, tendo o acordo cessado nessa data.
45. O autor não reiniciou funções efetivas na CMG e manteve-se como administrador da ré.
46. Em 28.12.2005, em reunião do Conselho Diretivo da AMGRA, o autor foi nomeado como “secretário-geral” desta, para a sua gestão corrente, cargo pelo qual foi remunerado, pelo menos em Fevereiro de 2006, Outubro de 2007, Junho de 2013 e Março de 2014.
47. O autor acumulou funções de gestão da AMAGRA e da ré, surgindo nas deliberações daquela associação como “administrador da AMBILITAL” e como “secretário-geral da AMAGRA”.
48. O autor já não integrou a administração da ré no quadriénio 2014-2017 e em 05.03.2014 o Conselho de Administração aprovou nova organização técnico- administrativa de carreiras, bem como os contratos de trabalho em comissão de serviço de DD e do autor.
49. O então administrador, LL, designado pelo sócio privado da Ré “Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S.A.” (SUMA), exarou declaração de voto após votar contra a proposta de aprovação daqueles contratos.
50. Em reunião do CA da ré de 13.06.2008, na qual o autor teve intervenção como administrador, foi criado o cargo de diretor geral, o qual apenas veio a ser preenchido com a contratação do autor.
51. O autor manteve-se como diretor-geral no quadriénio 2018-2021 e em parte do subsequente (2022-2025), assinando correspondência, proferindo despachos, etc., tendo cessado de facto estas funções com efeitos a 01.05.2023.
52. Em maio de 2023 existiam, para além do mais, as carreiras e vencimentos de:
Direção Superior 2.º escalão: €3.460,00
Direcção Superior 1.º escalão: €3.200,00
Director de Departamento: €2.560,00
Director Técnico 1.º escalão: €1.950,00
Director Técnico 2.º escalão: €1.997,25.
53. Em 2021, de acordo com a tabela da ré, para além do mais, existiam as seguintes carreiras e vencimentos:
Direcção Superior 2.º escalão:
Direcção Superior 1.º escalão: €3.000,00
Director de Departamento 1.º escalão: €2.360,00
Director Técnico 2.º escalão: €1.797,25.
54. De acordo com o organigrama atualmente em vigor, aprovado em reunião do CA de 15.11.2023, não existe a função de diretor de planeamento.
55. No do quadriénio de 2018-2021, o autor procurou celebrar com a Ré um acordo de pré-reforma. cf. doc. 29 da contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.
56. No quadriénio de 2022-2025, a celebração daquele acordo veio a ser rejeitada pela administração em reunião do CA da ré de 20.03.2023.
57. A administração constatou que o saldo operativo era positivo, tendo a Ré arrecadado várias quantias ao nível de tarifas cobradas e poupança em compra e manutenção de equipamento que fizeram os resultados subir.
58. Fruto da gestão implementada, anteriormente, a Ré tinha máquinas e equipamentos com vários anos.
59. A ré procedeu à alteração do organograma da empresa conforme comunicação interna de 30.05.2023, tendo existido nova alteração em novembro de 2023, impondo habilitações para o exercício de determinados cargos, que corresponde à situação organizacional atualmente em vigor.
60. Ainda enquanto diretor geral, o autor foi para a sala onde estão instalados os servidores informáticos da R., aí permanecendo até 2023, porque se incompatibilizou com a trabalhadora com que partilhava a anterior sala, DD.
61. A nova administração só tomou conhecimento da situação do autor nos primeiros meses de 2023, quando entendeu analisar o estado global da empresa.
62. Em novembro de 2023, a ré adotou um manual de funções, do qual consta, para além do mais, a finalidade da função de diretor técnico, principais responsabilidades e tarefas e requisitos para o desempenho da função, entre os quais, habilitação superior, ao nível de licenciatura, preferencialmente em áreas de engenharia.
63. Trata-se de cargo cujo titular é superior hierárquico de todos os demais trabalhadores da parte operacional ou administrativa e financeira, que respondem perante ele, além das funções próprias, de execução de deliberações, avaliar o desempenho dos trabalhadores, participar ou elaborar o orçamento da empresa e o respetivo plano de atividades, etc., envolvendo grande responsabilidade e confiança.
64. De acordo com o manual de funções, é exigido grau académico de licenciatura nos cargos da categoria de técnico superior.
65. Apenas existe atualmente um posto de diretor técnico da ré, ocupado pela trabalhadora, DD.
66. A atual administração da ré não pretende que o autor desempenhe funções na empresa.
67. Entre alguns dos trabalhadores da ré e o autor houve alguns desentendimentos e incompatibilidades, nomeadamente com DD, sendo que alguns desses trabalhadores não gostariam de voltar a trabalhar com o autor.
68. A ré não poderia ignorar que conforme nota interna de 30.05.2023, extinguindo a Direção de Planeamento Estratégico e Fundos, alterando o organigrama da empresa, bem como ao ter procedido a nova alteração em 15.11.2023, adotando também um manual de funções que impõe habilitações para o exercício do cargo de Diretor Técnico, tal influía ou poderia vir a influir na situação do autor.
B) A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
A. A partir de agosto de 2021 e até 30.04.2023 o A. recebeu sempre, de forma regular e constante, contrapartida pela isenção de horário de trabalho.
B. No final do primeiro trimestre de 2023, a R., por intermédio do Presidente do Conselho de Administração, transmitiu ao A. a ideia de “que seria bom para a empresa e para o A. um acordo de saída com indemnização a acordar entre as partes”.
C. Na mesma ocasião, o Presidente do Conselho de Administração da R. pôs em causa o salário base a que o A. teria direito no cumprimento do contrato como Diretor Técnico Superior, 2.º escalão.
D. A partir de maio/2023 a R. retirou ao autor o seguro de saúde.
E. No dia 23 de Junho, em conversa com outro trabalhador da empresa R., este comunicou ao A. que lhe tinham sido dadas ordens pelo Diretor Geral para não permitir a entrada do A. nas instalações de operação e que lhe foi dito que” para bem dele”, o máximo que podia fazer era falar com o A. fora das instalações da empresa R..
F. O comportamento da ré afetou psicologicamente, obrigando-o a recorrer a apoio psiquiátrico, numa tentativa de ultrapassar o desgosto que a situação lhe causou.
G. A conduta da ré gerou boatos sobre as razões da degradação das condições, levando a que algumas pessoas pusessem em causa a seriedade e retidão do comportamento do autor, ou a sua competência profissional.
IV. Enquadramento jurídico
1. Da nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório
Recorde-se que a recorrente arguiu a referida nulidade por entender que na sentença o tribunal introduziu uma “questão nova”, referente à proibição legal de celebrar contrato de cedência de interesse público decorrente da Lei do Orçamento de Estado para 2014.
Está em causa o princípio do contraditório, com consagração constitucional, decorrente de um processo equitativo, o que implica a possibilidade das partes participarem na tomada de decisão em relação a questões que lhe dizem respeito, assim se garantindo o direito de defesa e de serem ouvidos (cfr. artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
Também no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil se consagra tal princípio, ao aí se dispor que não é lícito ao juiz decidir questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que às partes tenha sido dada a oportunidade de sobre elas se pronunciarem.
Todavia, entende-se que no caso em apreço não se mostra violado tal princípio.
Desde logo porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Além disso, tendo a ré suscitado nos autos a questão de “fraude à lei”, na abordagem da mesma a sentença recorrida fez referência à Lei do Orçamento de Estado para 2014, mas para afastar a sua aplicação ao caso.
Atente-se no que, sobre a matéria, se respiga da sentença:
«Na verdade, o que o artigo 58.º, da LVCR fazia e o 241.º da LGFP passou também a fazer foi definir a cedência de interesse público, mas a nenhum trecho se podendo retirar, de qualquer dos preceitos legais, a imposição da celebração do acordo. O artigo 50.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) estipulava que os órgãos e serviços abrangidos no âmbito de aplicação da LTFP não poderiam proceder á celebração de acordo de cedência de interesse público com trabalhador de entidade excluída do âmbito de aplicação daquele diploma, não sendo, o preceito aplicável, caso as funções a exercer nesse regime correspondessem a cargo dirigente.
(…)
Pelo que fica exposto, caberá concluir que muito embora, em abstracto, pudesse ter sido celebrado o acordo tripartido de cedência de interesse público, já que o autor iria passar a exercer cargo dirigente, não era obrigado a fazê-lo não só porque a lei não o estipula com caracter vinculativo/de obrigatoriedade, como o próprio trabalhador pode não pretender vincular-se nesses termos, o mesmo ocorrendo qualquer outra das partes (empregador público cedente e empregador cessionário).
(…)
Conclui-se inexistir a alegada fraude à lei, nos termos do disposto no art.º 294.º do Código Civil, pois o artigo art.º 29,º do RJAEL não foi objecto de fraude, já que não impõe que os trabalhadores com vínculo de emprego público prestem trabalho em empresas locais através de acordo de cedência de interesse público e nada impedia o pedido e a concessão ao autor de licença sem remuneração de longa duração, seguida da celebração pelas partes de contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para exercício de funções de diretor-geral e manutenção do vínculo para lá do termo da comissão, com sucessivas prorrogações da licença até 2030. E por isso, não foi obtido um resultado que a lei proíba.
Ou seja, embora a sentença recorrida convoque a questão de saber se, em abstrato, podia ser celebrado um acordo de cedência de interesse público, no caso concreto afasta essa possibilidade, pelo que, concluímos, a matéria de cedência de interesse público apresenta-se absolutamente inócua à sentença proferida.
Aliás, deve notar-se que se afigura ser contraditória e até impercetível a postura da recorrente nas conclusões, no que se refere à cedência de interesse público: por um lado, imputa à sentença recorrida o vício de nulidade, por ter conhecido dessa questão, que considera “nova”, mas, por outro, nas conclusões, maxime nos seus n.º 21 e 22 afadiga-se a tentar demonstrar, se bem se interpreta, a possibilidade de celebração de cedência de interesse público, cedência essa que, como se viu, foi afastada pelo tribunal.
Inexiste, pois, a arguida nulidade.
2. Do erro na forma do processo e do não aproveitamento do processado
O autor intentou a presente ação – que qualificou de “impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 26º do Código de Processo do Trabalho” – mediante a apresentação de petição inicial, onde formulou, além do mais, o pedido que seja declarado nulo o despedimento, invocando os fundamentos para tal.
Em sede de despacho liminar, o tribunal a quo considerou, em síntese, que inexistindo uma comunicação escrita da empregadora ao trabalhador, contendo uma decisão inequívoca de despedimento – seja por extinção do posto de trabalho, ou por inaptidão, ou por facto imputável ao trabalhador – a ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento era inapropriada, sendo, sim, o meio processual adequado o processo comum, nos termos previstos no artigo 51.º do Código de Processo do Trabalho.
E, em conformidade, declarou a existência de erro na forma de processo.
Esta decisão não é objeto de discordância, designadamente da ré/recorrente.
Mas a decisão recorrida foi mais longe: considerou que o articulado, rectius, petição inicial, respeitava o disposto nos artigos 51.º e segts. do Código de Processo do Trabalho, pelo que determinou, no aproveitamento dos atos, que o processo passasse a seguir a forma comum.
A recorrente rebela-se contra tal decisão, argumentando, ao fim e ao resto, que tal prejudica os seus direitos, uma vez que enquanto na ação especial teria 15 dias para contestar a ação, no processo comum o prazo é apenas de 10 dias.
Não se anui ao entendimento da recorrente.
Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, o erro na forma de processo importa apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei; não devem, porém, aproveitar-se, os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (n.º 2 do mesmo artigo).
No ensinamento de Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, passim a págs. 470 a 480), o erro na forma de processo não importa, em regra, a anulação de todo o processo: só terá, excecionalmente, esse efeito, (i) quando nada se puder aproveitar, por haver incompatibilidade irredutível entre a forma que se seguiu e a que se devia seguir, (ii) ou quando o aproveitamento do processo, embora possível, redunde numa diminuição de garantias do réu.
Ou, como escreve Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 53), «[o] s actos praticados até ao momento em que o juiz conheça o erro na forma de processo só devem ser anulados se de todo em todo não puderem ser aproveitados para a forma adequada ou se desse aproveitamento resultar uma diminuição das garantias do réu».
Importa não olvidar, no que decorre do referido artigo 193.º, que o formalismo processual não tem um carácter rígido ou absoluto, podendo a irregularidade cometida ser objeto de correção e adaptação.
Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 49.º do Código de Processo do Trabalho, o processo declarativo comum segue a tramitação estabelecida nos artigos 54.º e segts; e nos termos dos n.ºs 1 e 2 deste último preceito, recebida a petição e estando em condições de prosseguir o juiz designa uma audiência de partes, sendo que com a citação é remetida ou entregue ao réu duplicado da petição inicial (n.º 3 do mesmo artigo).
Finalmente, na falta de acordo na audiência de partes, o réu é notificado para contestar a ação no prazo de 10 dias [alínea b) do artigo 56.º].
No caso em apreço seguiu-se esse procedimento: a única diferença é que o autor na petição inicial afirmou intentar ação especial, quando de acordo com a 1.ª instância devia considerar – face aos termos do pedido e causa de pedir – que estava em causa uma ação com processo comum.
E foi isso que a 1.ª instância se limitou a corrigir: que a ação não era uma ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, prevista no artigo 26.º, alínea a), mas sim uma ação declarativa com processo comum, prevista nos artigos 48.º e segts.
Argumenta a recorrente que com a alteração da forma de processo houve uma diminuição das suas garantias, uma vez que enquanto na ação especial teria 15 dias para contestar, enquanto no processo comum o prazo é apenas de 10 dias.
Assim não entendemos.
Desde logo porque, como resulta da análise dos autos, a recorrente foi citada para a ação em 05-12-2023 e, portanto, a partir dessa data teve conhecimento do pedido e causa de pedir, sendo que só mais de dois meses depois, em 15-02-2024, é que veio a contestar a ação, tendo dentro desse período lhe sido deferido o pedido de prorrogação por cinco dias do prazo para contestar.
Além disso, atente-se que se a ação seguisse o processo especial de impugnação da regularidade e licitude o despedimento, regulado nos artigos 98.º-B e segts do Código de Processo do Trabalho, a requerida seria citada para comparecer na audiência de partes e, não havendo acordo, seria notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado a motivar o despedimento [artigos 98.º-F, n.º 2 e 98.º-I, n.º 4, alínea a)].
Tal significa que o prazo que a recorrente teve para contestar a ação (15 dias, face à prorrogação do prazo) equivale ao prazo que teria para motivar o despedimento.
Daí que não se vislumbre qualquer diminuição das garantias de defesa da ré/recorrente com a convolação do processo, de especial para comum.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
3. Da impugnação da matéria de facto
3.1. Ao longo das 111 conclusões, aqui e ali a recorrente apresenta conclusões jurídicas (sobretudo em torno do que classifica de “fraude à lei”), que intercala com factos que diz impugnar, tornando de difícil apreensão o cumprimento do ónus imposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil e, bem assim, o que foi alegado nos articulados, tendo em conta que, se bem se extrai, pretende que este tribunal dê como provados diversos factos que, sustenta, embora não tendo sido alegados nos articulados, resultaram da audiência de julgamento.
Veja-se, a título de exemplo, que nos artigos 171 e 172.º da contestação a ré alegou que o autor se incompatibilizou ou não tinha bom relacionamento com outros trabalhadores.
Essa alegação encontra-se, grosso modo, traduzida no n.º 67 dos factos provados.
Não obstante, a recorrente pretende agora, em sede de recurso, que se aditem uma série de factos que, alegadamente, resultaram da audiência de julgamento, remetendo para as gravações e alegações.
Pese embora não se descortine que a recorrente se ancore em concreto fundamento legal, crê-se que a situação poderá ser subsumível ao disposto no n.º 2, alínea b) do artigo 5.º do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho; ou seja, está em causa a consideração de factos que, na perspetiva da recorrente, serão complemento ou concretização do que terá alegado nos articulados.
Porém, importa notar, tal como resulta do referida alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, para que o juiz possa atender a esses factos é necessário que as partes (neste caso, mais concretamente o autor face à pretensão da ré) tenham tido possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos.
Atente-se no que, a este propósito, escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 17-18): «No CPC de 2013 deixou de se exigir a manifestação de vontade da parte interessada, que, tal como a parte contrária, apenas se diz que há de ser notificada para “se pronunciar”. Perante a nova redação, não é duvidoso que qualquer das partes pode manifestar-se no sentido de integrar o facto na matéria da causa, o que melhor se coaduna com o princípio do dispositivo, bem como com o exato alcance do ónus da alegação, do que entender que só o pode fazer a parte a quem o facto aproveita; se o fizer, não a parte interessada, mas a parte contrária, a admissão da introdução do facto no processo pode ser acompanhada pelo reconhecimento da sua realidade, caso em que há confissão. Uma dúvida, porém, suscita a nova redação: se nenhuma das partes se manifestar nesse sentido, poderá mesmo assim o facto integrar a fundamentação da decisão? O CPC de 1961 era expresso em determinar que o juiz só podia fundar a decisão nos factos alegados pelas partes (art. 264-2 e 664). Não o diz o CPC de 2013, mas isso retira-se do enunciado do n.º 1(inexistente antes da revisão do CPC de 1961. E é o que impõe o princípio do dispositivo».
E o mesmo se verifica no âmbito do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho: é certo que de acordo com o disposto no n.º 1 deste artigo, «[s]em prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas de prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão».
Porém, desde logo não resulta, designadamente das atas de audiência, que sobre os factos em causa tenha incidido discussão, não bastando para tanto, como parece pretender a recorrente, que se remeta para a gravação da prova e para as alegações finais.
E como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2005 (Recurso n.º 677/05) – que embora no domínio de anterior legislação, aqui se pode aplicar, mutatis mutandis,«[o] poder de ampliar a matéria de facto atendendo oficiosamente a factos não articulados, é um poder inquisitório que incumbe ao juiz da causa e que ele apenas pode exercitar no decurso da audiência de julgamento, por sugestão da parte interessada ou por iniciativa própria, em função dos elementos que resultem da instrução e discussão da causa e da sua pertinência para a decisão jurídica e com vista ao apuramento da verdade material e da justa composição do litígio».
Por isso, não pode a Relação, oficiosamente, ampliar o elenco dos factos provados com outros que não tendo sido alegados possa ter adquirido com a prova produzida, assim como não pode ordenar à 1.ª instância que amplie a matéria de facto, na medida em que tal apenas poderá ocorrer nas situações em que os factos foram alegados: ao juiz da 1.ª instância cabe ampliar a matéria de facto, omitindo esse poder-dever caberá à parte interessada requerer essa ampliação, desde que, naturalmente, os factos tenham resultado da discussão da causa e sejam relevante para a decisão (neste sentido, embora no âmbito de redação da norma não totalmente coincidente com a atual, vejam-se, entre outros, os acórdãos deste tribunal de 24-05-2018, de 31-10-2018 e de 20-04-2023, procs. n.º 1870/16.6T8FAR.E1, n.º 2216/15.6T8PTM.E1 e n.º 2640/19.5T8PTM.E1, respetivamente).
Na situação em apreço, o certo é, como se disse, que não resulta dos autos que a exma. julgadora a quo tenha ampliado essa matéria de facto; e não tendo a mesma ordenado essa ampliação, também não resulta dos autos que na 1.ª instância a parte tenha requerido a mesma.
Por isso, não tendo incidido discussão sobre os alegados factos, que no entendimento da recorrente resultaram da discussão da causa e pretende ver aditados, não podem ser atendidos em sede de recurso.
Adiante se identificarão os factos que se enquadram nesta situação.
Mas atentemos na concreta impugnação da matéria de facto feita pela recorrente.
Da leitura das conclusões das alegações de recurso decorre que a recorrente impugna matéria de facto nos n.ºs 42 (pretendendo o aditamento de um facto a que se refere um documento), 56 (que seja aditado um facto), 59 (aditamento de um facto), 60 (eliminação do facto dado como provado sob o n.º 8 e aditamento de um facto), 62 (alteração do facto provado sob o n.º 18), 63 (alteração do facto provado sob o n.º 60), 64 (que se dê como não provados os factos n.ºs 28 e 29), 75 (que se dê como provado que DD era funcionária da ré desde 2003), 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86 e 101 (que se dê como não provado o facto n.º 68).
Em relação a cada um destes últimos números das conclusões, pretende que se adite:
- 79: «Entre 2019 e agosto de 2020, DD esteve de baixa em estado de “burnout” pela sobrecarga de trabalho atribuído pelo Autor»;
- 80: «Na ausência de DD entre 2019 e agosto de 2020, o Autor disse ao conselho de administração da empresa que a mesma “não ia trabalhar porque não lhe apetecia” e que “não tinha nada”, o que lhe disse também pessoalmente, depois do seu regresso»;
- 81: «Após regresso de DD à empresa, em agosto de 2020, o Autor continuou a fazer comentários depreciativos sobre ela, dizendo que ela era insubordinada, maluca, e para não terem em consideração o que ela dissesse».
- 82: «Como diretor-geral, o Autor recebia trabalhadoras no seu gabinete sem olhar para elas, gritava com elas e ignorava as suas opiniões, o que as fazia sentir intimidadas e sem qualquer valor profissional»;
- 83: «Desde que entrou na empresa, em 2010, até 2017, HH, licenciada em engenharia do ambiente, foi mantida pelo Autor como estagiária, não obstante sempre ter tido responsabilidade por determinados setores da empresa, como recolha, estações de transferências e aterro, e pessoas a seu cargo, sendo hoje técnica superior».
- 84: «DD e EE, licenciada em engenharia química e técnica superior, entraram como estagiárias em 2002 e integraram os quadros da empresa um ano depois, em 2003»;
- 85: «Independentemente da categoria e funções em que isso possa suceder, DD e BB não irão continuar na empresa se o Autor regressar»;
- 86: «Para HH e EE, ambas com cargos técnicos superiores, o regresso do Autor causará muito desconforto e contribuirá para a degradação do ambiente na empresa».
Mais pretende a recorrente, em sede de impugnação da matéria de facto, que seja eliminado o n.º 68 dos factos provados (conclusão n.º 101).
Feitas estas considerações genéricas em torno da impugnação da matéria de facto, analisemos em concreto os factos impugnados.
3.1.1. Quanto ao constante do n.º 42 das conclusões
Sustenta a recorrente que deve ser dado como provado:
«Por ofício n.º 004526, de 23-02-2010, o Município de ... informou o a Ré, na pessoa do presidente do seu conselho de administração, na altura o Autor, de que o seu pedido de requisição para continuação do exercício, pelo Autor, dessas funções, havia sido indeferido, porque: O trabalhador em 19.12.2008, foi autorizado a exercer funções de Administrador da AMBILITAL em regime de cedência especial; com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 e Lei n.º 59/2008, de 11.09, o mesmo transitou em 01.01.2019 para a situação de mobilidade externa “cedência de interesse público” nos termos do art.º 58.º da LVCR, o referenciado encontra-se cedido para exercer uma determinada função; o pedido de autorização para o exercício de nova função implicaria a cessação da referida mobilidade, o que pressupunha que o trabalhador tivesse de regressar à situação jurídico funcional de origem, não podendo haver lugar durante o prazo de 1 ano, a cedência de interesse público para o mesmo órgão ou serviço ou para a mesma entidade (n.º 9 do art.º 58.º da LVCR)».
O alegado corresponde, na sua essência, ao constante do documento de fls. 129 dos autos em suporte físico (com o lapso de escrita pois onde consta 01.01.2019 é 01.01.2009).
Não se vislumbra a relevância do mesmo tendo em conta que nos autos está em causa um contrato de trabalho em comissão de serviço, celebrado em março de 2014 entre o autor/recorrido e a ré/recorrente, e não vinculações anteriores.
Todavia, considerando que ao longo do recurso a recorrente insiste na existência de fraude à lei com a celebração do contrato, admite-se, em sede teórica, que tal possa vir a ter relevância para a decisão da causa.
Por isso, e só por isso, adita-se à matéria de facto, sob o n.º 69, o facto supra transcrito.
3.1.2. Quanto ao constante do n.º 56 das conclusões
Pretende a recorrente que se dê como provado:
«Com a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18-03-2014, o Autor e o conselho de administração da Ré na altura quiseram assegurar que, não obstante perder formalmente a qualidade de administrador, o Autor se mantinha a administrar a empresa, independentemente das suas habilitações».
Arrima-se para tanto no doc. n.º 1 da petição inicial, ofícios do Município de ... juntos aos autos datados de 25-03-2014, donde resulta coincidirem a data da concessão da licença sem remuneração e a data da celebração do contrato em comissão de serviço; e arrima-se também nos depoimentos de MM, DD, EE e FF.
Vejamos.
O documento n.º 1 corresponde ao contrato de trabalho em comissão de serviço celebrado entre a ré e o autor, que se encontra datado de 18 de março de 2014 (fls. 13 e 14 dos autos).
Por sua vez, a fls. 35 dos autos encontra-se uma comunicação do Município de ... dirigida ao autor, que o informa que «por despacho do Sr. Vereador do pelouro dos Recursos Humanos, datado de 12 de Março de 2014, foi deferido o seu pedido de licença sem remuneração por 11 meses, a partir de 18 de Março de 2014».
Embora não sendo claramente percetível, o ofício parece ser datado de 14 de março de 2014.
Igual documento se encontra a fls. 277 dos autos.
Destes documentos resulta que a data a partir da qual é concedida a licença sem remuneração coincide com a data do início do contrato de trabalho em comissão de serviço, ou seja, 18 de março de 2014.
Contudo, o que releva do facto que a recorrente pretende ver aditado é que com a celebração do contrato em comissão de serviço o que o autor e a administração da ré quiseram assegurar foi que não obstante aquele perder formalmente a qualidade de administrador (da ré) mantinha-se a administrar (de facto) a empresa.
Ora, este alegado facto foi frontalmente contrariado pela testemunha MM.
Com efeito, esta testemunha, que integrou o Conselho de Administração (CA) da ré (se bem se entendeu à data do início da comissão de serviço do autor era Presidente do Conselho de Administração), referiu explicitamente que era do conhecimento de todos os membros do CA a “ligação” do autor à autarquia de ..., que embora a composição do CA se alterasse de quatro em quatro anos, em resultado das eleições autárquicas, o trabalho do autor sempre foi apreciado por todos os membros do CA.
Acrescentou que o autor foi administrador da ré, mas que a partir de determinada altura já não podia continuar nessa qualidade; não sabendo precisar o porquê, a pergunta, julga-se, do ilustre mandatário da ré, se teria a ver com a legislação na matéria, admitiu que sim.
No entanto, quando lhe foi perguntado se com a celebração do contrato o autor continuava/continuou a fazer o mesmo que fazia como administrador respondeu negativamente, pois, afirmou, deixou de estar e participar nas reuniões do CA para passar “apenas” a diretor-geral.
Por fim acrescentou não se recordar de ter sido levantada qualquer dúvida em relação ao facto do autor suspender a sua função como trabalhar da autarquia de ... e passar a diretor -geral da ré, sendo tal do conhecimento dos membros do CA, até porque na generalidade dos casos as deliberações eram tomadas por unanimidade e se falou na necessidade de existir confiança no diretor-geral, sendo que, ao que constatou, nessa qualidade o autor sempre manteve a confiança da generalidade dos membros do CA.
A testemunha DD afirmou ter sido administradora da ré de 2010 a 2014 e que a partir de determinada altura por o autor não possuir as habilitações académicas exigidas não podia continuar a ser administrador.
Porém, todo o restante depoimento prestado afigurou-se pouco espontâneo, porventura até influenciado pelas perguntas, tais como até quando o autor foi “administrador de direito e de facto”, ou se foi gizada pelo autor a forma de contornar a impossibilidade de continuar como administrador de direito (através de contrato em comissão de serviço como diretor-geral), etc.
Mas não se localizou que se tivesse perguntado à testemunha as concretas funções desempenhadas pelo autor até 2014, enquanto administrador, e posteriormente, como diretor-geral.
Quanto ao do depoimento da testemunha EE, técnica superior da ré, nada de relevo se retira quanto à pretendida (pela recorrente) prova do facto, sendo que, de forma conclusiva, a testemunha parece admitir que com a nova administração da ré as funções do autor eram as mesmas (querendo com isso significar que continuou como administrador de facto); todavia, um pouco adiante parece também reconhecer que a partir da sua nomeação como diretor-geral o “poder” do autor era apresentar as melhores propostas ao CA, intuindo-se daí que não tinha o poder decisório que teria como administrador.
Mas também aqui ficou-se sem saber quais as concretas funções exercidas pelo autor até à sua nomeação como Diretor Geral e pós essa nomeação.
Ora, em função destes depoimentos, particularmente do de MM, não resulta, ou não se “impõe” no dizer da lei [artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil] resposta positiva ao facto em causa: é natural que dadas funções de responsabilidade assumidas pelo autor, enquanto diretor-geral da ré e até por ter sido anteriormente administrador, acompanhasse de perto, apoiasse e até assessorasse a administração nas variadas matérias; porém, não resulta que assumisse quaisquer funções de administrador, sendo nem sequer participava nas reuniões do CA, como a testemunha em referência enfatizou.
Tenha-se presente que nos termos da cláusula 2.º, n.º 2.2. do contrato de trabalho em comissão de serviço, o autor obrigou-se a «(…) executar todas as tarefas que se revelem necessárias à supervisão e coordenação geral da empresa e à implementação e concretização dos objectivos superiormente definidos (…)».
Inexiste, pois, fundamento para dar o facto como provado.
3.1.3. Quanto ao facto constante do n.º 59 das conclusões
A recorrente pretende que seja aditado o seguinte facto:
«Durante o seu período como diretor-geral, era o Autor quem continuava a administrar a empresa, tendo os elementos do órgão de administração total confiança nele e pouco conhecimento sobre o que nela se passava».
A resposta a este facto resulta já da fundamentação da resposta ao facto anterior: naturalmente que, como foi referido pela testemunha MM, o CA tinha grande confiança no diretor-geral, pois se assim não fosse não o teria contratado como tal; naturalmente também que para isso não terá sido indiferente o facto do autor ter sido anteriormente administrador da ré.
Ao autor competiria apresentar ao CA as melhores propostas/ soluções: porém, a decisão sobre as mesmas era do CA, pelo que não pode dar-se como provado o facto pretendido pela recorrente.
3.1.4. Quanto ao constante do n.º 60 das conclusões da recorrente
Pretende esta que seja eliminado o facto provado sob o n.º 8 e aditado um novo facto
Recorde-se que o facto que o n.º 8 é do seguinte teor:
«Nesse período o autor tinha isenção de horário, com a não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho».
E pretende a recorrente que se dê como provado que «Após a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de 18-03-2014, o Autor continuou sem receber qualquer retribuição específica por isenção de horário de trabalho, nem alguma vez a reclamou da Ré».
Porém, sem razão.
Como resulta da motivação da 1.ª instância, o facto n.º 8 baseia-se «no teor dos recibos de vencimento de Abril a Junho/2023, juntos com a PI, a fls. 27 a 30, bem como nos depoimentos de NN e de FF, sendo que por esta foi ainda esclarecido que enquanto o autor exerceu funções como director geral, apesar de laborar em regime de IHT, não recebia por isso qualquer contrapartida, isto é, a mesma nunca foi paga pela ré, o que motiva o ponto A)».
Ora, dos referidos recibos não resulta que ao autor tivesse sido paga qualquer quantia a título de isenção de horário de trabalho, e daí ter-se dado como não provado o que consta da alínea A) dos factos não provados.
Já quanto ao exercício de funções em regime de isenção de horário de trabalho ele resulta do clausulado do contrato de trabalho em comissão de serviço (cláusula 4.ª, n.º 2 – fls. 13 e 14 dos autos).
Nada, há, pois, a alterar sobre a matéria.
3.1.5. Quanto à conclusão n.º 62
Pretende a recorrente que se altere o facto provado sob o n.º 18.
Este facto tem o seguinte teor:
«Em maio/2023, o A. foi afastado de todas as reuniões na empresa, tanto gerais como setoriais, levadas a cabo pela administração e pelo novo responsável pela Direção da empresa, sem que lhe tenha sido comunicada a existência de uma nova Direção».
A recorrente pretende que o facto passe a ter a seguinte redação:
«A partir de maio de 2023, o A. deixou de estar presente nas reuniões da administração com o diretor-geral».
O facto foi dado como provado, de acordo com a motivação da 1.ª instância, com base na confissão da ré.
E o mesmo corresponde, no essencial, ao alegado no artigo 13.º da petição inicial.
No artigo 123.º da contestação, a ré alegou que por correio eletrónico de 3 de maio de 2023 o Presidente do CA informou o autor de que as suas funções “seriam designadas pelo Director Geral, quando designado”, remetendo par o documento 10 da p.i.
Ora, esse documento consta a fls. 26 dos autos em suporte físico, e surge na sequência de anteriores comunicações por correio eletrónico entre o autor e o Presidente do CA.
Nesse documento de fls. 26, em resposta a uma das questões colocadas pelo autor sobre quais as funções que passaria a exercer, afirma-se que «[a]s funções e tarefas serão definidas pelo Diretor Geral, quando designado».
Perante o descrito, conclui-se que o facto em causa se mostra conforme à prova produzida, inexistindo fundamento para a sua alteração.
3.1.6. Quanto à conclusão n.º 63
Pretende a recorrente que se altere o facto dado como provado sob o n.º 60
Este facto tem a seguinte redação:
«Ainda enquanto diretor geral, o autor foi para a sala onde estão instalados os servidores informáticos da R., aí permanecendo até 2023, porque se incompatibilizou com a trabalhadora com que partilhava a anterior sala, DD».
Pretende a recorrente que este facto passe a ter a seguinte redação:
«A partir de 02.05.2023, o A. apresentou-se ao serviço todos os dias, sem conteúdo funcional atribuído, permanecendo 8 horas na sua sala, não praticando isenção de horário de trabalho».
Mas também aqui sem razão.
O facto dado como provado – maxime quanto ao autor ter ido para a sala de informática – é um facto objetivo, que a própria recorrente reconhece; questão diferente é saber se o fez por iniciativa própria ou por imposição, mas tal não é objeto do facto.
Mantém-se, pois, o mesmo.
3.1.7. Quanto à conclusão n.º 64
Aqui pretende a recorrente que sejam dados como não provados os factos n.ºs 28 e 29, que têm a seguinte redação:
«28. A retirada sem qualquer justificação da viatura, do telemóvel, a imposição de horário fixo, sem isenção de horário de trabalho, a obrigação de permanecer durante 8 horas por dia sem quaisquer funções, bem como a redução da retribuição e a invocação da nulidade do contrato de trabalho afetaram a dignidade do autor, perturbaram-no, criaram-lhe um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador.
29. Aquele comportamento da ré afetou o bem-estar do autor e a sua reputação como anterior Presidente do Conselho de Administração da R. e Diretor Geral».
Quanto à motivação destes factos retira-se o seguinte da motivação da 1.ª instância:
«(…) relativos ao assédio tiveram em consideração o depoimento de FF, que definiu a situação como constrangedora, tendo o autor sido Administrador da ré e seu Director Geral, não lhe tendo sido atribuídas funções.
A ré não justificou (na deliberação do CA de 02.05.2023 e comunicação ao autor do Presidente do CA de 03.05.2023) a retirada ao autor da viatura, do cartão para abastecimento de combustível, do telemóvel e da IHT, sendo que quanto a esta, nem mesmo o justificou por confronto com a categoria profissional/carreira na qual resolveu integrar o autor. Na mesma linha, na sua contestação, a ré não coloca em causa que o autor tivesse direito à atribuição da viatura, do cartão para abastecimento de combustível, do telemóvel e que devesse laborar com IHT.
Ora, a retirada ao autor, sem qualquer justificação, da viatura, do telemóvel, a imposição de horário fixo, sem isenção de horário de trabalho, a obrigação de permanecer durante 8 horas por dia sem quaisquer funções, tendo o autor passado a receber menos do que recebia, rectius, consideravelmente menos, por inserido pela ré na categoria que assim entendeu, tendo por base parecer de advogado (vd. o doc. de fls. 231 v.º a 232 v.º junto pela ré sob a ref.ª 48327309, de 18.03.2024), e a invocação da nulidade do contrato de trabalho, tudo é objectivamente suceptível de ter por efeito afectar a dignidade do autor, de o perturbar, de lhe criar um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador
Note-se ainda que a retirada do veículo, cartão para combustível, telemóvel e da isenção de IHT, não se verificou com DD, que com a cessação do seu contrato de trabalho em comissão de serviço manteve o vencimento e o demais atribuído contratualmente, como confirmado por FF, o que também objectivamente evidencia a distinção do tratamento».
Ora, nada impede que 1.ª instância extraia ilações da matéria de facto, ou seja, que possa intuir desta a existência de outros factos enquanto decorrentes, em termos de normalidade, e com apoio nas regras da experiência comum.
Como se assinalou no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2006 (Proc. n.º 3228/05), disponível em www.dgsi.pt: «IV - É lícito às instâncias, lançando mão do mecanismo das presunções judiciais, extrair ilações da factualidade que foi dada como provada.
V - Tal mecanismo inspira-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica e nos próprios dados da intuição humana e traduz-se num juízo de valor formulado sobre os factos provados que se integra na matéria de facto».
Ou, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2024 (proc. n.º 1295/18.9T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), «As presunções judiciais inserem-se no contexto do apuramento da matéria de facto, e daí que os factos tidos por demonstrados à luz delas não podem, em sede de recurso de revista, ser objeto de escrutínio por parte do STJ, exceto se houver violação de norma legal impositiva em matéria de meios de prova, ou se padecerem de ilogicidade ou partirem de factos não provados.
A posição da jurisprudência neste Supremo Tribunal de Justiça é esmagadora no sentido de entender que as presunções judiciais, constituindo matéria de facto, são insindicáveis pelo STJ., ou seja, o único controlo que esta instância pode fazer é conferir se o iter percorrido para retirar a presunção judicial respeitou as regras legais do procedimento probatório, não violando normas legais impositivas, a existência de factos-base, admissibilidade (art. 351.º do CC), inexistência de ilogicidade ou arbitrariedade manifesta, ou se partirem de factos não provados ou de factos instrumentais não explicitados (nomeadamente, Acs. do STJ. de 2-11-2023, 31-102023, 4-7-2023, in http://www.dgsi.).
As presunções são essencialmente operações probatórias simples ou demonstrativas (João de Castro Mendes, O conceito de prova em processo civil, Lisboa: 719) que a lei define como sendo as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º CC).
Não sendo propriamente meios de prova, a sua inclusão no capítulo das provas justifica-se dada «a sua atinência à teoria das provas» (cfr. Prof.Vaz Serra, Provas, Direito Probatório Material, Lisboa».
No caso, para além do depoimento convocado na motivação da 1.ª instância, face às regras da experiência comum, é da própria natureza humana, é normal – diremos até que é lógico, que é uma ilação de facto a extrair –, que um trabalhador que foi administrador e, posteriormente, diretor-geral de uma empresa, se sinta afetado na sua dignidade, bem estar, reputação, etc., ao serem-lhe retiradas funções, equipamentos, etc., tal como descrito nos factos.
E o afirmado nesses factos em nada contradiz o que consta da alínea F) dos factos não provados, pois neste o que estava em causa era saber se por aqueles factos o autor teve que recorrer a apoio psiquiátrico para ultrapassar a situação, o que não se provou.
Por consequência, entende-se ser de manter o facto provado sob os n.ºs 28 e 29.
3.1.8. Quanto à conclusão 75
Pretende a recorrente que se dê como provado que DD era funcionária da ré desde 2003.
Trata-se de um facto totalmente inútil à decisão da causa (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil), pelo que não se justifica a sua inclusão na factualidade provada.
3.1.9. Quanto às conclusões da recorrente sob n.ºs 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, e 86 ondem constam factos que pretende ver aditados
Já se afirmou supra que estão em causa factos não articulados sobre os quais não resulta que tenha incidido discussão.
Para além disso, o essencial referente a tais factos já consta do n.º 67 da matéria de facto e até do n.º 60 (onde consta que o autor se incompatibilizou com DD).
Acresce, como se extrai dos depoimentos, e bem se dá nota na motivação da 1.ª instância,
ao aí se escrever que «[s]urpreende-se uma distinta visão estratégica e gestionário entre o autor e DD, como evidente animosidade que se estende também ás demais testemunhas arroladas pela ré e identificadas, ao ponto de maioritariamente afirmarem que cessarão funções caso o autor venha a ser reintegrado.
Relativamente a todas estas testemunhas, podendo eventualmente ter motivos referentes à conduta do autor, tais como atribuição de muito trabalho que alegadamente levou ao burnout de DD, com baixa médica durante cerca de um ano, afirmação de que esta não trabalhava porque não queria, falar em tom de voz elevado com alguns colegas, demonstrando hostilidade, medo do autor por parte dos chefes e chefias intermédias, falta de valorização/desconsideração de opiniões, imputando-lhe mesmo HH conduta de assédio moral, devido ao facto de a ter mantido como estagiária desde 2010 a 2017 até que por intervenção de um membro do CA deixou de o ser, certo é que não os expuseram à administração da ré, nem o autor foi alvo de processo disciplinar no âmbito do qual pudesse ter conhecimento de factos imputados e pudesse exercer o seu direito de defesa. Conforme reiteradamente referido por todas as testemunhas inquiridas, o autor tinha a confiança da administração da ré (até à que iniciou funções no quadriénio 2022-2025).
Neste preciso enquadramento, o que se logra provar é o constate do ponto 67, não restando dúvidas que a actual administração da ré não pretende que o autor desempenhe funções na empresa, o que se retira da sua conduta que conduziu à cessação do contrato de trabalho do autor, mas também da oposição que deduz á sua reintegração».
Mas mais: o que a recorrente pretende ver aditado ou não se afigura que a prova testemunhal seja suficiente para convencer o tribunal (como dar como provado, apenas com base naquela prova, que a trabalhadora esteve de baixa por “burnout”), ou não tem relevância para a decisão da causa (a forma como um trabalhador podia receber outros ou podia ter feito determinadas afirmações em relação a outro, como que se não trabalha é porque “não lhe apetecia”) ou ainda não passa de uma “manifestação de intenção”, sem relevância jurídica (como determinados trabalhadores não pretenderem continuar na ré se o autor regressar): não se dando nota nos autos que alguma vez estes trabalhadores tenham apresentado qualquer queixa à administração da ré referente a (alegados) comportamentos/atitudes do autor, esta “manifestação de intenção” de não continuar na empresa se o autor regressar só pode ser interpretada, no contexto em que foi produzida, de uma menor reflexão aquando do(s) depoimento(s), não podendo influenciar qualquer decisão do tribunal.
Com efeito, pergunta-se: não seria normal, dentro das regras da experiência comum, que alguém que tenha estado de baixa médica por “burnout”, devido a comportamento do autor, reportasse a situação ou alguns factos à empregadora? julga-se que sim; ou de alguém que, no exercício da sua atividade, se sentia “pressionado” por quaisquer comportamentos/atos do autor reportasse esses factos à ré? julga-se que sim, até porque, note-se, estão em causa trabalhadores com cargos superiores na ré; contudo, nada resulta dos autos nesse sentido, mas apenas em sede de depoimento a referida “manifestação de intenção”.
Aqui ficam, pois, os vários motivos por que se entende não aditar os pretendidos factos à matéria provada.
3.1.10. Quanto à conclusão n.º 101
Pretende a recorrente que se dê como não provado o facto n.º 68, que tem a seguinte redação:
«A ré não poderia ignorar que conforme nota interna de 30.05.2023, extinguindo a Direção de Planeamento Estratégico e Fundos, alterando o organigrama da empresa, bem como ao ter procedido a nova alteração em 15.11.2023, adotando também um manual de funções que impõe habilitações para o exercício do cargo de Diretor Técnico, tal influía ou poderia vir a influir na situação do autor».
Vale aqui, mutatis mutandis, o que se afirmou a propósito da análise dos factos 28 e 29.
Ao contrário do sustentado pela recorrente, tal factualidade não é “conclusiva”, no sentido de não poder ser levada à matéria de facto provado: o que está em causa é um juízo de facto, extraído a partir de outros factos, sendo o mesma permitido [neste sentido, veja-se Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 407), donde resulta que os juízos de valor sobre a matéria de facto, cuja emissão ou formulação se apoiam em simples critérios da pessoa comum, constituem matéria de facto; e Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 194) que escreve poderem ser objeto de prova tantos os factos do mundo exterior (factos externos), como os da vida psíquica (factos internos), tanto aos factos reais, como os factos hipotéticos, tanto os factos “nus e crus”, como os juízos de facto].
Neste enquadramento, a ré ao proceder à alteração da sua estrutura orgânica, designadamente à extinção da Direção de Planeamento Estratégico e Fundos, e ao impor determinadas habilitações para o exercício do cargo de diretor técnico, sendo o autor seu trabalhador há cerca de 9 anos e, por isso, conhecendo as suas funções e os seu currículo, não podia ignorar que tais alterações influíam ou podiam influir na situação do mesmo autor.
Improcede, pois, a pretendida eliminação do facto.
3.2. Em conclusão, quanto à impugnação da matéria de facto:
(i) adita-se à matéria de facto, sob o n.º 69, o seguinte facto:
«Por ofício n.º 004526, de 23-02-2010, o Município de ... informou o a Ré, na pessoa do presidente do seu conselho de administração, na altura o Autor, de que o seu pedido de requisição para continuação do exercício, pelo Autor, dessas funções, havia sido indeferido, porque: O trabalhador em 19.12.2008, foi autorizado a exercer funções de Administrador da AMBILITAL em regime de cedência especial; com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 e Lei n.º 59/2008, de 11.09, o mesmo transitou em 01.01.2019 para a situação de mobilidade externa “cedência de interesse público” nos termos do art.º 58.º da LVCR, o referenciado encontra-se cedido para exercer uma determinada função; o pedido de autorização para o exercício de nova função implicaria a cessação da referida mobilidade, o que pressupunha que o trabalhador tivesse de regressar à situação jurídico funcional de origem, não podendo haver lugar durante o prazo de 1 ano, a cedência de interesse público para o mesmo órgão ou serviço ou para a mesma entidade (n.º 9 do art.º 58.º da LVCR)»;
(ii) em tudo o mais, improcede a impugnação da matéria de facto.
4. Da nulidade do contrato celebrado entre o autor e a ré, em regime de comissão de serviço
Sobre esta problemática, retira-se das conclusões das alegações de recurso que a recorrente ancora a arguida nulidade, se bem se interpreta, por, em síntese, ter sido concedida a licença sem remuneração sem qualquer motivo de interesse público e apenas no interesse do recorrido.
Sobre esta problemática, extrai-se dos documentos juntos a fls. 276 e 277 dos autos, que tendo em vista concessão da licença em causa o Município de ... considerou que a situação era regulada pelo Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro), que no seu artigo 234.º não fazia depender a concessão de licença sem remuneração de requisitos especiais, com exceção do seu n.º 3, onde se encontravam situações específicas que podiam fundamentar a concessão de licença sem remuneração de longa duração por parte da entidade empregadora, mas onde não cabe a situação em causa.
Com efeito, no seu n.º 1, o referido artigo prescrevia que a «[a]entidade empregadora pública pode conceder ao trabalhador, a pedido deste, licenças sem remuneração».
E idêntico é o n.º 1 do artigo 280.º, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que substituiu aquela.
Como de modo assertivo se escreveu na sentença recorrida, «[o] uso do verbo poder (pode), como auxiliar, no n.º 1 do preceito transcrito, permite sem margem para dúvida concluir que o empregador público não está vinculado a deferir o pedido de licença sem remuneração que lhe seja apresentado pelo trabalhador.
Com efeito, em regra, é-lhe conferido um poder discricionário de deferir ou indeferir essa licença, o que deverá ser decidido segundo os critérios de conveniência, oportunidade e justiça, próprios da autoridade, com observância dos limites estabelecidos na lei.
A prossecução do interesse público não se reporta à razão de ser, á finalidade para a qual o trabalhador público requer a concessão da licença, pois essa finalidade, por regra, será privada, particular, pessoal do próprio, refere-se antes à constatação do não prejuízo da ausência do trabalhador para o serviço (nisto se traduz a conveniência de serviço). Nesta medida o trabalhador não tem de motivar/justificar a(s) razão(ões) porque requer a concessão da licença e a sua finalidade.
Na realidade, a lei apenas estabelece limites ao exercício desse poder, vinculando o empregador público, quando estejam em causa licenças sem remuneração de longa duração para frequência de cursos de formação ministrados sob responsabilidade de uma instituição de ensino ou de formação profissional ou no âmbito de programa específico aprovado por autoridade competente e executado sob o seu controlo pedagógico ou frequência de cursos ministrados em estabelecimento de ensino (n.º 2), em que o empregador público apenas pode recusar a concessão se verificada uma das situações enumeradas nas várias alíneas do n.º 3.
(…)
Ora, a concessão das primeiras depende sempre de um acto discricionário do empregador público, qualquer que seja a razão que as justifique, a das segundas, também, salvo se a finalidade for uma das enumeradas no n.º 2, caso em que a concessão apenas pode ser recusada com um dos fundamentos tipificados.
(…)
Ora, não tendo a decisão administrativa de justificar qualquer interesse público subjacente à concessão ao autor da licença sem retribuição e podendo a licença, por se tratar de longa duração, ser concedida por período temporal superior a 60 dias, inexiste o vício que pela ré é assacado a essa decisão».
A recorrente vem insistir na nulidade da concessão da licença, por falta de fundamentação, mas sem razão, pois como resulta do exposto está em causa um ato discricionário do empregador de concessão de licença sem remuneração.
Argumenta também a recorrente que força do disposto no artigo 58.º, n.º 2 da Lei do Orçamento de Estado de 2014, à ré estava vedado proceder à contratação do autor, daí concluindo pela nulidade do contrato em comissão de serviço.
Ora, ainda que o contrato fosse nulo com tal fundamento (cfr. artigo 122.º do Código do Trabalho), não teria as consequências extraídas pela recorrente.
Com efeito, deixando aquela norma do OE de vigorar em anos posteriores e, por consequência, cessando a nulidade do contrato, este considera-se convalidado desde o início da execução (artigo 125.º, do Código do Trabalho).
Como escreve Pedro Madeira de Brito, em anotação ao referido artigo (Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez, et alii, 2013, 9.ª Edição, Almedina. Pág. 331), «(…) o disposto neste artigo aplica-se quer à nulidade, quer à anulabilidade. Assim sendo, o contrato passa a válido logo que cesse a causa da invalidade, pois no contrato de trabalho não há que distinguir entre efeitos provisórios decorrentes da anulabilidade e nulidade, na medida em que o contrato produz efeitos enquanto está em execução em ambos os casos».
Por consequência, em 10-07-2023, quando a ré entregou ao autor a comunicação da nulidade do contrato em comissão de serviço e consequente relação laboral, ainda que, no entendimento da recorrente o contrato tivesse sido nulo face ao disposto no artigo 58, n.º 2 da Lei do OE/2014, há muito que o mesmo se tinha convalidado.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
5. Da fraude à lei
A recorrente alega, a este propósito e em síntese, que «a utilização da licença sem remuneração e subsequente contrato de trabalho em comissão de serviço consubstancia uma verdadeira fraude à lei, na medida em que, na aparência inócua da utilização desses meios da normalidade jurídica, as partes alcançaram um resultado legalmente proibido: prestação de trabalho em empresa local de trabalhador em funções públicos sem acordo de cedência de interesse público, furtando a prestação de trabalho do Recorrido na Recorrente ao regime mais flexível da cedência por interesse público» (conclusão 40).
Não se anui a esse entendimento.
Desde logo porque tal conclusão não tem qualquer arrimo na matéria de facto provada.
Além disso, estando em causa um contrato celebrado entre a ré – independentemente da sua diferente administração ao longo do tempo – e o autor, tal significa que a ré não podia ignorar o regime jurídico ao abrigo do qual se manteve e foi executado durante vários anos o contrato de trabalho; e, seguindo a linha interpretativa da recorrente, tendo havido um acordo de vontades entre as partes na celebração e execução do contrato, então, a haver fraude à lei, a ré teria sido coautora na conduta que conduziu a essa fraude.
Mas, como se disse, não se retira da matéria de facto que se possa configurar essa fraude à lei.
A circunstância de, eventualmente, o autor não poder continuar a exercer funções na ré ao abrigo de um regime de cedência de interesse público e, na sequência, ser concedida ao autor pelo Município de ... uma licença sem remuneração, com efeitos a 18-03-2014 e, com referência à mesma data, o autor ter celebrado um contrato em comissão de serviço com a ré, representa apenas uma conjugação de vontades entre os contraentes, dentro do princípio da liberdade contratual: a ré de receber a prestação da atividade do autor como diretor-geral, e este de prestar a atividade àquela mediante contrapartida remuneratória.
Ou seja, tendo o empregador público concedido uma licença sem retribuição ao autor (a pedido deste, que naturalmente nisso teria interesse), a celebração entre o recorrido e a recorrente, com referência à data do início daquela licença, de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para o exercício de funções de diretor-geral e manutenção do vínculo para lá do termo da comissão, mais não é do que a manifestação do princípio da liberdade contratual.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
6. Da renúncia à isenção de horário de trabalho
Nas conclusões 60 e 61 sustenta a recorrente que o recorrido renunciou tacitamente à retribuição por isenção de horário de trabalho.
A pretensão da recorrente nesta matéria prendia-se diretamente com a eliminação do facto dado como provado sob o n.º 8 da matéria de facto e o aditamento de um novo facto (cfr., supra, n.º 3.1.4.).
Não se tendo verificado tal pretensão, o que resulta da matéria de facto é que no contrato em comissão de serviço celebrado entre as partes ficou clausulado que o trabalhador exerceria as funções em regime de isenção de horário de trabalho (n.º 4) e que no período de agosto de 2021 até 30 de abril de 2023 tinha isenção de horário de trabalho (n.º 8), não resultando dos documentos juntos aos autos (recibos de vencimento) que ao autor tenha sido paga qualquer quantia a tal título (de resto, com a alegação em causa a própria ré reconhece/confessa não ter pago, a tal título, qualquer quantia ao autor.
O artigo 265.º, n.º 2, do Código do Trabalho permite que um trabalhador em cargo de direção – como era o autor – renuncie à retribuição por isenção de horário de trabalho.
É manifesto que o autor não renunciou expressamente a essa isenção.
Mas pergunta-se: terá renunciado tacitamente a essa isenção?
A nossa resposta só pode ser negativa.
Como se escreveu no acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 20-03-2014 (proc. n.º 1188/11.0TTVNG.P1.S1), «[a] declaração tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo, sendo certo, por outro lado, que a declaração há-‑de valer com o sentido que um declaratário razoável, normalmente esclarecido e diligente, colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria»; e como aí se concluiu, «[n]ão se configura renúncia tácita ao recebimento da retribuição especificamente devida pela isenção de horário de trabalho se da matéria de facto provada nenhum comportamento do trabalhador permite deduzir, com toda a probabilidade, expressão ou comunicação nesse sentido».
É o que se verifica no caso que nos ocupa: da matéria de facto não extraímos quaisquer elementos/comportamentos do autor que permitam concluir que renunciou tacitamente à retribuição por isenção de horário de trabalho.
Nesta sequência só nos resta concluir, também nesta parte, pela improcedência das conclusões das alegações de recurso.
7. Do assédio laboral
De uma forma pouco clara e objetiva, a recorrente parece pôr em causa a (sua) condenação por assédio.
É isso que se afigura resultar, nomeadamente, das conclusões 62 e segts que apresentou.
A pretendida revogação da condenação quanto a esta matéria era tributária da pretendida alteração da matéria de facto: não se tendo verificado esta, terá aquela que improceder.
Não obstante, sempre se acrescentam umas breves considerações sobre a matéria.
De acordo com o disposto no artigo 15.º do Código do Trabalho, o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva integridade física e moral.
No n.º 1 do artigo 29.º consagra-se a proibição da prática de assédio, prescrevendo-se no n.º 2 que se entende por assédio o “(…) comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
Como escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 2023, 22.ª Edição, Almedina, págs. 302-303), são os seguintes os traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
“a) Um comportamento (não um acto isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (Exº redução à inactividade e ao isolamento, sem razão objectiva);
b) Uma intenção de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro, tirando partido de algum factor seu de debilidade ou menor resistência (desde logo, a dependência económica e o receio do desemprego; mas também, em não poucos casos, uma especial vulnerabilidade psicológica ou mesmo física; ou até situações da vida privada cuja divulgação se receia), ou, no mínimo, a desconsideração de tal efeito [];
c) Uma relação de causalidade adequada entre esse comportamento e efeitos perturbadores, constrangedores, atentatórios da dignidade ou geradores de clima social negativo para o destinatário (ficando à margem todos os comportamentos integráveis em padrões de normalidade no contexto social concreto);
d) Um objectivo final ilícito ou eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (submissão total à vontade do assediante, penalização por actos legítimos da vítima, indução à resolução do contrato ou ao abandono do trabalho, aceitação de uma modificação negativa das condições de trabalho)”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2019 (Proc. n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), após se fazer uma extensa análise da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria, concluiu-se, na esteira dos acórdãos do mesmo tribunal de 03-12-2014 e de 09-05-2018 (Procs. n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1 e n.º 532/11.5TTSTRE.E1.S1, respetivamente, também disponíveis em www.dgsi.pt), que “[o] assédio moral implica comportamentos, real e manifestamente, humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências” e que “[a]pesar de o legislador ter (…) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável”.
Integram, pois, o conceito de assédio moral todos os comportamentos humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador que se prolonguem no tempo que tenham como intenção exercer pressão moral sobre o mesmo, com vista a um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável.
No caso em apreço, a matéria de facto, maxime a constante dos seus n.ºs 16, 17, 18, 19, 22, 25, 28 29 e 68 evidenciam esse comportamento assediante.
Por consequência, e não vindo concretamente impugnado o montante indemnizatório fixado, só resta concluir, também nesta parte, pela improcedência das conclusões das alegações de recurso.
8. Da oposição da ré/recorrente à reintegração do autor/recorrido
Relacionado com esta questão, alegou a recorrente, com eventual relevância, que a incompatibilização do autor com os (outros) trabalhadores da ré, bem como a “prática de assédio laboral” pelo mesmo, iria causar perturbação grave no funcionamento da empresa.
De acordo com o disposto no artigo 392.º, n.º 1, do Código do Trabalho, em caso de trabalhador que ocupe cargo de direção o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, não se aplica o referido n.º 1 quando o fundamento da oposição à reintegração for culposamente criado pelo empregador.
Como escrevia Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, pág. 824), o juiz só pode decidir pela não reintegração do trabalhador se, cumulativamente:
(i) se tratar de trabalhador de micro empresa ou desempenhar cargos de administração ou de direção;
(ii) o despedimento não tiver por fundamento um ato discriminatório;
(iii) tendo em conta as manifestações da figura do abuso do direito, o empregador não tiver culposamente criado o fundamento justificativo de tal direito;
(iv) a reintegração, segundo o juízo do julgador, for inconveniente para a prossecução da atividade empresarial.
De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2022 (proc. n.º 9062/20.3T8LSB.L1.S1), «[a] oposição à reintegração pelo empregador pressupõe a invocação do disposto no artigo 392.º do CT e a alegação e prova pelo empregador de factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa, não sendo suficiente a mera dificuldade em reverter a decisão ilicitamente tomada»; ou seja, não basta a existência de um mal-estar entre o trabalhador e o empregador, ou até entre aquele e outros trabalhadores, para que se possa concluir que o regresso é gravemente prejudicial a perturbador do funcionamento da empresa.
A sentença recorrida rejeitou a oposição à reintegração, determinando esta.
Para tanto desenvolveu a seguinte fundamentação:
«Vejamos então os fundamentos da oposição que se prendem com a estrutura organizativa e carreiras da ré: (ii) o cargo de director técnico superior já não existe na estrutura da ré; (ii) o autor não possui licenciatura, o qual é exigido pela ré para o exercício de cargo de direcção; (iii) actualmente apenas existe um posto de director técnico da ré, o qual se encontra ocupado pela trabalhadora DD.
Estes fundamentos da oposição à reintegração foram claramente culposamente criados pelo empregador.
Com efeito, a ré não poderia ignorar que conforme nota interna de 30.05.2023, extinguindo a Direcção de Planeamento Estratégico e Fundos, alterando o organigrama da empresa, bem como ao ter procedido a nova alteração em 15.11.2023, adoptando também um manual de funções que impõe habilitações para o exercício do cargo de Director Técnico, tal influía ou poderia vir a influir na situação do autor (68). Vejam-se todas estas alterações como provado sob os pontos 19, 31, 33, 52, 54, 59 e 62.
Invoca também a ré como fundamentos para a oposição que por todo o ocorrido com o seu contrato de trabalho em comissão de serviço existe uma falta de confiança total por parte da administração da ré no autor.
Diga-se que, não verificada a nulidade do contrato de trabalho, a alegada desconfiança da ré para com o autor tendo por base esse fundamento é puramente subjectiva e até mesmo de construção intrincada e laboriosa, assente em nulidades inexistentes e num conjunto de interpretações e conclusões que retira, no preciso enquadramento que narrou quanto ao percurso do autor desde 2006, imputando-lhe, em suma, o absoluto controlo da gestão da ré, sem massa critica por parte da administração, que dominou ao longo do tempo (até ao quadriénio 2022-2025), prosseguindo mesmo o seu interesse pessoal (tendo criado ou participado na criação em 2008 do cargo de director geral da ré, em 2008, cargo que nunca veio a ser preenchido e que veio a ocupar em 18.03.2014, pela celebração do CT em comissão de serviço, tendo tido a iniciativa de suscitar junto da CMG a cessação do acordo de cedência especial, tendo pedido e logrado obter junto desta edilidade licença sem vencimento de longa duração até 2030, tendo gizado ele próprio os termos do seu contrato de trabalho, salvaguardando-se, exercendo cumulativamente o cargo de secretário geral da AMAGRA, pelo qual foi remunerado, tendo mesmo extinta a comissão de serviço, permanecido de facto a desempenhar as funções de director geral em gestão corrente, tendo procurado, sem sucesso, um acordo de pré-reforma), contrariando os interesses da ré e prejudicando.
Entende ainda a ré que a situação de desconfiança é agravada através do presente litigio, em que o autor pretende manter-se a toda a força na empresa e evitar o seu regresso ao seu lugar de origem no Município de ....
A existência da presente acção, como de qualquer outra que tenha por fundamento despedimento ilícito, é sempre em si mesma susceptível de degradar as relações entre o trabalhador e o empregador, o que, ainda assim, não pode, sem mais, motivar e legitimar a oposição à reintegração. Por outro lado, caberá ponderar que a ré não logra ganho de causa, comprova-se mesmo a sua conduta de assédio moral com evidentes danos causados ao autor.
Por fim, a ré aduz como fundamento justificativo da oposição o facto de o autor enquanto exerceu funções como director geral se ter incompatibilizado por completo com pessoas com quem teria de trabalhar, situação que se agravou ao longo do tempo, pelo que o seu regresso á empresa em cargo de direcção tornaria absolutamente disfuncional a cadeia de comando e levar a conflitos do autor com colegas, deteriorando as relações na empresa.
Em nosso entender, os fundamentos da oposição necessariamente têm de ter relação com a razão do despedimento, sob pena do instituto da oposição à reintegração poder passar a prosseguir finalidade que não é aquela a que se destina, na medida em que, em rigor, assim se possibilitaria que o empregador se pudesse prevalecer de motivação/razões, que não foram aquelas que determinaram a cessação do contrato de trabalho. Tal significaria que a oposição fosse uma norma aberta, sem ligação, mesmo que remota, com as razões que estiveram subjacentes ao despedimento.
No caso resulta claro quais foram essas razões, a ré não pretendeu manter o autor ao seu serviço (…).
Por conseguinte, o conflito e incompatibilidade entre o autor e a trabalhadora DD, as relações do trabalhador com alguns dos outros trabalhadores da empregadora, eventualmente com violação do dever de urbanidade ou mesmo que pudesse integrar conduta de assediante ou mesmo assédio moral, tudo é irrelevante, na economia da presente acção, atento o fundamento (improcedente) de que a ré lançou mão para fazer cessar o contrato de trabalho».
Subscreve-se integralmente o entendimento da 1.ª instância.
O que perpassa dos autos é a procura pela ré de uma qualquer via que pudesse conduzir ao afastamento do trabalhador da empresa.
Assim é que celebrou um contrato em comissão de serviço com o autor, que foi executado durante cerca de sete anos (18-03-2014 a 19-08-2021), sem que se dê nota nos autos de quaisquer divergências ou conflitos entre as partes.
Após este último período a ré fez cessar o contrato em comissão de serviço, mantendo-se o trabalhador, tal como resultava daquele contrato, no quadro da empresa: e até 19-06-2023 o contrato vigorou, diremos ao menos aparentemente, sem problemas de maior.
Todavia, após tal data sucedem-se uma série de factos indiciadores de que a ré pretendia fazer cessar, por qualquer via, o contrato de trabalho com o autor.
Desde logo com a argumentação de factos referentes à celebração do contrato, e até anteriores, para concluir pela nulidade de um contrato que vigorava há cerca de nove anos (2014-2023); depois, alterando a organigrama da empresa e também alterando e adotando um manual de funções, que passou a impor determinadas habilitações – que sabia o autor não possuir – para o exercício do cargo de diretor técnico, atribuindo esse lugar de diretor técnico a um outro trabalhador.
Todos estes factos/comportamentos foram criados pela empregadora com o fim último de fazer cessar a relação de trabalho que mantinha com o trabalhador.
Já no âmbito da presente ação prova-se que entre o autor e alguns trabalhadores da ré houve alguns desentendimentos e incompatibilidades, nomeadamente com a trabalhadora que inicialmente substituiu o autor nas funções, afirmando alguns deles que não gostariam de voltar a trabalhar com o autor.
Ora, neste contexto, a não reintegração do trabalhador violaria os princípios da boa fé no exercício do direito, uma vez que, por uma via oblíqua, permitir-se-ia que a ré, através de comportamentos que adotou, tornasse impossível a prestação de serviço pelo autor, assim se violando o princípio constitucional da segurança no emprego.
Reconhece-se que a reintegração do autor poderá acarretar dificuldades na organização interna da ré: mas isso mais não é do que resultado de comportamentos da mesma, que conduziram a uma cessação ilícita do contrato de trabalho.
Improcedem, pois, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso de recurso.
9. Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respetivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Isto tendo em conta a ligeira alteração da matéria de facto não interfere com a decisão final.
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. Aditar à matéria de facto, sob o n.º 69, o facto supra descrito;
2. em tudo o mais, julgar improcedente o recurso interposto pela ré Ambilital, Investimentos Ambientais no Alentejo, E.I.M., e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela ré/recorrente.
Évora, 27 de fevereiro de 2025
João Luís Nunes (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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1. Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho, (2) Paula do Paço.↩︎